Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
141/08.6GBTNV-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA NÃO PAGA EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA
Data do Acordão: 07/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES NOVAS – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 49º CP
Sumário: Para que se respeite o comando do artº 49º do CP, só pode ordenar-se o cumprimento da prisão subsidiária quando se constate por via de uma execução que o exercício do poder coercivo do Estado não resultou para que se conseguisse o pagamento da pena de multa.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I - RELATÓRIO

            1. No processo comum singular n.º 141/08.6GBTNV do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas, o arguido G..., devidamente identificado nos autos, foi condenado, por sentença datada de 29/5/2009, devidamente transitada em julgado, pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º/1 e 204º/1 f) do Código Penal, na pena de 300 dias de multa à diária da € 7,50, num total de € 2250.

2. Por despacho de 12/11/2009, foi determinada a substituição dessa pena pecuniária por trabalho a favor da comunidade (artigo 48º/1 do CP).

3. A fls 728 dos autos principais é junto um ofício da DGRS, datado de 29/4/2010, no qual se dá conta que o arguido nunca chegou a concluir a pena de trabalho de favor da comunidade – por substituição da multa - aplicada em outro processo judicial, «tendo o tribunal optado pela sua revogação», concluindo que «neste sentido, o arguido não chegou sequer a iniciar a execução da presente medida judicial, colocando-se, também neste processo, numa situação de incumprimento».

4. Surge então a promoção do Ministério Público, datada de 3/5/2010, com o seguinte teor:

«Fls 728: Uma vez que o arguido não cumpriu a prestação de trabalho em substituição de pena de multa que lhe foi aplicada, haverá que proceder à averiguação sobre se na presente data o mesmo possui bens penhoráveis, em ordem a proceder à eventual execução patrimonial.

Pelo que promovo se averigúe e informe se este arguido possui bens ou rendimentos penhoráveis».

5. Foi sobre esta promoção que foi redigido o despacho recorrido, datado de 5/5/2010, no qual

· se indeferiu a promoção do MP;

· se decidiu que, face ao informado pela DGRS, já não ocorrerá a decidida substituição da multa por trabalho a favor da comunidade;

· se decidiu aplicar ao arguido 200 dias de prisão subsidiária, por conversão da inicial pena de multa, nos termos do artigo 49º/1 do CP e

· foi ordenado a passagem dos mandados de captura do arguido e de condução do mesmo ao EP a fim de cumprir tal prisão subsidiária.

Tal despacho tem o seguinte teor:

«Fls 723:

Salvo o devido respeito discorda-se da posição manifestada pelo Ministério Público que haverá previamente de verificar se o arguido G... tem bens penhoráveis de forma poder-se executar a pena de multa em que ele foi condenado nos presentes autos.

Na verdade, compulsados os autos, designadamente o despacho de fls. 603, constata-se que já se procedeu à verificação se o arguido G... tinha bens penhoráveis de forma a instaurar-se contra o mesmo uma execução, na altura para obter o pagamento das custas em que ele foi condenado nos autos.

Sem sucesso, no entanto, na medida em que das informações prestadas pelas várias entidades resultou que não existe notícia que este arguido tenha bens penhoráveis. Tanto assim é que o Ministério Público fez consignar a fls. 639 que não iria instaurar execução pelas custas, na medida em que não foram encontrados bens penhorados ao arguido G....

Em conformidade, e pelo exposto, indefere-se a promoção do Ministério Público para que fosse averiguado se o arguido G... possui bens ou rendimentos penhoráveis, na medida em que tal já foi efectuado nos autos.

Notifique.
**

Fls 728: Tendo em conta a informação prestada pela DGRS que o arguido G... desistiu de cumprir a sanção de trabalho a favor da comunidade que iria substituir a pena de multa em que ele foi condenado nos autos, já não ocorrerá esta substituição.

Consequentemente, continua o arguido obrigado a proceder ao pagamento da pena de multa em que foi condenado nos autos.

