Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1566/11.5TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: CONDOMÍNIO
PARTE COMUM
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
DANOS CAUSADOS POR COISAS
PRESUNÇÃO DE CULPA
Data do Acordão: 03/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 493.º Nº 1 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: i. Recai sobre o conjunto dos condóminos o dever de promover a vigilância e conservação das partes comuns, tal como se encontram vinculados à obrigação de vigiar e conservar a fracção de que são proprietários exclusivos (obrigação propter rem do proprietário e, nesta medida, do condómino, na sua qualidade de comproprietário das partes comuns).

ii. A responsabilidade pela violação dos assinalados deveres radica na norma do art.º 493.º, n.º 1 do Código Civil, que estabelece uma presunção de culpa.

iii. Não tendo a ré, na qualidade de condómina, ilidido a presunção de culpa, é (co)responsável pelos estragos causados noutra fracção do imóvel constituído em propriedade horizontal, e danos de natureza não patrimonial daí decorrentes, se a respectiva proprietária logrou provar que os mesmos tiveram origem em infiltrações provindas do telhado, dado o seu mau estado de conservação.

Decisão Texto Integral: I. Relatório

A..., casada, residente na Rua (...), concelho de Viseu, veio instaurar acção declarativa de condenação, a seguir a forma sumária do processo comum, contra B..., pedindo a final a condenação da ré:
“- a sua participação na obra do telhado, cobertura e fachadas, obras com o valor de €2.987,00;
- no pagamento do valor de € 4.877,59, que corresponde à colocação da fração da A. na situação que estaria, caso a requerida não protelasse e recusasse na conservação das partes comuns;
- no pagamento de uma indemnização nunca inferior a € 2.000,00 por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros à taxa legal, contados da citação até integral pagamento”.
Em fundamento alegou, em síntese, que é dona da fracção “B” do prédio constituído em propriedade horizontal sito no (...), freguesia de (...), concelho de Viseu, inscrito na matriz sob o artigo (...) e descrito na 1.ª Conservatória do registo Predial de Viseu sob o n.º (...)da dita freguesia de S,. José, sendo a ré a proprietária da fracção “A”, inexistindo outros condóminos.
Pretendendo fixar residência na aludida fracção A, a demandante procedeu à recuperação da mesma no período que decorreu entre Julho e Setembro de 2009, ali passando a residir em Janeiro de 2010. Decorridos cerca de seis meses, e dada a existência de infiltrações provenientes das fachadas, o que ocorre por falta de impermeabilização, e também da cobertura, a fracção começou a apresentar sinais de degradação, evidenciando a urgente necessidade de intervir nas referidas partes comuns. Contactada a ré, tendo em vista participar nas necessárias obras a realizar nas partes comuns, nunca se disponibilizou para tanto, tendo-se mesmo recusado a assinar a candidatura que a autora, por duas vezes, apresentou ao programa de recuperação de habitações que a Habisolvis, EM, empresa municipal de habitação social de Viseu, então tinha em vigor e que permitiria que as obras se realizassem sem custo para as comproprietárias, o que determinou a sua rejeição.
Uma vez que a autora não tem capacidade financeira para custear sozinha as obras de que as partes comuns carecem, passou mais um Inverno, agravando os estragos já verificados no interior da fração onde reside com a sua família, ascendendo já ao montante de € 4 877,59 o custo das obras necessárias à sua reposição no estado anterior. A tais danos de natureza patrimonial acrescem outros, estes de natureza não patrimonial, causados pela circunstância do agregado habitar uma casa insalubre, apresentando a menor sua filha constantes estados gripais e otites com origem nas humidades que atingem todas as divisões, reclamando a este título quantia não inferior a € 2 000,00.
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Regularmente citada, a ré contestou, impugnando a factualidade alegada pela demandante, mais apelidando de benfeitorias voluptuárias aquelas que a mesma reclama como necessárias para reposição da fracção de que é proprietária nas condições que antes detinha, mais atribuindo às chuvas extraordinárias que caíram durante o Inverno de 2010/2011 os estragos eventualmente verificados.
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A A. respondeu, impugnando os factos e concluindo nos termos da petição inicial.
Foi elaborado despacho saneador, prosseguindo os autos com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, peças que se fixaram sem reclamação das partes.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância de todo o formalismo legal, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto nos termos constantes de fls. 318 a 323, sem reclamação das partes.
Foi depois proferida sentença que, na parcial procedência da acção, condenou a ré a participar, na proporção de metade, na obra de recuperação do telhado, cobertura e fachadas, no valor de € 1.493,50, absolvendo-a do mais peticionado.
Inconformada, a autora recorreu e, tendo apresentado as pertinentes alegações, rematou-as com as seguintes conclusões:
I. Em sentença de que se recorre o tribunal a quo condenou a ré, unicamente, a participar na proporção de metade na obra de telhado, cobertura e fachadas, no valor de 1.493,50€, absolvendo a ré nos demais pedidos formulados pela autora.
