Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1365/14.2T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: SOCIEDADE ANÓNIMA
DELIBERAÇÃO SOCIAL
ANULABILIDADE
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Data do Acordão: 01/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ARTºS 411º E 412º DO C. S. COMERCIAIS.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 411º E 412º DO C. S. COMERCIAIS.
Sumário: I – O artº 412º, nº 1 do CSC dispõe que ‘o próprio conselho ou a assembleia geral pode declarar a nulidade ou anular deliberações do conselho viciadas, a requerimento de qualquer administrador, do conselho fiscal ou de qualquer accionista com direito de voto, ...’.

II - É assim lícito a qualquer sócio requerer à assembleia geral a declaração de nulidade ou a anulação de decisão do conselho de administração, podendo igualmente aquele órgão, quando se trate de apreciação geral de actos de administradores, deliberar sobre a declaração de nulidade ou anulação, independentemente de o assunto constar, ou não, da convocatória (art.º 412º do CSC).

III - Afigura-se que o art.º 412.º, nº 1 do C.S.C. deve ser interpretado no sentido do legislador ter querido criar um mecanismo de sindicância no seio dos órgãos sociais, mas sem excluir ou negar ao prejudicado a possibilidade, que corresponde a um direito basilar, de recorrer ao tribunal, o que, de resto, o preceito em análise em nada contraria.

IV - Assim, em regra e por princípio são susceptíveis de impugnação judicial direta as deliberações do conselho de administração duma sociedade anónima, não se tornando necessário que a sua eventual nulidade ou anulabilidade seja previamente submetida à apreciação da assembleia geral (artº 412º, nº 1 do CSC) para que só da deliberação desta caiba a interposição de ação judicial.

V – Afigura-se que impor o recurso em primeira linha à assembleia geral para reapreciação das deliberações do conselho de administração das sociedades anónimas poderá redundar numa perturbação da vida societária e será, em muitos casos, de uma perfeita inutilidade, como ocorrerá se os acionistas de controlo estiverem na administração da sociedade.

VI - Assim, quer na tese da admissibilidade da impugnação judicial direta de deliberações do conselho de administração de sociedades anónimas, quer na tese de que em princípio essa admissibilidade não é direta, mas apenas depois da sua prévia sujeição à assembleia geral da sociedade, atendendo a que, no caso presente, dado o controle do capital social da 1ª Ré entre as AA. e as Rés, de 50% parte a parte (o autor M... detém indiretamente metade do capital da Ré T...II, SA -que era a única acionista da sociedade L..., SA antes do dito aumento de capital-, e o sr. M... detém indiretamente a outra metade do capital daquela sociedade), em nada beneficiaria a sujeição da deliberação em causa a tal assembleia geral, afigura-se que é de dar primazia à tese da admissibilidade da presente impugnação judicial direta, já que a impugnação indireta em nada de útil resultaria, senão em perda de tempo e do uso de recursos processuais que à partida se sabem inúteis.

Decisão Texto Integral:




Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I

            Na Comarca de Leiria - Alcobaça - Inst. Central - 2ª Sec. Comércio - J1, M... e as sociedades comerciais «L..., L.dª», «R..., S.A.» e «GRUPO R... SGPS, S.A.», todos devidamente identificados a fls. 8 (petição inicial), propuseram contra as sociedades comerciais «T..., S.A.», «L..., S.A.», «M..., S.A.», «B..., S.A.» e «BANCO L., S.A.», também devidamente identificados a fls. 9 (petição inicial), a presente ação declarativa, com processo comum, pedindo que:

1) Sejam anuladas as deliberações aprovadas pelo Conselho de Administração da «T..., S.A.» no sentido de vir a proceder ao aumento de capital social da «L..., S.A.»;

2) Seja declarada, em conformidade, a invalidade da deliberação de aumento de capital da «L..., S.A.» de €150.000,00 para €350.000,00, documentada na acta da reunião da Assembleia Geral do dia 21/07/2014;

3) Seja declarada inválida a aquisição pelo 5.º Réu das ações representativas de parte do capital social da «L...» por efeito do aumento de capital inválido referido em 2;

4) Seja declarada inválida a transmissão pelo 5.º Réu às 3.ª e 4.ª Rés das ações representativas de parte do capital social da «L...» que o 5.º Réu adquirira por efeito do aumento de capital inválido referido em 2;

5) Seja consequentemente oficiado ao registo comercial para proceder ao cancelamento do registo desse aumento de capital;

6) Sejam as 3.ª e 4.ª Rés condenadas a devolver ao 5.º Réu as ações representativas de parte do capital social da «L...» que lhe adquiriram com base em acto inválido e o 5.º Réu condenado a devolver as mesmas à «L...», para que esta proceda ao seu cancelamento, devendo a «L...» ser condenada a devolver ao 5.º Réu o que deste recebeu como contrapartida da aquisição das ações representativas do capital social da «L...».

            Para tanto e muito em resumo alegaram os AA. que a sociedade T... tem o capital social de €500.000,00, representado por 10.000 ações no valor nominal de €50,00 cada.

            Que 50% desse capital é detido pelas sociedades autoras, sendo os outros 50% do capital detidos por outras entidades, que referem.

            Que o 1º A. tomou recentemente conhecimento de um aumento de capital da L..., de €150.000,00 para €350.000,00, registado a 11/07/2014, do que nunca antes os AA. tinham sido informados.