Notifique.

Comunique à DGRS que deixou de interessar a aplicação ao arguido da sanção de trabalho a favor da comunidade.

**

O arguido G... foi condenado nos presentes autos na pena de 300 dias de multa à taxa diária de 7,50 euros, o que perfaz o total de 2.250 euros, pela prática de um crime de furto qualificado, através de sentença entretanto transitada em julgado, conforme resulta de fls. 390.

Resulta do artigo 489°, n°2, do Código de Processo Penal, que é de 15 dias após o trânsito em julgado da sentença, o prazo para o pagamento desta pena de multa. O arguido foi notificado do prazo que tinha para proceder a esse pagamento. Contudo, o arguido não procedeu a qualquer pagamento no prazo que tinha para o fazer. Também não apresentou em Tribunal qualquer justificação para a sua omissão.

Resulta das informações constantes nos autos que não são conhecidos quaisquer bens penhoráveis ao arguido G.... Deste modo, não será possível proceder à execução patrimonial de forma a obter o valor suficiente para pagamento da pena de multa, nos termos do artigo 491°, do Código de Processo Penal.

Em conformidade, e nos termos do artigo 49°, n°1, do Código Penal, o arguido G... deverá cumprir pena de prisão subsidiária pelo tempo correspondente a 2/3 da pena de multa.

Essa pena de prisão subsidiária só seria passível de ser suspensa se estivessem preenchidas as condições previstas no artigo 49°, n°3, do Código Penal, cabendo então ao condenado que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável. O arguido não apresentou em tribunal qualquer justificação para a sua omissão. Deste modo, não será possível proceder à suspensão da prisão.

Procede-se assim à conversão da pena de multa aplicada ao arguido G... no presente processo na pena de prisão subsidiária de 200 dias, que corresponde àqueles 2/3.

Pelo exposto, decide-se aplicar ao arguido G... a pena de prisão subsidiária de 200 dias.

Notifique.
**

Passe mandados de captura do arguido G... e de condução ao Estabelecimento Prisional a fim de o mesmo cumprir a pena de prisão subsidiária referida supra e envie os mesmos aos OPCs competentes. Dos mandados deverá constar que os OPCs que os cumprirem deverão fazer a advertência ao arguido que ele poderá evitar a execução da prisão subsidiária, pagando a pena de multa em que foi condenado, nos termos do artigo 49°, n°2, do Código Penal».

6. Inconformado, o Ministério Público recorreu deste despacho, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

                                                     «1º

A substituição da pena de multa por prisão subsidiária apenas deve operar, nos casos em que o arguido não tenha procedido ao pagamento voluntário no prazo legal, não tenha requerido a substituição da pena por prestação de trabalho, não tendo também invocado qualquer motivo para o não pagamento e, finalmente, desde que não lhe sejam conhecidos quaisquer bens penhoráveis e desembaraçados, nos termos dos artigos 49º, n.º 1 do Código Penal e 491º do Código de Processo Penal.

da pena de prisão subsidiária antes de obter a referida informação ou dar ao arguido oportunidade de se pronunciar sobre o incumprimento verificado.

                                                           7º

Consequentemente deverá o douto despacho recorrido ser revogado e consequentemente ser substituído por outro que, antes da decisão sobre substituição da pena de multa, determine que se solicite informação actualizada sobre se ao arguido são conhecidos bens penhoráveis».

