Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
113/09.3GBFVN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 05/18/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE FIGUEIRÓ DOS VINHOS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 374º, DO C. PROC. PENAL
Sumário: O dever de fundamentação de uma sentença exige a enunciação como provados ou não provados de todos os factos relevantes para a:
- imputação penal;
- determinação da sanção;
- responsabilidade civil,
constantes da acusação ou pronúncia e do pedido de indemnização civil e das respectivas contestações, incluindo os factos não provados da contestação, importando, pois, saber se o tribunal recorrido apreciou ou não TODA a matéria relevante da contestação.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

1. No processo n.º 113/09.3GBFVN, do Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos, por sentença datada de 20 de Dezembro de 2010, foi decidido, quanto ao arguido:
HC..., residente na Rua …,
- CONDENÁ-LO:
· na pena de prisão de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses (ou seja vinte e nove meses), pela prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código Penal; e
· na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses (ou seja dezoito meses), pela prática do crime de maus tratos, previsto e punido pelo artigo 152º A, n.º 1, al a), do Código Penal;
· em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º do Código Penal, na pena única de 3 (três) anos de prisão (ou seja trinta e seis meses) de prisão, suspendendo-se esta pena de prisão por um período de três anos (ou seja, trinta e seis meses), nos termos no n.º 5 do art. 50º do Código Penal.
- CONDENÁ-LO
· no pedido de indemnização civil deduzido pela demandante CA..., ou seja, ao pagamento àquela da quantia de € 2.000,00 (dois mil Euros), acrescida de juros até efectivo e integral pagamento.

