Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
164/11.8TTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DO RECORRENTE
ACIDENTE DE TRABALHO
RESPONSABILIDADE AGRAVADA
OBRIGADOS A INDEMNIZAR
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - GUARDA - INST. CENTRAL - SEC.TRABALHO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 640º DO NCPC; 18º DA LEI Nº 98/2009, DE 04/09 (LAT); 15º E 16º, Nº 1 DA LEI Nº 102/2009, DE 10/09.
Sumário: I – Sempre que o recorrente impugne a decisão sobre a matéria de facto, deve observar-se o ónus de impugnação previsto no artº 640º do nCPC, sob pena de rejeição do recurso quanto à reapreciação da prova.

II – A responsabilidade agravada precista no artº 18º da Lei nº 98/2009, de 04/09, abarca como potenciais sujeitos da obrigação de indemnizar a totalidade dos prejuizos sofridos decorrentes do acidente de trabalho (individual ou solidariamente), o empregador, o representante do empregador ou entidade por aquele contratada e a empresa utilizadora de mão-de-obra.

III – Demandada a empreiteira da obra que não se enquadra na previsão do aludido artº 18º e tendo sido suscitada a questão da sua responsabilidade civil, o tribunal de trabalho é competente por conexão, para conhecer tal questão.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

Instaurada a presente ação especial emergente de acidente de trabalho mortal, em que é sinistrado A..., seus beneficiários B... e C... , e entidades responsáveis D... Plc – Sucursal em Portugal e B... , todos com os demais sinais identificadores nos autos, após a apresentação da participação pela seguradora, deu-se início à fase conciliatória do processo.

Realizada a tentativa de conciliação, sob a égide do Ministério Público, a seguradora aceitou a existência do contrato de seguro celebrado com B... , pelo salário anual de € 7.890,00, a verificação de acidente e do nexo causal entre a morte e o evento, muito embora não o configure como um típico acidente de trabalho e não aceitou a responsabilidade pela sua reparação, porquanto, no seu entender, a produção do evento deveu-se ao incumprimento, pelo sinistrado, das normas e condições de segurança estipuladas pela entidade patronal. A entidade patronal aceitou a existência do acidente e a sua caracterização como acidente de trabalho, bem como o nexo causal entre o acidente, as lesões e a morte do sinistrado, admitiu o salário transferido, mas não aceitou qualquer responsabilidade pela reparação do acidente.

Deu-se, então, início à fase contenciosa do processo, através da apresentação da petição inicial pelos beneficiários que demandaram «F... , S.A.» e « D... PLC – Sucursal em Portugal», pedindo a condenação da primeira a pagar:

– À autora metade da pensão anual e vitalícia de € 8 192,46, equivalente à retribuição anual do sinistrado (€ 4 096,23), e despesas do funeral de € 1 150,00;

– Aos autores metade do montante em que avaliaram a perda do direito à vida do sinistrado (€ 37 500,00) e a quantia de € 20 000,00, a título de danos não patrimoniais próprios.

Subsidiariamente pediram a condenação da ré seguradora a pagar à autora a pensão anual e vitalícia de € 1 228,87, bem como as despesas do funeral, no montante de € 1 150,00, e as despesas de transportes para comparecer às diligências no âmbito deste processo, avaliadas em € 90,00.

Em qualquer caso, peticionaram juros, à taxa legal, contados desde a citação das rés.

Alegaram, em síntese, serem pais de G..., falecido a 18 de abril de 2011, enquanto exercia as funções de servente de construção civil, por conta do autor, sua entidade patronal, nas obras do novo troço da IP2, entre Longroiva e Pocinho.

Era a ré « F... , S.A.» quem coordenava, geria e orientava todos os trabalhos desenvolvidos na obra, sendo o autor subempreiteiro, obedecendo totalmente à coordenação e às instruções daquela ré.

O acidente ocorreu por violação ou falta de observação grosseira das regras de segurança na utilização de uma giratória e da operação de carga do dumper, por culpa do manobrador da giratória e funcionário da ré « F... , S.A.».

O falecido vivia com os autores em comunhão de mesa e habitação, sendo a autora titular do direito à pensão por morte do seu filho, tendo suportado as despesas do funeral e da trasladação do corpo.

