Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
77/19.5T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CONCURSO DE MEDIADORES
REMUNERAÇÃO
Data do Acordão: 01/28/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - F.FOZ - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 2, 18 LEI Nº 15/2013 DE 8/2, 400 CC
Sumário: No caso de existir concorrência de atividade por parte de duas empresas mediadoras, que conduziu à realização da transação mediada, a comissão devida, prevista no artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, se nada tiver sido convencionado, deve ser repartida equitativamente por ambas as empresas – artigo 400.º do Código Civil –, de modo proporcionado à contribuição da atividade de cada uma para o êxito do contrato celebrado.
Decisão Texto Integral:










I. Relatório

A) O presente recurso respeita à decisão que julgou a presente ação improcedente, através da qual a recorrente pretendia (e pretende) obter a condenação da Ré nos seguintes pedidos:

- Pagar-lhe €3.690, a título de comissão pela mediação da venda dum imóvel, acrescida de juros legais desde a data da escritura até integral pagamento;

- Mais €1.500, a título de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados.

Tudo isto com base no facto de ambas exercerem a atividade de mediação imobiliária e de a recorrente ter tido em carteira uma cliente para aquisição de um imóvel e ter sabido que a ré tinha em carteira um imóvel com características que agradariam à sua cliente.

Daí que tenham acordado verbalmente que, caso se concretizasse o negócio de compra e venda, a Ré lhe pagaria quantia igual a 50% da comissão que recebesse pela mediação no negócio e, nessa sequência, lhe apresentou a sua cliente.

Alegou, por fim, que tendo-se concretizado o negócio de venda pelo preço de €120.000, a ré recebeu a quantia de €7.380 de comissão pela mediação, recusando pagar-lhe a comissão acordada.

A ré admitiu que a autora lhe apresentou a cliente, que a venda se realizou, mas negou qualquer acordo quanto à repartição da comissão e que, por isso, dada a intervenção da cada uma na concretização do negócio a autora não tem direito a mais que € 922,50.

A seu tempo procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, julgo a ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo a ré de tudo o peticionado.

Custas, incluindo as de parte, pela autora, nos termos do disposto nos artigos 527.º, n.os 1 e 2, do CPC, e 26.º do RCP».

B) E desta decisão que vem interposto recurso por parte da autora, cujas conclusões são as seguintes:

«a) A e R. celebraram um contrato verbal de mediação imobiliária em18 de Agosto de 2018;

b) No âmbito desse contrato a A. arranjou compradora para o imóvel que a R. se propunha vender; 

c) Nenhuma dúvida deve subsistir quanto à existência de uma parceria imobiliária entre A e R;

d) Contrato esse, que a própria R. admite e não põe minimamente em causa;

e) Limita-se, no entanto, a R a indicar que a actuação da A. não foi suficiente para que justificasse o pagamento de metade da comissão angariada;

f) Propunha-se, pois, a R. a pagar a A. a quantia de 750,00 € acrescida de IVA num total de 922,50€;

g) Pois bem, enquanto a A. tem a presunção legal, que lhe deve ser atribuída metade dessa comissão e a R. é que tinha o ónus de provar que não lhe devia tal quantia, propondo-se antes pagar a acima referida;

h) Acontece que a sentença do magistrado à quo deu como não provado a existência deste contrato verbal, contrato esse confirmado pelas próprias partes;

i) Ora, como é que se pode dar como não provado um facto que é

confessado pela própria R.???!!!

Termos em que e nos melhores de direito se R. a V.Exªs Srs. Juízes Desembargadores, a substituição da sentença em crise por douto acórdão desse Venerando Tribunal no qual se dê como procedente e provada a existência de uma parceria de mediação imobiliária e consequente pagamento à A., ora recorrente, de metade da comissão recebida pela R., ora recorrida, assim se fazendo inteira Justiça».

C) Não há contra-alegações.