            7. Não houve respostas.

8. O Exmº Juiz que proferiu o despacho recorrido sustentou a sua decisão, por despacho de fls 88 a 90 destes autos. 
Fê-lo do seguinte modo:
«Consideramos que os argumentos apresentados pelo Ministério Público nas suas alegações de recurso de forma alguma abalam a decisão que foi tomada no despacho recorrido.
Na verdade, se se aceitasse a perspectiva do Ministério Público a informação quanto à situação económica do condenado nunca poderia ser considerada actual. De facto, é do conhecimento comum que decorrem sempre 15 dias a 3 semanas, quando não é mais, desde que as informações prestadas pelas entidades sobre a situação económica até que ocorra a abertura de conclusão para o Tribunal se pronunciar sobre a situação da falta de pagamento por aquele da pena de multa que lhe foi aplicada nos autos, designadamente, porque tem sempre de ser, pelo menos, aberta vista ao Ministério Público para ele se pronunciar sobre a questão. Ora: seguindo a tese do Ministério Público tais informações não estariam actualizadas, na medida em que o arguido poderia entretanto arranjado um emprego, no caso da informação ser de que ele se encontra desempregado. Tendo em conta o período temporal já decorrido, ou seja os 15 dias ou as 3 semanas, haveria novamente necessidade de solicitar informação à Segurança Social para esta esclarecer se o condenado tinha entretanto arranjado um emprego, pois a informação anterior estaria alegadamente “desactualizada”. Deste modo, a informação estaria sempre desactualizada, havendo assim a necessidade de sistematicamente a renovar. Cair-se-ia assim num ciclo vicioso que nunca mais terminaria, impedindo o Tribunal de proferir decisão quanto à situação, ou seja sobre a falta de pagamento pelo arguido da pena de multa em que foi condenado nos autos.
Verifica-se assim, salvo o devido respeito, que esta perspectiva sustentada pelo aqui pelo Ministério Público é destituída de cabimento. Na verdade, no presente caso a informação prestada pela Segurança Social de que o arguido G... não está a exercer qualquer actividade laboral tinha 2/3 meses quando foi proferido o despacho recorrido. Vir agora dizer que deveria ser pedida nova informação à Segurança Social, na medida em que o arguido poderá entretanto ter arranjado um emprego, não passa de uma manifesta especulação, e não faz mais do cair no ciclo vicioso referido no parágrafo anterior, pois nunca se poderia se considerar que a informação estava actualizada.
Repare-se igualmente na incoerência do presente recurso. Na verdade, anteriormente e após terem dado entrado as informações de que não eram conhecidos bens penhoráveis ao arguido G..., o Ministério Público veio declarar que não iria instaurar execução contra o mesmo em relação às custas em que ele foi condenado nos autos, atentas aquelas informações. Posteriormente, passados 2 meses, tais informações já não servem para que o Ministério Público venha declarar se pretende ou não instaurar execução pela pena de multa em que o arguido foi condenado nos autos.
Além disso, se o Ministério Público estava convicto que o arguido poderia ter entretanto arranjado emprego e que se poderia penhorar parte do seu vencimento, porque apenas veio declarar que pretendia verificar se era viável a execução em relação à pena de multa, não o fazendo igualmente em relação às custas em que o arguido havia sido igualmente condenado? Ora, se haveria viabilidade da execução quanto à pena de multa, por alegadamente poderem ser encontrados bens penhoráveis ao arguido, tal também ocorreria em relação às custas. Então porque é que o Ministério Público não veio declarar igualmente que pretendia inverter a sua posição quanto às custas e solicitar a execução também das mesmas caso fossem encontrados bens penhoráveis?
Por outro lado, verifica-se que em inúmeros processos criminais e civis o Ministério Público veio declarar que não iria instaurar execução contra os responsáveis pelas custas ou por outras dívidas, designadamente, multas, coimas, etc., devido ao facto de resultar das informações quanto à situação económica daqueles que não eram titulares de bens penhoráveis. Contudo, seguindo a lógica sustentada no presente recurso, o Ministério Público deveria ter solicitado que se aguardasse por 2/3 meses e depois fosse pedida nova informação, designadamente, à Segurança Social, na medida em que o responsável poderia entretanto ter arranjado um emprego e ser assim possível executar os valores em dívida através da penhora de parte do seu vencimento. Contudo, tal nunca aconteceu. Os processos em causa são declarados extintos ali, ou a solução não passa nunca pela execução.