            Que os AA. ignoram se é ou não verdade que o 5º R. tenha subscrito o aumento de capital em causa e se realizou ou não uma entrada de capital de €200.000,00 na conta bancária da T...

            Que este aumento de capital provoca uma fortíssima descalorização da participação da T... na L..., o que coloca aquela sociedade numa situação de falência técnica, pelo que é ilegal aquele aumento de capital da L...

            Que o artº 411º, nº 3 do C.S.C. dispõe que são anuláveis as deliberações do conselho de administração que violem disposições legais, e pode qualquer administrador ou acionista arguir a invalidade dessas deliberações, como é o caso da presente ação declarativa e nela se pede.


II

Todos os Réus contestaram.

O quinto Réu «BANCO L., S.A.» excepcionou a incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, para conhecer dos pedidos formulados sob os pontos 3 a 6; excepcionou a sua ilegitimidade passiva relativamente aos pedidos formulados sob os pontos 1 e 2, à luz do disposto no artigo 60.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, segundo o qual as ações de declaração de nulidade e de anulação de deliberações sociais são propostas contra a sociedade, no caso as 1.ª e 2.ª Rés; excepciona a inadmissibilidade da coligação, em virtude da violação da regra da competência em razão da matéria, nos termos do disposto no artigo 37.º, n.º 1 do Código do Processo Civil; excepciona a caducidade do prazo para intentar a ação, previsto no artigo 59.º, n.º 2, alíneas a) e/ou c) do CSC; no mais, impugna motivadamente parte da factualidade alegada na petição inicial, quer por desconhecimento, quer por serem falsos os factos aí alegados, quer por o seu teor ser conclusivo ou mera suposição (fls. 215 e ss).

As terceira e quarta Rés, «M..., S.A.» e «B..., S.A.» excepcionam a incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria, para conhecer dos pedidos formulados sob os pontos 3 a 6, únicos que lhes são dirigidos, por as Secções de Comércio não terem competência para conhecer das alegadas invalidades de aquisição e transmissão de ações; os consequentes cancelamentos de registo, devolução de ações e restituição de contrapartidas de aquisição de ações; mais excepcionam a falta de pressuposto da coligação de réus, por infracção das regras da competência em razão da matéria, relativamente a esses pedidos 3 a 6, com a consequência necessária da sua ilegitimidade passiva relativamente aos pedidos 1 e 2; excepcionam a ilegitimidade activa dos autores para impugnar deliberação social da Assembleia Geral da «L...» (pedido 2), considerando que, como reconhecido pelos próprios, nenhum deles é ou foi acionista ou membro do órgão de fiscalização da «L...»; excepcionam a preterição dos meios intra-societários de impugnação (pedido 1), por não serem judicialmente sindicáveis deliberações do conselho de administração de uma sociedade anónima relativamente a matérias da exclusiva competência desse órgão, excepção que reputam de peremptória; no mais, defendem-se por impugnação motivada (fls. 254 e ss).

As primeira e segunda Rés, «T..., S.A.» e «L..., S.A.» excepcionam a preterição dos meios intra-societários de impugnação (pedido 1), por não serem judicialmente sindicáveis deliberações do conselho de administração de uma sociedade anónima relativamente a matérias da exclusiva competência desse órgão, excepção que reputam de peremptória; excepcionam a ilegitimidade activa dos autores para impugnar deliberação social da assembleia geral da «L...» (pedido 2), considerando que, como reconhecido pelos próprios, nenhum deles é ou foi acionista ou membro do órgão de fiscalização da «L...»; no mais, defendem-se por impugnação motivada, sustentando que nem a aprovação da primeira deliberação (de proceder ao aumento do capital social da «L...»), nem os actos que a antecederam, configuram qualquer actuação excessiva, e muito menos manifestamente excessiva, dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social de qualquer direito que não foi sequer identificado (fls. 272 e ss).


III

Por despacho de fls. 364 foi ordenada a notificação das partes para se pronunciarem sobre o conhecimento positivo da exceção dilatória de incompetência (relativa) territorial em detrimento da 2.ª Secção de Comércio da Comarca de Leiria, por se entender ser a da área territorial da sede da 1.ª Ré, cuja deliberação vem atacada nos termos do artigo 59.º do CSC, e que só numa hipotética procedência do primeiro pedido formulado, aí reputado de principal, é que seriam conhecidos os demais pedidos formulados contra os réus, aí designados de consequenciais.

Após pronúncia das partes sobre tal questão, por despacho de fls. 371/372 a 1.ª Secção de Comércio da Comarca de Leiria declarou-se territorialmente incompetente para a subsequente tramitação da presente ação, em detrimento da 2.ª Secção de Comércio da mesma Comarca, com a consequente remessa dos autos para o Tribunal competente.

Na 2.ª Secção de Comércio da Comarca de Leiria realizou-se a audiência prévia, com as finalidades previstas nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 591.º do Código do Processo Civil, como da respectiva acta consta – fls. 399/406 -, na qual não foi possível a conciliação das partes, tendo as mesmas declarado manterem firmes as posições já assumidas nos articulados, sem que entretanto tenha ocorrido qualquer alteração; foi facultada às partes a discussão de facto e de direito quanto à matéria que constitui objecto do processo, tendo-se ainda discutido as posições das partes com vista à delimitação dos termos do litígio; os autores responderam às excepções deduzidas pelas Rés nas respectivas contestações, pugnando pela sua improcedência.

