Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
610/14.9T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: TRANSPORTE RODOVIÁRIO
LIVRETE INDIVIDUAL
CONTROLO DE ACTIVIDADE
CONDUTOR
Data do Acordão: 06/18/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – FIGUEIRA DA FOZ – 2ª SECÇÃO DE TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 237/07, DE 18/06; PORTARIA Nº 983/07, DE 27/08; ARTº 179º, Nº 3 DO CT/2003.
Sumário: I – O livrete individual de controlo deve ser utilizado relativamente a trabalhadores não sujeitos ao aparelho de controlo no domínio rodoviário, vulgo tacógrafos, façam eles parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça actividade de transporte rodoviário (dispensados da utilização do tacógrafo por força do artº 3º do REG (CE) 561/06 ou pela Portaria 222/08, de 05/03), ou por serem trabalhadores privativos de outras entidades sujeitas ao C. Trabalho.

II – Para os condutores sujeitos à utilização do tacógrafo vigora o Regulamento (CE) nº 561/2006 e também o Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho de 20/12/85, que estabelecem regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros.

III – A lei define ‘trabalhador móvel’ (al. d) do artº 2º do DL 237/07) como aquele que faz parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça a actividade de transportes rodoviários abrangida pelo regulamento ou pelo AETR.

IV – Estando a arguida sujeita às normas do C.T. (artº 179º, nº 3 do CT de 2003) e não estando o seu trabalhador sujeito ao aparelho de controlo no domínio rodoviário (tacógrafo), o registo do tempo de trabalho deve ser feito através do livrete individual de controlo previsto no artº 3º da Portaria 983/07.

Decisão Texto Integral:                        

                       

                        Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                        A Autoridade para as Condições do Trabalho - ACT aplicou a A..., S.A, a coima de € 9.200,00, pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artºs 4º e 14º, nº 3, al. a), do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, 1º, nº 1 e 3º, nº 3, da Portaria nº 983/2007, de 27 de Agosto, e 554º, nº 4, al. e), do Código do Trabalho.

                        A arguida impugnou judicialmente tal decisão da autoridade administrativa, tendo sido proferida sentença que confirmou  aquela decisão.

                        Com tal juízo se não conformou a arguida, interpondo recurso para esta Instância, cuja motivação concluiu assim:

                        […]

                O MºPº contra-alegou, propugnando pela manutenção da sentença.

                        Foram colhidos os vistos legais, tendo o Exmº Procurador Geral Adjunto emitido parecer no sentido da improcedência  do recurso.

                                                                       x

                        Cumpre apreciar e decidir.

                        Lembrando que o “thema decidendum” se nos apresenta delimitado pelas conclusões da respectiva motivação, avancemos para a abordagem e tratamento das questões que se perfilham:

                        -  se a arguida cometeu a infracção pela qual foi condenada pela autoridade administrativa.

                - se pode ser aplicada a pena de admoestação;

                -  se a coima deve ser atenuada ou ser suspensa;

                - se se mostra adequado o montante da taxa de justiça aplicado (4 UC).

                                                                       x                     

                        A 1ª instância deu como assente a seguinte factualidade:

                        1º - A Arguida desenvolve a atividade industrial de fabrico de alimentos compostos para animais.

                        2º - No dia 10/2/2014, pelas 8 horas e 10 minutos, na rotunda de acesso à A17, E.N. 109, Mira, a Arguida mantinha a circular o veículo pesado de mercadorias, equipado com um só tacógrafo analógico, destinado ao condutor dessa viatura, de matrícula (...) MJ, onde seguia B... , trabalhador da Arguida, indo distribuir alimentos compostos para animais junto de clientes da Recorrente.

                        3º - O trabalhador da Arguida detém a categoria profissional de ajudante

de motorista e, no momento da fiscalização, encontrava-se ao serviço da Recorrente.