Além disso, o Ministério Público nunca vem pedir a reabertura dos processos para ser solicitada nova informação às entidades em causa, designadamente para verificar se o responsável entretanto arranjou um emprego e se é possível obter o pagamento dos valores em dívida através da penhora de parte do seu vencimento. Reabertura do processo que, como é sabido, será sempre viável, até que ocorra a prescrição dos valores em dívida.
A mesma situação ocorre com as execuções por custas, coimas e outras dívidas ao Estado que são arquivadas condicionalmente devido ao facto de não terem sido encontrados bens penhoráveis ao responsável e executado. Aí a situação ainda se torna mais flagrante, na medida em que é a própria Lei que determina que os autos de execução podem ser reabertos se forem entretanto encontrados quaisquer bens penhoráveis ao responsável. Contudo, o Ministério Público nunca veio pedir nessas execuções, periodicamente e até a dívida prescrever, a sua reabertura, de forma a serem pedidas informações às entidades sobre a situação económica do responsável, designadamente se ele entretanto arranjou um emprego e se se pode penhorar parte do seu vencimento para pagar os valores em dívida.
Sinceramente consideramos que não se pode querer ser “mais papista que o Papa”.
Por outro lado, e ao contrário do que é sustentado no recurso, as normas da Constituição, designadamente o artigo 32°, não são aplicáveis directamente aos processos criminais. Estes processos encontram-se regulados por um regime específico, que se encontra previsto no Código Penal ou no Código de Processo Penal, não havendo fundamento para se aplicar assim a Constituição directamente.
Ora, não se vislumbra a existência de qualquer norma no Código de Processo Penal, ou no Código Penal, de onde resulte que o Tribunal tenha de ouvir previamente o arguido antes de se pronunciar sobre o seu incumprimento da pena de multa. Designadamente, da leitura do n°1, do artigo 49°, do Código Penal, não resulta em nenhuma parte que o Tribunal tenha previamente de ouvir o arguido antes de converter a pena de multa em prisão subsidiária, caso o condenado não pague a multa no prazo que tem para o fazer.
Pelo contrário nos termos do artigo 49°, n° 3, do Código Penal, cabe sim ao arguido vir, espontaneamente, esclarecer as razões pelas quais não pagou a pena de multa e provar que a razão do seu incumprimento não lhe é imputável.
Se o artigo 32°, da Constituição fosse aplicado directamente ao processo criminal e por força de tal norma, fosse sempre e em todas as ocasiões necessário ouvir previamente o arguido antes de se tomar qualquer decisão no processo, então não havia necessidade de constarem no Código de Processo Penal normas que prevêem a audição do arguido antes de ser tomada qualquer decisão, designadamente a do artigo 495°, n°2, do Código de Processo Penal, em caso de incumprimento pelo arguido da condição para a suspensão da pena de prisão.
Esta norma será assim redundante, se o Tribunal tem de ouvir o arguido em todas e quaisquer ocasiões antes de tomar uma decisão.
Ao contrário do que é pretendido por muitas pessoas, o Tribunal não é nenhum “tutor” do arguido de forma a que, de forma paternal, tenha de andar atrás dele para que ele justifique o seu comportamento, e para arranjar factos justificativos do seu comportamento, de forma a evitar ser sancionado. Cabe ao arguido o ónus de apresentar a sua defesa. Não cabe ao Tribunal qualquer função de colaboração na sua defesa. Ao contrário do que cada vez mais é sustentado, o arguido não tem apenas direitos ou garantias, mas também tem deveres.
Refira-se ainda que o arguido G... estava advertido que se não pagasse a pena de multa no prazo legalmente previsto para o efeito, a mesma seria convertida em prisão subsidiária, na medida em que tal advertência consta da sentença proferida nos autos. Conhecedor dessa advertência, o arguido, assim que faltasse ao pagamento da multa, deveria vir espontaneamente esclarecer os fundamentos desse incumprimento.
Não tinha o Tribunal de o estar a notificar para que o fizesse.
Como o arguido não justificou o facto de não ter procedido ao pagamento da pena de multa, como estava obrigado nos termos do artigo 49°, n°3, do Código Penal, o Tribunal limitou-se a cumprir a Lei no despacho recorrido,’ designadamente o artigo 49°, n°1, do Código Penal convertendo a pena de multa em prisão subsidiária.
Pelo exposto, e nos termos do artigo 414°, n°4, do Código de Processo Penal, decide-se sustentar a decisão recorrida».