II. Indicando que “não ficou demonstrado, nem foi aliás, alegado, que em momento algum a autora lhe tenha dado conhecimento que em consequência das infiltrações pluviais na cobertura estava a sofrer danos no seu apartamento designada os supra referidos, a necessitarem de reparação. A única coisa que a este respeito resultou provada foi que a R. se recusou a assinar a candidatura a obras de reabilitação do edifício, mas não que a autora a tenha interpelado para fazer as obras, dando-lhe conta das inerentes consequências na sua fracção.” E por tal são da responsabilidade da autora, enquanto proprietária individualmente, as despesas que a mesma terá na realização de tais obras de reparação da sua fracção.
III. A autora entende que tal é fruto de um erro na apreciação do fundo da causa, na apreciação da matéria de facto alegada e provada em sede de julgamento.
IV. A decisão recorrida alega que a autora não realizou a interpelação da ré, não deu conhecimento à ré dos danos que provou existirem na sua fracção, fruto da inércia da ré em participar na reparação de partes comuns do edifício.
V. Mas a reclamante não só alegou - em sede de petição inicial nos artigos 23.º a 27.º - como provou testemunhalmente que a ré teve conhecimento, quer do estado das partes comuns, como dos danos e prejuízos de sua fracção, sobretudo presente no depoimento da testemunha C....
VI. Nos termos do disposto em artigo 483.º do C.C., aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
VII. Nos presentes autos a autora alega e prova a recusa da ré em participar na conservação de partes comuns de edifício onde é comproprietária e que tal levou à degradação da sua fracção. Nomeadamente, não tendo a autora os meios económicos para tal reparação, esta até apresentou à ré a possibilidade de beneficiarem ambas de uma ajuda camarária. Algo recusado pelo ré.
VIII. O instituto da responsabilidade civil extracontratual tem por função nuclear a reparação ou reintegração do direito ou de interesses legalmente protegidos violados por terceiro, de forma a colocar o lesado na situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido a lesão, como se extrai do disposto no artigo 563º do CC.
IX. Em que o dano ou prejuízo relevante consistirá nos efeitos negativos do acto lesivo sobre o património ou a pessoa do lesado, o que permite distinguir, desde logo, os danos patrimoniais, quando sejam susceptíveis de avaliação pecuniária, e os danos não patrimoniais ou morais.
X. Para falarmos deste instituto têm de se encontrar provados, cumulativamente os seguintes elementos: o facto voluntário, a ilicitude, os danos, a imputação do facto ao agente e o nexo se causalidade entre facto e danos.
XI. E todos esses elementos se encontram provados nos presentes autos pela autora: que é o comportamento ilícito da ré, em se recusar na participação de obras de conservação de parte comum que causa os danos na fracção da autora, numa violação do disposto em artigo 1424.º, 1420.º e 1421.º do C.C., encontram-se provados os danos patrimoniais e morais da autora e sua imputação ao comportamento da ré.
XII. A autora também prova, sobretudo com as testemunhas D..., engenheira civil, e C..., que os danos da sua fracção provêm do telhado e cobertura que a ré se recusa a comparticipar na reparação (nela de 07:40 a 08:28; nele de 05:25 a 05:40; 07:36 a 07:42)
XIII. É o comportamento contrário à Lei, ao disposto sobretudo em artigos 1424.º, 1420.º e 1421.º do C.C., por parte da ré, que impediu a realização atempada das obras em partes comuns de edifício e consequente degradação da fracção imediatamente a seguir ao telhado e cobertura - a fracção da autora.
XIV. Não se pode concluir que há uma falta de conhecimento da ré dos danos que a falta desta reparação em partes comuns causa na esfera patrimonial da autora e por tal ter a autora de suportar prejuízos para os quais não contribuiu.
XV. Desde logo porque a autora não só alegou a referida comunicação dos danos à ré em sede de petição inicial, como o provou com o depoimento de C..., que depois de relatar os prejuízos e a tentativa para os resolverem de uma forma mais vantajosa, com a candidatura a um programa de ajuda camarária, em que beneficiariam ambas as partes, refere que ele próprio telefonou à ré para lhe contar o que se passava (13:14 a 13:39).
XVI. Com a própria citação para os presentes autos, a ré passou a ter conhecimento dos elementos constitutivos do invocado direito de indemnização, dos pressupostos que condicionavam a responsabilidade civil extracontratual, passando a tomar conhecimento dos danos que o seu comportamento está a causar.
XVII. Mais: a ré não elidiu a presunção da culpa expressa no n.º 1 do artigo 493.º do C.C. A responsabilidade que, na presente acção, a autora imputa à ré, a outra condómina, deriva de um comportamento culposo desta e, nessa medida, encontra-se subordinada aos princípios que regem a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos. A ré não prova a falta de culpa ou que os danos se teriam produzido ainda que sem culpa sua.