Pela perda do direito à vida do seu filho, o valor de € 75 000,00 é adequado, devendo ser repartido por ambos. Sofreram ainda uns danos não patrimoniais próprios, que avaliam em € 20 000,00 para cada um.

Caso não seja reconhecida e declarada a responsabilidade da ré « F... , S.A.», o autor havia transferido a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a ré « D... PLC – Sucursal em Portugal», pelo salário anual de € 7 890,00, pelo que a autora terá sempre direito a uma pensão anual e vitalícia e ao ressarcimento das despesas suportadas.

Citadas as rés, veio a « D... PLC – Sucursal em Portugal» contestar admitindo a transferência de responsabilidade infortunística mas declarando não aceitar a caracterização do sinistro como laboral, devido à inobservância e violação dos preceitos legais de segurança do trabalho, sem causa justificativa, por parte do sinistrado, com influência direta na produção do sinistro. Mais negou qualquer responsabilidade pelo pagamento das compensações reclamadas por via do dano moral, considerando-se parte ilegítima quanto a esse pedido.

Concluiu pela improcedência da ação, no que a si respeita.

Também a ré « F... , S.A.» contestou, alegando que a responsabilidade impende sobre a entidade empregadora do sinistrado e, por consequência, sobre a respetiva seguradora, sendo, por isso, parte ilegítima.

Mais alegou haver transferido a sua responsabilidade para a « E... – Companhia de Seguros, S.A.», pelo que, a proceder o pedido dos autores, a ré tem direito de regresso quanto aos pagamentos feitos, justificando-se a intervenção acessória provocada daquela seguradora.

Alegou, ainda, o cumprimento de todas as regras legais, regulamentares e técnicas, assim como diretivas das entidades competentes referentes à higiene e segurança no trabalho, impugnando a versão dos autores sobre o modo como se deu o acidente.

Concluiu pela procedência da exceção de ilegitimidade, com a sua absolvição da instância e, ainda que assim não se entenda, pela improcedência da ação, por manifesta falta de fundamentação fáctica e legal, com a sua absolvição dos pedidos. Requereu ainda a admissão do incidente de intervenção acessória provocada.

Os autores responderam às contestações, concluindo como na petição inicial.

Realizou-se audiência preliminar, no decurso da qual foi elaborado despacho saneador, julgando não verificada a exceção de ilegitimidade passiva da ré « F... , S.A.», relegando-se a decisão sobre idêntica exceção, referente à ré « D... PLC – Sucursal em Portugal», para final. Foi admitida a intervenção acessória da « E... – Companhia de Seguros, S.A.», procedendo-se, de imediato, à seleção da matéria de facto assente e à organização da base instrutória, em termos que não suscitaram reclamação das partes.

A interveniente « E... – Companhia de Seguros, S.A.» apresentou articulado negando qualquer responsabilidade, uma vez que o contrato de seguro é facultativo, estando excluídos da sua garantia os riscos garantidos por seguros obrigatórios.

Concluiu pela improcedência da ação, no que lhe respeita, com a absolvição do pedido.

Previamente à realização da audiência de discussão e julgamento, o Tribunal suscitou oficiosamente e decidiu ordenar a citação do autor B... para intervir nos autos também na qualidade de réu, conforme o disposto no artigo 127º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho.

Após a realização da audiência final foi proferida sentença, com a decisão que se transcreve:

            «Em face do exposto decide o Tribunal:

            I.

            Na parcial procedência da ação, condenar:

            i. A ré « D... PLC – Sucursal em Portugal» a pagar:

            1. À autora C... a importância de € 17 806,94 (dezassete mil oitocentos e seis euros noventa e quatro cêntimos), correspondente ao capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 1 183,50 (mil cento oitenta e três euros cinquenta cêntimos), com início de vencimento a 19 de abril de 2011, acrescendo juros de mora, à taxa legal, contados desde a indicada data e sobre o montante por último referido, até integral e efetivo pagamento;

            2. Aos autores B... e C... a importância de € 1 150,00 (mil cento cinquenta euros), a título de despesas de funeral, montante acrescido de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação na fase contenciosa, até integral e efetivo pagamento.

            ii. O réu B... a pagar à autora C... a importância de € 682,64 (seiscentos oitenta e dois euros sessenta e quatro cêntimos), correspondente ao capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 45,37 (quarenta e cinco euros trinta e sete cêntimos), com início de vencimento a 19 de abril de 2011, acrescendo juros de mora, à taxa legal, contados desde a indicada data e sobre o montante por último referido, até integral e efetivo pagamento.

