Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
31/15.6T9FND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: CONCURSO
PENA PRINCIPAL DE MULTA
PENA DE MULTA COMO PENA DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE PRISÃO
CUMULAÇÃO MATERIAL
CÚMULO JURÍDICO
Data do Acordão: 06/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (FUNDÃO – INST. LOCAL – SECÇÃO CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART. 77.º DO CP
Sumário: Tendo em conta a diferente natureza da pena principal de multa e da pena de multa como pena de substituição da pena de prisão, no concurso entre elas, não há lugar a cúmulo jurídico, vigorando o princípio de cumulação material.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo comum singular n.º 31/15.6T9FND, da Comarca de Castelo Branco, Fundão – Inst. Local – Secção Criminal – J1, mediante acusação pública, foi o arguido A... , melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de ofensa à integridade física qualificado e de um crime de injúria agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2, 181º, n.º 1, 184. e 132º, n.º 2, al. l) do CP.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, por sentença de 25 de Novembro de 2015, o tribunal decidiu [transcrição parcial do dispositivo]

Pelo exposto, julgo procedente e provada a acusação deduzida pelo Digno Magistrado do M.P. e, em consequência.

1 – Condeno o arguido A... pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, e em concurso real, de um crime de ofensas à integridade física qualificado, p. e p. pelos arts. 143º, n.º 1, 145.º, ns. 1, al. a) e 2 e 132º, n.º 2, al. l), todos do C. Penal, na pena de 15 (quinze) meses de prisão, e de um crime de injúria agravado, p. e p. pelos arts. 181º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2, al. l), todos do C. Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 8,00 (oito) euros, o que perfaz a multa global de 1200,00 (mil e duzentos) euros.

2 – Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de 15 (quinze) meses.

3 – Relativamente ao pedido de indemnização cível deduzido pelo CHCB, julga-se o mesmo procedente e provado e, em consequência:

A – Condena-se o arguido A... a pagar àquele a seguinte quantia: 103,51 euros, acrescida dos respetivos juros de mora, vencidos e vincendos, contados desde a data da citação do CHCB da dedução do pedido de indemnização cível, até efetivo e integral pagamento;

(…).

3. Inconformado recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões:

1) O arguido foi condenado pela prática em autoria material, sob a forma consumada e em concurso real, de um crime de ofensa à integridade física qualificado, p.p. pelos arts. 143º, 1, al. a9 e 2 e 132º, nº 2, al. l), todos do C. Penal, a pena de 15 meses de prisão, e de um crime de injúria agravado, p.p. pelos arts. 181º, n.º 1, 184º e 132º, n.º 2, al. l) todos do C. Penal, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 8,00 €, perfazendo uma multa global de 1.200,00 €.

2) A Mm.ª Juiz a quo deu erradamente como provados os factos que constam na douta sentença e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos, designadamente nos pontos 4, 5, 6 e 7;

3) O Mm.ª Juiz a quo errou na apreciação que fez da prova produzida em audiência de julgamento;

4) Com efeito, a prova ali produzida pelas testemunhas de acusação é incoerente e contraditória, nos termos que supra se descreveram, designadamente quanto ao facto de o arguido ter saído sozinho das instalações da junta, depois de convidado para tal ou ter sido posto na rua e empurrado pelo assistente (sendo que esta versão vem dar crédito à apresentada pelo arguido), ou ainda, ter sido acompanhado à saída, pondo em causa toda a versão da acusação e a matéria provada.

5) A contradição resultante dos depoimentos da acusação e o depoimento prestado pelo arguido – que nega perentoriamente os factos e explica como tudo se passou -, deviam ter sido valorados pelo tribunal, bem como o relatório médico apresentado com a contestação, já que, de tudo, resulta coerente a versão apresentada pela defesa.

6) Entende-se que não foi produzida prova que permita a condenação do arguido, no limite porque havia de suscitar no Tribunal uma dúvida razoável. E,

7) Consequentemente, a absolvição do arguido, pela qual aqui pugnamos.

