Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1640/11.8TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
IMPUGNAÇÃO DE PATERNIDADE
MEIOS DE PROVA
PODERES DO TRIBUNAL
OFICIOSIDADE
Data do Acordão: 06/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO, CASTELO BRANCO, INSTÂNCIA CENTRAL – 1.ª SECÇÃO DE FAMÍLIA E MENORES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 281º DO NCPC
Sumário: 1. A falta de impulso processual da acção declarativa de impugnação da paternidade que se encontra sem andamento objectivo há mais de seis meses após o último impulso consubstanciado no despacho judicial que ordenou a notificação da ré para a realização, oficiosamente determinada, de testes de ADN (exames hematológicos) não pode ser imputada a negligência do autor.

2. Estamos em face de meio de prova cuja realização foi oficiosamente determinada pelo tribunal, cabendo a este a realização de todas as diligências necessárias à respectiva concretização, não se podendo responsabilizar o autor pela falta de colaboração de uma das partes, a que ele é, absolutamente, alheio.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

            No decurso da presente acção declarativa de impugnação da paternidade que A... , move a B... , C... e D... , já todos identificados nos autos, no que ao presente recurso interessa, foi, em 12 de Junho de 2014, proferido o despacho de fl.s 84, dos autos, com o seguinte teor:

            “Antes mesmo da audiência prévia, e consequente fixação do objecto do litígio e temas da prova, entende-se que se mostra relevante para o processo e para a boa decisão da causa, a realização prévia de teste de ADN quer a A... , quer ao menor D... , quer à ré B... .

Assim, notifique a ré B... e o curador do menor para , em 10 dias, informarem da sua disponibilidade para a realização dos referidos testes, já que o autor está disponível para o efeito, como resulta da petição inicial.”.

Conforme fl.s 85, em 26 de Novembro de 2014, foi proferido o seguinte despacho:

“Renovo, nos seus precisos termos, o anterior despacho.”.

A fl.s 88, foi, em 08 de Janeiro de 2015, promovido pelo MP que se apurasse da residência da ré, em virtude de a mesma não ter sido notificada dos anteriores despachos, o que veio a ser deferido, cf. despacho de fl.s 89, datado de 15 de Janeiro de 2015.

Resultando infrutíferas tais buscas/averiguações, em 10 de Março de 2015, cf. fl.s 101, foi proferido o seguinte despacho:

“Atento o teor do requerimento que antecede, e sendo certo que foi ordenada a realização de testes de ADN à ré e que não se consegue determinar o paradeiro desta, notifique o autor para o que tiver por conveniente.”.

No seguimento do que o autor, cf. requerimento de fl.s 103, entrado em juízo no dia 06 de Abril de 2015, informou nos autos a nova morada da ré.

Após o que, cf. fl.s 105, em de 09 de Abril de 2015, se proferiu o seguinte despacho:

“Proceda-se à ordenada notificação na morada ora trazida aos autos.”.

A autora não respondeu à notificação, que se efectuou para a indicada morada e ora determinada, não tendo a carta enviada para tal notificação sido devolvida.

Seguidamente e sem que mais nada haja sido requerido ou determinado, cf. fl.s 110, em 02 de Dezembro de 2015, foi proferido o seguinte despacho:

“Julgo deserta a instância (cfr. art.º 281.º, n.º 1 do CPC).”.

Em 04 de Fevereiro de 2016, o MP, ao ter conhecimento do despacho proferido em 02 de Dezembro de 2015 (acima transcrito), cf. requerimento de fl.s 117, veio arguir a nulidade do mesmo, com o fundamento em se tratar de direitos indisponíveis, impondo-se ao Tribunal a tramitação do processo, devendo requerer-se a marcação de exames hematológicos ao IML, com vista à determinação da paternidade do menor D... , promovendo, em conformidade, que se declarasse aberta ou renovada a instância.

Conclusos os autos, ao M.mo Juiz, cf. fl.s 118, em 11 de Fevereiro de 2016, foi proferido o seguinte despacho:

Requerimento que antecede: indeferido.

Na verdade, estão em causa direitos indisponíveis mas o impulso processual sempre caberia ao requerente sendo certo que a extinção da instância não extingue o direito que se pretendia fazer valer e sendo vedado ao juiz impulsionar processualmente os autos.