            II.

            Absolver a ré « F... , S.A.» do pedido.

            III.

            Condenar os autores B... e C... e a ré « D... PLC – Sucursal em Portugal» no pagamento das custas do processo, na proporção de 83,52% (oitenta e três vírgula cinquenta e dois por cento) para os primeiros e de 16,48% (dezasseis vírgula quarenta e oito por cento) para a segunda.»

            Não se conformando com esta decisão, vieram os autores interpor recurso da mesma, rematando a sua alegação, com as seguintes conclusões:

[…]

Não foram apresentadas contra-alegações.

Admitido o recurso pelo tribunal de 1ª instância e tendo os autos subido à Relação, deu-se cumprimento ao preceituado no artigo 87º, nº3 do Código de Processo do Trabalho.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer que faz fls. 534 a 538 dos autos, considerando que deve ser eliminado o ponto 2 dos factos assentes, cuja decisão se mostra impugnada e, em matéria de direito, não acolhe a posição explanada no recurso, não obstante reconheça a pertinente valia da argumentação apresentada.

Não foi oferecida qualquer resposta a tal parecer.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*

            II. Objeto do Recurso

            É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635º n.º 4 e 639º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).

            Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são:

            1ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

            2ª Da invocada responsabilidade da Ré F... , S.A, pelo acidente que vitimou o sinistrado.


*

            III. Matéria de Facto

            O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:

            […]

             


*


           

            IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

            No recurso interposto impugna-se a decisão da matéria de facto em relação aos pontos 2 (e não 1, como por lapso manifesto é referido nas conclusões de recurso) e 43 dos factos assentes e alínea d) [e não c), como também por lapso é referido nas conclusões do recurso] dos factos considerados não provados.

            Com referência ao mencionado ponto 2, alega-se que o seu conteúdo nada tem a ver com a matéria constante dos autos, pelo que só por lapso o mesmo pode ter sido levado à fundamentação de facto, propugnando-se pela consideração do mesmo como não provado.

            Em relação ao ponto 43 dos factos assentes, invoca-se que nenhuma testemunha inquirida, mormente as testemunhas H... e I... , confirmaram “que o sinistrado também participou ou assistiu a qualquer ação de sensibilização ou formação”, pelo que esta factualidade deve ser considerada não provada.

            Finalmente, em relação à alínea d) dos factos considerados não provados, sustenta-se a evidência da factualidade descrita, pelo que a mesma deveria ter sido considerada provada, até para não contrariar os factos descritos nos pontos 19 e 24 da matéria dada como provada.

            Apreciemos!

            No que respeita à argumentação explanada com referência ao mencionado ponto 2, afigura-se-nos que o facto descrito em tal ponto, só por lapso manifesto e involuntário, ficou a constar da seleção dos factos assentes, pois não vislumbramos a sua relação com a presente causa.

            Assim, ao abrigo do artigo 662º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do Código de Processo do Trabalho, elimina-se o referido ponto factual da fundamentação de facto.

Quanto à impugnação deduzida em relação ao ponto 43 dos factos assentes, salienta-se que por incumprimento do ónus de impugnação previsto no artigo 640º do Código de Processo Civil, designadamente por falta de indicação das passagens da gravação dos depoimentos testemunhais invocados, quer nas alegações quer nas conclusões do recurso, há que rejeitar o recurso nesta parte, de harmonia com o preceituado no aludido artigo 640º, nº1, alínea b) e nº2, alínea a), (cfr. “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, de António Santos Abrantes Geraldes, 2013, págs. 128/129).

            Finalmente, em relação ao teor da alínea d) dos factos considerados não provados («O manobrador da giratória colocou mais materiais do que aqueles que a máquina comportava»), considerando que o mesmo comporta, manifestamente, um juízo conclusivo, afigura-se-nos que tal teor não pode ser levado à fundamentação de facto, improcedendo, nesta parte, a impugnação.


*


           

V. Direito

            Pretendem os recorrentes que a sentença da 1ª instância seja revogada e que a ré “ F... , S.A.” seja condenada, ao abrigo do artigo 18º da Lei dos Acidentes do Trabalho.