Quando assim se não entendesse, mas sem prescindir:

8) As penas aplicadas ao arguido devem ser reduzidas, pelo menos, para metade, já que são baixas as necessidades de prevenção especial, ao contrário do que se afirma na douta sentença;

9) Não foi valorada a idade do arguido associada ao facto de não lhe serem conhecidos comportamentos conflituosos e ser considerado pessoa de bem, como não foram levadas em conta as circunstâncias em que terão sido praticados os factos, tudo em violação do disposto no art. 71.º do C. Penal.

Termos em que e nos melhores de direito que V. Ex.as doutamente suprirão, se requer a revogação da douta sentença ora em crise, substituindo-se por outra que absolva o arguido, ou quando assim se não entendesse, mas sem prescindir, que diminua as penas aplicadas, pelo menos, para metade, assim se fazendo Justiça.

4. Por despacho de 08.01.2016 foi o recurso admitido.

5. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo:

1. O tribunal a quo fez uma adequada valoração dos preceitos legais, tendo andado bem ao condenar o arguido A... , pela prática em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de ofensa à integridade física qualificado, p. e p. pelos arts. 143º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, al. a) e 2 e 132.º, n.º 2, al. l) do CP e um crime de injúria agravado, p. e p. pelos arts. 181.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2, al. l) do CP, nas penas respetivas de 15 meses de prisão, esta suspensa na sua execução por igual período e 150 dias de multa, à taxa diária de 8,00 €, no montante global de 1200,00 €.

2. Na verdade, o tribunal a quo fez uma adequada e acertada valoração dos factos e uma correta subsunção destes ao Direito, que não merece qualquer reparo, nem existe qualquer nulidade que a invalide.

3. Por fim, a questão do excesso da pena aplicada ao arguido, porque a pena de prisão ficou abaixo do meio da pena abstrata e a pena de multa ficou um pouco acima do meio das molduras previstas, não merecem qualquer reparo.

4. Face ao exposto, concluímos que, a douta decisão recorrida deve ser mantida, por não ter violado quaisquer preceitos legais ou constitucionais, não devendo merecer provimento o recurso interposto pelo arguido.

V. Ex.ªs Senhores Juízes Desembargadores, no entanto, decidirão e farão Justiça.

6. Também o assistente B... reagiu ao recurso, concluindo:

A. Não se verificam, in casu, os fundamentos de recurso invocados pelo Arguido/Recorrente, nem quanto à insuficiência da matéria de facto provada, atento a análise extensiva a todos, conseguida na decisão proferida, nem mesmo quanto ao erro notório na apreciação da prova, previstos respetivamente, no art.º 410º, n.º 2, alíneas a) e c) do CPP.

B. Da mesma forma não se verifica, que nos termos do disposto no n.º 1 do art. 410.º do CPP, qualquer erro de julgamento quanto à matéria de facto que colida com as regras da experiência comum, ou tenham ficado esquecidas quaisquer outras questões de que se pudesse só agora conhecer na decisão recorrida.

C. Aquilo que decorre das alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente é apenas a sua discordância face à decisão do Tribunal a quo, sendo que, essa discordância, por não se conduzir às circunstâncias que, nos termos do disposto no art. 410.º, n.º 2, al. a e al. c) do CPP, não constitui fundamento de recurso.

D. Nem mesmo a motivação com os fundamentos apresentados perturba a dosimetria da pena aplicada, pelo que não deve ser alterada.

E. Acresce ainda, que da documentação junta aos autos, ficou claramente provado que o Arguido/Recorrente praticou os factos que resultaram provados, aliás sem arrependimento demonstrado em qualquer sede, e que determinaram a sua condenação nos presentes autos.

F. À prova documental, juntou-se o depoimento das testemunhas presentes no local onde ocorreram os factos e que em toda a medida corroboraram o que documentalmente já se tinha por assente.

Assim, nestes termos e nos mais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.as deverá o recurso interposto pelo Arguido/Recorrente, improceder, mantendo-se, in totum a douta decisão recorrida.

Com o que se fará a mais completa e integral Justiça.

7. Remetidos os autos à Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer no sentido da total improcedência do recurso.

8. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP nenhum dos sujeitos processuais interessados reagiu.

9. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cabendo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP, o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões, sem prejuízo das questões que importe oficiosamente conhecer ainda que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.

      No presente caso, questiona o recorrente o acerto sobre a decisão de facto e, bem assim, as penas aplicadas.