II. Objeto do recurso.

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 – A primeira questão colocada no recurso respeita à impugnação da matéria de facto ([1]), porquanto a recorrente entende que deve ser declarado provado o facto declarado não provado na sentença, o qual tem esta redação:

«Que em 18 de agosto de 2018, autora e ré tenham celebrado verbalmente um acordo de parceria no qual delinearam que caso se concretizasse o negócio de compra e venda referido no ponto 6, dos factos provados, a autora fornecia a compradora e a ré o imóvel, a comissão seria dividida na proporção de 50%».

2 – Em segundo lugar, caso proceda a impugnação, cumpre verificar se a Recorrente tem direito a 50% da comissão que a Ré recorrida recebeu.

III. Fundamentação

A) Impugnação da matéria de facto.

Vejamos então se deve ser declarado provado o facto «Que em 18 de agosto de 2018, autora e ré tenham celebrado verbalmente um acordo de parceria no qual delinearam que caso se concretizasse o negócio de compra e venda referido no ponto 6, dos factos provados, a autora fornecia a compradora e a ré o imóvel, a comissão seria dividida na proporção de 50%».

Assiste razão à recorrente quando afirma que a Ré reconheceu a existência do contrato de mediação entre Autora e Ré, apenas discordando acerca da repartição entre ambas do montante da comissão, porquanto a Ré apenas entende que o volume de atividade que levou a cabo foi muito superior ao realizado pela Ré e por isso indicou uma quantia inferior a metade do valor da comissão como sendo a quantia justa considerando a atividade despendida pela Autora.

Com efeito, a Ré afirma no artigo 29 da contestação «De salientar que em tempo algum assumiu a R. nada pagar á A., tão só discorda da repartição por igual da comissão tendo em conta o trabalho desenvolvido por cada uma» e finaliza a contestação propondo-se pagar à Autora a quantia de EUR 922,50.

Face a esta posição da Ré tem de se considerar que aceitou na contestação a existência entre ambas de um contrato de mediação e, sendo assim, este facto encontra-se provado no processo por acordo.

Tal acordo estende-se também à data de 18 de agosto de 2018.

Não se estende, porém, à percentagem de 50%, pois nessa parte a Ré discordou.

Quanto à percentagem, o tribunal não pode formar uma convicção sobre o seu quantum, porquanto as respetivas conversas foram realizadas através do telefone e não há meios de prova que reflitam de algum modo o que foi combinado, se algo foi combinado a tal respeito.

A testemunha …) afirmou que foi combinada a repartição da comissão na proporção de 50% para cada empresa, mas esta afirmação tanto pode corresponder à realidade como não lhe corresponder e como a testemunha é funcionária da Autora, o vínculo de natureza laboral que liga a testemunha à Autora, coloca a possibilidade do seu depoimento estar influenciado por esta circunstância, pelo que sozinho, sem a corroboração de outros meios de prova ou das regras da experiência, não possui capacidade para formar a convicção do tribunal, sendo certo que não é de colocar de parte a hipótese de nem ter sido abordada a questão da repartição da comissão.

Por conseguinte, na ausência de outros meios de prova corroborativos do depoimento da testemunha, a convicção não se pode formar no sentido de ter sido acordada a percentagem de 50%, ficando esta parte factual na situação de «não provado».

Acrescentar-se-á aos factos provados o seguinte:

«3.A - Em 18 de agosto de 2018, autora e ré celebraram verbalmente um acordo no qual delinearam que a autora fornecia a compradora e a ré o imóvel».

B) 1. Matéria de facto – Factos provados 

1. Autora e ré dedicam-se profissionalmente à atividade de mediação imobiliária.

2. No mês de agosto de 2019, a autora tinha em carteira uma cliente de nome M (…), que a havia contratado no sentido desta lhe providenciar pela procura de um imóvel para comprar.

3. Mediante consultas realizadas por M (…), funcionária da autora, esta obteve conhecimento de que a ré detinha na sua carteira de imóveis um prédio urbano sito na (…), em (...) , que preenchia os requisitos de M (…)

3.A- Em 18 de agosto de 2018, autora e ré celebraram verbalmente um acordo no qual delinearam que a autora fornecia a compradora e a ré o imóvel.