            Analisemos a questão suscitada.

            À situação sub judice aplica-se a Lei nº 98/2009, de 4 de setembro (doravante designada apenas por LAT), uma vez que o acidente que vitimou o filho dos recorrentes, A... , ocorreu em 18 de abril de 2011.

            Sob a epígrafe “Atuação culposa do empregador”, estipula o artigo 18º desta Lei:

            «1 — Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.

            2 — O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido.

            3 — Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele.

            4 — No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:

            a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição;

            b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;

            c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.

            (…)»

            Este normativo corresponde ao anterior artigo 18º da Lei nº100/97, de 13/09 que sob a epígrafe “Casos especiais de reparação”, consagrava:

            «Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes:

            a) Nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e de morte serão iguais à retribuição;
            b) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, terão por base a redução de capacidade resultante do acidente.»

            O confronto entre os dois preceitos, permite-nos concluir que no atual artigo 18º introduziu-se a expressão «entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra».

            Deste modo, explicitamente, são potenciais sujeitos da obrigação de indemnizar a totalidade dos prejuízos sofridos decorrentes do acidente de trabalho (individual ou solidariamente), ao abrigo do aludido artigo 18º, o empregador, o representante do empregador ou entidade por aquele contratada e a empresa utilizadora de mão-de-obra.

            Assim, para que a ré “ F... , S.A.” possa ser responsabilizada à luz do normativo, à mesma tem de ser reconhecida qualquer uma das qualidades dos potenciais sujeitos responsáveis aí previstos.

            É incontroverso que a mencionada sociedade não era a empregadora do falecido sinistrado.

            Quanto ao conceito de representante do empregador, em artigo da autoria do aqui 2º Adjunto (Azevedo Mendes), publicado no Prontuário de Direito do Trabalho, nº 88-89, janeiro-agosto 2011, CEJ/Coimbra Editora, pág. 125 e seguintes, sob o título “Apontamentos em torno do artigo 18º da LAT de 2009: Entre a clarificação e a inovação da efetividade da reparação dos acidentes de trabalho”, escreveu-se, com relevância:

«Tendo em conta a diferença da redação, pode suscitar-se a interpretação segundo a qual na LAT de 2009 ocorre alargamento da responsabilidade do empregador, solidária com outros, como agora diz a letra da lei, para os casos em que o acidente tiver sido provocado por entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra.

Creio, no entanto, que não há qualquer alargamento, quando muito uma clarificação interpretativa.

Do meu ponto de vista, sustentado na jurisprudência que vem sendo afirmada maioritariamente, aquelas “entidades” são também representantes do empregador. Ou seja, o conceito de representante do empregador inclui quer uma entidade por ele contratada (por exemplo, um empreiteiro ou um subempreiteiro), quer uma empresa utilizadora de mão-de-obra, no caso do empregador ser uma empresa de trabalho temporário ou no caso de cedência ocasional de trabalhadores, por exemplo.

Apesar de jurisprudência publicada ser maioritária nesse sentido, a clarificação era porventura necessária em função da divergência de outra posição jurisprudencial que, por exemplo, no caso de empresas utilizadoras de mão-de-obra, entendia que elas tinham que ser vistas, na matéria dos acidentes, como o empregador real do sinistrado e, portanto, uma empresa de trabalho temporário seria apenas a empregadora formal ou aparente e não podia ser responsabilizada pela reparação do acidente ocorrendo atuação culposa do utilizador da mão de obra. Esta jurisprudência foi reafirmada, por exemplo, num recente Acórdão da Relação do Porto, de 20/09/2010 (publicado apenas na CJ-on line, refª 7287/2010), sobre acidente ainda no âmbito de aplicação da Lei n.º 2127, que revê posição da própria Relação do Porto no sentido da corrente jurisprudencial maioritária a que aludi, apoiando-se nos Acórdãos do STJ, que cita, de 27/11/1996, 06/11/2002 e de 3/12/2003.

Assumindo todas as referidas “entidades” no conceito de representante, este é, portanto, um conceito largo.