Por outro lado, sempre poderá quem tem legitimidade para tal (Ministério Público inclusive) intentar a competente ação em ordem a ver declarado o direito pretendido.

Sem custas, por delas estar isento o MºPº.”.

Inconformado com a mesma, recorreu o MP, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (cf. despacho de fl.s 142, rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

            1 – No dia 13/10/2011, A... instaurou acção de impugnação da paternidade contra B... , C... e D... , visando a declaração de que o terceiro réu não é filho do segundo réu, mas do autor.

2 - Com efeito, no dia 29/02/2000, na freguesia de (...) , concelho de Setúbal, nasceu D... , sendo que, do respectivo assento de nascimento, constam, como pais: C... e B... .

3 - O réu C... apresentou contestação, na qual reconhece não ser o pai biológico do terceiro réu – D... .

4 - A ré B... apresentou contestação, nela reconhecendo que o autor é o pai biológico do terceiro réu – D... .

5 - Por despacho judicial datado de 10/03/2014, foi nomeado curador, ao jovem D... , o seu avô materno – E... .

6 - Citado este, para a acção, o mesmo não apresentou contestação.

7 - No dia 30/04/2014, foi citado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 21, do CPC.

8 - O Ministério Público apresentou contestação.

9 - Por despacho judicial datado de 12/06/2014, a Mmª Juiz, titular do processo, proferiu o seguinte despacho: “Antes mesmo da audiência prévia e consequente fixação do objecto do litígio e temas de prova, entende-se que se mostra relevante para o processo e para a boa decisão da causa, a realização prévia de testes de ADN, quer a A... , quer ao menor D... , quer à ré B... . Assim, notifique a ré B... e o curador do menor para, em 10 dias, informarem da sua disponibilidade para a realização dos referidos testes, já que o autor está disponível para o efeito, como resulta da petição inicial”.

10 - Realizadas várias diligências no sentido da notificação da ré B... , para os aludidos efeitos, tal não foi possível, sendo que a mandatária desta informou não conseguir contactar com a mesma, referindo desconhecer o seu paradeiro.

11 - Com data de 10/03/2015, o Mmº Juiz “ a quo” proferiu o seguinte despacho: “Atento o teor do requerimento que antecede e sendo certo que foi ordenada a realização de testes de ADN à ré e que não se consegue determinar o paradeiro desta, notifique o autor para o que tiver por conveniente”.

12 - Na sequência de notificação efectuada para o aludido efeito, o autor veio informar a actual morada da ré B... .

13 - No dia 09/04/2015, o Mmº Juiz “a quo” ordenou a notificação da ré na morada indicada pelo autor, sendo que a carta remetida à mesma não foi devolvida.

14 - Apesar de notificada, a ré nada disse acerca da sua disponibilidade para a realização de testes de ADN.

15 - Sem mais, no 02/12/015, o Mmº Juiz “a quo” proferiu o seguinte despacho: “Julgo deserta a instância (cfr. artº 281, nº 1, do CPC)”.

16 - De tal decisão não foi notificado o Ministério Público, dela apenas tomando conhecimento no dia 04/02/2016.

17 - Requerida, pelo Ministério Público, a renovação da instância, por alegada nulidade da citada decisão judicial, no dia 11/02/2016, o Mmº Juiz “a quo” proferiu o seguinte despacho: “Requerimento que antecede: indeferido. Na verdade, estão em causa direitos indisponíveis mas o impulso processual sempre caberia ao requerente sendo certo que a extinção da instância não extinguiu o direito que se pretendia fazer valer e sendo vedado ao juiz impulsionar processualmente os autos. Por outro lado, sempre poderá quem tem legitimidade para tal (Ministério Público inclusive) intentar a competente acção em ordem a ver declarado o direito pretendido. Sem custas, por delas estar isento o MP”.

18 - Desta decisão judicial foi notificado, o Ministério Público, no dia 24/02/2016.

19 - Dúvidas não restam que, estando em causa uma acção de impugnação da paternidade, nos encontramos perante direitos indisponíveis, matéria excluída da disponibilidade das partes, pelo manifesto interesse social que tutelam.

20 - Assim sendo, por estarmos perante direitos indisponíveis, ao Mmº Juiz “a quo” estava vedado declarar deserta a instância, sendo nula tal decisão.