XVIII. Devendo por tal ser a responsabilizada por tais danos.
XIX. A ré recusou-se no cumprimento da obrigação de manter as partes comuns sem vícios causadores de danos, ao não participar no orçamento apresentado pela autora e nem assinar a candidatura camarária para a benefício de subsídio na realização das mesmas. O que inviabilizou a execução atempada destas obras em telhado e cobertura, que são o ponto de origem dos danos existentes na fracção da autora.
XX. E neste caso, como dispõe o artigo 805.º do Código Civil, o devedor se constitui em mora independentemente de interpelação, sempre que a sua obrigação tenha origem em facto ilícito (alínea b), do nº 2, do indicado artigo.
XXI. Provindo de facto ilícito da ré, os prejuízos da autora na sua fracção, não se poderá atender à interpelação, nos termos formulados pela sentença recorrida.
Nesse sentido relata o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa com o n.º 5559/09.4TVLSB.L1-1, de 02-10-2012, in dgsi.
XXII. Quanto aos danos não patrimoniais, a sentença recorrida absolve a ré nos mesmos termos formulados, da falta de comunicação dos memos por parte da autora è ré. E neste ponto dá-se por reproduzido o supra mencionada quanto aos danos da fracção da autora.
XXIII. Acrescentando que a autora prova que tais danos morais e que estes são uma consequência directa da falta de obra em partes comuns, mormente com o testemunho de C... (08:30 a 09:07) e E... (03:15 a 05:24)
XXIV. Retira-se da prova produzida quer a culpa da ré, quer a comunicação do que se passava em parte comum e suas consequências. Culpa essa que não foi afastada pela ré e a constitui em mora. Constitui a ré na obrigação de reparar os danos causados na autora.
XXV. Retira-se dos depoimentos prestados que a ré não participa na reparação da parte comum em tempo devido, seja a título pessoal, seja assinando candidatura a programa que beneficiaria as partes.
XXVI. Acresce ainda que a autora requereu a condenação da ré no pagamento de juros civis, sobre os valores peticionados, desde a citação até efectivo e integral cumprimento. No entanto neste pedido encontramos em sentença recorrida uma omissão de pronúncia.
XXVII. No mínimo não se pode deixar de considerar que a ré tomou conhecimento dos danos e entrou em mora com a citação para os presentes autos. E nos termos do disposto em artigo 806.º do C.C., não se pode deixar de atender que numa obrigação pecuniária são acrescidos juros à taxa legal a contar do momento em que se constitui em mora, no mínimo desde a citação.
XXVIII. Entende a autora que se encontra violadas as seguintes disposições legais: artigos 483.º; 493.º; 566.º; 805.º; 806.º; 1420.º; 1421.º; e 1424.º, todos do Código Civil”.
Com tais fundamentos, pretende a revogação da sentença recorrida, nos segmentos impugnados, e sua substituição por decisão que condene igualmente a ré no pagamento do valor de 4.877,59€, que corresponde à colocação da fracção da reclamante na situação em que se encontraria, caso aquela não protelasse e recusasse a participar na conservação e manutenção das partes comuns do edifício, e ainda a quantia de 2.000,00€ a título de danos morais, tudo acrescido de juros à taxa legal, contados da citação até efectivo e integral pagamento.
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A apelada contra alegou e, defendendo a manutenção do decidido, conclui como segue:
“1. A pretensão da recorrente em ver revogada a sentença recorrida não apresenta qualquer fundamento.
2. A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, com referência a todas as razões de facto e de direito conducentes à improcedência da pretensão da recorrente.
3. Não merece qualquer sindicância a decisão do Tribunal “a quo” relativamente aos pontos postos em crise pela recorrente.
4. De acordo com a prova produzida em audiência de julgamento, a Meritíssima Juiz “a quo” andou bem ao considerar que a responsabilidade da recorrida se cinge apenas à comparticipação, na proporção de metade, das obras de conservação e reparação das partes comuns do edifício (telhado, cobertura e fachadas) – art.ºs 1421º, nº 1 e 1424º, nº 1 do CC.
5. Não assiste razão à recorrente no que invoca a fim de imputar à recorrida a responsabilidade pelos danos patrimoniais e não patrimoniais alegados.
6. Da audiência de julgamento resultou provado de forma inequívoca que a recorrente apenas deu conhecimento à recorrida das obras necessárias nas partes comuns do edifício e que estas deviam ser suportadas em partes iguais.
7. Resultou igualmente provado que a recorrente não concretizou à recorrida as obras que era necessário realizar nas partes comuns.
8. A recorrente não alegou nem provou que informou a recorrida que, em consequência das infiltrações das águas na cobertura, estava a sofrer danos na sua fracção.
9. A recorrente não alegou nem demonstrou que interpelou a recorrida para fazer as obras.
10. A decisão do Tribunal recorrido, ao considerar que a recorrente não demonstrou nem alegou que em momento algum a recorrente tenha dado conhecimento à recorrida que em consequência das infiltrações das águas pluviais estava a sofrer danos na sua fracção assentou na manifesta falta de alegação e de prova pela recorrente e não na mera convicção pessoal da Meritíssima Juiz “a quo”.
