Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
156/18.6T8NZR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO OFICIOSO
PRAZO
CONTESTAÇÃO EXTEMPORÂNEA
Data do Acordão: 06/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE COMP. GENÉRICA DA NAZARÉ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 16º, Nº 1, AL. B), 24º, NºS 1, 4 E 5, AL. A), 26º, 31º E 32º DA LEI Nº 34/2004, DE 29/07, NA SUA REDAÇÃO DECORRENTE DA LEI Nº 47/2007, DE 28/08.
Sumário: I - Resulta do artº 16º, nº 1, al. b) da Lei nº 34/2004, de 29/07, na sua redação decorrente da Lei nº 47/2007, de 28/08 (que republicou aquela lei), que o apoio judiciário compreende, entre outras, ‘a modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono’, apoio esse que é suscitado ou requerido pelo interessado no mesmo – artº 22º da citada lei -, daí resultando que ‘... quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de uma ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso nessa ação se interrompe com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o referido procedimento administrativo, prazo esse interrompido que se inicía a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação’ – artº 24º, nºs 1, 4 e 5, al. a) da citada lei.

II - O referido regime de apoio judiciário, na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, assenta nas normas referidas, das quais resulta que todas elas estão redigidas e direcionadas para a efetiva nomeação administrativa de um patrono oficioso, a quem caberá, na sequência da sua nomeação pela sua Ordem, dar andamento ao que processualmente cumprir ser observado, tendo em conta designadamente os prazos legais aplicáveis ao caso.

III - O referido regime de interrupção de prazo processual apenas colhe efeitos dentro do referido regime de apoio judiciário, como um todo, não se podendo entender, assim se nos afigura, que tal regime possa ser desvirtuado ou usado de forma a dele apenas se colher o benefício da referida interrupção de prazo processual, para, dessa forma, o beneficiário do apoio poder contestar ou articular fora dos prazos processuais convencionais aplicáveis, mediante representante forense que não é o que lhe foi nomeado pela Ordem dos Advogados.

IV - Se o requerente dessa nomeação, dela fazendo descaso, constitui paralelamente um mandatário voluntário, sendo este quem apresenta a contestação no prazo que caberia, em função da interrupção, ao patrono oficioso, considera-se essa contestação extemporânea, devendo ser mandada desentranhar.

Decisão Texto Integral:





            Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo de Competência Genérica da Nazaré corre termos a ação declarativa, com processo comum, instaurada por J... e mulher C... contra M..., todos devidamente identificados na dita ação.

Em 25/10/2018 a Ré foi devidamente citada para contestar no prazo de 30 dias dias, tendo apenas em 06/02/2019 sido apresentada a contestação, com a respectiva junção de procuração forense passada a favor da Dr.ª ..., que subscreve essa contestação, procuração essa datada de 30/11/2018, juntando com a dita contestação também cópia de requerimento de proteção jurídica formulado pela Ré junto da Segurança Social, requerimento esse que deu entrada em juízo em 22/11/2018, e que foi deferido, com nomeação de patrono oficioso, tendo-lhe sido nomeado como patrono oficioso a Dr.ª ..., cuja comunicação aos autos pela Segurança Social data de 29/01/2019, mas cuja notificação pela Ordem dos Advogados à nomeada data de 23/01/2019 – ver fls. 21/22 e 24 a 35.

Em 07/03/2019 foi proferido o seguinte despacho:

‘Nos presentes autos de processo comum foi a Ré citada para contestar, no prazo de 30 dias, em 25.10.2018.

Constata-se, assim, que o prazo para a apresentação da contestação terminava no dia 26 de novembro de 2018, nos termos dos art. 228º, 230º e 569º, nº 1 do Código de Processo Civil.

Em 22 de novembro de 2018 a Ré comprovou nos autos a apresentação de requerimento de concessão de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e nomeação e pagamento de honorários a mandatário, com o que, nos termos previstos no artigo 24º, nº 4 da Lei 34/2004, de 29.07 (Lei do Apoio Judiciário), interrompeu o prazo para contestar.

O prazo em curso recomeçou a correr, por inteiro, em 23.01.2019, com a notificação ao patrono nomeado do deferimento do apoio judiciário requerido e da nomeação efectuada, conforme resulta dos artigos 24º, nº 5, al. a), 30º e 31º da mesma Lei, pelo que terminou a 24.02.2019.

O articulado de contestação junto aos autos em 06.02.2019 não se mostra subscrito pela patrona nomeada, sendo-o por mandatário constituído mediante procuração passada a seu favor datada de 30.11.2018.

Apreciando.

Resulta da conjugação das disposições legais supra citadas que a parte só pode beneficiar da interrupção do prazo prevista na Lei relativamente a actos praticados no âmbito do apoio judiciário concedido.

Vale isto por dizer que só pode beneficiar da referida interrupção do prazo para contestar a contestação subscrita por patrono nomeado nos termos previstos nos arts. 30º e 31º da Lei 34/2004, e não já a subscrita por mandatário constituído.