2. O arguido veio recorrer de tal sentença, concluindo assim:
«1- O Recorrente apresentou contestação criminal na qual carreou para os autos factos de que o tribunal deveria ter tomado conhecimento porque de relevo para a defesa do mesmo e para a decisão da causa, quais fossem os factos constantes dos pontos 7 a 19 daquele articulado acima transcritos e apresentou prova quanto aos mesmos.
2- A douta sentença recorrida, não deu como provados, ou não provados aqueles factos constantes da contestação, para além dos factos que elenca como provados, onde aqueles não se incluem, a douta sentença recorrida, faz a breve e concisa referência de que “com interesse para o caso em apreço, não se provaram outros factos”.
3- Ao não dar como provados, ou não provados aqueles factos da contestação, o tribunal a quo não deu cumprimento ao art° 374° n° 2 do C.P.P., e mais absteve-se de conhecer sobre questões de que devia conhecer, omissão de pronúncia que é violadora também do art° 379º, n° 1 al. a) do C.P.P., o que demanda que a sentença sob recurso esteja ferida de nulidade.
4- Foram incorrectamente julgados provados os seguintes pontos da matéria de facto que, deveriam ter sido dados por não provados que ordenamos da seguinte forma:
2- Desde data não concretamente apurada, que o relacionamento entre o arguido e
CA... se degradou, passando, sem que nada o fizesse prever, o arguido, na casa onde residiam, sita na Rua …, a discutir e a desferir-lhe vários golpes com as mãos.
3- Fruto desta conduta, no dia … de 2009, cerca das 06.00h, junto da residência do casal, na sequência de uma discussão entre o casal a propósito da utilização do veículo automóvel, o arguido desferiu uma bofetada na face de CA..., que se encontrava ao volante do mencionado veículo.
4- Após o que, o arguido puxou CA... do interior do veículo e retirou-a para o exterior.
5- Acto contínuo, empurrou CA... contra o muro ali existente, apontando-lhe uma faca, de tamanho e material não concretamente apurados, de que se havia munido previamente.
6- Quando, no local, surge MB... e, de seguida, DC..., filhos do arguido e de CA..., tendo este último nascido a 12 de Setembro de 1993.
7- De seguida, o arguido, sem que nada o fizesse prever, deu um empurrão a DC..., que tombou ao solo, não tendo sido possível apurar as consequências da agressão.
8- O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente com o propósito de molestar CA... e DC..., respectivamente, sua mulher e seu filho, sem qualquer justificação válida para tanto.
9- Desta forma, desvalorizando a sua mulher enquanto tal, actuando alheio aos seus deveres, sabendo que estava obrigado a respeitar a ofendida, com quem era casado, o que representou e conseguiu.
10- Com a conduta supra descrita, o arguido violou grosseiramente o dever de protecção ao seu filho menor de idade, enquanto pai, responsável pelo seu cuidado e guarda, não atendendo, desta forma aos interesses deste, abusando da sua natural ascendência física enquanto homem.
11- O arguido sabia que as condutas supra descritas eram proibidas e punidas pela lei penal.
12- Devido à conduta do arguido contra a ofendida, esta andou nos dias seguintes sobressaltada e agitada psicologicamente.
13- Sentiu-se igualmente vexada, deprimida, triste e abatida.
5- O TRIBUNAL A QUO, assentou os factos dados como provados tão só nos depoimentos dos QUEIXOSOS e OFENDIDOS e de uma única Testemunha com 9 anos e 3 meses à data dos factos — que é Filha da QUEIXOSA e do ARGUIDO e IRMÃ do ofendido DC...e com base nas regras da experiência comum.
6- Aqueles DEPOIMENTOS, são contraditórios entre si, são inverosímeis e incongruentes em trechos absolutamente determinantes para o decidido pelo TRIBUNAL quanto a matéria de Facto e mais são ilógicos e ofensivos das regras da experiência e do senso comum e fundamentalmente da razoabilidade, o que o JULGADOR olvidou por modo que não se pode, a nosso ver sufragar e aceitar.
7- Dos depoimentos da testemunhas, CA... gravado em CD no dia 4 de Outubro de 2010 pelas 11.12h, DC..., gravado em CD no dia 19.10.2010 às 9h 58 m, MB... gravado em Cd no dia 4.10.2010 às 11h 58m, resultam contradições que o tribunal a quo não valorou e que demandariam a não prova dos factos acima enunciados.
8- O depoimento de CA... demonstra que esta fez uma espera ao marido às 5h 30m, a fim de conseguir que este não levasse o carro para o trabalho, o que conseguiu, atitude que é incompatível com alguém que tem medo do marido e seria alegadamente vítima de violência doméstica.
9- Diz que se fez acompanhar da sua filha, com 9 anos à data, às 5h e 30 m da manhã em plena época escolar, ainda noite com frio, contrariamente ao que a criança afirma, que diz que com várias hesitações que foi ter com a mãe quando esta já estava na rua dentro do carro.
10- A Ofendida diz não ter visto qualquer faca, nem a o Recorrente a empunhá-la o que não é compatível com as regras da experiência comum.
11- Não apresentou lesões, diz que o pai empurrou o filho entretanto surgido no local, que aquele empurrou este que caiu, desmaiou e levantou-se.
12- O Filho por sua vez, também não apresenta lesões, diz que viu a mãe ser agarrada pelo pescoço pelo pai — facto que a queixosa nunca referiu.
13- Diz que apareceu no local e não viu o início, não justifica o seu aparecimento no local à aquela hora espontaneamente só quando posteriormente questionado.
14- A própria ofendida disse não ter medo do marido “assim medo, medo, acho que não”.
15- Quanto ao depoimento da filha de 9 anos, ressalta que esta vinha instruída para responder de forma pré-determinada, tanto que responde à matéria da acusação numa primeira resposta, seguida sem interrupções.
16- Reforçando depois, em resposta induzida, o que se lamenta ouvir de uma criança, mas que só se compreende perante quem está sob ascendência da mãe e impedida de conviver com o pai por esta, que disse ao pai “seu filho da puta não matas a minha mãe”.
17- São pois, aquelas afirmações, nomeadamente dos filhos do Recorrente, com quem não falam há 4 anos, a evidência da lamentável manipulação de que foram alvo para virem a tribunal testemunhar sobre algo, que o Recorrente não fez depoimentos que, nestes termos, foram erradamente valorados pelo Tribunal a quo.
18- Os factos acima enunciados sempre haveriam de dar-se por não provados, atentos os depoimentos de FG..., gravado em CD no dia 23.11.2010 às 16h e 21m e PH...gravado em CD no dia 14.12.2010 pelas 9h39m, que afirmaram ter presenciado o que se passou entre o casal, desmentindo a versão dos ofendidos, que depuseram com isenção, como resulta da audição dos seus depoimentos que com vénia se pede a esse alto Tribunal a respectiva audição.
19- O Tribunal ao apreciar os depoimentos de todos os acima referidos, violou o princípio da livre valoração da prova e livre convicção do julgador. Art° 127° do C.P.P., PORQUANTO, o disposto neste artigo deve ter-se por observado quando a convicção a que o tribunal chegou se mostra objecto de um processo lógico e coerente de valoração com motivação bastante, sem qualquer rasgo de arbítrio na apreciação da prova.
20- Ora o Tribunal a quo valorou apenas a matéria da acusação, não deu relevo aos factos alegados pelo Recorrente na contestação, pelo que, perfilou a tese da acusação, dando total descrédito até às testemunhas de defesa acima referidas que depuseram em coerência com o depoimento do Recorrente gravado em CD, no dia 4.10.2010 pelas 10h e l0m, e que todos demonstram uma versão diametralmente oposta à da ofendida, sem que se concretizasse a razão de tal descrédito ou dando-o por referência a situações que são absolutamente compreensíveis á luz das regras da experiência comum e que em nada enfermam a razão de ciência e o conhecimento dos factos pelas testemunhas de defesa tal como os relataram, que justificaram os motivos pelos quais se encontravam no local, o dia e hora em causa, descreveram o que estavam a fazer e o que observaram, negando que o Recorrente tenha agredido a esposa ou o filho, embora relativamente a este e tal como o Recorrente reconheceu, afirmem que lhe deu um encontrão porque o filho o havia agarrado e apertado no pescoço, o que fez para se libertar.
21- Versão do Recorrente que é também embora indirectamente, corroborada pela testemunha NN..., depoimento gravado em 14.12.2010, pelas 10h 50m. que deu a conhecer ao Tribunal a forma desprezível como a ofendida se reportava ao marido, factos estes alegados na contestação que o Tribunal não apreciou e que tinham interesse para a defesa deste e para a concretização de um processo justo e equitativo, o que não sucedeu.
22- Depoimentos aqueles, todos, que demandavam que os factos descritos na conclusão 4 supra fossem dados por não provados e o Recorrente fosse absolvido da matéria crime e cível.
23- Não obstante, estando o Tribunal a quo colocado perante contradições na prova da acusação e perante duas versões distintas dos mesmos factos, as da acusação e da defesa, que foram presenciados por terceiros, que não os próprios interessados nos autos (mulher, marido e filhos), deveria quanto muito fazer operar o princípio do in dubio pro reo que decorre do art° 32° n° 2 da CRP, e que estabelece que na decisão sobre factos incertos a dúvida favorece o arguido princípio que a douta sentença recorrida violou.
24- O Recorrente por não ter praticado os Factos erradamente dados como provados, sempre haverá de ser absolvido quer quanto à parte criminal quer quanto à parte cível, sendo certo que, a prova à matéria cível assentou tão só no depoimento da ofendida e FILHOS e não resulta claro que já não padecesse dos males que refere antes da ocorrência dos factos que todavia, por não haverem sucedido como descritos na sentença recorrida, nenhum dano haveriam de causar à Recorrida, pelo que a sentença recorrida violou o disposto nos art°s 483°, 496°, nos 1 e 3, e 562° do CC.
25- Ainda que verdadeiros fossem os factos dados provados supra enunciados, o que não se concede e por mera cautela se invoca ainda assim, os mesmos, no nosso entender e no seguimento de jurisprudência recente, não SÃO SUFICIENTES para poderem subsumir-se às normas típicas pelas quais o Recorrente foi condenado.
26- O arguido foi condenado pela prática de 1 crime de violência doméstica praticado na pessoa de CA... p.p. pelo art° 152° n° s 1 al. a), e pela prática de um crime de maus tratos na pessoa do DC.., p.p. pelo art° 152° - A, n°s 1, al. a) do C.P.
27- Nesta matéria do art° 152° do C. Penal, versão dada pela lei n° 59/2007, aquele, segundo a posição da jurisprudência, tutela a protecção da saúde, bem jurídico que abrange a saúde física, psíquica, mental, o qual pode ser ofendido por toda a multiplicidade de comportamentos que afectam dignidade da vítima.
28- Considera-se que não é suficiente qualquer ofensa à saúde, física, da psíquica, emocional ou moral da vítima para preenchimento do tipo legal, entendendo-se que com a inserção na nova lei no n°1 (de modo reiterado ou não) quer-se referir a prática reiterada de actos ofensivos consubstanciadores de maus tratos, ou, então, um único acto ofensivo de tal intensidade, ao nível de desvalor, da acção e do resultado, que seja apto e bastante a lesar o bem jurídico protegido - mediante ofensa da saúde psíquica, emocional ou moral, de modo incompatível com a dignidade da pessoa humana (...).
29- No caso dos presentes autos, a ser verdadeira a acusação, o que não se aceita, os actos descritos nela não são aptos e suficientes para suportar a lesão do bem jurídico protegido naquela norma, veja-se o resultado: não são referidas lesões ou consequências das supostas agressões e tudo se teria passado, a ser verdade, num único acto contínuo, passado em minutos de um dia, traduzindo-se em puxões e empurrões.
30- Pelo que, quer quanto ao crime de violência doméstica, quer quanto ao crime de maus tratos, não se mostram suficientemente preenchidos, com os factos dados como provados e elencados supra, os elementos objectivos e subjectivos do crime, porquanto, não existiu violação do bem jurídico protegido por aquelas normas (art°s 152° n° 1 ai. a) e 152° -A, n° 1 ai. a ofensa da saúde psíquica, emocional ou moral, de modo incompatível com a dignidade da pessoa humana” ou tratamento cruel.
31- Pelo que a sentença padece do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, constante da al. a) do art° 410°, n° 2 do C.P.P..
32- Do texto da decisão recorrida, afere-se que o Tribunal a quo, com o devido respeito, não fez uma criteriosa e rigorosa apreciação da prova, pois, ao longo daquela sentença, verificam-se três alusões em si mesmas incompatíveis quanto ao instrumento (faca) supostamente utilizado pelo Recorrente.
33- Assim, o tribunal deu por provado tal qual como na acusação:
Facto 4 acima enunciado: “apontando-lhe uma faca, de tamanho e material não concretamente apurados”.
34- A página 5 da sentença sob recurso o tribunal a quo, com referência ao relato da queixosa, que diz não ter visto a faca, note-se, faz-se referência a uma faca de matar porcos, instrumento do seu trabalho no matadouro.
35- Para mais adiante, quanto à FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO, página 13 da SENTENÇA RECORRIDA, o tribunal já concluir ali que “No que diz respeito ao segundo elemento, tratam-se de crimes impróprios já que determinam pelo menos o preenchimento do tipo de ofensas corporais simples. No caso concreto, a verificação desse tipo é ainda acrescida de ameaça (ao apontar navalha à ofendida).
36- Ora destes três excertos resulta indefinição quanto a aquele objecto que o tribunal descreve como 3 objectos distintos.
37- Não existe o grau de certeza que devia existir na prova do facto 4 se o tribunal a quo no texto da decisão faz ressaltar esta dúvida que é latente e notória aos olhos de qualquer cidadão que leia o texto da decisão recorrida.
38- Deste modo, existe este erro de apreciação da prova que é ostensivo e resulta do texto da decisão recorrida, pelo que, aquela sentença viola o disposto o art° 410º, n.º 1, al. c) do C.P.P..
39- De tudo o exposto resulta que deverão dar-se por não provados os factos acima elencados, sendo o arguido absolvido dos crimes pelos quais foi condenado, bem como do pedido de indemnização cível contra si deduzido.
40- Por fim, e apenas por cautela, caso se venha demonstrar ter o arguido praticado os crimes pelos quais foi acusado, o que não se concede, resulta que, o Tribunal ao condenar o arguido na pena de prisão unitária de 3 anos DE PRISÃO suspensa na execução por igual período, violou o disposto nos art.° 40°, n° 1 e 2 e 71°, n°s 1 e 2 e 77°, nos 1 e 2 do Código Penal, devendo em conformidade aquela pena ser assim reduzida para o limite mínimo suspensa na sua execução, atendendo às circunstâncias pessoais e profissionais do arguido provadas nos autos.
Termos em que,
com o douto suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente Recurso, sendo o Recorrente absolvido total ou parcialmente dos crimes pelos quais foi condenado, ou, conhecendo-se dos vícios invocados, dando-lhe provimento, anulando-se assim o Acórdão Recorrido, reenviando-se os autos para novo julgamento nos termos do art° 426° do C.P.P.».