            9. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exº Procurador-Geral Adjunto limitou-se a apor o seu visto (artigo 416º do CPP).

            10. Foram entretanto colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO

             1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

             Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, a única questão a decidir consiste em saber:

· foi legal o despacho do tribunal em converter a pena de multa não paga em prisão subsidiária sem curar de saber se o arguido tinha bens penhoráveis susceptíveis de justificar uma execução patrimonial e sem curar de fazer o devido contraditório sobre o alegado incumprimento da pena de multa.

            3. APRECIAÇÃO DE DIREITO

           

3.1. Foi o arguido condenado, por sentença transitada em julgado, em pena de multa a título principal (artigos 47º a 49º do CP).

Como tal, não estamos perante uma pena de multa que tenha resultado de uma substituição de uma pena de prisão (artigo 43º do CP).

No caso da multa substitutiva da prisão, esta substituição acarreta para o condenado um ónus – o do cumprimento voluntário da pena substitutiva.

No que concerne ao incumprimento, verifica-se que se a pena de substituição não for paga, o condenado terá que cumprir toda a pena de prisão em que ficou condenado, como se não tivesse havido substituição (art. 43.º nº 2 do CP), enquanto na pena principal de multa – o nosso caso - o condenado apenas cumprirá a pena de prisão subsidiária reduzida a dois terços (art. 49.º n.º 1 do CP).

Na situação da pena principal de multa, sempre pode o arguido, a todo o tempo, evitar a execução da prisão subsidiária pagando a multa, nos termos do art. 49.º nº 2 do Código Penal (cfr. ainda artigo 100.º n.º 3 do CCJ ainda aplicável aos autos).

No caso do art. 49°, a pena de multa é principal e a de prisão subsidiária, e, no caso do art. 43°, a pena de prisão é principal e a de multa de substituição.

3.2. Estipula o artº 49º nº 1 CP que: «Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida a prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a 2/3 (…)».

No nosso caso, a multa não foi paga dentro do prazo legal, tendo o arguido requerido a sua substituição por dias de trabalho, o que foi aceite pelo tribunal.

Contudo, acabou o arguido por nunca iniciar tal trabalho, por razões que se desconhecem em absoluto – e aqui teria sido melhor o Exmº Juiz, em vez de embarcar nesta cruzada pela prisão subsidiária, indagar das reais razões pelas quais o arguido não iniciou o trabalho a favor da comunidade, fazendo o natural e desejável contraditório (convenhamos que a explicação dada pela DGRS é manifestamente inócua e pouco factualizada).

Diga-se, no entanto, que nos é impedido mexer nessa questão pois o recurso não a abarca (estando nós sujeitos às suas conclusões), estando, ao que parece, o MP de acordo em que se tenha de «revogar» a prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada ao arguido em substituição da multa principal.

Por conseguinte, ficou de novo activa a inicial pena de multa.

E se assim é, é imperioso que se conclua que o tribunal deverá passar à fase seguinte da execução dessa pena de multa,

- gorada que seja a hipótese do pagamento após notificação para o efeito, lida a sentença (artigo 489º do CPP);

- não activado que foi o pagamento faseado em prestações (artigo 47º/2 do CP);

- e ultrapassada que foi a fase da substituição prevista nos artigos 48º do CP e 490º do CPP (note-se que equiparável à situação de alguém que não requer o substituição da multa por trabalho é aquela em que alguém requer tal substituição e depois não cumpre tal labor).