Estes, pois, os aspetos para os quais somos convocados.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar da sentença recorrida [transcrição parcial]:

II FUNDAMENTAÇÃO 

DE FACTO

FACTOS PROVADOS:

DA ACUSAÇÃO PUBLICA: 

1. 

O ofendido B... é o atual presidente da Junta de Freguesia de x... .

2. 

No dia 21 de Julho de 2014, o ofendido B... , juntamente com os demais membros da Junta, estiveram na sede da Junta a realizar atendimento ao público.

3.

A hora não concretamente apurada, entrou nas instalações da Junta de Freguesia o arguido A... , tendo apresentado uma reclamação junto do ofendido por causa da ocupação de uma rua. 

4. 

A dado momento, porque a sua pretensão não terá sido acolhida, o arguido disse para o ofendido B... “O teu sogro roubou quando aqui estava e por isso é que tu tens o que tens”, em razão de o seu sogro ter sido em tempos presidente da Junta de Freguesia de x... . 

5. 

E ainda disse, visando o ofendido, “Andam metidos uns com os outros, sois uma cambada de paneleiros”.

6. 

Após o que, o ofendido deu por terminado o atendimento ao arguido, encaminhando-o para a saída, sendo que este seguia à frente daquele.

7.

Nessa altura, sem motivo aparente, o arguido desferiu com violência um golpe com o pé para trás, atingindo o joelho direito do ofendido. 

8. 

Na sequência daquela agressão o ofendido sofreu dores e incómodos e teve necessidade de receber assistência médica no CHCB. 

9. 

Com as expressões que lhe foram dirigidas, o ofendido, que se encontrava em funções de autarca, sentiu-se humilhado, como pessoa e como representante da comunidade de x... . 

10. 

O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com intenção de molestar fisicamente, bem assim de atentar contra a honra e consideração do ofendido, o que efetivamente logrou conseguiu, bem sabendo que a sua atuação era idónea a obter tais resultados. 

11. 

Sabia, o arguido, também, que tal comportamento lhe era proibido e punido pela lei penal. 

DAS CONDIÇÕES PESSOAIS E SOCIO ECONÓMICAS DO ARGUIDO

12.

O arguido não tem antecedentes criminais.

13.

O arguido é casado e encontra-se, atualmente, reformado. Aufere uma pensão de reforma líquida mensal de cerca de 1500,00 euros. A esposa encontra-se, igualmente, reformada, auferindo uma pensão líquida de reforma de cerca de 800,00 euros, e a viver num lar de idosos. Reside em casa própria.

14.

O arguido é considerado uma pessoa de bem, não lhe sendo conhecidos comportamentos desrespeitosos ou conflituosos.

DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVEL DEDUZIDO PELO C. H. COVA DA BEIRA, E. P. E. CONTRA O ARGUIDO:

15.

Da assistência prestada ao assistente/ofendido B... , foi contabilizado um prejuízo, por assistência hospitalar àquele, no montante de 103,51 euros.

FACTOS NÃO PROVADOS: 

Inexistem factos não provados.

MOTIVAÇÃO:

Fundou o tribunal a sua convicção no conjunto das declarações e depoimentos produzidos em sede de audiência final, bem como no teor da prova documental junta aos autos, analisada de forma crítica, no cotejo das regras de experiencia comum – cf. Art. 127, do C. P. Penal -. 

Foi considerando a nível documental: 

. O teor do relatório de episódio de urgência relativamente ao ofendido junto a fls.84 a 85.

. Nota de débito emitida pelo C. H. C. BEIRA junta a fls. 87.

. O teor do C. R. C. junto a fls. 118.

Incidindo, agora, sobre a demais prova produzida, nomeadamente, os depoimentos prestados pelo arguido, assistente e testemunhas, importa reter que a apreciação de todos estes elementos, que redundam no juízo fáctico já supra concretizado, teve como presente a especial natureza dos factos em causa e as suas especificidades. 

Principiando pelo depoimento do arguido:

O arguido localizou espácio-temporalmente os factos, designadamente quanto à sua deslocação à Junta de Freguesia de x... sendo certo que, quanto ao demais apresentou uma versão contraditória dos factos, a qual não convenceu este T. J., por falta de suporte probatório para tal, no contexto da prova produzida, e constatando-se que o relato documental/pericial de fls. 109, respeita a 24-07-2014 (e os factos ora em apreço ocorreram em 21 de julho de 2014) e nem sequer foi indicada e/ou identificada no respetivo relato clinico a origem das lesões descritas nem o respetivo agressor.  