3. O Exmº Magistrado do MP de 1ª instância RESPONDEU, defendendo a nulidade da sentença e, sem prescindir, a procedência do recurso quanto à não perfectibilização do crime de maus tratos na pessoa do filho do arguido e a sua improcedência quanto ao restante.

4. A demandante CA… RESPONDEU, defendendo a justeza do sentenciado, não sem antes referir a irrecorribilidade desta sentença em sede cível.

5. Nesta Relação, o Exmº Procurador da República remeteu para a resposta do Magistrado do MP de 1ª instância.

6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do mesmo diploma.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (Cf. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Assim, balizados pelos termos das conclusões Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»). formuladas em sede de recurso, as questões a resolver consistem no seguinte:
· a sentença é nula, nos termos do artigo 379º, n.º 1, alínea a) do CPP?
· houve erro de julgamento quanto à matéria provada?
· houve violação do princípio do «in dubio pro reo»?
· houve insuficiência da matéria de facto para a subsunção do comportamento do arguido ao crime de maus tratos e ao crime de violência doméstica?
· houve erro notório na apreciação da prova?
· deve o arguido ser absolvido da parte crime e, consequentemente, da parte crime?
· subsidiariamente, a pena deve ser reduzida para o limite mínimo suspensa na sua execução?

2. DA SENTENÇA RECORRIDA
2.1. São os seguintes os FACTOS PROVADOS em 1ª instância:
«O arguido casou com CA….
Desde data não concretamente apurada, que o relacionamento entre o arguido e CA... se degradou, passando, sem que nada o fizesse prever, o arguido, na casa onde residiam, sita na Rua …, a discutir e a desferir-lhe vários golpes com as mãos.
Fruto desta conduta, no dia …de 2009, cerca das 06.00h, junto da residência do casal, na sequência de uma discussão entre o casal a propósito da utilização do veículo automóvel, o arguido desferiu uma bofetada na face de CA..., que se encontrava ao volante do mencionado veículo.
Após o que, o arguido puxou CA... do interior do veículo e retirou-a para o exterior.
Acto contínuo, empurrou CA... contra o muro ali existente, apontando-lhe uma faca, de tamanho e material não concretamente apurados, de que se havia munido previamente.
Quando, no local, surge MB... e, de seguida, DC..., filhos do arguido e de CA..., tendo este último nascido a 12 de Setembro de 1993.
De seguida, o arguido, sem que nada o fizesse prever, deu um empurrão a DC..., que tombou ao solo, não tendo sido possível apurar as consequências da agressão.
O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente com o propósito de molestar CA... e DC..., respectivamente, sua mulher e seu filho, sem qualquer justificação válida para tanto.
Desta forma, desvalorizando a sua mulher enquanto tal, actuando alheio aos seus deveres, sabendo que estava obrigado a respeitar a ofendida, com quem era casado, o que representou e conseguiu.
Com a conduta supra descrita, o arguido violou grosseiramente o dever de protecção ao seu filho menor de idade, enquanto pai, responsável pelo seu cuidado e guarda, não atendendo, desta forma aos interesses deste, abusando da sua natural ascendência física enquanto homem.
O arguido sabia que as condutas supra descritas eram proibidas e punidas pela lei penal.
Mais se provou que:
Devido à conduta do arguido contra a ofendida, esta andou nos dias seguintes sobressaltada e agitada psicologicamente.
Sentiu-se igualmente vexada, deprimida, triste e abatida.
Pelo menos, à data dos factos, o arguido sofria de alcoolismo.
Recebeu acompanhamento no Serviço de Alcoologia do Centro Hospitalar de ...desde Maio de 2009, tendo-se submetido a tratamento de desintoxicação em Novembro de 2009, conforme resulta do “Relatório Final de Acompanhamento da Suspensão Provisória do Processo”, que correu termos nos autos do processo 119/08.0GAFVN, sendo o objecto crimes de violência doméstica e maus tratos – cfr. certidão de relatório de fls. 97 e ss que aqui se dá por reproduzida por brevidade e economia de meios.
O arguido é …, auferindo 600,00 € mensais.
Faz biscates variados, nomeadamente, na lavoura, não sabendo quantificar o valor recebido em média por mês, recebendo, por vezes, bens alimentares pelos serviços prestados.
Trabalha na sua lavoura, sendo os rendimentos para consumo doméstico.
Entrega aos seus filhos a quantia mensal de 100,00 € para ambos.
Desde o dia seguinte à data dos factos, o arguido deixou de viver com a ofendida CA..., residindo sozinho em casa de uns primos.
Tem o 7º ano de escolaridade.
É bem considerado no meio em que vive, sendo respeitado e respeitador e tido como trabalhador, estando integrado na sociedade.
O arguido foi condenado por sentença proferida no Proc. 12/10.6GAFVN a correr termos neste Tribunal, de 2010.02.19, pela prática em 2010.02.18, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. p. pelo art. 292º, n.º 1, do CP, na pena de 105 dias de multa, à taxa diária de €. 5,50, o que perfaz o total de €. 577,50 e na pena acessória de proibição de conduzir por 7 meses».