Seguiu-se a prolação de despacho saneador, conforme fls. 439 e segs., no qual foi decidido julgar procedentes as excepções dilatórias invocadas pelas Rés, com a sua consequente absolvição da presente instância.   


IV

            Desse despacho interpuseram recurso os AA., em cujas alegações formulam as seguintes conclusões:

...

X. Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser julgado procedente e revogado o despacho saneador-sentença recorrido, sendo este substituído por outro, no qual se acolha as pretensões dos ora Recorrentes, determinando-se o prosseguimento dos autos.


V

            Contra-alegaram as 1ª a 4ª Rés/recorridas, onde defendem que devem improceder todas as conclusões constantes das alegações de recurso, devendo ser mantida a sentença proferida em sede de despacho saneador.

VI

            O recurso interposto foi admitido em 1ª instância, como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, tendo como tal sido aceite nesta Relação.

            Nada obsta a que se conheça do seu objecto, o qual passa pela apreciação das seguintes questões, tendo em vista, essencialmente, a impugnação de duas deliberações sociais (pedidos 1 e 2), que os AA. reputam de ilegais e inválidas (de 6/06/2014 da T..., SA, e de 25/06/2014 da L...), por meio das quais foi decidido proceder ao aumento de capital social da L..., S.A. de €150.000,00 para €350.000,00:

A – Pretendida ampliação da matéria de facto dada como provada no despacho recorrido;

B – Pretendida correção do ponto 36 dessa dita matéria;

C – Reapreciação da decisão recorrida, que levou à absolvição de todas as Rés da presente instância, com os fundamentos constantes dessa dita decisão.

            Começando a nossa abordagem pela referida questão B, ...

Prosseguindo com a questão A – Pretendida ampliação da matéria de facto dada como provada no despacho recorrido, as Recorrentes pretendem que sejam aditados 3 factos por si alegados na petição e que respeitam ...

FACTOS PROVADOS

...

            Prosseguindo com a apreciação da questão C – Reapreciação da decisão recorrida, que levou à absolvição de todas as Rés da presente instância, com os fundamentos constantes dessa dita decisão, o que foi decidido no despacho recorrido foi o seguinte:

- Relativamente à deliberação do Conselho de Administração da T..., SA, no sentido de vir a proceder ao aumento de capital social da L..., SA (pedido 1):

            - Autores e primeira Ré são partes legítimas;

            - Todas as demais Rés são partes ilegítimas quanto a este pedido, por a sua demanda apenas se justificar em matéria da segunda deliberação, indo pois absolvidas desta parte da instância (artºs 60º, nº 1 do CSC, e 30º, 576º, nºs 1 e 2, 577º, al. e), e 278º, nº 1, al. d), todos do CPC);   

- julga-se procedente a excepção dilatória inominada de preterição dos meios intra-societários de impugnação das deliberações do conselho de administração de uma sociedade anónima relativamente a matérias da exclusiva competência desse órgão, com a consequente absolvição da Ré T..., SA dessa parte da instância (artºs 576º, nºs 1 e 2, 577º e 278º, nº 1, al. e) do CPC).

- Relativamente à deliberação da Assembleia Geral da L..., SA que aprovou o aumento de capital de €200.000,00, passando de €150.000,00 para €350.000,00 (pedidos 2 a 6):

            - Os pedidos 3 a 6 são diretamente dependentes do pedido 2, não do pedido 1;

            - Á luz do disposto nos artºs 56º e ss. do C. Civil, os AA. não têm interesse direto em demandar, o que configura uma exceção dilatória, a determinar a absolvição das Rés da instância (artºs 576º, nºs 1 e 2, 577º, al. e) e 278º, nº 1, al. d), todos do CPC);

- São os AA. parte ilegítima quanto aos pedidos formulados sob os pontos 2) a 6), com a consequente absolvição das Rés quanto a essa parte da instância.     

            Os Recorrentes discordam destas decisões, que pretendem sejam revogadas.

            Resulta do despacho recorrido, com o que as partes estão de acordo, que da causa de pedir vertida na petição inicial extrai-se que os autores pretendem atacar duas deliberações sociais: a primeira, uma deliberação do conselho de administração da «T..., S.A.» no sentido de vir a proceder ao aumento de capital social da «L..., S.A.» (pedido 1); a segunda, a deliberação da assembleia geral da «L..., S.A.» que aprovou o aumento de capital de €200.000,00, passando de €150.000,00 para €350.000,00 (pedido 2).

São, pois, duas deliberações sociais autónomas, de distintas sociedades.

Por seu turno, os pedidos 3) a 6) – declaração da invalidade de negócios de aquisição de acções emitidas por efeito desse aumento de capital, de transmissão dessas acções, devolução das mesmas e respectivo cancelamento, bem como o cancelamento no registo do aumento de capital – estão na directa dependência da procedência do pedido 2), dirigido à deliberação da assembleia geral da «L..., S.A.» que aprovou o aumento de capital.