Esclareceu, apenas, o Tribunal quanto à respetiva situação socio-economico.

II

As declarações prestadas pelo ASSISTENTE:

B... , o qual localizou espacial e temporalmente o sucedido, em termos consentâneos com a acusação, descrevendo com detalhe as ofensas recebidas e padecimentos sofridos, assim como as expressões utilizadas pelo arguido, na sequência do prévio atendimento que lhe efetuou no interior das instalações da Junta de Freguesia.

III

Os depoimentos prestados pelas testemunhas:

C... (funcionário da Junta de Freguesia de x... ), o qual, depondo de uma forma profícua e convincente, esclareceu quanto a toda a factualidade dada como provada, supra, sendo certo que a presenciou, encontrando-se no interior da Junta de Freguesia, conjuntamente com o Sr. Presidente da Junta, no respetivo atendimento ao público. Esclareceu que o arguido permaneceu na Junta de Freguesia, durante cerca de 45 minutos, e que, quando ia a sair para fora das respetivas instalações, desferiu um pontapé ao assistente.

D... (tesoureiro da Junta de Freguesia de x... ), o qual, depondo de uma forma profícua e convincente, esclareceu quanto a toda a factualidade dada como provada, supra, sendo certo que a presenciou, encontrando-se no interior da Junta de Freguesia, conjuntamente com o Sr. Presidente da Junta, no respetivo atendimento ao público. Esclareceu, ainda, que ouviu as expressões que o arguido dirigiu ao assistente (designadamente que o sogro daquele já tinha roubado quando estava na junta e que, por isso, o assistente tinha o que tem). Confirmou, igualmente, que viu o arguido desferir um pontapé, para trás, na pessoa do assistente.

E... (amigo do arguido desde há cerca de 50 anos) e F... (amigo do arguido desde 1958/1960), os quais, depondo de uma forma profícua, convincente e credível, esclareceram, tão-somente, quanto à honra e consideração do arguido, tendo revelado conhecimento direto sobre tal factualidade, sendo certo que quanto ao demais, nada presenciaram.

IV

Perante o cotejo da prova acima elencada e analisada, não tem este Tribunal qualquer dúvida de que as circunstancias conhecidas e provadas ao nível da factualidade de cariz objetivo, permitem e impõem, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, concluir de forma firme, segura e sólida, no que concerne à prova dos factos de índole subjetiva, que os mesmos se passaram nos termos vertidos na acusação.

Com efeito, no que concerne aos factos atinentes à intenção e motivação do arguido, convém recordar a lição de Cavaleiro Ferreira, in Curso de Processo Penal, vol. I, 1981, pág. 282, quando refere que existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são suscetíveis de prova indireta como são todos os elementos de estrutura psicológica, aos quais apenas se poderá aceder através de prova indireta – presunções naturais e não jurídicas -, a extrair de factos materiais comuns e objetivos dados como provados, o que sucedeu «in casu».

 Em todos estes elementos assentou a convicção do Tribunal.

3. Apreciação

a.

Não se conforma o recorrente com o acervo factual provado, concretamente nos pontos 4., 5., 6. e 7., no fundo os que conformam, no plano objetivo, a sua responsabilidade jurídico-penal.

Contudo, perscrutadas as conclusões, manifesto se torna não haver dado cumprimento aos ónus de impugnação (artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP), procedimento indispensável com vista a provocar, por parte do tribunal de recurso, a sindicância alargada da matéria de facto.

Com efeito, não só indica genericamente os factos incluídos nos itens em referência (forma de fazer que não se coaduna com o ónus respeitante à indicação «dos concretos pontos»), como, consequentemente, não cuida de estabelecer a necessária relação entre cada um daqueles e a «concreta prova» que «imporia» decisão diversa da recorrida.

E coisa diferente não decorre da respetiva motivação, no âmbito da qual, não obstante a reprodução integral de declarações e depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento (afastando-se, assim, da indicação da «concreta prova», não observa, igualmente, na dimensão legalmente exigível, as ditas exigências.