2.2. Não existem FACTOS NÃO PROVADOS.

2.3. Motivou assim a decisão de facto o tribunal recorrido:
«A convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto que se considerou provada, baseou-se na ponderação e análise crítica do conjunto da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento em conjugação com as regras da experiência comum.
O arguido prestou declarações em audiência, negando a prática dos factos relativos aos crimes pelos quais vem acusado, sustentando que, no dia e hora dos factos, tinha acabado de regressar dos Bombeiros e dirigiu-se à sua esposa, que se encontrava no interior do veículo do casal, para lho pedir pois tinha uma consulta à tarde em .... Acto contínuo, a sua esposa começou a agarrar-lhe o blusão e, nesse momento, a sua filha, à data com 9 anos, entrou para dentro da viatura. Nessa altura, a ofendida CA... chamou pelo filho do casal, DC..., tendo este chegado ao local e, de imediato, apertado o pescoço ao pai, vendo-se este forçado a empurrá-lo para trás, o que originou a queda do ofendido DC.... O arguido desconhece se o filho ficou magoado, pois, logo a seguir, pegou nas facas do seu trabalho e abandonou a residência a pé. Argumentou, ainda, que os filhos estavam vestidos com roupas de sair, não sabendo explicar porque se encontravam assim àquela hora (6:00 h da manhã) pois não era habitual, nem a razão da atitude do seu filho ao agredi-lo sem qualquer explicação (o que, de resto, não se mostra consentâneo com as regras da normalidade). Igualmente não apresentou nenhuma explicação convincente para a necessidade de levar o veículo às 6.00 da manhã, uma vez que a consulta era só às 16.00 horas desse dia. Por fim, esclareceu que há cerca de 4 anos que está de relações cortadas com o filho DC...e com a sua mulher CA..., não existindo diálogo, nem fazendo vida de casal com a esposa, “apenas ia dormir a casa”. A relação com a sua mulher tem vindo a degradar-se e, um ou duas vezes, teve que lhe dar um empurrão e “aí ela caiu para cima do sofá”, pois esta atirou-lhe um copo de vinho. A partir da data dos factos, o arguido mudou de residência.
Esta versão do arguido, quanto ao episódio ocorrido no dia 16.11.2009, não mereceu credibilidade ao Tribunal, face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como as regras de experiência comum.
Realça-se o depoimento da queixosa CA... que, apesar de emotivo (o que, de resto, é perfeitamente normal e natural face à matéria em questão), foi prestado de modo considerado sincero, coerente e pormenorizado.
Relatou, portanto, a queixosa CA... toda a vivência tida com o arguido, descrevendo detalhadamente o episódio constante na matéria factual dada como provada. Narrou a agressão perpetuada pelo arguido contra si e contra o seu filho DC..., contando toda a sua actuação – a bofetada que lhe deu na face, o puxou que lhe deu para a retirar do veículo à força, empurrando-a contra um muro aí existente e apontando-lhe uma faca (de matar porcos, instrumento do seu trabalho no matadouro), e, por fim, o empurrão que deu ao filho DC...-, confirmando, assim, os factos apurados. Acrescentou que a sua filha MB..., na altura com 9 anos, também presenciou a agressão cometida pelo pai, pois foi ter com a mãe ao carro e esclareceu, ainda, que dormem as duas juntas, no mesmo quarto, há alguns anos.
Descreveu a relação com o marido nos últimos 10 anos, afirmou ainda que o mesmo sofre de alcoolismo e quando estava grávida da filha foi a primeira vez que lhe bateu. Explicou que, no dia dos factos, teve que se levantar mais cedo (cerca das 5.30 horas), a fim de garantir o transporte do seu filho mais velho, DC..., ao médico, pois o mesmo encontrava-se doente (gripe) e a ofendida necessitava do único veículo do casal para o transportar. Elucidou que, por vezes, não sabia onde o veículo se encontrava durante dias e queria impedir o seu marido de levá-lo para o matadouro, onde este trabalha, com hora de entrada às 6.00 horas da manhã, às 2ªs feiras (o dia 16.11.2009 foi a uma 2ª feira).
O testemunho da ofendida CA... foi prestado de forma considerada honesto, autêntico e sincero, merecendo credibilidade ao Tribunal, relatando a sua vivência e confirmando os factos apurados na acusação. As explicações dadas por esta testemunha mostraram-se credíveis e permitiram ao Tribunal esclarecer a razão dos ofendidos, assim como a testemunha MB..., estarem acordados àquela hora da manhã, o que, aliás, de modo algum foi esclarecido pelo arguido, ao invés, este tentou omitir e deturpar a realidade dos factos, mostrando-se as suas declarações confusas, incoerentes e inverosímeis.
Confirmou a testemunha CA... que esta e o arguido, assim como o filho mais velho do casal (o ora ofendido DC...) e o arguido não se falam, nem convivem há cerca de 4 anos, pese embora, até ao dia dos factos, viverem na mesma casa. Acrescentou que pai e filho não se falam desde a data em que o ofendido DC...depôs a favor da mãe no INML.
Alicerçou-se também o Tribunal no testemunho de DC..., actualmente com 17 anos, que, não obstante a óbvia relação com as partes envolvidas, depôs de modo considerado autêntico, claro e sincero, asseverando grande parte das declarações prestadas por CA..., somente não tendo presenciado o início dos factos, pois explicou que ouviu barulho (vozes dos pais) e deslocou-se à varanda, constatando que a sua mãe estava encostada a uma parede e o seu pai a agarrá-la na zona do pescoço. Observou, ainda, que o pai tinha uma faca do matadouro na mão. Igualmente confirmou a agressão perpetuada pelo seu pai contra si, assim como o facto da sua irmã MB... estar no local. Descreveu também a relação dos progenitores e a relação que tinha com o seu pai, confirmando, portanto, o depoimento da testemunha CA....
Estes dois depoimentos apresentaram-se consonantes e confirmaram o libelo acusatório.
Afirmaram, ainda, as testemunhas DC... e CA... que, no seu entender, o arguido dormiu essa noite em casa. Disse DC... que se apercebeu que o arguido se dirigiu para o quarto onde costuma dormir sozinho (já que a mãe dormia, há algum tempo, com a irmã). Ora, nos documentos juntos a fls. 223 e 224, emitidos pelos Bombeiros Voluntários de ..., menciona-se que o arguido foi um dos bombeiros escalados para essa noite, sendo o horário das 20.00 horas até às 8.00, porém, foi dito pelo próprio arguido que às 2ªas feiras, este tinha que entrar no matadouro, onde trabalha, às 6.00 da manhã, pelo que necessitou de sair dos Bombeiros mais cedo. A hora dos factos foi confirmada pelo depoimento das referidas testemunhas, assim como pelas próprias declarações do arguido, que nesta parte se mostraram consentâneas e credíveis. E o facto das testemunhas DC... e CA... parecerem convictas de que o arguido tinha dormido em casa essa noite, em nada infirma o seu depoimento, pois, como se apurou, até pelas declarações do arguido, este não convivia, nos últimos tempos, com a família, não falava com os ofendidos, nem faziam refeições em conjunto, sendo perfeitamente possível que os mesmos pensassem que o arguido tivesse dormido em casa e não se tivessem apercebido que o mesmo pudesse ter saído para os Bombeiros.
Quanto ao depoimento da testemunha MB..., filha do arguido e da ofendida CA... e irmã do ofendido DC..., deverá o mesmo ser valorado e criticado de acordo com a sua idade (10 anos), assim como considerando o seu estado de nervosismo (visível pela sua postura, nomeadamente, nas suas mãos). De qualquer modo, acreditou o Tribunal que esta testemunha esteve no local, na altura dos factos, e presenciou as agressões do pai aos ofendidos pela forma sincera com que depôs. Relatou, por suas palavras, que o seu irmão se encontrava doente e a sua mãe queria o veículo, confirmou que viu o arguido a apontar uma faca à sua mãe. Aliás, a testemunha respondeu com segurança às questões que lhe foram sendo colocadas.
