Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3773/12.4TJCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO À PENHORA
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
EMBARGOS DE EXECUTADO
Data do Acordão: 05/15/2018
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 6, 7, 193, 547, 590 CPC
Sumário:
Instaurada oposição à penhora, se os factos alegados mais se compaginarem com a oposição à execução, e se outros óbices que possam obviar a tal inexistirem, deve o juiz operar a conversão para a forma/meio processual idóneo, rectius, a oposição à execução – artºs 6º, 7º 193º, 547º e 590º do CPC.
Decisão Texto Integral:
7

Processo 3773/12.4TJCBR-A.C1
DECISÃO DO RELATOR NOS TERMOS DO ARTº 652º Nº1 AL. C) DO CPC
1.
C (…) e M (…), executados, deduziram oposição à penhora.

Pediram:
O levantamento da penhora de 1/3 do vencimento e a actualização/redução do valor da dívida e das despesas prováveis.

Invocaram o disposto nos artºs 735º nº3 e 784º nº1 al. a) do CPC.
Alegando, factualmente, em suma:
Efetuaram vários pagamentos parciais, que deverão ser deduzidos ao valor da quantia exequenda.
O auto de penhora não está correcto e a obrigação não é líquida, certa e exigível.

2.
Seguidamente foi proferida decisão:

«ao abrigo do disposto no art. 732, nº. 1, al. c), aplicável ex vi do artº. 785, nº. 2, ambos do NCPC:
- indefere-se liminarmente a presente oposição à penhora por ser manifestamente improcedente.»

3.
Inconformados recorreram os oponentes.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da Sentença que decidiu indeferir liminarmente os Embargos do Executado sobre a Oposição a Penhora.
2. Pelo que, o presente Recurso tem como objecto toda a matéria da Sentença Recorrida, e se impugna para todos os efeitos legais.
3. Os Executados/Oponentes instauraram Oposição à Penhora, alegando o Art.784º nº 1 al.a) do CPCivil, na qual invocaram o pagamento parcial da dívida, bem como da incerteza, inexigibilidade e iliquez da obrigação exequenda, pelo que requereram quer nos fundamentos, quer no pedido a actualização da dívida.
4. Veio a Sentença Recorrida reconhecer que os motivos alegados “dos pagamentos parciais da dívida exequente” e da “incerteza e inexigibilidade da obrigação exequenda(art.272 do CPC)”, são materialidade que deveria ter sido aduzida em sede de embargos à execução e não em sede de oposição à penhora,
5. Deste modo, verifica-se que a Sentença Recorrida ao considerar que os fundamentos aludidos devem ser analisados em sede de embargos de execução, e não na oposição à penhora, padecendo a Sentença recorrida de nulidade, uma vez que não foi corrigido o meio processual, correcção que é de conhecimento oficioso pelo juíz nos termos do Art.193 nº3, pelo que a Sentença padece de nulidade e viola o Art.193 nº3 do C.P.Civil e viola o Art.615º nº 1 al.d) do C.P.Civil, nulidade que se invoca com as demais consequências legais.
6. Atento o disposto no Art.785º nº2 do C.P.Civil refere que ao incidente de oposição à penhora se aplica com as necessárias adaptações o disposto nos nºs 1 e 3 do Art.732º,e atenta a al.b) se o fundamento não se ajustar aos disposto nos Arts. 729º a 731º ambos do C.P.Civil são os embargos liminarmente indeferidos, e tais normas não foram respeitadas pela Sentença recorrida,
7. Pelo que, atentos os fundamentos aduzidos pelos Executados na Oposição à Penhora se ajustam ao disposto nos Arts.729º a 731º do C.P.Civil, situação do Art.732 nº 1 al.b) aplicável ex vi do Art. 785º nº 2 ambos do C.P.Civil, e pelo que não deveria o Tribunal a quo indeferir liminarmente a Oposição à penhora, mas admitir os mesmos, efectuando a Convolação da oposição à penhora em Oposição à execução mediante Embargos, nos termos do Art. 193 nº 3 do CPCivil, razão pela qual deve a sentença recorrida ser revogada e o presente recurso ser julgado procedente por provado.
8. Por outro lado, os Executados não conseguem perceber qual as razões que levaram o tribunal a quo a indeferir a Oposição à Penhora nos termos do Art. 732º nº 1 al.c) do C.P.Civil, uma vez a mesma padece de falta de fundamentação para decidir nos termos do Art.732 nº1 al.c) “manifestamente improcedentes”, sem apresentar fundamentos,
9. verifica-se que a Sentença padece do vício de Falta de Fundamentação, nulidade prevista no Art.615 nº1 al.b)) do C.P.Civil, nulidade que se invoca com as demais consequências legais.
10. Deste modo, verifica-se que a Sentença ao ter indeferido liminarmente a Oposição à Penhora, não respeitou e violou o disposto no Art. 785 nº 2, bem como violou o Art. 732º al.b) do C.P.Civil, pelo que a Sentença padece do vício de nulidade prevista no Art.615º nº 1 al.d) do C.P.Civil.
11. Para além de que, a sentença ora recorrida reconhece que os fundamentos da oposição à Penhora deveriam ser analisados em sede de Oposição à Execução-Embargos, decidindo pelo indeferimento liminar da Oposição à penhora, pelo que a fundamentação encontra-se em contradição com a decisão, sendo a Sentença nula, nulidade prevista no Art.615º al.c) do C.P.Civil, nulidade que se invoca para todos os efeitos legais.
12. Para além de que, atento o disposto no Art.193º nº3 do C.P.Civil o erro na qualificação do meio processual é corrigido oficiosamente pelo juíz, determinando que sigam os termos processuais adequados, razão pela qual deve a Sentença ser revogada em conformidade e ser substituída por decisão de admissão e convolação da Oposição da Penhora à Oposição à Execução.
13. Ora no presente caso, a Sentença não deveria indeferir liminarmente a Oposição à Penhora, uma vez que os fundamentos invocados se encontram previstos no Art.729º als.e) e g) do C.P.Civil, pelo que deverá a Sentença proferida ser revogada, decidindo pela Convolação da Oposição à Penhora em Oposição à execução Deferimento dos Embargos/Oposição à Execução, nos termos do Art.193 nº3 do C.P.Civil.
14. De igual modo, face ao supra referido, a sentença Recorrida, viola os Arts. 193º nº 3, 729º nº 1 als. e) e g), Art.731 nº1 als. b) e c), 785º nº 2 todos do C.P.Civil, padecendo de nulidade prevista no Art.615º nº 1 als. b) , c) e d) do C.P.Civil.
15. Face ao exposto, considera-se que a Sentença recorrida faz uma interpretação inconstitucional ao Indeferir liminarmente a Oposição à penhora, uma vez que reconhece que os Executados apresentaram Oposição à penhora com fundamentos da Oposição à Execução, e que deveriam ter apresentado a Oposição à execução em vez da Oposição à penhora, considera-se que o Tribunal a quo viola o Art. 193 nº 3 do CPCivil ao não ter Convolado a Oposição à Penhora em Oposição à EXECUÇÃO, pelo que a Sentença violou o Direito Fundamental de Acesso ao Direito e aos tribunais previsto no Art. 20º da CRP, bem como violou os Arts. 2º nº 3, 3º,13º, 18º e 20º todos da CRP, INCONSTITUCIONALIDADE que se argui com as demais consequências legais.