11. Não se encontram preenchidos cumulativamente todos os requisitos de que a lei faz depender a responsabilidade civil por factos ilícitos, nos termos do disposto no art. 483º do CC.
12. Não resultou provado que (nem foi alegado pela recorrente) que a recorrida tenha recusado a assinatura das candidaturas ao plano de recuperação de habitações da empresa Habisolvis – E.M. Empresa Municipal de Habitação Social de Viseu com a intenção de provocar danos na fracção da recorrente.
13. Igualmente não ficou provado que a recorrida tivesse conhecimento das consequências, para a fracção da recorrente, das infiltrações das águas pluviais na cobertura do edifício.
14. Os danos que se fizeram sentir na fracção da recorrente não são consequência directa e necessária da recusa da recorrida em assinar as referidas candidaturas.
15. A recorrida não tem qualquer responsabilidade pelos danos patrimoniais e não patrimoniais alegados pela recorrente.
16. A recorrente confessa na petição inicial (art. 23º) que contactou a recorrida depois de verificar que a degradação do edifício provinha da parte comum.
17. Confessa igualmente a recorrente (art. 17º da PI) que antes de ter contactado a recorrida, a sua fracção já apresentava “madeira dos tectos inchados e em deterioração; rodapés descolados; bolor e humidade em móveis de toda a casa; tinta das paredes a desaparecer com água a transpô-las; mau cheiro”.
18. Do depoimento da testemunha C... não se alcança o que efectivamente foi explicado à recorrida, nem que esta tenha acedido ao interior da fracção da recorrente para tomar conhecimento do estado em que esta se encontrava.
19. Da prova produzida não resultou provado que recorrida a conhecia as consequências para a fracção da recorrente resultantes da infiltração das águas pluviais na cobertura.
20. A recorrente não logrou provar a totalidade dos danos não patrimoniais que invocou.
21. Ainda que assistisse razão à recorrente (o que não se admite), não poderia a recorrida ser condenada no pagamento totalidade da indemnização peticionada a título de danos morais.
22. A sentença recorrida não merece, pois, qualquer reparo, porquanto se encontra devidamente fundamentada, de facto e de direito”.
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Delimitação do objecto do recurso
Tendo anunciado que o presente recurso tinha também por objecto a reapreciação da prova gravada, tendo procedido por isso à transcrição de todos os depoimentos prestados em audiência, a verdade é que a autora apelante, nas conclusões formuladas e que se transcreveram integralmente, limita-se a invocar que a decisão recorrida, nos segmentos que lhe foram desfavoráveis, é “fruto de um erro na apreciação do fundo da causa, na apreciação da matéria de facto alegada e provada em sede de julgamento”. Assim, e por um lado, tendo alegado em sede de petição inicial -artigos 23.º a 27.º - ter dado conhecimento à ré, quer do estado das partes comuns, quer dos danos e prejuízos verificados na fracção de que é proprietária- factos estes que teriam resultado demonstrados pela prova produzida, aqui fazendo apelo sobretudo ao depoimento da testemunha C..., foi tal factualidade desconsiderada (conclusão V); depois, tendo resultado igualmente provado, à luz dos depoimentos do mesmo C... e também de D... , que os danos verificados na fracção de que é proprietária provêm do telhado e da cobertura em cuja reparação a ré se recusa a comparticipar, não teriam sido tais factos atendidos (vide conclusão XII).
Pois bem, no que concerne ao alegado de 23.º a 27.º da petição inicial, neles alegou a demandante, depois de ter afirmado a existência de danos na fracção, que disse terem sido provocados pela entrada de águas da chuva através do telhado do edifício, ter contactado a requerida, discriminando as obras referentes à necessária intervenção nas zonas comuns, de modo a ser suportado por ambas o respectivo custo. Mais invocou que a demandada nunca se mostrou disponível para comparticipar na reparação das zonas comuns degradadas, sendo certo que ela, demandante, não tinha capacidade financeira para as suportar em exclusivo. Tais factos, contudo, não foram incluídos na base instrutória, que se fixou sem reclamação de nenhuma das partes, não tendo por isso sido considerados na sentença final.
Resulta do que se deixou exposto que não estamos perante erro de julgamento, a demandar a reapreciação por este Tribunal de recurso da prova produzida. Com efeito, a verificar-se que os factos em causa assumem relevo para a decisão, estaremos antes perante insuficiência da matéria de facto, a impor a anulação da sentença e a repetição, ainda que parcial, do julgamento, a fim de aí se proceder à ampliação da matéria de facto e possibilitar a produção de prova sobre o alegado. Todavia, não cremos ser aqui o caso.