A testemunha RT..., prima direita do arguido e por afinidade em relação à queixosa CA..., não revelou conhecimentos directos sobre os factos, nem sequer sobre o relacionamento nos últimos tempos entre o arguido e a queixosa, e entre este e o filho DC..., já que, nos últimos 10 anos, nunca teve qualquer tipo de convívio com os mesmos. Relatou somente esta testemunha conversas que teve com o arguido. Afirmou que conhece de vista a filha do casal MB..., sendo que a família do progenitor não convive com esta, nem com os ofendidos. Confirmou, porém, o problema de alcoolismo em relação ao arguido.
Igualmente a testemunha …, amiga do arguido, não mostrou conhecimentos directos sobre os factos, nem sequer sobre o relacionamento nos últimos tempos entre o arguido e a queixosa, e entre este e o filho DC..., afirmando ainda que não fala com a ofendida, apesar de se conhecerem desde infância, e disse que “não tinha interesse em aproximar-se dela”, denotando-se uma preocupação em defender o arguido e maior animosidade para com a queixosa, sem ter a preocupação de saber a versão desta sobre os factos.
A testemunha …, irmã do arguido, também não revelou conhecimentos directos sobre os factos, nem sequer sobre o relacionamento nos últimos tempos entre o arguido e a queixosa, e entre este e o filho DC..., já que, há cerca de 6 anos, que não convive com os mesmos, somente se relacionando com o seu irmão, o ora arguido. Disse também que o arguido teve um problema com o álcool e “definitivamente o problema não está resolvido” e que se continua a tratar no ..., tendo a testemunha o acompanhado a algumas consultas. Igualmente o acompanhou a uma consulta de violência doméstica no âmbito da suspensão provisória de um processo.
Relativamente ao depoimento das testemunhas FG…, tio do arguido, e PH..., primo do arguido, o Tribunal não os valorou uma vez que ficou com sérias dúvidas que os mesmos tivessem no local no momento em que ocorreram os factos, não revelando estas testemunhas sinceridade e credibilidade suficiente para convencer o Tribunal da história que cada uma delas retratou. Afigura-se-nos, em primeiro lugar, de uma extraordinária coincidência que estas testemunhas estivessem às 6.00 da manhã, no local dos factos, sendo incompatível à luz das regras de experiência comum. Por outro lado, a história relatada pelas testemunhas parecendo-nos rebuscada, inverosímil e, em alguns aspectos, contraditória com as declarações do arguido. Acrescenta-se, ainda, o facto da necessidade revelada por estas testemunhas em defenderem o arguido, mostrando grande hostilidade perante os ofendidos. O depoimento destas testemunhas foi, portanto, parcial, subjectivo e comprometedor. Salientando-se ainda que estas testemunhas são sogro e genro, respectivamente, vivendo na mesma casa, e os seus depoimentos foram prestados em sessões diferentes.
Para justificar a sua presença no local, vieram estas testemunhas explicar, em suma, o seguinte: como a testemunha FG... tem uma residência arrendada ao lado da casa de morada de família do arguido e ofendida CA..., onde igualmente guarda o seu veículo, e tinha recebido um telefonema no fim-de-semana anterior, dando-lhe a notícia que, na sua casa de ..., tinham partido um vidro, decidiu deslocar-se lá no dia dos factos, tendo pedido ao seu genro PH... que o levasse, às 6.00 da manhã, a essa residência. Ora, para além desta versão ter sido completamente abalada pela restante prova produzida em julgamento e já analisada supra, estes depoimentos não mereceram credibilidade ao tribunal, desde logo, não é compatível com as regras da normalidade que estas testemunhas ficassem a assistir à ofendida supostamente agarrar o blusão do arguido, rasgando-o, assim como ao facto do ofendido DC...ter supostamente apertado o pescoço do pai, sem intervirem e sem proferirem uma única palavra, mesmo apercebendo-se que o arguido tinha consigo as facas do matadouro. Não apresentaram igualmente nenhuma justificação para o ofendido DC…, sem nenhum motivo, apertar o pescoço do pai, já que era a sua mãe que estava a “atacar o progenitor”, assim, tinha mais sentido defendê-lo a ele, e, por um lado, a testemunha FG... chegou mesmo a afirmar que o “DC...vinha socorrer a mãe”, sem dar nenhuma explicação para ter dito tal frase. Disseram, ainda, estas testemunhas que até à data, ou seja, um ano depois dos factos, o vidro ainda não foi reparado, o que também não é compatível, a nosso, ver com a urgência em se deslocar a ....
Por outro lado, estas testemunhas afirmaram que o ofendido DC...apareceu no local, sem ser chamado, o que é incongruente com as declarações do próprio arguido que repetiu, por diversas vezes, que a mãe chamou o filho.
Igualmente estas testemunhas não tiveram qualquer relacionamento nos últimos tempos (cerca de 10 anos para trás) entre o arguido e a queixosa, e entre este e o filho DC..., e mostraram-se hostis para com os queixosos, salientando-se a grande emotividade e parcialidade do depoimento da testemunha PH....
Na verdade, o Tribunal deve ponderar a consistência e coerência dos depoimentos prestados, sendo certo que a sua convicção não se deverá pautar pelo número de depoimentos a sustentar uma ou outra versão, mas atendendo à sua credibilidade, à sua naturalidade, espontaneidade, postura dos depoentes, e compatibilidade com as regras de experiência comum.
Ora, as testemunhas RT..., FG… e NN... revelaram grande preocupação em defender o arguido e denegrir a imagem dos ofendidos, sendo os seus testemunhos parciais e subjectivos, até porque nenhuma delas conviveu, nos últimos anos com o casal, e todas mostraram elevada animosidade em relação aos ofendidos, mesmo em relação ao queixoso DC..., que na altura em que estas testemunhas deixaram de conviver com ele tinha apenas entre 11 a 13 anos de idade (altura também em que este e o seu pai se deixaram de falar). Nenhuma delas igualmente não fala, nem convive, desde as datas supra referidas, com a ofendida CA....
Note-se, ainda, que o depoimento da testemunha NN... em nada contribuiu para a descoberta da verdade material, não tendo qualquer conhecimento directo sobre os factos em apreço. E mais nenhum depoimento das testemunhas ouvidas em julgamento se mostrou relevante para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
No que tange ao facto do arguido ser bem considerado no meio em que vive, sendo respeitado e respeitador e tido como trabalhador, estando integrado na sociedade, baseou-se o Tribunal no depoimento, quanto a esta matéria, das testemunhas FG..., PH... e NN....
No que concerne à situação sócio-económica do arguido, atendeu-se às declarações prestadas pelo mesmo neste sentido.
Atendeu ainda aos documentos juntos aos autos, nomeadamente certidão de fls. 97 e ss e ao C.R.C. junto aos autos.
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No que respeita à matéria do pedido de indemnização civil, o Tribunal serviu-se do depoimento sincero das testemunhas NS..., primo direito da ofendida CA... e por afinidade em relação ao arguido, que afirmou também que este sofre de alcoolismo, e que já tinha incentivado a queixosa CA... para apresentar queixa contra o arguido, DC..., MB... e em conjugação com o depoimento da demandante (art. 145º CPP) e tudo alicerçado nas regras de experiência comum, que nos ditam, desde logo, que a conduta do arguido é susceptível de causar tristeza, amargura, vexame, sofrimento e medo. Salienta-se que estas testemunhas viram a demandante deprimida, chorosa e triste.
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Os factos considerados como não provados mereceram resposta negativa por não ter sido feita qualquer prova sobre os mesmos».