Ora, o que se nos afigura é que todos os pedidos formulados na ação estão interligados, na medida em que, segundo alegado pelos autores, antes do aumento de capital em causa nos autos – aumento de capital da sociedade L..., SA em €200.000,00, mediante a emissão de 40.000 novas ações, com o valor nominal de €5,00 cada, decidido em assembleia geral desta sociedade de 25/06/2014, conforme acta nº 52 da dita – a única acionista desta sociedade era a Ré T..., SA, o que, aliás, também consta da referida acta, conforme ponto 36 supra, sociedade esta que tem o capital social de €500.000,00, distribuído por 10.000 ações, ao portador, com o valor nominal de €5,00; porém, segundo também o alegado pelas autoras, nos pontos 2º e 3º da petição, 50% do capital social desta Ré (T...) é detido pelas sociedades ora autoras, controladas pelo também autor M..., e os restantes 50% desse mesmo capital social são detidos por entidades controladas pelo sr. M...: a sociedade T..., L.dª, que é titular de 2450 ações; a sociedade B..., SA, que é titular de 2450 ações; e o sr. J..., irmão do sr. M..., que é titular de 100 ações.

O que significa que o autor M... detém indiretamente metade do capital da Ré T..., SA (que era a única acionista da sociedade L..., SA antes do dito aumento de capital), e o sr. M... detém indiretamente a outra metade do capital daquela sociedade, o que resulta também do doc. de fls. 39 a 46 (Acta avulso da Assembleia Geral da sociedade T..., SA realizada em 21/07/2014).

Logo, qualquer deliberação tomada no seio da sociedade T..., SA diz respeito a todos os autores, como detentores de 50% do seu capital, e todas as Rés são demandadas por efeito das tomadas de decisão (duas) que levaram ao dito aumento de capital da sociedade L..., SA, segundo alegaram os AA., e no que assentam a causa de pedir na ação.

Assim sendo, afigura-se-nos que, relativamente à deliberação do Conselho de Administração da T..., SA, no sentido de vir a proceder ao aumento de capital social da L..., SA (pedido 1), quer os Autores quer as Rés são partes legítimas, pois todos têm interesse quer na propositura da ação, quer na sua defesa individual, nos termos em que a ação está estruturada, conforme resulta do disposto nos artº 30º, nºs 1, 2 e 3, e 36º, nºs 1 e 2 do nCPC, ao que não obsta o disposto no artº 60º, nº 1 do C. Soc. Comerciais, pois aqui apenas se exige que as ações de declaração de nulidade e as ações de anulação sejam necessariamente propostas contra a sociedade, tanto mais que o artº 59º do mesmo código dispõe que ‘a anulabilidade pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou por  qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente’, sendo certo que os AA. invocam o disposto no artº 411º, nº 3 do CSC para reclamar a anulabilidade da decisão do Conselho de Administração da sociedade T..., SA em causa – pontos 72º e 73º da petição inicial.

Além de que, nos termos do artº 61º, nº 2 do C.S.C., ‘a declaração de nulidade ou a anulação de deliberações sociais não prejudica os direitos adquiridos de boa fé por terceiros, com fundamento em actos praticados em execução da deliberação, sendo que o conhecimento da nulidade ou da anulabilidade exclui a boa fé’.

Ora os AA. alegaram existir má fé das 2ª, 3ª, 4º e 5ª Rés nos actos que se lhes imputam, conforme decorre do ponto 81º da petição, pelo que têm estas Rés todo o interesse em contradizer tal alegação.

Logo, impõe-se a revogação da decisão que considerou serem as 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Rés partes ilegítimas quanto a este pedido, o que se decide.


***

Quanto à decisão que julgou procedente a excepção dilatória inominada de preterição dos meios intra-societários de impugnação das deliberações do conselho de administração de uma sociedade anónima relativamente a matérias da exclusiva competência desse órgão, com a consequente absolvição da Ré T..., SA dessa parte da instância (artºs 576º, nºs 1 e 2, 577º e 278º, nº 1, al. e) do CPC), afigura-se-nos que a tese defendida no despacho recorrido tem a sua razão de ser e pertinência, como, aliás, parte da doutrina e da jurisprudência afirma, face ao teor do artº 411º (Invalidade de deliberações) e ao disposto no nº 1 do artº 412º do Código das Sociedades Comerciais, preceitos estes relativos a Sociedades Anónimas – Título IV do CSC -, segundo o qual ‘o próprio conselho ou a assembleia geral pode declarar a nulidade ou anular deliberações do conselho viciadas, a requerimento de qualquer administrador, do conselho fiscal ou de qualquer accionista com direito de voto, ...’.

            Donde se entender e respeitar a tese exposta no despacho recorrido, que assentou essencialmente no teor do Ac. Rel. Lisboa de 13/03/2014, proc.º nº 1535/13.0TYLSB-A.L1-6, no qual se defende que, em regra e por princípio, não são susceptíveis de impugnação judicial direta as deliberações do conselho de administração duma sociedade anónima, devendo a sua eventual nulidade ou anulabilidade ser submetida à apreciação da assembleia geral (artº 412º, nº 1 do CSC) e só da deliberação desta cabendo ação judicial.

            Entendimento que também foi o seguido, p. ex., no Ac. Rel. Coimbra de 20/04/2016, Proc.º nº 9619/15.4T8CBR.C1, segundo o qual:

“...