4. M (…), funcionária da autora apresentou a A (…) funcionária da ré, M (…)  com vista a promover a venda a esta do imóvel que a ré tinha em carteira;

5. Na sequência de tal apresentação, em 21 de agosto de 2018, M (…), outorgou com M (…) e L (…)  proprietários do imóvel angariado pela ré, o contrato-promessa de compra e venda a fls. 8vso a 10, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

6. Em cumprimento de tal promessa, M (…), M (…) e L (…) vieram a outorgar, em 19 de setembro de 2018, a escritura pública de compra e venda a fls. 14vso a 16, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

7. A autora emitiu e remeteu à ré a fatura a fls. 16vso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com o n.º 101/0000073, datada de 20 de setembro de 2018, com vencimento nesse mesmo dia, no valor de €3.000, acrescidos de IVA, à taxa de 23%, referente à partilha da comissão pela mediação da venda realizada por via da escritura referida no ponto 6 dos factos provados;

8. A ré recebeu €6.000 de comissão, acrescidos de IVA à taxa de 23%, pela mediação da venda realizada por via da escritura referida no ponto 6 dos factos provados.

2. Matéria de facto – Factos não provados

Que a comissão seria dividida na proporção de 50%.

C) Apreciação da restante questão objeto do recurso

Vejamos então se a Autora recorrente terá direito a 50% da comissão que a Ré recorrida recebeu.

a) A Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, que estabelece o regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária, declara que «A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis – n.º 1 do seu artigo 2.º

Nesta linha, pode definir-se o contrato de mediação imobiliária como «…um contrato pelo qual uma pessoa se obriga a pagar a outra uma remuneração se estoutra lhe conseguir interessado para certo contrato e se a primeira vier a celebrar o desejado contrato com o contributo da atividade da segunda» - Higina Castelo. Contrato de Mediação, Almedina, 2104, pág. 12.

Não há dúvida, face aos factos provados 1 e 2, que entre a Autora e M (…)  foi celebrado um contrato de mediação

Nada mais se dirá sobre esta questão dado que as partes tratam consensualmente os factos dentro desta qualificação jurídica.

b) No caso concreto, verifica-se que depois de celebrado o contrato de mediação, a mediadora ora Autora estabeleceu contato com a mediadora Ré porque esta tinha angariado um prédio para vender que satisfazia os interesses habitacionais da cliente da Autora, a Sra. M (…)

Foi então que ambas as mediadoras acordaram no âmbito da concretização do negócio de compra e venda em que a Sra. M (…) estava interessada que a autora «fornecia» a compradora, a Sra. M (…) e a ré contribuía com a apresentação do imóvel e seus proprietários, que a referida senhora estava interessada em adquirir (Cfr. facto provado «3.A»).

Na sequência deste acordo entre ambas as mediadoras, a Ré entrou em contato com a cliente da Autora e promoveu (apenas a Ré), entre esta última e os seus clientes, os donos do imóvel, a celebração e um contrato-promessa e, um mês depois, o contrato definitivo de compra e venda do imóvel, no qual foi declarado, como se vê pelo seu teor, que a transação tinha sido intermediada apenas pela Ré, omitindo-se a intervenção da Autora.

Temos aqui a intervenção de duas empresas mediadoras na concretização do mesmo negócio de compra e venda do imóvel em questão.

Verifica-se que a intervenção de ambas as mediadoras foi causal para a concretização do negócio, pois a compradora foi cliente da Autora e a Autora fez as diligências até encontrar o vendedor que veio a vender o imóvel, sucedendo que após a apresentação da interessada compradora aos interessados vendedores foi a Ré mediadora que promoveu as diligências necessárias á concretização do negócio.

Existiu aqui, por conseguinte, uma concorrência de esforços, de atividade específica entre duas mediadoras na concretização de um único contrato de compra e venda de imóvel.

Como distribuir a remuneração devida pela mediação?