O artigo 49º/4 do CP manda aplicar o regime dos n.ºs 1 e 2 à situação em que o «condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída» (a nossa situação[1]).

No entanto, tal não significa que se avance logo para a fase da prisão subsidiária, olvidando a fase da execução patrimonial (colocando-se só nessa altura a hipótese de tal execução coerciva pois até então estava o tribunal convencido que a multa seria cumprida pelos dias de trabalho em que o agente foi condenado). Se incumpriu tal determinação laboral, tentar-se-á a execução patrimonial e só quando esta também for gorada se avançará para o artigo 49º/1 do CP.

No fundo, volta-se ao ponto de partida – só após se determinar que o trabalho já não é uma alternativa válida é que se pode começar a avançar para a execução coerciva da multa prevista no n.º 1 do artigo 491º do CPP.

Incumbe ao MP promover a execução patrimonial e ao julgador tramitá-la.

A fase da execução coerciva da pena de multa só se inicia após a recolha oficiosa pela secção do tribunal (e não pelos funcionários dos Serviços do MP de informação sobre bens do arguido junto do OPC da área da residência do mesmo ou através dos meios informáticos colocados à sua disposição.

Em face dessa informação sobre bens, o MP decide, e só ele, se instaura ou não execução contra o arguido para pagamento dessa pena de multa.

O pagamento coercivo pressupõe, pois, que corra contra o arguido uma execução pois só assim pode tentar-se a coercibilidade.

Preceitua o artº 491º nº 2 do CPP que:

«Tendo o condenado bens suficientes e desembaraçados de que o tribunal tenha conhecimento ou que ele indique no prazo de pagamento, o Ministério Público promove logo a execução, que segue os termos da execução por custas».

Normatizava o artº 116º /1 do CCJ que:

«O Ministério Público instaurará a execução se ao devedor de custas ou multas forem conhecidos bens penhoráveis».

E o artigo 115º/2 do referido CCJ rezava assim:

«Para o efeito do disposto no nº anterior a secção de processos pode, sempre que indispensável solicitar a colaboração de outras entidades».

Daqui resulta à evidência que:

· 1º- que não havendo bens conhecidos ou sendo estes insuficientes ou impenhoráveis, o MP não promove a execução, o que configuraria um acto inútil (cfr. artº 137º CPC);

· 2º- quem afinal verifica da existência/inexistência de bens é o tribunal, ou seja, o JUIZ (sendo a «sua» secção de processos quem faz a indagação, na dependência funcional do julgador.

Compreende-se que assim seja, quando por causa de uma pena de multa possa vir um arguido a conhecer as malhas da prisão, estando em jogo, nesse caso, os seus mais elementares e supremos direitos, liberdades e garantias, funcionando o juiz como o garante último da liberdade das pessoas e da legalidade dos actos.

Decidiu o Acórdão da Relação do Porto de 18/3/2004 (Pº 655/2004-9) que «é o juiz, em suma, que toma conhecimento, que se inteira se o condenado tem ou não bens penhoráveis. Se tem dá seguimento ao requerimento executivo do MP. Se não tem dá seguimento à promoção do MP no sentido da conversão da multa em prisão subsidiária. E indefere o inverso.

Mas este poder/dever é para ser assumido.

Sendo que, evidentemente, cumpre sempre ao Ministério Público decidir se executa ou não, se promove ou não (artº 469º CPP)».

 Só na circunstância de o MP não executar por insuficiência ou inexistência de bens, tal concluindo no processo, em vista aberta para o efeito (o que nem sequer ainda foi feito pelo MP nos autos), é que o juiz poderá chegar à conclusão de que a multa, não tendo sido paga voluntariamente, também não conseguirá ser cobrada em termos coercivos.