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3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1. O arguido vem recorrer de facto e de direito.
Antes de mais, convém dizer o seguinte:
A condenação cível foi do seguinte teor:
- foi condenado o arguido/demandado a pagar à demandante a quantia de € 2000, a título de danos não patrimoniais (morais).
No que diz respeito aos princípios gerais atinentes à tramitação dos recursos ordinários, adianta o artigo 400°, n.° 2 do CPP que «o recurso da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada», sendo tais requisitos cumulativos.
Ora, a alçada dos tribunais da 1ª instância era (e mantém-se), à data da formulação do pedido cível (16/3/2010 Correspondente ao momento em que os direitos do demandante ficaram definidos, atendendo ao seu estatuto de lesado civil.), de € 5.000,00 Esta revisão do valor da alçada dos tribunais de 1ª instância é aplicável já aos autos, sendo certo que o processo inicia-se após o dia 1/1/2008 (em 24/11/2009 – cfr. fls 1), não estando, pois, pendente à data da entrada em vigor dessa revisão operada em 2007 (em 1/1/2008) - cfr. artigo 12º do DL 303/2007.
Note-se que o valor anterior de tal alçada era de € 3.740,98 (artigo 24º/1 da Lei 3/99 de 13/1 e DL 323/01 de 17/12). (artigo 24.°, n.° 1, da Lei n.° 3/99, de 13 de Janeiro, e redacção decorrente do Decreto-Lei n.° 303/07, de 24 de Agosto).
Ao pedido cível deduzido nos autos foi atribuído o valor de € 2.000, tendo o demandado sido condenado a pagar ao demandante a quantia exacta de € 2.000.
Ou seja, conjugando-se tais disposições legais, a sentença proferida mostra-se insindicável, no que tange à condenação no pedido cível, por intermédio de recurso ordinário.
De facto, o valor do pedido cível e o valor da condenação cível não atingem os exigíveis € 5.000 e € 2500, respectivamente..
Em conclusão, e sem necessidade de mais considerações, há que concluir que tal parte da sentença é irrecorrívelNão se deixará de dizer que, se se concluir que o recurso criminal terá de proceder, absolvendo-se o arguido, então, teremos de retirar consequências civis, nos termos do artigo 403º, n.º 3 do CPP. .
3.2. DA NULIDADE DA SENTENÇA.
Abordemos esta 1ª questão, prévia a todas as outras.

a)- Defende o recorrente o seguinte:
Apresentou contestação criminal nos autos, a qual deveria ter sido levada em conta na enumeração dos factos provados e não provados, entendendo-os como factos relevantes para a sua defesa e para a decisão da causa (nomeadamente os factos descritos nos pontos 7 a 19 daquele articulado acima).
Entende que o tribunal recorrido não deu como provados ou não provados aqueles factos constantes da contestação, fazendo apenas uma breve e concisa referência de que “com interesse para o caso em apreço, não se provaram outros factos”.
Como tal, ao não dar como provados, ou não provados aqueles factos da contestação, o tribunal a quo não deu cumprimento ao art° 374° n° 2 do C.P.P., abstendo-se de conhecer questões de que devia conhecer, omissão de pronúncia que é violadora também do art° 379º/1 a) do C.P.P., o que demanda que a sentença sob recurso esteja ferida de nulidade.
Ora, analisando a sentença em causa, só poderemos dar razão ao recorrente.

b)- O tribunal recorrido não elenca qualquer facto não provado, não obstante referir a fls 256 que «os factos considerados como não provados mereceram resposta negativa por não ter sido feita qualquer prova sobre os mesmos».
Talvez a ânsia de rapidez no tratamento informático do sentenciado tenha surpreendido a Exmª Juíza que colocou nesta sentença algo que não lhe pertencia de direito.
Não há factos não provados com interesse para o presente caso, essa foi a convicção da julgadora.
E aqui discordamos do tribunal «a quo».

c)- De facto, existe uma contestação criminal nos autos que até foi referida pela Exmª Juíza no relatório da sua sentença.
Escreveu ela:
«O arguido apresentou contestação e arrolou testemunhas. Negou a prática dos factos pelos quais se encontra acusado, alegando, em suma, ter sido vítima de agressões verbais por parte da esposa, ao longo de vários anos, assim como desprezado pelo seu filho mais velho (à data com 15 anos), pois desde há vários anos que não fala com o pai».
Se tal se referenciou, bem ficaria verter alguma dessa factualidade no elenco da decisão de facto desta causa, sendo absolutamente temerário concluir que nenhum desses factos tem interesse para a mesma.
Note-se que a sentença apenas se refere à matéria da contestação no já aludido relatório e na exposição dos motivos de facto da decisão, olvidando-se de a colocar na enumeração dos factos provados ou não provados (cfr. artigo 374º, n.º 2 do CPP).
No fundo, coloca-se nessa motivação aquilo que deveria ter sido vertido no rol de factos provados ou não provados.
Repare-se:
«O arguido prestou declarações em audiência, negando a prática dos factos relativos aos crimes pelos quais vem acusado, sustentando que, no dia e hora dos factos, tinha acabado de regressar dos Bombeiros e dirigiu-se à sua esposa, que se encontrava no interior do veículo do casal, para lho pedir pois tinha uma consulta à tarde em .... Acto contínuo, a sua esposa começou a agarrar-lhe o blusão e, nesse momento, a sua filha, à data com 9 anos, entrou para dentro da viatura. Nessa altura, a ofendida CA... chamou pelo filho do casal, DC..., tendo este chegado ao local e, de imediato, apertado o pescoço ao pai, vendo-se este forçado a empurrá-lo para trás, o que originou a queda do ofendido DC.... O arguido desconhece se o filho ficou magoado, pois, logo a seguir, pegou nas facas do seu trabalho e abandonou a residência a pé. Argumentou, ainda, que os filhos estavam vestidos com roupas de sair, não sabendo explicar porque se encontravam assim àquela hora (6:00 h da manhã) pois não era habitual, nem a razão da atitude do seu filho ao agredi-lo sem qualquer explicação (o que, de resto, não se mostra consentâneo com as regras da normalidade). Igualmente não apresentou nenhuma explicação convincente para a necessidade de levar o veículo às 6.00 da manhã, uma vez que a consulta era só às 16.00 horas desse dia. Por fim, esclareceu que há cerca de 4 anos que está de relações cortadas com o filho DC...e com a sua mulher CA..., não existindo diálogo, nem fazendo vida de casal com a esposa, “apenas ia dormir a casa”. A relação com a sua mulher tem vindo a degradar-se e, um ou duas vezes, teve que lhe dar um empurrão e “aí ela caiu para cima do sofá”, pois esta atirou-lhe um copo de vinho. A partir da data dos factos, o arguido mudou de residência.
Esta versão do arguido, quanto ao episódio ocorrido no dia 16.11.2009, não mereceu credibilidade ao Tribunal, face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como as regras de experiência comum».
Ora, se assim é, então deveria o tribunal colocar essa versão no rol dos FACTOS NÃO PROVADOS, o que não fez de todo em todo.
A estratégia da defesa tem de ser respeitada, por muito impertinente e inócua nos possa parecer.

d)- Rezam assim os artigos 374º e 379º do CPP:



Artigo 374.º
Requisitos da sentença


1 - A sentença começa por um relatório, que contém:

a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;
c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido;
d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.