3. É assim lícito a qualquer sócio requerer à assembleia geral a declaração de nulidade ou a anulação de decisão do conselho de administração, podendo igualmente aquele órgão, quando se trate de apreciação geral de actos de administradores, deliberar sobre a declaração de nulidade ou anulação, independentemente de o assunto constar, ou não, da convocatória (art.º 412º do CSC).

4. Desde há muito que a questão da impugnabilidade das decisões dos administradores (lato sensu) das sociedades tem sido discutida na jurisprudência e na doutrina.

Temos, de um lado, aqueles que defendem que a acção anulatória (e o acto preventivo da suspensão) não poderá ser utilizada contra deliberações tomadas pelos órgãos administrativos propriamente ditos (gerência, direcção, administração), mas apenas contra deliberações tomadas em reuniões ou em assembleias gerais de sócios [a questão deverá ser colocada, previamente, perante a assembleia geral da sociedade podendo, depois, e em face do deliberado, recorrer-se à via judicial]; de outro lado, quem se pronuncie em sentido diametralmente oposto [admitindo, sempre, a impugnação judicial directa – por exemplo, as decisões de um conselho de administração de uma sociedade anónima podem ser impugnadas directamente para os tribunais]; finalmente, os que propendem para o entendimento de que se a primeira perspectiva será de adoptar na generalidade das situações/em regra, situações haverá, quiçá pela sua gravidade ou excepcionalidade, em que não deverá ser recusada a impugnação directa das deliberações ditas nulas ou anuláveis de outros órgãos sociais (que não o plenário de sócios, reunido em assembleia geral).

5. Admitindo-se que as deliberações, por exemplo, do conselho de administração ou do conselho fiscal de uma sociedade são deliberações sociais, perfilha-se, à luz do regime jurídico vigente, aquela última perspectiva, o que, cremos, também potenciará uma mais razoável e racional utilização dos meios de impugnação judicial, desiderato, aliás, bem presente em muitas normas de direito adjectivo (veja-se, por exemplo, o citado art.º 380º, n.º 1, in fine, do CPC).

6. Assim, em princípio, não são susceptíveis de impugnação judicial directa as deliberações do conselho de administração duma sociedade anónima, podendo a sua nulidade ou anulabilidade ser submetida à apreciação da assembleia geral (art.º 412º, n.º 1 do CSC) e só da deliberação desta cabendo acção judicial.

A simples formulação do art.º 412, n.º 1, do CSC parece querer significar que, ao menos, em princípio, o procedimento a seguir por qualquer administrador que pretenda arguir a invalidade de uma deliberação do conselho será o nele previsto, exigência que não é destituída de fundamento, não só em função da relativa proeminência das assembleia gerais nos órgãos societários, como por razões de ordem prática, no sentido de evitar nocivas perturbações, ou paralisações, na actividade gestionária da sociedade - existindo a possibilidade de a anulabilidade e a nulidade das deliberações dos administradores serem apreciadas, desde logo, no interior da própria sociedade pela respectiva assembleia geral, porque haveria tal apreciação de ser feita directamente para os tribunais, com a consequente perturbação da vida da sociedade?

A impugnação judicial directa pelo accionista das deliberações inválidas do conselho de administração só parece ser de não excluir relativamente a actos e omissões que lhe impeçam ou embaracem o exercício dos direitos inerentes às suas acções, e eventualmente, comportamentos do órgão de administração que consubstanciem “usurpação” de competências próprias da assembleia geral.”.

            Porém, este entendimento não é unânime e até se afigura ser, atualmente, minoritário, como através do Ac. desta Relação e Secção de 15/12/2016, Proc.º nº 972/16.3T8GRD.C1, disponível em www.dgsi.pt/jtrc, de que foi relatora a Des.ª Maria Domingas Simões e os presentes relator e o 1º adjunto foram aí adjuntos, se procurou justificar, e no qual se escreveu, a este respeito, o seguinte:  

“Da admissibilidade da impugnação judicial directa das deliberações do CA:

É inegável que o CA surge hoje como o centro de tomada de decisões da sociedade, protagonismo assumido muito à custa da Assembleia-Geral, órgão menos ágil no seu funcionamento. Reflexo dessa inversão de papéis, o legislador atribuiu ao CA relevantes competências próprias e exclusivas, como ocorre, respectivamente, com as matérias atinentes à gestão, relativamente às quais os accionistas só podem deliberar se tal for pedido pelo órgão de administração (art.º 373.º, n.º 2) e com a representação da sociedade (cf. art.º 405.º, n.º 2). Competindo assim ao CA gerir a sociedade, e cabendo-lhe, nessa justa medida, praticar todos os actos conducentes à realização do objectivo social, é inegável a importância de que se revestem as suas deliberações, o que de algum modo justifica a consagração do mecanismo de sindicância interna previsto no citado art.º 412.º.

Dir-se-á que, para lá do apoio do elemento literal, o entendimento de que a possibilidade de impugnação das deliberações do CA se esgota no aludido mecanismo é aquele que melhor serve a vida da sociedade, obstando ao conflito judicial, necessariamente perturbador do regular funcionamento das instituições sociais.