Conforme se extrai da análise dos aludidos artigos do articulado inicial, a autora limitou-se a alegar que na sequência dos estragos ocasionados pela entrada das águas pluviais no decurso do Inverno de 2009/2010 deu a conhecer à ré -sem especificar em que momento- os orçamentos por si solicitados e obtidos, tendo em vista a reparação da cobertura e impermeabilização das fachadas. Daqui resulta, pois, tal como a apelada acentua nas suas contra alegações, que à data em que lhe foram comunicados pela demandante a existência e teor dos orçamentos -e ainda a admitir que tal comunicação valesse como interpelação para comparticipar nas obras- já os estragos (ou a sua maior parte, visto que a situação terá sofrido um agravamento no inverno seguinte) se tinham verificado. Daí que a factualidade em causa, por não ter a autora situado temporalmente a dita comunicação, nem concretizado os respectivos termos, em ordem a habilitar o Tribunal a decidir se se tratava (ou não) de uma verdadeira interpelação, e momento em que foi efectuada, isto para o efeito de dela extrair eventual constituição da ré em mora, nenhum contributo relevante trouxesse à decisão da causa, não tendo seguramente aptidão para alterar o decidido.
Por outro lado, e no que respeita à alegação de que os danos verificados na fracção de que é proprietária provêm do telhado e da cobertura em cuja reparação a requerida se recusa a comparticipar, ao fim e ao cabo é o que resulta dos factos assentes na sentença recorrida, nomeadamente sob os n.ºs 9., 10., 11., 13., 14. e 26.
Acresce que, conforme ónus imposto pelo artigo 640.º do NCPC (que reproduz o anterior artigo 685.º-B do CPC), querendo impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e, finalmente, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (cf. als. a), b) e c) do n.º 1 do preceito). Tais aspectos, em obediência ao ónus de formular conclusões, que igualmente impende sobre o recorrente, terão igualmente de constar das sintéticas proposições finais.
Sucede, porém, que analisadas as alegações recursivas e, bem assim, as conclusões em remate formuladas, delas não constam, devidamente especificados, os concretos pontos da matéria de facto que, no entender da apelante, foram alvo do erro de julgamento por banda do tribunal “a quo” nem, tão pouco, o sentido em que a decisão de facto que sobre eles recaiu deveria ter sido proferida. E tanto basta para que, nesta parte, se não conheça do recurso interposto.
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Sabido que pelas conclusões se delimita e define o objecto do recurso, as questões remanescentes colocadas à apreciação deste Tribunal são, por um lado, indagar se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC (em vigor ao tempo em que foi proferida) e, por outro, se ocorreu erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação dos artigos 483.º, 493.º, 566.º, 805.º, 806.º, 1420.º, 1421.º e 1424.º, todos do Código Civil, a impor a prolação de decisão que julgue verificados os pressupostos da responsabilidade civil por acto ilícito e, em consequência, condene a ré a indemnizar a autora dos apurados danos de natureza patrimonial e não patrimonial por esta sofridos em consequência da conduta danosa à primeira imputável.
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Da nulidade da sentença
A apelante assaca à sentença recorrida a omissão de pronúncia, porquanto, tendo peticionado a condenação da ré no pagamento de juros civis contados da citação, a sentença omitiu qualquer referência ao assim peticionado.
Nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC ainda em vigor à data da prolação da decisão recorrida, a sentença é nula “Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, ou seja, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art.º 660.º, n.º 2), é nula a sentença que deixe de se pronunciar sobre alguma delas.
No caso que ora nos ocupa, é verdade que a autora, tendo formulado pedido de condenação da ré em várias quantias, peticionou também juros moratórios sobre todas elas a contar da citação.
Certo é também que, tendo a sentença condenado a ré a participar, na proporção de metade, na obra de recuperação do telhado, cobertura e fachadas, no valor de € 1.493,50, omitiu qualquer condenação em juros. E com acerto o fez, desde já se antecipa.
Com efeito, vistos os termos do dispositivo, não foi a ré condenada a satisfazer à autora uma determinada quantia -o que não se justificava, uma vez que esta não realizou em antecipação nenhum dispêndio que cumprisse reembolsar- mas antes a participar, na proporção ali definida, nos custos da recuperação das partes comuns do edifício ali discriminadas, no montante já orçamentado de x. Ora, sendo estes os termos da condenação, em perfeita harmonia, aliás, com os termos do pedido formulado, estamos antes perante uma prestação “de facere” sobre a qual, como é óbvio, não incidem juros moratórios, que são um atributo das prestações pecuniárias (cf. art.º 806.º). Daí que não houvesse lugar a qualquer condenação em juros, não padecendo a sentença da arguida nulidade.
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II. Fundamentação
De facto
Não se vendo razão para proceder à alteração oficiosa dos factos, é a seguinte a factualidade a considerar, tal como nos chega da 1.ª instância:
1. Encontra-se registada a favor da autora na Conservatória do Registo Predial de Viseu, sob o nº (...)da freguesia de (...), a titularidade da fração autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº (...).