2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém:

a) As disposições legais aplicáveis;
b) A decisão condenatória ou absolutória;
c) A indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime;
d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;
e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal.

4 - A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas.






Artigo 379.º
Nulidade da sentença



1 - É nula a sentença:

a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º
d)- Sérgio Poças, já Presidente de uma das Secções Criminais desta Relação, e hoje Juiz Conselheiro, doutrina de forma exemplar sobre o assunto (cfr. REVISTA JULGAR, Da Sentença Penal – fundamentação de facto, 2007, pg 24 e sgs):

«2.1. O tribunal, como resulta nomeadamente do disposto nos artigos 339.º, n.º 4, 368.º, n.º 2, e 374.º, n.º 2, do CPP, deve indagar e pronunciar-se sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela contestação ou que resultem da discussão da causa e se mostrem relevantes para a decisão. Ou seja, ainda que para a solução de direito que o tribunal tem como adequada para o caso, se afigure irrelevante a prova de determinado facto, o tribunal não pode deixar de se pronunciar sobre a sua verificação/ não verificação — o que pressupõe a sua indagação —, se tal facto se mostrar relevante num outro entendimento jurídico plausível.
É que em impugnação por via de recurso pode vir a ser considerado pelo tribunal ad quem que o facto sobre o qual o tribunal a quo especificadamente não se pronunciou por entender ser irrelevante, é afinal relevante para a decisão, o que determinará a necessidade de novo julgamento, ainda que parcial, com todas as maléficas consequências consabidas.
Sejamos claros: indagam-se os factos que são interessantes de acordo com o direito plausível aplicável ao caso; dão-se como provados ou não provados os factos conforme a prova produzida.
A pronúncia deve ser inequívoca: em caso algum pode ficar a dúvida sobre qual a posição real do tribunal sobre determinado facto.
Na verdade, se sobre determinado facto não há pronúncia expressa (o tribunal nada diz), pergunta-se: o tribunal não se pronunciou, por mero lapso?
Não se pronunciou porque não indagou o facto? Não se pronunciou porque considerou o facto irrelevante? Não se pronunciou porque o facto não se provou?
Face ao silêncio do tribunal todas as interrogações são legítimas.
Das duas, uma: ou o facto é inócuo para a decisão e o tribunal, com fundamentação sintética, di-lo expressamente e não tem que se pronunciar sobre a sua verificação/não verificação, ou, segundo um entendimento jurídico plausível, é relevante e nesse caso deve pronunciar-se de acordo com a prova produzida.
2.2. Do que se vem expondo — atente-se o disposto no artigo 368.º, n.º 2, do CPP, acima referido —, é para nós claro que o tribunal deve pronunciar-se sobre os factos alegados na contestação com interesse para a decisão, ainda que não resultem provados os factos da acusação. Isto é, não é lícito ao tribunal, porque não resultaram provados os factos da acusação, não se pronunciar sobre os factos da contestação com o argumento de que não interessam à decisão: as coisas não são assim.
Exemplo: o arguido está acusado de ter praticado um crime de furto de veículo às 20 horas do dia 1 de Janeiro de 2002, no ..., em ....
Na contestação o arguido alega que nessa data e hora se encontrava no ....
Em audiência de julgamento são ouvidas testemunhas sobre os factos da acusação e sobre os factos da contestação.
O tribunal dá como não provado que tenha sido o arguido o autor de furto, mas não se pronuncia expressamente sobre o facto de o arguido ter estado ou não no ....
Diz-se: é irrelevante que o arguido tenha estado naquela data no ... ou não, uma vez que se não provaram os factos da acusação.
A questão não pode ser assim colocada: saber se um facto interessa à decisão é uma questão anterior ao momento da decisão.
No caso, é manifesto que a alegação do arguido de que se encontrava a 300 kms do local dos factos que lhe eram imputados tinha interesse para a decisão. Como é evidente, o arguido não podia estar ao mesmo tempo no ... e em .... Tendo aquele facto sido expressamente alegado, tendo sobre ele sido produzida prova e tendo óbvio interesse para a decisão, o tribunal,
tem de expressamente (conforme a prova, como é óbvio) declarar se aquele facto está ou não provado, independentemente de dar como não provados os factos da acusação.
Importa dizer com palavras claras: provavelmente não resultaram provados os factos da acusação porque resultaram provados os factos da contestação que punham em causa a tese da acusação.
Não raras vezes, porque se indagaram, porque se produziu prova dos factos da contestação, porque se teve, como se deve, em igual conta a argumentação da defesa, é que determinados factos da acusação se não provam.
Como é consabido, na produção e depois na valoração da prova do que se trata é de um confronto de provas e não uma hierarquia ou de precedência de provas. Um depoimento merece credibilidade, não por se tratar de uma prova indicada pela acusação ou pela defesa, mas porque pelas suas características convence o tribunal que o que narra corresponde à realidade dos factos, «ao realmente acontecido». (É claro que, não raras vezes, na contestação, são alegados factos
inócuos para a decisão. Neste caso, como acima se disse, o tribunal não tem que se pronunciar sobre a sua verificação/não verificação, mas deve declarar expressamente, fundamentando sucintamente, a manifesta irrelevância daquela matéria para a decisão).
(…)
Relativamente à enumeração da matéria de facto não provada, cumpre ainda dizer:
Ou seja, e repetindo, no respeito da norma, não devem restar quaisquer dúvidas que o tribunal indagou e se pronunciou sobre todos os factos relevantes para a decisão, designadamente os alegados pela defesa.
Assim as expressões: «não resultaram não provados quaisquer factos ou: «factos não provados: nenhuns», só dão cumprimento ao normativo se resultaram provados todos os factos constantes da acusação, da contestação e os que resultaram da discussão da causa, porque, se, v. g., alguns dos factos alegados na contestação - factos relevantes, como é óbvio — não constarem na enumeração dos factos provados, o tribunal, com aquelas formulações, não dá cumprimento à norma do n.° 2 do artigo 374.º do CPP.
(…)
Sejamos claros: uma coisa é dizer que «se não provaram quaisquer outros factos», outra é especificar os concretos factos que se não provaram. Quando o tribunal diz que se não se provou o facto A, há a certeza que se debruçou especificadamente sobre as provas produzidas sobre ele — há uma inequívoca reflexão/decisão sobre a questão — certeza que não é tão nítida, como se reconhecerá, numa mera declaração genérica.
A questão da exigência de enumeração dos factos provados e não provados não pode ser vista como uma mera formalidade formal De facto, trata-se de uma garantia, designadamente para os sujeitos processuais, de que o tribunal, num processo equitativo, teve em atenção de igual modo, os factos, as provas e os argumentos da acusação e da defesa, e indagou e apreciou todos os factos».

e)- Os factos em causa da CONTESTAÇÃO são os seguintes:

«7. Foi e é ainda assim o ARGUIDO, pessoa de vincadas qualidades morais, de intensos hábitos de trabalho, com sentido de respeito por terceiros e familiares, que ao invés de agressor, antes vem e foi ao longo dos anos, vítima fundamentalmente moral e psicológica da esposa, que perante si sempre adoptou comportamentos que o menosprezam e humilharam apesar, toda a sustentabilidade económica da vida familiar, ter sido ao longo dos anos assegurada pelo ARGUIDO, ainda que a DENUNCIANTE, exercesse actividade remunerada.