Pois bem, se se reconhece mérito ao argumento vindo de aduzir, não parece, todavia, suficiente para negar a possibilidade do recurso directo à via judicial ao administrador ou accionista com direito de voto prejudicados com uma qualquer deliberação do órgão de gestão, afigurando-se serem várias as razões que militam a favor de tal interpretação.

Antes do mais não parece de todo defensável que em caso algum pudesse ser judicialmente impugnada a deliberação inválida do CA, o que implicaria atribuir com exclusividade a órgãos sociais a tutela de direitos dos accionistas, com a consequência de, não sendo por aqueles conhecida a invalidade, a deliberação viciada e seus efeitos se perpetuarem na ordem jurídica sem que aos prejudicados fosse permitido o recurso à via judicial, interpretação que, no limite, nos parece ser de constitucionalidade duvidosa.

Afigura-se assim que o art.º 412.º deve ser interpretado no sentido do legislador ter querido criar um mecanismo de sindicância no seio dos órgãos sociais, mas sem excluir ou negar ao prejudicado a possibilidade, que corresponde a um direito basilar, de recorrer ao tribunal, o que, de resto, o preceito em análise em nada contraria.

Por outro lado, parece que nada impõe que o lesado impugne primeiro a deliberação junto da AG e só no caso da deliberação deste órgão lhe ser desfavorável possa então recorrer ao tribunal, estando contudo em causa, não a deliberação inválida do CA, mas antes a deliberação da AG que assim não declarou. E isto porque, desde logo, nem sempre a impugnação judicial da deliberação negativa da AG atingirá a deliberação inválida do CA, uma vez que o tribunal só será chamado a apreciar eventual vício de que a primeira padeça e bem poderá suceder que não se encontre viciada.

Assinala-se ainda que podendo a deliberação viciada ser impugnada junto do próprio CA, teria que se admitir, ao fim e ao cabo, a impugnação judicial directa da deliberação que este viesse a tomar, sob pena de se exigir a intervenção da AG para apreciar esta segunda deliberação a fim do accionista se habilitar a recorrer ao tribunal, o que, nas situações de urgência, equivaleria, na prática, a restringir de forma intolerável o direito do lesado.

Acresce que impor o recurso em primeira linha ao conselho de administração ou à assembleia geral, podendo redundar numa dupla perturbação da vida societária, será, em muitos casos, de uma perfeita inutilidade, como ocorrerá se os accionistas de controlo estiverem na administração.

Inexiste ainda razão para impor ao accionista com direito a voto que recorra obrigatoriamente aos mecanismos previstos no art.º 412.º, quando qualquer terceiro interessado pode recorrer à via judicial, nos termos gerais do art.º 286.º.

Ora, tendo o accionista maior contacto com a sociedade e relevante interesse em não perturbar desnecessariamente o funcionamento saudável e regular dos seus órgãos, a interpretação mais conforme do art.º 412.º será a de lhe permitir optar pelo meio que tenha por mais adequado e eficaz para atalhar a vigência e a produção de efeitos da deliberação inválida do CA.

Finalmente, um argumento que, por ser de ordem prática, não é menos ponderoso: Sendo de admitir que as deliberações inválidas do CA sejam susceptíveis de causar pesados danos à sociedade e/ou accionistas, parece razoável admitir que tais deliberações possam ser rapidamente suspensas, possibilidade que quer a doutrina, quer a jurisprudência vêm aceitando, funcionando aqui o procedimento cautelar como dependência da acção de anulação da deliberação do CA. Ora, a não admitir-se esta acção, o procedimento cautelar ficaria prejudicado, com as consequências menos desejáveis.

...

Tudo em suma para concluir que, ao invés do entendimento perfilhado na decisão recorrida, se admite a impugnação judicial directa das deliberações do CA.

Sumário: É admissível a impugnação judicial directa das deliberações do Conselho de Administração.”.

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                Veja-se também, neste sentido, o aresto abaixo e doutrina nele citada:

Ac. Rel. Porto de 27/06/2011, Proc.º nº 987/10.5TYVNG.P1, onde se escreve:

‘Defendem, por sua vez, a impugnação judicial directa das deliberações de outros órgãos sociais - não apenas da assembleia geral - também entre outros, RAÚL VENTURA in Estudos Vários Sobre Sociedades Anónimas, 558; PINTO FURTADO, in Deliberações do Sócios, 221 e ss.; MENEZES CORDEIRO in CSC Anotado, 999, em anotação ao art.412º; COUTINHO DE ABREU in Governação das Sociedades, 136; e TAVEIRA DA FONSECA in Deliberações Sociais-Suspensão e Anulação, 87 e ss.

Na jurisprudência cfr, também exemplificativamente, o ac. do STJ de 21-2-2006, in CJ, I, 71; e os ac.s desta Relação de 28-9-2010, de 20-4-2004, proc.0220836, e de 20-11-2013, preoc.0335690, disponíveis in www.dgsi.pt, e de 8-1-2001, in CJ, XXVI, I, 175.
Perfilhámos este segundo entendimento.