                        4º - No momento da interceção policial, o ajudante de motorista não se fazia acompanhar de livrete individual de controlo.

                        5º - A Arguida apresentou, em 2013, um volume de negócios de € 12.563.764.

                                                                       x

                        O direito:

     
                        - a primeira questão:
                        Trata-se, basicamente, de apurar se o trabalhador da recorrente estava obrigado a fazer-se acompanhar do livrete individual de controlo.
                        A resposta é, desde já o adiantamos, afirmativa.

              O Tribunal da Relação, em regra e no âmbito dos recursos de contra-ordenação laboral, apenas conhece de direito, por força do disposto no artº 51º, nº 1, da Lei 107/09, de 14/9.

      Quer isto dizer que, na apreciação do presente recurso, esta Instância apenas terá em conta os factos dados como provados supra-enunciados, e não já toda a factualidade invocada nas conclusões do recurso e que não encontre cabimento naqueles factos.
              Sobre questões idênticas à que se trata no presente recurso se pronunciou esta Relação pelos acórdãos de 11/4/2013, proc. nº 203/12.5T4AGD, de 14/11/2013, proc. 61/13.2TTCBR.C1, relatados pelo aqui adjunto (na sequência do que se havia já decidido nos acórdãos proferidos nos processos 81/09.1TTAVR.C1, consultável em www.dgsi.pt, e 21/12.0TTCTB.C1, não publicado, todos do mesmo  relator), secundado pelos acórdãos de 30/5/2013, proc. 850/12.5TTVIS.C1,  de 20/6/2013, proc. 26/13.4T4AVR.C1, com os mesmos relator e adjunto, e de 7/5/2015, proc. 741/14.5TTCBR.C1 (relator Jorge Loureiro).

      Sendo de salientar que a letra e a técnica legislativa utilizadas não facilita a interpretação dos respectivos textos legais, a questão deve ser abordada e solucionada tendo em conta o seguinte quadro normativo:

      Do Dec. Lei 237/07 de 18/06:

      Artigo 1º

      1 - O presente decreto-lei regula determinados aspectos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em actividades de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, adiante referido como regulamento, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos Que Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para ratificação, pelo Decreto nº 324/73, de 30 de Junho.

      2 - O presente decreto-lei transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário.

      3 - O disposto nos artigos 3º a 9º prevalece sobre as disposições correspondentes do Código do Trabalho.

      Artigo 2º.

      Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por:

      d) «Trabalhador móvel» o trabalhador, incluindo o formando e o aprendiz, que faz parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça a actividade de transportes rodoviários abrangida pelo regulamento ou pelo AETR.

      Artigo 4º.

      1 - No caso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) 3821/85, de 20 de Dezembro, alterado pelo Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, ou previsto no AETR, o registo do número de horas de trabalho prestadas a que se refere o artigo 162º do Código do Trabalho indica também os intervalos de descanso e descansos diários e semanais e, se houver prestação de trabalho a vários empregadores, de modo a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas a todos eles.

      2 - A forma do registo referido no número anterior é estabelecida em portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área laboral e pela área dos transportes.

                        Da Portaria 983/07 de 27/08:

      Artigo 1.º

      1 - A presente portaria regulamenta as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho.

      2 - A presente portaria estabelece ainda a forma do registo a que se refere o n.º 1 do artigo 5º do Decreto -Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho.

      3 - O registo referido no número anterior aplica-se a trabalhadores afectos à exploração de veículos automóveis não sujeitos ao aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários.

      Artigo 2.º

      1 -A publicidade dos horários de trabalho fixos dos trabalhadores referidos no n.º 1 do artigo anterior é feita através de mapa de horário de trabalho, com os elementos e a forma estabelecidos no artigo 180.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, o qual deve ser afixado no estabelecimento e em cada veículo aos quais o trabalhador esteja afecto.

      2 - (…)..