3.
Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

Ilegalidade do despacho de indeferimento liminar.

4.
Apreciando.
4.1.
Como é consabido, pelo menos desde a reforma de 1995 que no processo civil se tem vindo a acentuar a prevalência do mérito, ie. da justiça material, sob a forma, ou seja, da decisão eivada ou apenas perspectivada em função de uma interpretação seca e dogmática das normas atinentes/pertinentes.
Na verdade, e como se alcança do teor do preâmbulo do DL. 329-A/95 de 12 de Dezembro, com a reforma introduzida por este diploma pretendeu-se que:
«O direito de acesso aos tribunais envolverá… a eliminação de todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de mérito…privilegiando-se assim claramente a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma».
Para este efeito:
«Ter-se-á de perspectivar o processo civil como um modelo de simplicidade e concisão, apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo e não como um esteriótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo».
Este entendimento, máxime na ótica dos poderes deveres do julgador, está presentemente plasmado em vários normativos legais, como sejam o artº 6º, 7º 193º, 547º e 590º do CPC os quais, e em resumo, conferem ao juiz poderes para providenciar pelo andamento regular e célere do processo e pelo apuramento da verdade tendente à justa composição do litígio.
Daqui decorre que o processo não dever ser perspectivado, e as suas normas interpretadas, de um modo absoluto e dogmático, mas antes plástica e atomisticamente, atentas as circunstancias de cada caso concreto e sempre com a interiorização dos fitos primordiais que se pretendem atingir com a legislação adjectiva, quais sejam a obtenção da justiça material, de preferência no mais curto lapso de tempo possível.
4.2.
No caso vertente a Srª Juíza decidiu alcandorada no seguinte discurso argumentativo:
«No que concerne aos fundamentos de oposição à execução (quereria dizer-se «penhora») dispõe o artº. 784, do Novo Código de Processo Civil, que: “Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;…
Ora, os dois motivos alegados pelos executados, aqui oponentes, a saber: “dos pagamentos parciais da dívida exequente” e “da incerteza e inexigibilidade da obrigação exequenda (cfr. artº. 272, do CPC”) integram-se no âmbito das matérias a alegar em sede de embargos à execução, não materializando os fundamentos para se apresentar oposição à penhora.
Isto porque os PAGAMENTOS Parciais e a Incerteza ou Inexigibilidade da Dívida exequenda são materialidade que deveria ter sido aduzida em sede de embargos à execução e não em sede de oposição à penhora.
A oposição à penhora deverá respeitar os fundamentos inseridos na norma antes citada, sob pena de ser manifestamente improcedente.
Deste modo, os dois fundamentos aduzidos pelos executados/oponentes, supra referidos, são manifestamente improcedentes, pois os pagamentos parciais e a incerteza e inexigibilidade da obrigação exequenda devem ser analisados em sede própria – de embargos à execução - e não se inserem em nenhum dos fundamentos de oposição à penhora.»
4.3.
Salvo sempre o devido respeito, que é muito, não se pode chancelar este entendimento.
Para além do já supra expendido releva aqui, particularmente, o disposto no artº 193º do CPC, rectius o seu nº3, invocado pelos recorrentes.
Tem ele a seguinte estatuição:
Erro na forma do processo ou no meio processual
1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
2 - Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.
3 - O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.
Este preceito corresponde ao anterior artº 199º.
Nele se aditou a parte final da sua epígrafe: «ou do meio processual», e o nº 3.
Por aqui se vê que o legislador de 2013 pretendeu alargar ainda mais os poderes do juiz para que a descoberta da verdade e a realização da justiça sejam consecutidas, sem que a tal possam obstar erros ou lapsos meramente formais de jaez unicamente processual, rectius a qualificação e enquadramento jurídicos de certa alegação e/ou pedido.