Na verdade, e após a entrada em vigor do CSC, a designação de “deliberações sociais” passou a caber não apenas às tomadas pela assembleia geral das sociedades, mas também às tomadas por outros órgãos daquelas, como o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal nas sociedades anónimas, ou a Direcção nas sociedades por quotas.
Pelo que, e desde logo, consoante defende PINTO FURTADO, ob. cit., 465, o procedimento cautelar de suspensão das deliberações sociais previsto nos art.s 396º e ss. do CPC deve igualmente ter-se por aplicável às respectivas deliberações.
Por outro lado, e não obstante o disposto no art.412º do CSC - relativo à arguição da invalidade da deliberação do Conselho de Administração das Sociedades Anónimas - tal não impede o recurso directo, para o mesmo efeito, à via judicial. Antes, e consoante escreve MENEZES CORDEIRO, ob. cit., 999: “Por via do 2.°/2 do CPC, que é estruturante e do 20.°/1 da CR, a nulidade da deliberação do CA pode sempre ser invocada judicialmente por qualquer interessado o qual pode, ainda, pedir a competente declaração. Quanto à anulabilidade: não se configurando uma "ratificação” (aliás: confirmação) em prazo útil, está, também, aberta a via judicial”.
E não se diga que uma tal interpretação é perturbadora da vida da sociedade – cfr. OSÓRIO DE CASTRO in Valores Mobiliários, 76.

É verdade que intromissão de um accionista nas deliberações do Conselho de Administração perturba, ou pode perturbar, a gestão da sociedade. Simplesmente, não é de qualquer deliberação que aqui se trata. Designadamente, não estão em causa deliberações relativas ao mérito da gestão. Antes, aquelas que, eventualmente, são passíveis de ser declaradas nulas ou anuladas nos termos legais. E, relativamente a estas, não se vê como impedir o seu controle jurisdicional directo, sem aguardar pela deliberação da assembleia geral.

Aliás, PEREIRA DE ALMEIDA, ob. cit., 443, embora defenda, em princípio, a primeira tese acima referida, escreve: “As deliberações do Conselho de Administração, em princípio, não têm eficácia externa. A sociedade vincula-se através dos actos dos Administradores com poderes para vincular a sociedade (art.408.°), os quais poderão executar uma deliberação do Conselho de Administração. Mas, entre a deliberação e a execução do acto, a sociedade não está vinculada e o art. 412.°, n.º4, proíbe mesmo os Administradores de executarem - ou deixarem executar - deliberações nulas.
Para prevenir este hiato e evitar incerteza e instabilidade, o art.412.°, nº1, confere a qualquer Administrador, ao Conselho Fiscal ou a qualquer sócio com direito de voto, a faculdade de requererem a convocação do Conselho de Administração ou da assembleia geral para que estes órgãos declarem a nulidade ou anulem a deliberação do Conselho de Administração viciada, podendo, contudo, a assembleia geral ratificar a deliberação anulável do Conselho de Administração ou substituir por uma deliberação sua a deliberação nula, contanto que não verse sobre matéria da exclusiva competência do Conselho de Administração (art. 412.°, n.º3).

Naturalmente que esta deliberação da assembleia geral poderá ser impugnada nos termos gerais.

Porém, se a deliberação do Conselho de Administração for executada ou, de qualquer forma, atingir direitos dos sócios ou de terceiros, naturalmente que estes têm toda a legitimidade para recorrerem aos tribunais. Caso contrário, o art. 412.° até seria inconstitucional, como bem faz notar Raúl Ventura” – sublinhado nosso.
Ora, no caso em apreço, está em causa uma deliberação do Conselho de Administração da requerida que diz respeito unicamente aos respectivos sócios, já que aprovou o reembolso de suprimentos. Está em causa, por isso, apenas uma relação jurídica estabelecida entre os sócios e a sociedade. Pelo que, assim sendo, assiste àqueles sócios o direito a discutirem judicialmente aquela relação jurídica.
Em conclusão, é permitida a impugnação judicial directa, por parte da requerente, na qualidade de sócia da requerida, da deliberação do Conselho de Administração daquela, de 9-12-2010, que aprovou o reembolso de suprimentos. Com recurso ao procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais previsto nos art.s 396º e ss. do CPC.”.

            No mesmo sentido vejam-se, ainda, o Ac. Rel. Porto de 28/09/2010, Proc.º nº 6328/07.1TBVFR.C1; e o Ac. STJ de 21/02/2006, Col. Jur. STJ 2006, Ano XIV, tomo I, pg.71, em cujo sumário se escreve: “I – A intromissão de um accionista na vida de uma sociedade, sempre que discorde do que entende por interesse social, poderá tornar impossível ou, pelo menos, difícil a vida da pessoa colectiva. III – Não se encontrando expressamente previsto no artº 412º do CSC o recurso às instâncias judiciais para tutelar interesses, a verdade é que tal tutela não é excluída e, de harmonia com o princípio constitucionalmente consagrado de acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos (CRP, artº 20º), deve, em princípio, ser admitido o recurso às instâncias judiciais. IV – Assim, a deliberação do Conselho de Administração de uma sociedade anónima é judicialmente sindicável, no que diz respeito a sua invocada nulidade ou anulabilidade.”.

            Veja-se, ainda, Prof. Raúl Ventura in ‘Estudos Vários sobre Sociedades Anónimas, Almedina, 1992, pg. 559’.