In casu, verifica-se que a contestação apresentada se mostra subscrita por mandatário constituído, alheio ao benefício de apoio judiciário requerido que justificou a interrupção do prazo, e constituído através de procuração forense que até tem data anterior à apresentação do pedido de concessão daquele apoio.

Como é bom de ver, a procuração assim apresentada não pode beneficiar da interrupção do prazo para contestar, por falta de previsão legal, e sob pena de clamorosa injustiça.

Ainda que se entendesse que a apresentação posterior do pedido de apoio judiciário consubstancia uma revogação tácita da procuração, já que apresentado em 19.11.2018, comprovado nos autos em 22.11.2018, sendo a procuração passada, datada de 30.11.2018, e que a Ré ainda estaria em tempo de apresentar contestação, vista a informação com a refª ..., da AO, conclui-se que o prazo interrompido se reiniciou em 23.01.2019, com a notificação da nomeação de patrono e terminou em 24.02.2019.

Nestes termos, a contestação apresentada não pode ser admitida, constituindo expediente manifestamente dilatório, pelo que se determina o seu desentranhamento.

            Custas pela Ré, que se fixam em 2 UC´s, nos termos do artigo 531º do CPC.’.


II

            Deste despacho interpôs recurso a Ré, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:

            ...


III

            Não foram apresentadas contra-alegações e o referido recurso foi admitido em 1ª instância, como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo, tendo como tal sido aceite nesta Relação, nada obstando ao conhecimento do seu objeto, o qual se traduz na reapreciação da oportunidade ou extemporaneidade da apresentação da contestação pela Ré, nas circunstâncias supra referidas.

            Apreciando, resulta do artº 16º, nº 1, al. b) da Lei nº 34/2004, de 29/07, na sua redação decorrente da Lei nº 47/2007, de 28/08,  (que republicou aquela lei), que o apoio judiciário compreende, entre outras, ‘a modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono’, apoio esse que é suscitado ou requerido pelo interessado no mesmo – artº 22º da citada lei -, daí resultando que ‘... quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de uma ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso nessa ação se interrompe com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o referido procedimento administrativo, prazo esse interrompido que se inicía a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação’ – artº 24º, nºs 1, 4 e 5, al. a) da citada lei.

            Quando o referido requerimento tiver sido apresentado na pendência de ação judicial, a decisão final sobre o pedido de apoio judiciário é notificada ao tribunal em que a ação se encontra pendente, bem como, através deste, à parte contrária – art. 26º, nº 4 -, bem como é notificada a nomeação de patrono pela Ordem dos Advogados ao requerente e ao patrono nomeado (com expressa advertência do início do prazo judicial) – artº 31º, nºs 1 e 2 -, sendo que cabe também ao beneficiário do apoio judiciário requerer à Ordem dos Advogados a substituição do patrono nomeado, com o devido fundamento, quando tal se imponha – artº 32º.

            Daqui decorre, como se afigura ser manifesto, que o referido regime de apoio judiciário, na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, assenta nas normas referidas, das quais resulta que todas elas estão redigidas e direcionadas para a efetiva nomeação administrativa de um patrono oficioso, a quem caberá, na sequência da sua nomeação pela sua Ordem, dar andamento ao que processualmente cumprir ser observado, tendo em conta designadamente os prazos legais aplicáveis ao caso.

            Assim, como no presente caso a requerente do apoio judiciário, na referida modalidade, tinha um prazo de 30 dias para contestar, esse prazo reiniciou-se ou voltou a correr com a notificação ao patrono nomeado da sua designação (pela sua Ordem) – artº 24º, nºs 1, 4 e 5, al. a) da citada lei -, ou seja, no caso, a partir de 23/01/2019.

            Portanto, visto que o patrono nomeado é notificado com a expressa advertência do início do prazo judicial, a ele cabia ter em conta o novo prazo de contestação.

            Porém, nenhuma contestação da ação foi apresentada pela senhora advogada nomeada como patrono oficioso à Ré, nem foi requerida a sua substituição, verificando-se que no decurso do novo prazo de contestação, em 06/02/2019, foi sim apresentada contestação, mas por uma senhora advogada que nada tem a ver com a referida nomeação da patrono oficioso, e que tem uma procuração a seu favor, passada pela Ré, datada de 30/11/2018.

            Será que pode e deve ser considerada como regular esta apresentação de contestação, como pretende a Recorrente, ou deverá entender-se que no caso não é aplicável o supra referido regime da Lei nº 34/2004, como resulta do despacho recorrido?

          Inclinamo-nos para o entendimento do despacho recorrido, sem o que não faz qualquer sentido o referido regime de interrupção de prazo processual, que apenas colhe efeitos dentro do referido regime de apoio judiciário, como um todo, não se podendo entender, assim se nos afigura, que tal regime possa ser desvirtuado ou usado de forma a dele apenas se colher o benefício da referida interrupção de prazo processual, para, dessa forma, o beneficiário do apoio poder contestar ou articular fora dos prazos processuais convencionais aplicáveis, mediante representante forense que não é o que lhe foi nomeado pela Ordem dos Advogados.