Não pode entender-se, designadamente, que a noção de “representante” se reduza ao conceito de representante de pessoa coletiva previsto no art. 163.º do Código Civil, confundindo-o com os seus órgãos sociais, como refere, p. ex., Carlos Alegre em Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (2.ª edição, Almedina, 2000, págs. 102/103), embora este autor também admita que o conceito de representante pode ser alargado a outras pessoas, seja porque detêm um mandato do empregador, seja porque agem sob as ordens diretas do empregador.

Seguindo a posição de Luís Menezes Leitão (“A Reparação dos Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho”, in Temas Laborais, vol. I, Almedina, 2006, pág. 47), no âmbito da LAT de 1997, o que estava em causa não era uma verdadeira representação em sentido jurídico. Tratava-se antes das situações em que o empregador admite um terceiro a exercer os poderes de autoridade e direção aos quais o trabalhador se vinculou pelo contrato de trabalho, abrangendo os casos em que ocorre:

- “delegação dos poderes de direção noutro membro da empresa por força da normal hierarquia de funções dos seus membros”;

- “transferência dos poderes de direção para outro empresário, como no caso de cessão de mão-de-obra, ou trabalho em comum sob a direção de outrem”.

Nesta última situação deverão estar as agora designadas na lei como entidades contratadas pelo empregador e como empresas utilizadoras de mão-de-obra. Em ambos os casos, o empregador só pode ser responsabilizado pela reparação do acidente caso se verifique ter ocorrido transferência de poderes de direção do empregador.

Em qualquer dos casos, porém, ocorre delegação de poderes de direção.

É o que nos diz, por exemplo, o Ac. do STJ de 19-10-2005, in www.dgsi.pt, proc. 05S1918, num caso de contrato de utilização de trabalho temporário, quando refere que a empresa de trabalho temporário delega no utilizador os seus poderes de autoridade e de direção sobre o trabalhador temporário, assumindo aquele a qualidade de representante do empregador, na concreta relação laboral que estabelece com o trabalhador. Salientando que no quadro das relações jurídicas geradas pela conformação legal do trabalho temporário, não existindo qualquer vínculo jurídico direto entre o trabalhador e o utilizador, a reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho recai sobre a empresa de trabalho temporário, o empregador, nos termos do disposto no art. 18.º da Lei 100/97, assistindo-lhe o direito de regresso contra os responsáveis referidos nos arts. 18.º, n.º 3, e 31.º, n.º 4, da mesma Lei.

E o que nos diz, também, um mais conhecido Acórdão do STJ, de 30-9-2004 (in www.dgsi.pt, proc. 03S3775), sustentando que o empreiteiro, empresa utilizadora ou cessionário, no caso de cedência ocasional de trabalhadores, sob a direção de quem o trabalhador presta temporariamente a sua atividade, conforme lhe foi determinado pelo seu empregador, funcionam perante o trabalhador como “representantes” do mesmo empregador.»

            Na concreta situação dos autos, também não estamos perante uma situação de trabalho temporário, em que a ré “ F... , S.A.”, assuma a qualidade de “empresa utilizadora de mão-de-obra”, [cfr. alínea c), do artigo 2º da Lei nº 19/2007, de 22/05].

            Poderá a mesma ser considerada representante do empregador?

            E, «o termo “representante”, a que alude o art. 18.º, n.º 1, da LAT, refere-se às pessoas que gozam de poderes representativos de uma entidade empregadora e atuem nessa qualidade, abrangendo normalmente os administradores e gerentes da sociedade, cujas características preenchem as próprias do mandato, e ainda quem no local de trabalho exerça o poder diretivo, como sucede com a empresa utilizadora do trabalho temporário.», (cfr. Acórdão do Supremo tribunal de Justiça, de 20/06/2012, P.297/07.7TTBJA.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

            Ora, do acervo factual demonstrado o que resulta é que no âmbito do negócio jurídico celebrado entre a aludida sociedade e a entidade patronal do sinistrado, aquela contratou o Autor B... , como subempreiteiro, para executar todos os trabalhos de drenagem, telecomunicações, iluminação e sinalização.

            Alegam os recorrentes que no momento do acidente e na concreta obra, a autoridade, direção e fiscalização do trabalhador, competiam em exclusivo à sociedade, existindo, pois, uma espécie de subordinação jurídica atípica.