2. Encontra-se registada a favor da ré na Conservatória do Registo Predial de Viseu, sob o nº (...)da dita freguesia de (...), a titularidade da fração autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº (...).
3. Em finais de 2009, a A. levou a cabo obras na fração referida em 1.
4. De forma a ter condições de habitabilidade.
5. As obras referidas em 4. consistiram numa intervenção no pavimento, colocação de rodapés, pintura interior, tratamento de paredes e tectos e substituição de janelas, serviços de electricidade (conforme factura que se junta como doc. 2 e se dá aqui por integralmente reproduzida para os devidos efeitos).
6. Também a parte eléctrica da residência foi readaptada.
7. Em Janeiro de 2010, a autora passou a fazer da fração referida 1. a sua residência permanente.
8. No Inverno de 2009/2010, a requerente constatou que o edifício tem problemas de impermeabilização nas fachadas, infiltrações de águas pluviais através da cobertura e uma putrefacção do teto.
9. Escorrem águas pluviais pelas paredes da sala de jantar, quarto da filha da autora e cozinha.
10. As águas vêm da cobertura.
11. Quando chove, a requerente tem de colocar plásticos ao longo do espaço entre telhado e teto em madeira, para evitar que as águas entrem em grande quantidade no interior.
12. Em menos de um ano, a requerente passou a ter a residência com:
- madeira dos tectos inchados e em deterioração;
- rodapés descolados;
- bolor e humidade em móveis de toda a casa;
- tinta das paredes a desaparecer com a água a transpô-las;
- mau cheiro.
13. Tais situações têm origem no referido em 9. e 10.
14. O telhado apresenta-se sem qualquer capacidade de impermeabilização e com telhas partidas.
15. A cobertura é assente sobre uma estrutura de madeira em avançado estado de degradação.
16. A cobertura necessita de intervenção urgente que rondará o montante de 2.060,00€ (conforme orçamento 22 PA 10, junto como Doc. 3)
17. As fachadas do edifício necessitam de obras de isolamento e impermeabilização.
18. As obras referidas em 17.º rondam o valor de 927,00€ (conforme orçamento n.º 31 PA 11, junto como Doc. 4).
19. Com conhecimento da requerida, a requerente candidatou-se a um plano de recuperação de habitações da empresa HABISOLVIS-E.M. Empresa Municipal de Habitação Social de Viseu.
20. Fê-lo por duas vezes.
21. O que permitiria às partes beneficiar de obras de reabilitação do edifício com um valor máximo de comparticipação a fundo perdido de €5.000,00.
22. Em ambas as vezes a candidatura não foi possível por falta de assinatura da requerida.
23. Desde o Inverno de 2010/2011, o telhado, o interior da fração referida em 1. e a cobertura do prédio apresentam uma maior degradação.
24. Verifica-se putrefacção em certas zonas do teto.
25. A habitação da A. está no estado actual pela constante recusa da R. em assinar a candidatura identificada em 20.º.
26. A autora habita com o seu agregado familiar na fração referida 1.
27. A autora vive em constante preocupação com a sua saúde e bem-estar, assim como a do seu agregado familiar.


28. O referido em 27.º tem causado um profundo desgosto à requerente.
29. A filha da A. não pode dormir no quarto, visto que este apresenta uma humidade elevada e cheiro.
30. Devido à humidade a casa apresenta um cheiro a bolor.
31. Cheiro esse, que se entranha nas roupas da requerente e seu agregado.
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De Direito
Alegando ser titular do direito de propriedade sobre uma das duas fracções autónomas que compõem o prédio identificado em 1., constituído em propriedade horizontal, e a existência de zonas comuns carecidas de reparação, veio a autora pedir ao Tribunal a condenação da outra condómina no comparticipação das despesas, pretensão esta que, como vimos, mereceu acolhimento.
As razões da desavença da autora e aqui apelante com o decidido incidem sobre a absolvição da demandada no que respeita ao pedido indemnizatório formulado, estando em causa o montante necessário à reposição da fracção de que é proprietária no estado anterior, uma vez que os estragos que apresenta têm origem em infiltrações provindas das danificadas partes comuns, e compensação dos danos de natureza não patrimonial que tal situação lhe vem causando. Vejamos da razão que lhe assiste.
No reconhecimento de que as fachadas e o telhado são partes comuns, nos termos do estatuído nas als. a) e b) no n.º 1 do art.º 1421.º do Código Civil (diploma ao qual pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser mencionadas sem menção da sua origem), cabendo assim aos condóminos suportar as despesas necessárias à sua conservação e fruição, consoante prescrito no n.º 1 do art.º 1424.º -dispositivo legal que expressamente convocou- concluiu a Mm.ª juíza “a quo” pela condenação da ré na comparticipação das despesas de recuperação das zonas degradadas na proporção de metade, segmento decisório que, como vimos, transitou em julgado.