E só então é que poderá passar para a fase seguinte – a da conversão da pena de multa em prisão subsidiária (artigo 49º/1 do CP).

Como tal, entendemos que o cumprimento da pena de prisão subsidiária só pode ordenar-se caso a multa não seja paga de forma voluntária ou coerciva.

Significa isto que - e tal tem sido unanimemente defendido - para que se respeite o comando do artº 49º do CP, só pode ordenar-se o cumprimento da prisão subsidiária quando se constate por via de uma execução que o exercício do poder coercivo do Estado não resultou para que se conseguisse o pagamento da pena de multa.

Ora, no nosso caso, nem sequer se chegou à fase da decisão sobre a viabilidade ou não da execução patrimonial, cabendo essa conclusão ao MP e não ao Juiz.

Caberá é ao juiz encetar diligências com vista a que o MP possa decidir em consciência pela viabilidade ou não dessa execução de bens.

Por tal motivo, só pode proceder este recurso.

Na realidade, o Exmº Juiz «a quo» não diligenciou, como lhe competia, pelo carrear de mais informações sobre o património deste arguido (e não se diga que meses antes já havia o MP decidido pela não instauração das custas não pagas – acontece que, a todo o tempo pode haver inversão de tal conclusão mesmo quanto às custas, a todo o tempo pode o arguido empregar-se se estiver desempregado, pode sempre vir a adquirir bens para sua casa susceptíveis de penhora, sendo esta, aliás, uma outra decisão pois refere-se, não a meras custas, mas ao pagamento de uma multa criminal cujo não pagamento pode até redundar na aplicação de dias, meses ou anos de prisão…).

Foi, assim, imprudente o Exmº Juiz, enredando-se numa guerra de palavras com a Exmª Magistrada do MP, esquecendo o seu papel inquestionável de garante das liberdades e garantias dos arguidos.

Não é o tribunal nenhum «tutor» do arguido, sabemo-lo. É muito mais do que isso - é o seu garante!

E note-se com estranheza até o seguinte: já depois de proferido este despacho, o Exmº Juiz, por despacho datado de 15/6/2010 (cfr. fls 773 dos autos principais e fls 11 deste apenso de recurso), acaba por satisfazer em parte  o promovido a fls 729, mandando solicitar ao CRSS competente informação sobre o vencimento declarado do nosso arguido G... (ora, afinal o arguido, contra o qual um mês antes se emitiram mandados para cumprimento de uma pena de prisão subsidiária por se entender não haver bens penhoráveis na sua titularidade, poderá estar empregado, podendo haver um bem penhorável até).

3.3. Mas existe uma outra razão para fazer proceder este recurso, em muito boa hora intentado.

Também foi preterido o sagrado direito do arguido ao contraditório, já, aliás, negado aquando da decisão de tornar culposo o incumprimento do trabalho substitutivo da multa.

Preceitua o artº 61º nº 1 b) CPP que:

«O arguido goza em qualquer fase do processo…do direito de ser ouvido pelo tribunal sempre que se deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte».

Haverá caso mais paradigmático do que este para fazer cumprir em toda a sua pujança tal comando legal?

Parece-nos que não.

Haveria assim o Mmº Juiz a quo que ordenar a notificação do arguido para, no prazo que lhe fixar dizer, querendo, o que se lhe oferecer sobre a possibilidade de lhe vir a ser aplicados 200 dias de prisão subsidiária, urgindo, pois, neste incidente da conversão da multa em prisão subsidiária observar o contraditório (Artº 61º nº 1 b) CPP e Artº 32º/5 CRP).

            «Impõe que se deve averiguar o motivo de o condenado não cumprir, nomeadamente dando-lhe oportunidade de se pronunciar.

Não se mostrando que o arguido cumpriu a pena de multa (voluntária ou coercivamente), há que saber qual a razão da falta de cumprimento dessa obrigação, e só com esse conhecimento se decidirá sobre a aplicação da prisão subsidiária.