Inobservância compreensível, embora, se se atentar no que surge a sustentar a dissidência. Seriam, pois, contradições, sobre aspetos secundários, entre o depoimento das testemunhas de acusação que, aliadas à prova documental, de lesões por si sofridas, reportada ao dia 24.07.2014 (sendo que os factos ocorreram em 21.07.2014), deveriam ter conduzido à consideração pelo julgador das suas declarações.

O processo adotado, centrado, no essencial, em questões de credibilidade – circunstância transversal às conclusões e motivação - compromete a sindicância alargada da matéria de facto, o que determina, nesta parte, a rejeição do recurso.

Efetivamente a não observância nem nas conclusões nem na correspondente motivação, em toda a sua extensão, dos ónus de impugnação inviabiliza o convite ao aperfeiçoamento. Assim se tem vindo a pronunciar o Supremo Tribunal de Justiça [cf., entre outros, os acórdãos de 17.02.2005 (proc. n.º 05P058), 09.03.2006 (proc. n.º 06P461), 28.06.2006 (proc. n.º 06P1940), 04.10.2006 (proc. n.º 812/06 – 3.ª), 04.01.2007 (proc. n.º 4093/06 – 3.ª) e de 10.01.2007 (proc. n.º 3518/06 – 3.ª)], solução que o Tribunal Constitucional já considerou não violar o direito ao recurso, como decidiu no acórdão n.º 259/02, de 18.06.2002 [DR II Série, de 13.12.2002], posição retomada no acórdão n.º 140/04 [DR II Série, de 17.04.2004].

Fica-nos, assim, a dúvida que o recorrente defende se deveria ter instalado no espírito do julgador, com o que pretenderá ver na decisão a violação do in dubio pro reo.

Como ensina o Professor Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, I, pág. 86, respeita o princípio in dubio por reo ao direito probatório, implicando a presunção de inocência que, sendo incerta a prova, não se use um critério formal para decidir da condenação do arguido, decisão que terá sempre de assentar na certeza dos factos probandos.

O julgador deve decidir a favor do arguido se, face ao material probatório produzido em audiência, tiver dúvidas sobre qualquer facto.

Todavia, não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma decisão favorável ao arguido. Na realidade, a dúvida tem de assumir uma natureza irredutível, insanável, sem esquecer que, nos atos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja alguns motivos de dúvida – [cf. Cristina Líbano Monteiro, In Dubio Pro Reo, Coimbra Editora, 1997].

Ou seja, «Uma vez verificado que o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste» [cf. acórdão do TRC de 09.09.2009, proc. n.º 564/07.8PAVCD.P1].

Ora, no caso, a invocada preterição do princípio in dubio pro reo não pode deixar de ser votada ao insucesso pois que não resulta do texto da decisão recorrida que o julgador face ao material probatório produzido tivesse mergulhado num estado de dúvida, muito menos irredutível, sobre os factos que conformam a responsabilidade do recorrente e, persistindo nele, haja contra si decidido.

Por outro lado, bastando-se a garantia da legalidade da «livre convicção» com a necessária explicitação motivada do processo da sua formação, vista a fundamentação resulta suficientemente esclarecido haver sido a prova apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.

De resto, a apreciação da prova pelo tribunal de recurso só pode abalar a convicção acolhida pelo julgador em 1.ª instância caso se constate que a decisão sobre a matéria de facto não colhe fundamento nos elementos probatórios considerados ou que se mostra de todo desapoiada face às provas recolhidas, circunstâncias que manifestamente não ocorrem.

Donde, não resultando mostrar-se a sentença incursa em qualquer vício respeitante à confeção técnica da decisão (apreensível a partir do seu texto, por si ou conjugado com as regras da experiência comum), traduzido em omissões relevantes, juízos contraditórios e/ou apreciações ilógicas, tem-se por definitivamente fixada a matéria de facto.

b.

Também as penas concretamente aplicadas, por alegadamente excessivas, em função de serem baixas as exigências de prevenção especial, da sua idade, de não se lhe conhecerem condutas conflituosas e de ser tido como pessoa de bem, mereceram a reação do recorrente.

Vejamos.