8. De facto, desde há vários anos que a DENUNCIANTE, vem apoucando, quer dirigindo-se directamente ao ARGUIDO, quer mesmo em público, em diálogo com terceiros, algumas vezes mesmo na presença dos filhos e até ostensivamente, referindo-se àquele, mas dirigindo-se aos Filhos.

9. E fê-lo apelidando-o e/ou chamando-o de “MANSO”, “INÚTIL”, ‘BÊBADO”, ‘PALHAÇO”, dizendo-lhe que ‘NÃO PRESTAVA PARA NADA”.

10. Mais afirmando e repetindo que “AQUELE NEM CORNO SABIA SER”.

11. Chegando ao ponto de na presença dos Filhos, dirigindo-se e nomeando o Pai, lhes dizer e repetir, TODAS e OUTRAS EXPRESSÓES, idênticas e ou similares às supra mencionadas.

12. Induzindo e/ou condicionando aqueles a desprezarem o ARGUIDO e o FILHO mais velho a reagir, mesmo em desafio físico.

13. Aliás o Filho do Casal, com apenas 15 anos, há vários anos que não fala com o pai, que menospreza, tudo com natural efeito e consequência da postura desrespeitante da DENUNCIANTE,

14. Aliás ao presente o arguido, não consegue filar com a filha e se a procura esta diz-lhe a chorar que não pode falar com o ARGUIDO, como ocorreu recentemente, quando a procura na escola.

15. Os comportamentos descritos em DOUTA ACUSAÇÃO PÚBLICA, como tendo ocorrido aos 16 de Novembro do transacto ano de 2009, são absolutamente falsos, pois não é verdade que em momento algum aqueles hajam sucedido.

16. Ao invés à data em causa, tendo prestado serviço durante a noite nos BOMBEIROS, dirigiu-se a casa para levar o carro, a fim de se deslocar a ...para a consulta de apoio psicológico, no Hospital ..., no âmbito do acompanhamento e terapia ao álcool, o que era do conhecimento da DENUNCIANTE, no entanto esta ao invés do que era de esperar sem motivo encontrava-se junto do carro e, para além de o insultar, retirou a chave do carro, procurando impedi-lo de o levar. E,

17. Fê-lo - repete-se -, apesar de saber que a deslocação do ARGUIDO era de acompanhamento e apoio, no tratamento anti-alcoólico que estava a ser prestado naquela unidade especializada de saúde ao mesmo.

18. Não agiu pois naquelas circunstâncias de tempo e lugar, quer perante a DENUNCIANTE, quer perante o FILHO comum, como é descrito na ACUSACÃO.

19. Dirá aliás, que como sucedera noutras alturas, foi a DENUNCIANTE, que sabendo que o arguido ia-se deslocar a ...e à consulta referida que o esperou e o desafiou, provavelmente para obter deste reacção física, para que o pudesse acusar de comportamentos ilícitos como fez».

Sabemos que não são todas as alegações do arguido que têm de ser indagadas pelo tribunal, mas somente aquelas que revistam interesse para decidir, num dos sentidos admitidos juridicamente como possíveis.
Não basta fazer constar da sentença que não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a causa, sendo necessário dar uma breve explicação do porquê (note-se que, nos artigos 15º a 19º da contestação, o arguido dá uma outra versão do ocorrido em 16/11/2009, havendo que verter tal factualidade no rol dos factos provados ou não provados).
E diremos que tais factos são relevantes para a discussão da causa, não porque sejam importantes para verificar do preenchimento dos tipos de ilícito em apreciação, mas porque servem, certamente, para dosear a pena, em caso de se concluir pela condenação, como foi o caso (em caso de recuso sobre a dosimetria da pena tais factos omitidos podem ser importantes pelo tribunal «ad quem», o qual só os poderá conhecer se eles constarem dos autos de forma oficial e expressa no local devido – no rol de factos provados ou não provados).
Ficou assim limitado o direito da defesa do arguido, na medida em fica restringido o âmbito do recurso, POIS tais factos não constam da matéria de facto (provada ou não provada), tornando-se naquela parte insindicáveis.
Não diremos que são todos os factos narrados na contestação que deverão ser transportados para a sentença mas, pelo menos, os constantes dos artigos 8º, 9º, 10º. 11º 12º13º, 14º, 16º, 17º e 19º.
Não o foram. E mal.
O dever de fundamentação de uma sentença exige a enunciação como provados ou não provados de todos os factos relevantes para a:
- imputação penal;
- determinação da sanção;
- responsabilidade civil,
constantes da acusação ou pronúncia e do pedido de indemnização civil e das respectivas contestações, incluindo os factos não provados da contestação, importando, pois, saber se o tribunal recorrido apreciou ou não TODA a matéria relevante da contestação.
Tem-se também entendido que o dever de fundamentação de uma sentença não é compatível com a enumeração dos factos provados e a afirmação como não provados de todos «os restantes factos» constantes da acusação ou da contestação (cfr. Acórdão do STJ de 29/6/1995, in CJ-STJ-III, 2, 254).
Ora, em conclusão, a fórmula encontrada pelo tribunal recorrido corresponde a esta perigosa e simplista generalização, a qual é de repudiar da boa técnica processual de elaboração de uma sentença criminal.

e)- Qual a sanção para este vício?
Estipula a lei que é a nulidade da sentença (artigo 379º, n.º 1, alínea a) do CPP).
Equivale isto a dizer que a sentença incumpriu o dever de enumerar, como provados ou não provados, os factos da contestação criminal que atrás se entendeu serem relevantes para a estratégia da defesa e para a boa decisão da causa, como lhe ordena o normativo do nº 2 do artº 374º do C.P.Penal – tal, face ao disposto na al. a) do nº1 do artº 379º do mesmo diploma legal, acarreta a sua nulidade e determina a prolação de nova decisão, expurgada do apontado vício (NÃO sendo caso de anulação do julgamento ou de aplicação do disposto no artigo 715º/1 do CPC e no artigo 379º/2, 2ª parte do CPP).
Tal nulidade foi arguida de forma legal pelo arguido em sede de recurso (artigo 379º/2, 1ª parte do CPP).
Urge, pois, «baralhar e dar de novo», colmatando as omissões detectadas e assinaladas, dali retirando as consequências jurídico-penais que se tiverem agora por convenientes.

3.3. Se assim é, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões aduzidas no recurso (artigo 660º do CPC, ex vi artigo 4º do CPP).

III – DISPOSITIVO

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação em:
- Anular a sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra que, se necessário com recurso a repetição de prova, colmate as lacunas apontadas, decidindo em conformidade.

Sem tributação.

Paulo Guerra (Relator)
Cacilda Sena