A Lei n.º 15/2013 regula no seu artigo 19.º  a remuneração da empresa referindo como regra que «A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra» - seu n.º 1 -, mas não regula caos como o presente em que há concorrência de atividade de duas mediadoras casual para o sucesso do contrato visado pela atividade de mediação.

Se nada tiver sido estipulado entre as mediadoras ou se não resultar provado, em caso de litígio, o modo de repartição da comissão, cumpre lançar mão do disposto no n.º 1 do artigo 400.º do Código Civil, onde se prescreve que «A determinação da prestação pode ser confiada a uma ou outra das partes ou a terceiro; em qualquer dos casos deve ser feita segundo juízos de equidade, se outros critérios não tiverem sido estipulados».

A solução natural será a divisão em partes iguais se não existirem motivos para distinguir a atividade de cada empresa e valorizar mais uma que outra.

Neste sentido pronunciou-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16 de outubro de 2007, no processo n.º 408/05.5TBCTB.C1 (Jorge Arcanjo), «4. A lei não prevê expressamente o concurso de mediadores, devendo entender-se que, uma vez concluído o negócio com a intermediação de mais de um mediador, a remuneração será paga a todos e em partes iguais, salvo convenção em contrário» ([2]), bem como Fernando Batista de Oliveira quando refere que «…não prevendo a lei o “concurso de mediadores”, a melhor solução, nesta situação de intervenção/participação de vários mediadores para a conclusão do negócio visado, parece ser a “salomónica”, de remunerar todos eles em partes iguais. A não ser, é claro, que tenha sido convencionada outra forma de remuneração» ([3]).

O princípio da igualdade conduz a esta solução.

Mas tal princípio também deve orientar uma divisão diversa, se o caso o justificar, pois, como referiu Claus-Wilhelm Canaris,   o «…reconhecido postulado da justiça, de tratar o igual de modo igual e o diferente de forma diferente, de acordo com a medida da sua diferença: tanto o legislador como o juiz estão adstritos a retomar “consequentemente” os valores encontrados, “pensando-os, até ao fim”, em todas as suas consequências singulares e afastando-os  apenas justificadamente, isto é, por razões materiais – ou, por outras palavras: estão adstritos a proceder com adequação» ([4]).

E é o caso.

Com efeito, por um lado, não resultou provada a alegação da Ré no sentido de ter sido acordada uma repartição pela metade e, por outro, verifica-se, face aos factos provados, e sublinha-se face aos factos provados porque a realidade histórica poderá não corresponder exatamente ao que resultou provado, que a atividade de cada uma das mediadoras não foi a mesma em qualidade e dispêndio de atividade.

Assim, face aos factos provados, a Autora estabeleceu contacto e contrato de mediação com a compradora, indagou no sentido de encontrar um imóvel que correspondesse ao seu interesse aquisitivo, encontrou esse imóvel publicitado pela Ré na internet, promoveu o contacto entre a compradora e a Ré e nada mais fez, esperando apenas a concretização do negócio.

Aparentemente, isto podia ter sido feito sem se sair da secretária ou das quatro paredes de um escritório.

Não se pretende dizer que foi isto que aconteceu, pois os factos provados não consentem tal afirmação, quer-se apenas dizer que a atividade da Autora em abstrato, mostrada pelos factos provados, é compatível com um dispêndio de atividade pouco complexa e morosa.

Da parte da Ré, verifica-se que esta descreveu na contestação uma série de ações que foi necessário realizar, como obtenção de um financiamento a favor da compradora, cliente da Autora, mas tal matéria não passou para a matéria de facto.

Verifica-se, porém, que foi a Ré quem promoveu a realização e um contrato-promessa entre compradora e vendedores, bem como a realização da escritura pública de compra e venda cerca de um mês depois, o que indicia que não foi possível partir logo para a realização do contrato definitivo e que terá existido algum tipo de negociação entre compradora e vendedores.

Considera-se também que esta atividade da Ré assumiu, quando comparada com a da Autora, maior complexidade e, sem dúvida, geradora de maior responsabilidade perante a compradora e os vendedores, por ser necessário observar deveres de cuidado adequados a garantir que nenhum dos outorgantes viesse a ser prejudicado de algum modo.