Aos crimes de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), todos do C. Penal, e de injúria agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 181.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2, alínea l) do mesmo diploma, correspondem, respetivamente, as penas de 1 (um) mês até 4 (quatro) anos de prisão e de 1 (um) mês e 15 (quinze) dias até 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de prisão ou de 15 (quinze) a 180 (cento e oitenta) dias de multa.

Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – [cf. artigo 70.º do C. Penal].

Esta, pois, a primeira operação a levar a efeito no seio do processo de determinação da pena no que ao crime de injúria agravada concerne.

Aqui optou o tribunal recorrido – e bem – pela aplicação da pena de multa.

A determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, havendo que ponderar na fixação da pena concreta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, designadamente as contempladas no n.º 2 do artigo 71.º do C. Penal.

No caso em apreço impõe-se atentar:

(i) Na culpa, que se revelou na modalidade mais intensa, tendo o arguido agido com dolo direto;

(ii) No grau de ilicitude, o qual, considerando o modo de perpretação da agressão (com o pé), a zona atingida (joelho), as consequências para o ofendido (dores com necessidade de assistência hospitalar); as palavras e frases proferidas (de teor acentuadamente lesivo da honra e consideração), a circunstância de o terem sido na presença de terceiros (funcionários da Junta de Freguesia), se apresenta mediano no caso das ofensas corporais e mais acentuado no que às injúrias respeita;

(iii) Nas exigências de prevenção especial de socialização, as quais, atendendo à ausência de antecedentes criminais do arguido e, bem assim, à sua idade (com mais de 80 anos), surgem mitigadas, tudo levando a crer tratar-se de episódio ocasional;

(iv) Na inserção social e familiar do arguido, já reformado, a quem não são conhecidos comportamentos desrespeitosos ou conflituosos;

(v) Nas exigências de prevenção geral, traduzidas na necessidade de assegurar o respeito pelos titulares dos cargos que, encontrando-se no desempenho das suas funções, exercem poderes públicos.

Todo sopesado, revelam-se adequadas e proporcionais as penas de 8 (oito) meses de prisão pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada; 90 (noventa) dias de multa pela prática do crime de injúria agravada, assim se revogando as penas impostas na sentença recorrida, as quais, no quadro apurado, se tem por desajustadas à gravidade dos factos e, sobretudo, desnecessárias em função das reduzidas exigências de prevenção especial de socialização.

Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º do C. Penal «A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (…)».

Decorre, pois, da norma constituir a substituição da pena de prisão a regra, só assim não acontecendo se finalidades preventivas, de prevenção especial de socialização ou de prevenção geral, a tal se opuserem, tornando necessária a execução da prisão.

Na situação em apreço, dadas as reduzidas exigências de prevenção especial, crê-se não constituírem as exigências de prevenção geral um significado tal que obste em definitivo à aplicação da pena multa de substituição, por cuja aplicação, consequentemente, se opta, fixando-se a pena de multa – em substituição da pena de 8 meses de prisão - em 240 (duzentos e quarenta) dias.

Aqui chegados, coloca-se a questão de saber se há lugar ao cúmulo jurídico entre a pena de multa principal (90 dias pela prática do crime de injúria agravada) e a pena de multa de substituição (da pena de prisão) fixada em 240 dias.

Não se ignorando constituir matéria que nem sempre tem merecido idêntica resposta [cf. Nuno Brandão, in RPCC, Ano 15º, n.º 1, pág. 13], perfilhamos o entendimento de Pinto de Albuquerque, quando, a propósito, defende o princípio de cumulação material no concurso entre a pena de multa como pena principal e a pena de multa como pena de substituição da pena de prisão, «pois trata-se de penas com natureza distinta, cujo incumprimento tem consequências muito diversas» [cf. Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, pág. 244].

No mesmo sentido se pronuncia Dá Mesquita enquanto reporta: «Por outro lado, nos casos em que o tribunal aplicou pela prática de um dos crimes em concurso a pena de multa como pena principal (…) e pela prática do outro crime a pena de multa em substituição da pena de prisão nos termos do art. 44.º, n.º 1, do CP (reds. 1982 e 1995), as duas penas devem ser cumuladas materialmente pois têm diferente natureza» - [cf. O Concurso de Penas, Coimbra Editora, pág. 28].