      Artigo 3.º

      O registo do tempo de trabalho efectuado pelos trabalhadores referidos no artigo 1º, incluindo o prestado ao serviço de outro empregador, dos respectivos tempos de disponibilidade, intervalos de descanso e descansos diários e semanais, é feito em livrete individual de controlo devidamente autenticado, de modelo anexo à presente portaria e com as seguintes características (…”).

      Da conjugação destes normativos podemos, na nossa interpretação, concluir que o livrete individual de controlo deve ser utilizado relativamente a trabalhadores não sujeitos ao aparelho de controlo no domínio rodoviário, vulgo tacógrafos, façam eles parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça actividade de transporte rodoviária (dispensados da utilização do tacógrafo por força do artigo 3º do REG (CE) 561/06 ou pela Portaria 222/08 de 05/03), ou por serem trabalhadores privativos de outras entidades sujeitas ao Cód. do Trabalho.

      Concretizando:

      Para os condutores sujeitos à utilização do tacógrafo, vigora o Regulamento (CE) n° 561/2006 e também o Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho de 20/12/85 (v. artigo 1º deste Regulamento), que estabelecem regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros.

      A lei define “trabalhador móvel” (alínea d) do artigo 2º do Dec. Lei 237/07) como aquele que faz parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça a actividade de transportes rodoviários abrangida pelo regulamento ou pelo AETR.

      Nos termos deste normativo o trabalhador deve estar afecto à actividade transportadora, ou seja, à actividade que tem como objectivo principal o transporte rodoviário com intuito lucrativo e que, normalmente, no transporte de mercadorias exerce essa mesma actividade transportando mercadorias pertença de terceiros que pagam esse transporte.

      Não estarão incluídos nesta categoria todos aqueles trabalhadores que não se encontrem afectos a empresas que não tenham por fim principal a actividade transportadora rodoviária, ou seja, quando esta é apenas complementar ou adjuvante da própria actividade; quando, por exemplo, o transporte se destina a distribuir produtos ou mercadorias por si produzidas e que constituem o objecto principal da sua actividade.

                        No caso da arguida, que desenvolve a actividade industrial de fabrico de alimentos compostos para animais, a actividade transportadora é meramente complementar da sua actividade principal

            Pelo que o trabalhador em causa, classificado como “ajudante de motorista”, não pode ser considerado um trabalhador móvel na definição do Dec. Lei 237/07, como estando afecto à exploração de veículos automóveis e, como tal, estando abrangido pelo REG. (CE) 561/06.

      Acontece, porém, que o artigo 1º da Portaria 983/07, de 27/08, veio regulamentar não só as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes (não sujeitos ao tacógrafo – v. nº1 do artigo 4º do Dec. Lei 237/07) mas também as condições de publicidade dos horários de trabalho de pessoal privativo de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho, em conformidade com o nº 3 do artº 179º do Cód. do Trabalho de 2003, ao abrigo do qual foi produzida a referida Portaria.

      Ora, estando a arguida sujeita às normas do Cód. do Trabalho e não estando o seu trabalhador sujeito ao aparelho de controlo no domínio rodoviário (tacógrafo), o registo do tempo de trabalho devia ser feito através do livrete individual de controlo previsto no artigo 3º da Portaria 983/07, na medida em que, por força da remissão para o artigo 1º operada por este normativo, o livrete tanto é obrigatório para o pessoal afecto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes (que estejam dispensados do uso do tacógrafo nos termos dos normativos acima citados) como também para trabalhadores privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Cód. do Trabalho.