Pois que permitiu/impôs ao juiz a sua intervenção pedagógica e construtiva, não só relativamente ao erro mais grave que é o da escolha da forma do processo, como outrossim aos lapsos mais comezinhos como sejam a mera qualificação jurídica do meio processual utilizado.
É este o entendimento da hodierna jurisprudência.
Assim:
«Chamado um terceiro à intervenção principal, quando só podia ter sido chamado à intervenção acessória deve proceder-se oficiosamente à convolação para o incidente adequado.» - Ac. da RL 20/10/2016, p.5000/15.3T8LSB in dgsi.pt
«Por força do disposto no n.º 3 do artigo 193.º CPC, tem que se convolar a petição de embargos de executado em resposta à questão da fixação do prazo para a prestação do facto, prevista no n.º 1 do artigo 874.º CPC, corrigindo-se, por essa forma, o erro, quanto ao "meio processual utilizado", cometido pelo executado que, por aquela via, veio, sem apresentar qualquer fundamento de oposição à execução, pronunciar-se unicamente sobre essa fixação de prazo» - Ac. da RG 10/11/2016 p. 3711/14.0T8VNF-A.G1.
E, ainda, para um caso muito similar ao presente:
«É dever das partes e do tribunal, cooperar entre si na resolução do conflito de interesses subjacente à acção, vinculando-se reciprocamente, desdobrando-se, no tocante ao Tribunal, nos deveres de esclarecimento, de auxílio e de prevenção, entendido e tendo este por finalidade em evitar que o êxito de qualquer pretensão de qualquer das partes possa frustrar-se pelo uso inadequado do processo.
« Conquanto o requerimento apresentado pelo executado, não tenha sido autuado como Oposição à penhora, em razão do desacerto do executado, o Tribunal a quo deverá convolar o requerimento apresentado, num requerimento inicial de Oposição à penhora, impondo-se o seu tratamento jurídico como um incidente que corre por apenso à execução comum, dando satisfação ao prevenido na lei adjectiva civil que estabelece que o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz.» - Ac. da RP 18/9/2017 p. 3411/04.9TVPRT-C.P1.
O caso sub judice, na vertente da pretensão dos opoentes, está acobertado por este entendimento.
Na verdade, eles não alegam factos que, mesmo considerando, como a julgadora, que mais se compaginam com a oposição à penhora – o que, na consideração global da oposição não é líquido, já que factos alegados podem consubstanciar uma oposição à extensão quantitativa da penhora, o que se insere na al. a) do artº 784º -, tenham a virtualidade de, inelutavelmente, serem incompatíveis com a conversão para a forma/meio processual considerado idóneo.
Tudo, sob o manto e, até, a exigência, decorrente da hodierna teleologia adjectiva nuclearmente substanciada nos preceitos supra mencionados.
Destarte, se mais não houver – vg. extemporaneidade/intempestividade da oposição – que obste à conversão para oposição à execução ou à continuação, porventura na sequência de aperfeiçoamento do requerimento inicial, da presente oposição à penhora, deve este caminho ser trilhado, em detrimento do, radical, indeferimento liminar.

Procede, brevitatis causa, o recurso.

5.
Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.
Instaurada oposição à penhora, se os factos alegados mais se compaginarem com a oposição à execução, e se outros óbices que possam obviar a tal inexistirem, deve o juiz operar a conversão para a forma/meio processual idóneo, rectius, a oposição à execução – artºs 6º, 7º 193º, 547º e 590º do CPC.

6.
Decisão.
Termos em que se decide julgar o recurso procedente, revogar o despacho recorrido e, se mais impeditivo inexistir, ordenar o prosseguimento dos autos pela forma e qualificação tida por adequada, se necessário com convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial.

Custas recursivas pelas partes na proporção da final sucumbência.

Coimbra, 2018.05.15.

Carlos Moreira ( Relator )