21 - Como resposta legal para o impasse processual, a extinção da instância só se justifica, quando tal impasse não possa (não deva) ser superado oficiosamente pelo tribunal.

22 - Num processo cada vez mais marcado pelo impulso oficioso do juiz, deverá ser (desejadamente) cada vez mais rara a efectiva ocorrência da deserção da instância, por mais raros serem os actos que só a parte pode (deve) praticar e que importam a paragem do processo.

23 - Em nosso entendimento, a decisão judicial datada de 02/12/2015, que julgou deserta a instância é nula, também, por, uma vez terminada a fase dos articulados, não sendo manifestada a disponibilidade dos réus para a realização de exames hematológicos ou de ADN, com vista à determinação da paternidade do réu D... , impunha-se, ao Mmº Juiz “a quo” a tramitação do processo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 590, 591 e seguintes, do Código de Processo Civil, o que o mesmo não fez e devia ter feito, oficiosamente.

24 - Para além do preceituado nos aludidos normativos legais, nos termos do disposto no artº 6º, do CPC, compete ao juiz dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção.

25 - O facto de os réus nada terem dito relativamente à sua eventual disponibilidade para a realização dos referidos exames hematológicos ou de ADN, não impediam, o Mmº Juiz de, oficiosamente, ordenar a subsequente prossecução e tramitação do processo, antes se lhe impunha tal dever.

26 - Assim sendo, por falta de verificação dos necessários pressupostos processuais e por violação dos citados dispositivos legais, entendemos ser nula a decisão que julgou deserta a instância, nos termos do artº 195, do CPC.

27 - Tal decisão de deserção da instância é, ainda, nula, por não haver sido precedida de contraditório, tratando-se de uma decisão surpresa.

28 - Com efeito, “No despacho que julga deserta a instância, o julgador tem de apreciar se a falta de impulso processual se ficou a dever à negligência das partes, …, pelo que, num juízo prudencial, deverá o julgador ouvir as partes por forma a avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas, bem como, e por força do princípio da cooperação, reforçado no novo CPC, alertar as partes para as consequências gravosas que possam advir da sua inércia em impulsionar o processo, decorrido que seja o prazo fixado na lei” (Ac. do TRL de 26/02/2015 – 2254/10.5TBABF.L1-2, citado por Paulo Ramos de Faria no artigo supra referenciado).

29 - “Não sendo automática a deserção da instância pelo decurso do prazo de seis meses, o tribunal, antes de proferir o despacho a que alude o nº 4 do artº 281, do CPC, deve ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente” – (Ac. do TRC de 07/01/2015 – 368/12.6TBVIS.C1, citado por Paulo Ramos de Faria no artigo supra referenciado).

30 - Ora, como supra referido, no dia 10/03/2015, o Mmº Juiz “a quo” ordenou a notificação do autor para o que tivesse por conveniente.

31 - O autor veio indicar a morada da ré, para efeitos de notificação desta, com vista a esclarecer da sua disponibilidade em realizar testes de ADN.

32 - No dia 09/04/2015, o Mmº Juiz ordenou a notificação da ré, para os aludidos efeitos.

33 - Realizada tal notificação, a ré nada disse.

34 - Sem mais, no dia 02/12/2015, o Mmº Juiz declarou deserta a instância.

35 - Ou seja, o autor nem sequer foi notificado de que a ré B... nada havia dito relativamente à notificação efectuada a esta para efeitos de esclarecer da sua disponibilidade para a realização de testes de ADN.

36 - Por não ter dado conhecimento, às partes, da paragem do processo, por forma a que estas o impulsionassem, a decisão de deserção da instância é nula, nos termos do disposto no artº 195, do CPC.

37 - Tal decisão é nula, por fim, por falta de fundamentação.

38 - Com efeito, a decisão sobre a declaração da deserção da instância implica um juízo acerca da negligência das partes, na falta de impulso processual.

39 - Ora, o despacho recorrido nada refere acerca de tal aspecto.

40 - A fundamentação da sentença, como a de qualquer outra decisão judicial, sendo exigência muito antiga, tem actualmente assento constitucional (artº 205, nº 1, da CRP) e na legislação ordinária (vidé o artº 154, do novo CPC).