Todavia, no que respeita aos danos alegadamente sofridos pela autora, argumentando que “(…) embora tenham resultado provados (ainda que parcialmente), não ficou demonstrado, nem foi, aliás, alegado, que em momento algum a A. lhe tenha dado conhecimento [à ré] que em consequência das infiltrações pluviais na cobertura estava a sofrer danos no seu apartamento designadamente os supra referidos, a necessitarem de reparação. A única coisa que a este respeito resultou provada foi que a R. se recusou a assinar a candidatura a obras de reabilitação do edifício, mas não que a A. a tenha interpelado para fazer as obras, dando-lhe conta das inerentes consequências na sua fração.
Assim, tratando-se de obras de reparação e conservação da sua fração, não tendo a A. interpelado nunca antes a R. para proceder à sua reparação ou para o simples facto de que estava a ter infiltrações de água no seu apartamento vindas da cobertura, são da responsabilidade da A., enquanto proprietária individualmente, as despesas que a mesma terá na realização de tais obras de reparação da sua fração”.
Não cremos, porém, salvo o respeito que nos deve o entendimento assim expendido, que o mesmo deva prevalecer. Vejamos:
Expressa o artigo 1420.º que “Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”. Por assim -imperativamente- ser (cf. n.º 2 do preceito) os encargos de conservação e fruição são pagos pelos condóminos na proporção do valor das suas fracções (já citado n.º 1 do art.º 1424.º), competindo-lhes naturalmente a conservação e vigilância de tais partes comuns, tal como se encontram vinculados à obrigação de vigiar e conservar a fracção de que são proprietários exclusivos, independentemente de qualquer interpelação (obrigação propter rem do proprietário e, nesta medida, do condómino, na sua qualidade de comproprietário das partes comuns).
A responsabilidade pela violação dos assinalados deveres radica na norma do art.º 493.º, n.º 1 do Código Civil, nos termos do qual “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, (...) responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”. Estabelece-se aqui uma modalidade especial de responsabilidade delitual, ainda fundada na culpa que, todavia, se presume.
Nos termos da transcrita disposição são presuntivamente responsáveis pelos danos causados pela coisa aqueles que a tiverem em seu poder e tenham, cumulativamente, o dever de a vigiar, assumindo a lei que não tomaram as medidas cautelares idóneas ao evitamento da lesão.
Retornando ao caso dos autos, vista a factualidade apurada e que, em sede própria, se deixou consignada, não há dúvida que a autora logrou fazer prova de que logo no Inverno de 2009/2010 -o primeiro que passou na fracção, na qual passou a residir com a família em Janeiro deste último ano-, por força da degradação do telhado, as águas da chuva entraram na fracção, provocando estragos, os quais se agravaram no Inverno seguinte de modo que, em menos de um ano, o imóvel passou a apresentar a madeira dos tetos inchados e em deterioração; rodapés descolados; bolor e humidade em móveis de toda a casa; tinta das paredes a desaparecer com a água a transpô-las; e mau cheiro, conforme descrito em 12.
Está assim estabelecido que devido ao mau estado do telhado, zona comum, que permitiu a entrada das águas pluviais, a fracção da autora sofreu danos, o que permite convocar o citado n.º 1 do art.º 493.º do Código Civil, presumindo-se a culpa dos condóminos, enquanto comproprietários das partes comuns, com o dever de as vigiar e conservar.
Questão que aqui se coloca é saber se a autora logrou ilidir a presunção de culpa que também a onera, atenta a sua qualidade de condómina. E a resposta é, em nosso entender, negativa para os danos verificados na sequência das infiltrações ocorridas no Inverno de 2009/2010, mas já não quanto ao agravamento que sofreram no Inverno seguinte. Explicitando:
A autora, conforme deflui do que foi dito, encontrava-se também vinculada aos assinalados deveres de vigilância e conservação, que claramente não cumpriu porquanto, tendo executado obras na fracção onde pretendia fixar residência, não se assegurou de que as partes comuns, nomeadamente o telhado e a cobertura, se encontravam em bom estado de conservação -o contrário, atento os factos assentes em 14. e 15., seria até de fácil constatação-, aspecto que, para alem do mais, assumia para si particular relevância, uma vez que é proprietária da fracção mais próxima da cobertura. E foi por também ter descurado tais deveres que se viu confrontada com as infiltrações danosas ocorridas nesse primeiro Inverno, assim subsistindo a presunção de culpa que a onera, à semelhança do que ocorre com a ré, a demandar a aplicação do disposto no art.º 570.º do Código Civil, devendo fixar-se em 50% a culpa de cada uma.