      Por tudo isto, salvo sempre melhor opinião, embora o trabalhador da recorrida não possa ser considerado como afecto à exploração de veículos automóveis, nem por isso estava dispensado da utilização do livrete individual de controlo.
                        - a admoestação:
                        Dispõe o artº 48º da Lei 107/2009:
                   “Excepcionalmente, se a infracção consistir em contra-ordenação classificada como leve e a reduzida culpa do arguido o justifique, pode o juiz proferir uma admoestação”.
                        Tendo a arguida sido condenada por uma contra-ordenação muito grave, é manifesto que tal disposição legal não é de aplicar.
                        - a medida da coima, a atenuação especial e a suspensão da coima:
                        Aqui a recorrente pugna pela atenuação especial, com a consequente redução do montante da coima para metade do valor aplicado, e pela suspensão da mesma coima.
                        A escolha da medida concreta da coima obedece aos critérios fixados no artº 18º do RGCO.
                        Assim, esta escolha faz-se em função da gravidade da infracção, da culpa do infractor, da situação económica deste e do benefício económico retirado da prática da infracção.

                        Contudo, o que se verifica é que a arguida não suscitou tais questões na impugnação judicial, vindo só agora invocá-las no presente recurso para este tribunal superior.

                        Estamos, assim, perante questões novas.

                        As questões novas suscitadas pela parte apenas em sede de recurso, que não foram alegadas oportunamente, nem consideradas pelo tribunal, não podem por isso ser levadas em conta, estando vedada a sua apreciação ao tribunal de recurso.

                        Tal contrariaria a função dos recursos, que é a de proceder ao reexame das decisões da instância a quo e não a de criar decisões sobre matéria nova, não ponderada pelo tribunal recorrido. 

                        E não estamos perante questões de conhecimento oficioso.
                        - o montante da taxa de justiça:
                        Como decidiu esta Relação pelo acórdão de 19/6/2014, proc. 604/13.1T4AVR.C1 (com o mesmo relator e adjunto) a matéria relativa a custas não carece de ser fundamentada.
                        Aí se escreveu:
                        “Dito isto, duvidas não há de que se encontra constitucionalmente prevista a exigência de fundamentação das decisões judiciais, “na forma prevista na lei”- artº 202º, nº 1, da CRP,  e que encontra transposição para o processo contra-ordenacional por via do artº 379º do Cod. Porc. Penal.

                Só que essa exigência constitucional e legal de fundamentação não abrange a parte relativa a matéria de custas.

                Foi o que se decidiu no Ac. da Rel. do Porto de 10/7/2013, proc. 475/11.8TAMTS.P1, in www.dgsi.pt, cuja argumentação merece a nossa total concordância.

                Assim, o legislador exige a fundamentação da sentença/acórdão nos termos indicados no nº 2 do artº 374º do CPP  (que foi cumprido), o que não abrange a parte relativa a matéria de custas.

                O nº 4 desse artº 374º, que regula expressamente os requisitos da sentença, é do seguinte teor:

                “A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas.”

                Como é linear, a regra da fundamentação das decisões aplica-se nos casos previstos na lei.

                Ora, o legislador se entendesse que, na sentença/acórdão, também tinham de ser indicados os motivos ou de ser fundamentada a matéria relativa a custas assim o teria dito expressamente, o que não fez intencionalmente.

                Efectivamente, o que o legislador entendeu foi que, em matéria de custas, tinha de ser observado o disposto no CPP e no RCP.

                Observância essa, dessas normas, que não se confunde com a exigência de fundamentação. O que é de linear apreensão atento o disposto na lei em matéria de custas.

                E foi isso o que sucedeu neste caso: observou-se o estabelecido no CPP e no RCP”.      
                        Assim, não tem este Tribunal de recurso elementos para sindicar a decisão do Mº Juiz neste particular aspecto.

                        Sem embargo de se referir que não se nos afigura, face ao processado, como inadequado o montante fixado
                        Improcedem, assim, as conclusões do recurso.

                                                                       x         

                        Decisão:

                        Nesta conformidade, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença impugnada.

                        Custas pela arguida, com 4 UC de taxa de justiça.

 

                                  

                                                           Coimbra, 18/06/2015

                                              

                                                           (José Luís Ramalho Pinto)

                                                           (Joaquim José Felizardo Paiva)