41 - Assim sendo, por falta de fundamentação, a decisão de deserção da instância é nula, por falta de fundamentação, nos termos supra aludidos.

42 - Face a tudo o exposto, é nosso entendimento deverem ser revogadas as decisões judiciais recorridas, ordenando-se o prosseguimento da acção.

V. Exªs, Senhores Juízes Desembargadores, no entanto, decidirão e farão Justiça

Não foram apresentadas contra-alegações.

           

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se se verifica a extinção da instância por deserção.

 

A matéria de facto a ter em conta para a decisão do presente recurso é a que consta do relatório que antecede.

            Se se verifica a extinção da instância por deserção.

            Como resulta do relatório acima elaborado, inexistem dúvidas de que os autos, quando foi proferido o despacho de fl.s 110, a julgar deserta a instância, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do CPC, se encontravam sem andamento objectivo há mais de seis meses, dado que o último impulso dado nos autos se consubstanciou no despacho de fl.s 105, datado de 09/04/2015, em que se ordenou a notificação da ré para os termos acima já referidos.

A questão – toda a questão do recurso – está pois em saber se tal não andamento objectivo pode ser imputado à negligência do autor.

Na decisão recorrida (fl.s 110), embora o seu carácter extremamente sintético, não permita que se estabeleçam grandes conclusões quanto a tal, implicitamente, considerou-se que assim é, o que mais se adensa quando se conjuga esta decisão com a proferida a fl.s 118, referindo-se expressamente nesta que “o impulso processual sempre caberia ao requerente (…) sendo vedado ao juiz impulsionar processualmente os autos”.

Este Colectivo já foi chamado a dirimir esta questão anteriormente, pelo que passamos a seguir o já exposto noutros recursos, designadamente, o que consta da Apelação n.º 131/04.8TBCNT.C1, de 05/05/2015, disponível no respectivo sítio do itij.

Assim, como aí referido, a declaração da deserção da instância não tem cariz automático, necessitando de decisão judicial que tal aprecie e declare.

Comparando o regime consagrado no NCPC, com o anterior (o do CPC), conclui-se que existe uma mudança radical no que se refere à deserção da instância.

Efectivamente, de acordo com o disposto no artigo 291.º, n.º 1, do CPC, considerava-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esta estivesse interrompida durante dois anos.

Ao invés, no NCPC, cf. seu artigo 281.º, estipula-se o seguinte regime:

“1. Sem prejuízo do disposto no n.º 5 (que se aplica ao processo de execução), considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”

4. A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.”.

            Ou seja, enquanto, que no anterior regime a deserção da instância (que se seguia à interrupção, cf. artigo 285.º do CPC), se completava logo que decorridos dois anos desde a interrupção, independentemente de qualquer decisão judicial, no actual regime fixado no artigo 281.º, n.º 1, do NCPC, para além do encurtamento do prazo ali previsto, afastou-se o seu carácter automático, ficando a sua declaração a depender de decisão judicial que aprecie a conduta da parte, já que a deserção é condicionada pela negligência da parte em promover os termos do processo, questão, esta, naturalmente, sujeita ao contraditório, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do NCPC.

            Como referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. I, Almedina, 2014, 2.ª Edição, pág. 273 “Diferentemente do que ocorria no direito anterior, a instância não se considera deserta «independentemente de qualquer decisão judicial». A ideia de negligência das partes não é conciliável com a ausência de uma decisão do juiz que a verifique. Embora a decisão prevista no n.º 4 seja meramente declarativa, até ser proferida não pode, pois, a instância ser considerada deserta, designadamente pela secretaria judicial.”.

            Conforme o n.º 5 do preceito ora em análise, o único caso em que se permite a deserção da instância, independentemente de decisão judicial, é no caso de processo de execução, dado que a própria declaração de extinção executiva também ocorre independentemente de decisão judicial, cf. artigo 849.º, n.º 3, do NCPC.

            Mas, como referido, já assim não sucede no caso da acção declarativa, caso em que, como vimos, importa apreciar e valorar a existência de omissão negligente da parte em promover os termos do processo, do que depende a possibilidade de se decretar a deserção da instância, constituindo a negligência da parte o seu pressuposto, desiderato, este, que só pode ser alcançado mediante a prolação de decisão judicial precedida da averiguação do motivo/causa da falta de impulso processual, designadamente, se este se ficou a dever a negligência da parte.