Também assim decidiu o acórdão do TRL de 12.12.2006 (proc. n.º 5023/2006 – 5), cujo sumário se reproduz: «1 – Caso as penas em concurso sejam de diferente espécie, o direito vigente abandona entre elas o sistema da pena única – e portanto da pena conjunta e do cúmulo jurídico – para seguir na essência um sistema de acumulação material; 2 – Nestes termos, quando o tribunal aplique, pela prática de um dos crimes em concurso, a pena de multa como pena principal (…) e, pela prática do outro crime, a pena de multa em substituição da pena de prisão nos termos do art.º 44.º, n.º 1, do C. Penal (redações de 1982 e 1995), as duas penas devem ser cumuladas materialmente pois têm diferente natureza».

Com efeito, à realização do cúmulo jurídico, para além das penas se encontrarem em concurso – circunstância evidente no caso concreto –, necessário se torna, ainda, que sejam aquelas da mesma espécie, exigência que, em função da diferente natureza da pena de multa principal e da pena de multa substitutiva da pena de prisão, não se verifica [sobre a diferente natureza da pena de multa de substituição da pena de multa principal vd. Figueiredo Dias, Direito Penal PortuguêsAs Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, págs. 363 e ss., 368]

É certo que na jurisprudência, como decorre vg. do acórdão do STJ de 06.03.2002 (proc. n.º 01P4217), já se decidiu em sentido contrário.

Acompanhamos, contudo, o acórdão do TRP de 12.03.2014 (proc. n.º 955/06.1TAFLG – A.P1), na parte em que, divergindo da posição contrária, realça: «Na versão do Cód. Penal de 1982, o n.º 3 do art.º 78º (a que corresponde o atual art.º 77º) ia no sentido de a pena de multa e a prisão por condenação em alternativa serem “sempre cumuladas entre si e com a pena de prisão”. A propósito, Figueiredo Dias acentuou que assim se seguia «na essência, um sistema de acumulação material» e acrescentou até que «o abandono do sistema da pena única e dos princípios da pena conjunta e do cúmulo jurídico é injustificável …»

Em sequência, a Comissão Revisora do Código Penal … pronunciou-se no sentido de que a pena do concurso seria somente de prisão e produziu projeto segundo o qual in casu seria aplicável uma única pena de prisão, de harmonia com os critérios consagrados nos números anteriores, «considerando-se as multas convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços».

Essa alteração não passou para o atual n.º 3 do artº 77º do Cód. Penal, porquanto no dizer de Maia Gonçalves «tratava-se de um critério revestido de alguma dureza, que só encontrava justificação porque mantinha o sistema da pena conjunta. Abandonada a solução proposta pela CRCP, ficou bem clarificado no texto que se mantêm as penas de prisão e de multa, aplicando-se a cada uma delas, para a formação da pena única, os critérios estabelecidos nos números anteriores.

(…)

Quando o n.º 3 do art.º 77º do Cód. Penal manda aplicar os critérios referidos nos números anteriores refere-se obviamente ao cúmulo que houver de ser feito entre cada uma das diferentes espécies de penas – ou seja, no cúmulo jurídico de diversas penas de multa e no cúmulo jurídico de diversas penas de prisão, o juiz deverá observar os critérios definidos nos n.ºs 1 e 2 do mesmo preceito».

Sendo este o pensamento sufragado, considerando a diferente natureza das penas em concurso, por um lado pena de multa principal, por outro, pena de multa de substituição (da pena de prisão), é de afastar a realização do cúmulo jurídico.

III. Decisão

Termos em que, na parcial procedência do recurso, se delibera:

a. Condenar o arguido A... pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, e em concurso real, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, alínea a) e n.º 2 e 132.º, n.º 2, alínea l), todos do C. Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, substituída por 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à razão diária de € 8,00 (oito euros);

b. Condenar o mesmo arguido pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, e em concurso real, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 181.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de € 8,00 (oito) euros;

c. Revogar em correspondência, na parte afetada, a decisão recorrida, a qual, no mais, se mantém.

Sem tributação

Coimbra, 29 de Junho de 2016

[Processado e revisto pela relatora]

(Maria José Nogueira - relatora)

(Isabel Valongo - adjunta)