Assim, quer nesta tese da admissibilidade da impugnação judicial direta de deliberações do conselho de administração de sociedades anónimas, quer na tese de que em princípio essa admissibilidade não deve ser direta, mas apenas depois da sua prévia sujeição à assembleia geral da sociedade, mas atendendo a que, no caso, dado o controle do capital social da 1ª Ré entre as AA. e as Rés, de 50% parte a parte (o autor M... detém indiretamente metade do capital da Ré T..., SA -que era a única acionista da sociedade L..., SA antes do dito aumento de capital-, e o sr. M... detém indiretamente a outra metade do capital daquela sociedade), em nada beneficiaria a sujeição da deliberação em causa a tal assembleia geral, afigura-se que é de dar razão à tese da admissibilidade da presente impugnação judicial direta, já que a impugnação indireta em nada resultaria, senão em perda de tempo e de uso de recursos processuais que à partida se sabem inúteis.

            Face ao que temos de considerar que as Rés carecem de razão ao invocar este tipo de exceção dilatória inominada, impondo-se a sua improcedência e a revogação dessa parte do despacho recorrido, o que se decide.


***

Relativamente à deliberação da Assembleia Geral da L..., SA que aprovou o aumento de capital de €200.000,00, passando de €150.000,00 para €350.000,00 (pedidos 2 a 6), e tendo também em conta que também entendemos que os pedidos 3 a 6 são diretamente dependentes do pedido 2, não do pedido 1, face ao antes exposto acerca da legitimidade activa e passiva quanto ao pedido 1, que aqui damos por repetido, e dado que antes do aludido aumento de capital social da 2ª Ré o capital desta pertencia apenas à 1ª Ré, como seu único acionista, também entendemos serem as partes legítimas relativamente a esta deliberação societária, pois todas as partes têm interesse na presente demanda, tal como está configurada pelos AA, pelo que também se impõe a revogação do despacho recorrido na sua parte em que julgou serem as AA. parte ilegítima para este pedido, o que se decide.

***

            Importa, pois, concluir.

            Do exposto resulta, pois, a procedência do presente recurso e a prolação de decisão a revogar o despacho recorrido, a fim de que a presente instância prosseguia os seus regulares termos, com vista à oportuna apreciação das demais questões que foram colocadas pelas Rés e no eventual julgamento do mérito da causa, se assim se entender dever ser essa a tramitação a seguir.


VII

            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o presente recurso, revogando-se o despacho recorrido, a fim de que a presente instância prosseguia os seus regulares termos, com vista à oportuna apreciação das demais questões que foram colocadas pelas Rés e ao eventual julgamento do mérito da causa, se assim se entender dever ser essa a tramitação a seguir.

            Custas pelos Réus.

Relator: Des. Jaime Carlos Ferreira

Adjuntos: Des. Jorge Arcanjo

                   Des. Manuel Capelo


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Sumário:

I – O artº 412º, nº 1 do CSC dispõe que ‘o próprio conselho ou a assembleia geral pode declarar a nulidade ou anular deliberações do conselho viciadas, a requerimento de qualquer administrador, do conselho fiscal ou de qualquer accionista com direito de voto, ...’.

II - É assim lícito a qualquer sócio requerer à assembleia geral a declaração de nulidade ou a anulação de decisão do conselho de administração, podendo igualmente aquele órgão, quando se trate de apreciação geral de actos de administradores, deliberar sobre a declaração de nulidade ou anulação, independentemente de o assunto constar, ou não, da convocatória (art.º 412º do CSC).

III - Afigura-se que o art.º 412.º, nº 1 do C.S.C. deve ser interpretado no sentido do legislador ter querido criar um mecanismo de sindicância no seio dos órgãos sociais, mas sem excluir ou negar ao prejudicado a possibilidade, que corresponde a um direito basilar, de recorrer ao tribunal, o que, de resto, o preceito em análise em nada contraria.

IV -     Assim, em regra e por princípio são susceptíveis de impugnação judicial direta as deliberações do conselho de administração duma sociedade anónima, não se tornando necessário que a sua eventual nulidade ou anulabilidade seja previamente submetida à apreciação da assembleia geral (artº 412º, nº 1 do CSC) para que só da deliberação desta caiba a interposição de ação judicial.

V – Afigura-se que impor o recurso em primeira linha à assembleia geral para reapreciação das deliberações do conselho de administração das sociedades anónimas poderá redundar numa perturbação da vida societária e será, em muitos casos, de uma perfeita inutilidade, como ocorrerá se os acionistas de controlo estiverem na administração da sociedade.

VI - Assim, quer na tese da admissibilidade da impugnação judicial direta de deliberações do conselho de administração de sociedades anónimas, quer na tese de que em princípio essa admissibilidade não é direta, mas apenas depois da sua prévia sujeição à assembleia geral da sociedade, atendendo a que, no caso presente, dado o controle do capital social da 1ª Ré entre as AA. e as Rés, de 50% parte a parte (o autor M... detém indiretamente metade do capital da Ré T..., SA -que era a única acionista da sociedade L..., SA antes do dito aumento de capital-, e o sr. M... detém indiretamente a outra metade do capital daquela sociedade), em nada beneficiaria a sujeição da deliberação em causa a tal assembleia geral, afigura-se que é de dar primazia à tese da admissibilidade da presente impugnação judicial direta, já que a impugnação indireta em nada de útil resultaria, senão em perda de tempo e do uso de recursos processuais que à partida se sabem inúteis.

                                               Tribunal da Relação de Coimbra, em 09/01/2017