            Neste sentido, entre outros, se decidiu, nesta Relação, por decisão sumária, de 07/01/2015, Processo 368/12.6TBVIS.C1, e nos Acórdãos da Relação do Porto, de 02/02/2015, Processo 4178/12.2TBGDM.P1 e da Relação de Lisboa, de 26/02/2015, Processo 2254/10.5TBABF.L1.2, todos disponíveis nos respectivos sítios do itij.

            Volvendo ao caso em apreço, verifica-se que existe nos autos o despacho de fl.s 110 a declarar a deserção da instância, embora em violação do exercício do contraditório, uma vez que não foi o autor previamente notificado, dando-se-lhe a conhecer o estado dos autos, designadamente que a ré, não respondeu à notificação que lhe foi feita, a fim de averiguar se o não andamento dos autos, se a falta de impulso processual, se devia a negligência da sua parte (ou de qualquer outra das partes).

Esta omissão, por regra, conduziria à anulação da decisão a fim de ser cumprido o contraditório, para os fins referidos, após o que se passaria analisar a questão da deserção da instância com tais fundamentos.

Mas no caso em apreço, somos de opinião que seria inútil ordenar a referida notificação ao autor por, salvo o devido respeito, os autos revelarem que a falta de impulso processual não se deve ao autor, pelo que se passa, desde já, a decidir a questão sub judice.

Efectivamente, como decorre do despacho de fl.s 84 (acima transcrito), no exercício dos poderes de inquisitoriedade que ao juiz é lícito recorrer, nos termos do disposto no artigo 411.º do NCPC, foi oficiosamente (sublinhado nosso), determinada a realização de testes de ADN (exames hematológicos), nas pessoas de autor e réus, tendo-se ordenado a notificação dos réus (o autor já havia manifestado essa intenção na p.i.) para informarem da sua disponibilidade para a realização de tais testes/exames.

É na sequência de tal despacho que, em virtude de não se ter conseguido notificar a ré, se ordenou a notificação do autor para que indicasse a morada daquela, o que este fez, cf. fl.s 103.

Cf. fl.s 105, ordenou-se a notificação da ré na morada indicada pelo autor, não constando dos autos que a carta para tal para aí enviada tenha sido devolvida.

Entretanto, como a ré nada disse, proferiu-se o já mencionado despacho de fl.s 110, julgando deserta a instância.

Ora, da descrita marcha processual, não se vislumbra, onde é que reside o fundamento para se decretar a deserção da instância, designadamente, em que é que o autor contribuiu, negligentemente – como o exige o n.º 1 do artigo 281.º do NCPC – para o não andamento dos autos.

O autor fez o que se lhe pediu e depois disso não mais foi notificado de nada, nem para nada.

Reitera-se, trata-se de diligência oficiosamente (e bem) promovida com vista à boa decisão da causa e que importa levar até ao fim, se necessário, com recurso aos meios e sanções previstos no artigo 417, n.os 1 e 2, do NCPC, valorando-se, oportunamente, se for caso disso, as eventuais recusas em se sujeitar aos referidos exames, nos termos ali referidos – neste sentido, v.g., os Acórdãos do STJ, de 23/12/2012, Processo n.º 994/06.2TBVFR.P1.S1 e de 23/09/2008, Processo n.º 08B1827.

Estamos em face de meio de prova cuja realização foi oficiosamente determinada pelo tribunal, cabendo a este a realização de todas as diligências necessárias à respectiva concretização, não se podendo responsabilizar o autor pela falta de colaboração de uma das partes, a que ele é, absolutamente, alheio.

Em conclusão, não se verifica a negligência do autor no não andamento do processo, devendo o Tribunal ordenar a realização dos referidos testes de ADN, na sequência de anterior decisão oficiosamente proferida, nesse sentido, nos moldes acima referidos, não podendo, em conformidade, subsistir a decisão recorrida, em função do que procede o presente recurso.

           

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos, nos moldes acima referidos – diligências necessárias à realização dos mencionados testes de ADN.

Sem custas (o presente recurso).

            Coimbra, 07 de Junho de 2016.

           

Arlindo Oliveira (Relator)
Emidio Francisco Santos
Catarina Gonçalves