Não obstante, a verdade é que a autora tentou de seguida fazer o que estava ao seu alcance para promover as necessárias reparações, tendo-se nomeadamente candidatado a um plano municipal de apoio à recuperação das habitações logo nesse ano de 2010 e no ano seguinte -conclusão que se extrai dos factos assentes em 19. e 20., atendendo a que a presente acção deu entrada em juízo no ano de 2011- a qual permitiria cobrir os gastos. Tal candidatura viria no entanto a ser rejeitada atendendo a que, tratando-se de um prédio constituído em propriedade horizontal, era necessária a sua subscrição por todos os condóminos, o que a ré, inexplicavelmente, de ambas as vezes se recusou a fazer. E por assim ser, tendo-se registado um agravamento dos danos provocados na fracção -em linha com o acentuar da degradação da cobertura e do telhado, conforme se dá conta em 23.-, a responsabilidade pela reparação destes últimos danos já é de imputar, em exclusivo, à demandada, por ter, quanto a eles, logrado a autora ilidir a presunção de culpa que a onera.
Todavia, encontrando-se os danos da exclusiva responsabilidade da ré diluídos naqueles que são de imputar ao comportamento de ambas -autora e ré- e sendo difícil a respectiva autonomização no quadro da obrigação de reparar o dano, haverá aqui que fazer apelo a critérios de equidade, conforme consentido pelo disposto no n.º 3 do art.º 566.º do CPC., afigurando-se adequado fixar em 60% a responsabilidade da ré pela totalidade dos danos.
Aqui chegados, temos por assente que a autora, no final do ano de 2009, havia levado a cabo obras na fracção, de forma a dotá-la de condições de habitabilidade, e que consistiram numa intervenção no pavimento, colocação de rodapés, pintura interior, tratamento de paredes e tectos, substituição de janelas e serviços de electricidade (cf. factos 3., 4. e 5.). O seu estado actual, mercê da entrada das águas, é o descrito em 12. e 24., impondo-se pois, por força do princípio da restauração natural consagrado art.º 562.º, repor a fracção no seu estado anterior. Todavia, não tendo a autora logrado fazer prova de que o montante necessário à reposição corresponda àquele que reclama, impõe-se remeter a sua liquidação para posterior incidente, nos termos do disposto no art.º 609.º, n.º2 do NCPC, sem prejuízo de vencer juros moratórios, conforme peticionado, desde a data da citação, nos termos excepcionais da parte final do n.º 3 do art.º 805.º.
Finalmente, reclama a autora uma indemnização de montante não inferior a € 2 000,00 para ressarcimento dos danos de natureza não patrimonial.
No concernente à indemnização pelos danos desta natureza, sendo pacífica a sua ressarcibilidade, impõe todavia o art.º 496.º que sejam graves, porquanto apenas esta característica garante a tutela do Direito. A gravidade dos danos é apreciada objectivamente, tendo em consideração as circunstâncias do caso concreto.
Analisado o acervo factual assente nos autos, nomeadamente a matéria vertida nos pontos 12., 24. e 26. a 31., verifica-se que a autora reside numa fracção insalubre, na qual a água escorre pelas paredes, apresentando-se  as madeira dos tectos inchados e em deterioração, rodapés descolados, bolor e humidade em móveis de toda a casa, tinta das paredes a desaparecer, de modo que a filha não pode dormir no quarto que lhe estava destinado e a casa apresenta cheiro a bolor que se entranha nas roupas da demandante e seu agregado. Tal situação, acarretando riscos para a saúde da autora e agregado, constitui para a primeira, como é natural, fonte de preocupação e desgosto, assumindo gravidade bastante para merecer a tutela do direito.
Assim tendo concluído pela ressarcibilidade dos danos aqui em causa, olhando à gravidade dos mesmos e atentos os critérios fixados no art.º 494.º, aplicável “ex vi” do disposto no n.º 3 do art.º 496.º, em juízo de equidade fixa-se em € 1 500,00 (mil euros) o montante indemnizatório para compensação dos danos desta natureza, já actualizado com referência à data desta decisão, sendo a ré responsável por satisfazer € 900,00. Os juros serão devidos apenas desde a data da presente decisão nos termos do art.º 805.º n.º 3, na interpretação do AUJ n.º 4/2002, in DR I-Série A de 27 de Junho de 2002.
Procedem assim, ainda que parcialmente, as conclusões do recurso
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III Decisão
Em face a todo o exposto, acordam os juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra em revogar a sentença recorrida na parte impugnada, condenado em consequência a ré B... a pagar à autora A..., a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, a quantia de € 900,00 (novecentos euros), acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal, contados da data da presente decisão até integral pagamento, e ainda 60% do valor que se vier a apurar corresponder ao custo da reparação dos estragos discriminados em 12., até ao montante máximo de € 4.877,59 (quatro mil, oitocentos e setenta e sete euros e cinquenta e nove cêntimos), quantia a liquidar, sobre a qual são devidos juros desde a data da citação até integral pagamento, absolvendo-se quanto ao mais.
Custas nesta e na primeira instância a cargo de autora e ré na proporção dos respectivos decaimentos quanto à parte líquida (€ 4 987,00), suportando-as provisoriamente em partes iguais quanto ao montante a liquidar.

Maria Domingas Simões (Relatora)
Nunes Ribeiro
Helder Almeida