Temos que no caso dos autos se deveria averiguar o motivo de o arguido não cumprir, dando-lhe oportunidade de se pronunciar.

Como resulta do art. 49 nº 3 do CP, o mero incumprimento não conduz logo e irremediavelmente à aplicação da prisão subsidiária, pois que o condenado pode provar que o não pagamento lhe não é imputável.

Mesmo havendo lugar à aplicação da prisão subsidiária, esta pode ser suspensa, nos termos do nº 3 do referido art. 49, sendo certo que sempre é preciso dar, ao condenado, oportunidade de se pronunciar e eventualmente provar que o não pagamento lhe não é imputável» (Cfr. Acórdão desta Relação de 24/2/2010, in Pº 373/00.5PAMGR.C1).

É corrente afirmar-se que o direito processual penal é verdadeiro direito constitucional aplicado, numa dupla dimensão: na derivada de os fundamentos do processo penal serem, simultaneamente, os alicerces constitucionais do Estado e na resultante de a concreta regulamentação de singulares problemas processuais ser conformada em termos juridico-constitucionais.

Por isso, o direito a um processo com todas as garantias de defesa respeita à generalidade dos actos processuais e permite que em cada situação processual concreta nos possamos interrogar se a garantia constitucional foi efectivamente respeitada.

Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho – ou, tendo-o sido, acabou por não poder ser cumprida por culpa do arguido -, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária.

Cremos, contudo, não se poder dispensar o respeito pelo contraditório, já que isso violaria ditames constitucionais designadamente o artigo 27º da Constituição da República Portuguesa.

Nos termos do artigo 61, nº1, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal, o arguido goza em especial, em qualquer das fases do processo e, salvas as excepções da lei, do direito de ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte.

Trata-se, pois, da emanação do Princípio do Contraditório com assento constitucional (artigo 32º, nº5 da Constituição da República Portuguesa).

No caso sub judice, os autos demonstram que o Mmº Juiz a quo não assegurou a possibilidade de o arguido exercer o contraditório antes de decidir a conversão da pena de multa em prisão subsidiária.

Ora, a falta de audição do arguido no caso em que a lei comina essa obrigatoriedade, por colidir com direitos fundamentais de defesa, constitui nulidade insuprível, passível, de ser suscitada em fase de recurso – n°3 do art. 410° do Código de Processo Penal.

Daí que, se verifique a nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, alínea d) do Código de Processo Penal, arguida em tempo.



            3.4. Em consequência, procederá o recurso em toda a sua extensão.

                                              

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III – DISPOSITIVO

           

Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em conceder provimento ao recurso intentado pelo Ministério Público, revogando o despacho recorrido em toda a sua extensão, o qual deverá ser substituído por outro que:

1º- defira ao promovido a fls 729 e

2º- exerça o devido contraditório com o arguido, logo que o MP tenha concluído nos autos que não executará a pena de multa de forma coerciva e antes de passar para o cumprimento do artigo 49º/1 do CP (cumprimento da prisão subsidiária que deverá então fixar, se for caso disso).



            Sem tributação.


Coimbra, _______________________________
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94.º, n.º 2, do C.P.P.)


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(Paulo Guerra)


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(Vieira Marinho)


[1]Muito embora se repita – está por provar a culpa do agente neste pretenso incumprimento, denunciado de forma tão ténue e infundamentada pela DGRS a fls 728. Como tal, perante esse ofício, teria sido bem melhor que o Exmº Juiz ouvisse o arguido, sabendo de sua justiça sobre o que aconteceu realmente, podendo pedir informações ao outro processo no âmbito do qual estava ele a cumprir também dias de trabalho (no fundo, bastou-se este tribunal com uma afirmação conclusiva da DGRS quando refere que o outro tribunal revogou a medida de trabalho – ora, tal só se prova por documento autêntico que seria o despacho judicial que tal teria determinado).