Tais deveres existem, como resulta do n.º 1 do artigo 17.º da mencionada Lei n.º 15/2013, onde se dispõe que «1 - A empresa de mediação é obrigada a:

a) Certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover;

b) Certificar-se da correspondência entre as características do imóvel objeto do contrato de mediação e as fornecidas pelos clientes;

c) Propor aos destinatários os negócios de que for encarregada, fazendo uso da maior exatidão e clareza quanto às características, preço e condições de pagamento do imóvel em causa, de modo a não os induzir em erro;

d) Comunicar imediatamente aos destinatários qualquer facto que possa pôr em causa a concretização do negócio visado».

Face ao exposto, é de concluir que existindo concorrência de atividade por parte de duas empresas mediadoras, que conduziu à realização da transação mediada, a comissão devida, se nada tiver sido convencionado, deve ser repartida por ambas as empresas de modo proporcionado à contribuição da atividade de cada uma para o êxito do contrato celebrado.

No caso, pelo que fica ponderado, afigura-se proporcionado ao caso fixar a repartição da comissão já recebida pela Ré nos seguintes termos: 65% para a Ré e 35% para a Autora.

Como a Ré admitiu ser devedora de 750,00 euros, mais IVA, esta quantia já era líquida na altura em que a Ré recebeu a comissão.

Não assim quanto ao resto; quanto ao resto os juros só são devidos desde esta sentença porque estamos perante um caso de responsabilidade contratual e o crédito da Autora nesta parte só neste momento foi tornado líquido.

Com efeito, nos termos do n.º 3 (1.ª parte) do artigo 805.º do Código Civil, «Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número».

Como se referiu no Acórdão do STJ de 09-12-1993, no processo identificado como 084240 (Raúl Mateus), «No caso de responsabilidade contratual, a iliquidez do crédito impede que o devedor, com a mera citação, caia em mora, não podendo o credor, a partir de então, exigir daquele o pagamento dos juros de mora, pois esta só existe quando o crédito se tornar líquido».

Por outro lado, o devedor só fica a saber quanto deve quando for notificado da presente decisão e, por isso, só é devedor dos juros a partir do dia seguinte, inclusive.

Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da relação do Porto de 20-1-2003, proferido no processo identificado com o n.º 0251027 (Fernandes do Vale), «No caso de crédito ilíquido, os juros de mora apenas são devidos a contar da data da notificação ao devedor da decisão que tornou o crédito líquido»

Procede, nesta medida, o recurso.

Quanto a custas, a Ré perde em relação aos 750,00 euros que logo admitiu na contestação dever à Autora. Ficando em jogo 2.250,00 euros (o que vai de 750,00 euros aos 3000,00 pedidos), a Autora obteve ganho em relação a mais 1.350,00 euros, e a Autora decaiu em mais 900,00 euros.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, revoga-se a sentença recorrida e condena-se a Ré a pagar à Autora trinta e cinco por cento da comissão por aquela já recebida, mais o IVA correspondente, acrescida de juros legais desde a data do recebimento da comissão em relação à quantia de setecentos e cinquenta euros, acrescida do IVA, e desde a data da presente decisão quanto ao resto.

Custas da ação e do recurso na proporção de 45% para a Autora e 55% para a Ré.


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Coimbra, 28 de janeiro de 2020

Alberto Ruço ( Relator )

Vítor Amaral

Luís Cravo



[1] Solicita-se, para futuro maior clareza na impugnação da matéria de facto, começando por afirmar que se impugna a matéria de facto, seguindo-se a indicação do facto impugnado e do facto que se pretende ver declarado provado ou não provado, consoante o caso, e respetivas razões.
[2] Consultável em www.dgsi.pt, bem como os restantes que serão citados mais à frente.
[3] Manual de Mediação Imobiliária, Almedina, 2019, pág. 375.

[4] Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito.  Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, pág. 18.