            Pelo que estamos de acordo com o despacho recorrido, segundo o qual o requerente de apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de patrono apenas pode beneficiar deste regime como um todo, isto é, não pode dele beneficiar apenas para lograr obter dilatação de prazos processuais aplicáveis.

            Face ao que se confirma o despacho recorrido, que desatendeu a contestação apresentada, considerando-a como apresentada fora de prazo.

            Neste sentido pode ver-se o Ac. desta Relação de Coimbra de 01/10/2013, Proc.º nº 4550/11.5T2AGD.C1, relatado pelo então sr. Desembargador Teles Pereira, disponível em www.dgsi.pt/jtrc, no qual escreveu:

I – A interrupção do prazo para contestar decorrente da apresentação de requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, prevista no artigo 24º, nº 3 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, só se torna efectiva como interrupção desse prazo, no caso de ao requerente ser nomeado mandatário, pela apresentação da contestação por esse mandatário;
II – Assim, se os requerentes dessa nomeação, dela fazendo descaso, constituem paralelamente um mandatário voluntário, sendo este quem apresenta a contestação no prazo que caberia, em função da interrupção, ao patrono oficioso, considera-se essa contestação extemporânea, devendo ser mandada desentranhar.

            No mesmo sentido veja-se o Ac. da Relação de Évora de 22/10/2015, Proc.º nº 1281/13.5TBTMR-A.E1, igualmente disponível em www.dgsi.pt/jtre, onde se escreve:

               ‘A interrupção dos prazos processuais na sequência do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono assenta e tem como pressuposto a necessidade de obtenção do patrocínio oficioso e visa permitir não só a apreciação desse pedido de nomeação, mas também conceder ao patrono nomeado o tempo necessário ao estudo do caso e à prática do acto respectivo. Ora, se a recorrente, quando requereu a nomeação de patrono e informou desse facto o Tribunal, já tinha, voluntariamente, constituído mandatário, não podia ter formulado tal pedido de nomeação de patrono, por manifesta desnecessidade e por, manifestamente, tal pedido constituir um abuso processual. Nestas circunstâncias não pode o requerente beneficiar do direito à interrupção de um prazo e consequente prolongamento de prazo da contestação, por isso constituir uma fraude à lei, na medida em que o mandatário que subscreveu a contestação fora constituído muito antes de ser formulado o pedido de nomeação de patrono.’.

               É certo que também há vasta jurisprudência no sentido defendido pela Recorrente, que, nas suas alegações, cita vários acórdãos em tal sentido, designadamente das Relações de Lisboa e do Porto.

            Mas não nos revemos nesse dito entendimento, pois afigura-se-nos que o dito não colhe nem pode colher face ao instituto do apoio judiciário e seu regime jurídico, sob pena de este poder apenas ser usado para fins menos retos ou menos próprios.

            Concluindo, improcede o presente recurso, impondo-se a confirmação do despacho recorrido, o que se decide.


IV

            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se o despacho recorrido.

            Custas pela Recorrente.


***

            Sumário:

I - Resulta do artº 16º, nº 1, al. b) da Lei nº 34/2004, de 29/07, na sua redação decorrente da Lei nº 47/2007, de 28/08 (que republicou aquela lei), que o apoio judiciário compreende, entre outras, ‘a modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono’, apoio esse que é suscitado ou requerido pelo interessado no mesmo – artº 22º da citada lei -, daí resultando que ‘... quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de uma ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso nessa ação se interrompe com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o referido procedimento administrativo, prazo esse interrompido que se inicía a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação’ – artº 24º, nºs 1, 4 e 5, al. a) da citada lei.

II - O referido regime de apoio judiciário, na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, assenta nas normas referidas, das quais resulta que todas elas estão redigidas e direcionadas para a efetiva nomeação administrativa de um patrono oficioso, a quem caberá, na sequência da sua nomeação pela sua Ordem, dar andamento ao que processualmente cumprir ser observado, tendo em conta designadamente os prazos legais aplicáveis ao caso.

III - O referido regime de interrupção de prazo processual apenas colhe efeitos dentro do referido regime de apoio judiciário, como um todo, não se podendo entender, assim se nos afigura, que tal regime possa ser desvirtuado ou usado de forma a dele apenas se colher o benefício da referida interrupção de prazo processual, para, dessa forma, o beneficiário do apoio poder contestar ou articular fora dos prazos processuais convencionais aplicáveis, mediante representante forense que não é o que lhe foi nomeado pela Ordem dos Advogados.

IV - Se o requerente dessa nomeação, dela fazendo descaso, constitui paralelamente um mandatário voluntário, sendo este quem apresenta a contestação no prazo que caberia, em função da interrupção, ao patrono oficioso, considera-se essa contestação extemporânea, devendo ser mandada desentranhar.


***

                                               Tribunal da Relação de Coimbra, em 25/06/2019