Em termos genéricos a subordinação jurídica característica do contrato de trabalho traduz-se na supremacia da entidade empregadora na programação, direção, controle e fiscalização da atividade exercida pelo trabalhador, com a correlativa posição de sujeição do trabalhador.

Ora, na concreta situação dos autos, os elementos factuais provados são insuficientes para que se conclua que era a ré “ F... , S.A.” quem determinava, programava, controlava e fiscalizava a atividade exercida pelo sinistrado em obra.

Ficou demonstrado que o sinistrado exercia as funções de servente da construção civil por conta da sua entidade patronal, B... , que era o subempreiteiro contratado pela ré “ F... , S.A.”, para execução de trabalhos de drenagem, telecomunicações, iluminação e sinalização na obra. Na altura do acidente, a empresa B... encontrava-se a executar a atividade de colocação de coletores e drenos e o sinistrado encontrava-se junto a margem de uma vala recém-escavada com o intuito de realizar as medidas de cotas do terreno. No âmbito do contrato de empreitada celebrado o subempreiteiro obrigou-se a “colocar em obra, a expensas suas, todo o equipamento e mão-de-obra necessários ao pontual cumprimento dos rendimentos e prazos previstos”.

E, não obstante tenha ficado demonstrado que era a ré “ F... , S.A.” que coordenava, orientava e geria todos os trabalhos desenvolvidos na obra, (o que é compreensível uma vez que era a empreiteira), não resultou demonstrado que, em concreto, a sociedade tenha dado ou pudesse dar ordens ou instruções específicas sobre a atividade que o sinistrado estava a desenvolver em obra. A circunstância do manobrador da giratória (trabalhador da empreiteira) ter avisado o sinistrado que poderia efetuar a mediação da cota da vala, não constitui qualquer diretiva quanto ao trabalho a realizar ou ao modo como o mesmo deve ser executado. Trata-se apenas de uma comunicação necessária à boa conjugação, gestão e coordenação dos múltiplos trabalhos em obra, realizados por diversas entidades.

Deste modo, não flui da matéria factual qualquer tipo de subordinação jurídica atípica ou poder de direção entre a empreiteira e o sinistrado. Ou seja, a ré “ F... , S.A.” não funcionava perante o trabalhador como um representante do empregador.

Poderá, ainda assim, entender-se que a ré “ F... , S.A.”, deverá ser responsabilizada, ao abrigo do artigo 18º, nº1 da LAT, como “entidade contratada”?

A resposta a tal questão, no nosso entender, não pode deixar de ser negativa.

Expliquemos porquê!

            O legislador não especifica o conceito genérico de “entidade contratada”.

            Todavia, como se refere no artigo supra identificado da autoria do aqui 2º Adjunto, o conceito de representante do empregador inclui, também, uma entidade por ele contratada.

            Porém, subjacente a tal conceito está a existência de uma relação em que é a “entidade contratada” quem beneficia da atividade prestacional do trabalhador e conforma o seu trabalho, através de um vínculo de autoridade/subordinação jurídica, daí que deva igualmente assumir a responsabilidade pela reparação dos acidentes de trabalho que vitimem o trabalhador, quando causados por si ou por incumprimento das regras sobre a segurança e saúde no trabalho.

            Permanece, pois, a ideia de representação do empregador.

            Ora, como já analisámos supra, no caso concreto, não resultou demonstrada qualquer relação de autoridade/subordinação jurídica entre o falecido sinistrado e a ré “ F... , S.A.”.

            Destarte, não lograram os autores demonstrar, como lhes competia, a verificação dos requisitos previstos no artigo 18º, nº1 da LAT, pelo que improcede a visada responsabilização da ré “ F... , S.A.”, ao abrigo do mencionado preceito legal.

            Todavia, sempre haverá que apreciar, por conexão, a eventual responsabilidade civil da empreiteira, conforme tem entendido esta Secção Social (cfr. a título meramente exemplificativo, Acórdãos da Relação de Coimbra de 24/05/2001, P. 524/01, in CJ-on line, refª 524/01 e CJ, t. III/2001 e de 22/06/2006, P. 951/06, in CJ-on line, refª 3423/2006 e CJ, t. III/2006 e artigo publicado no Prontuário de Direito do Trabalho supra identificado).

            De harmonia com o preceituado no artigo 483º do Código Civil, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

            Nas alegações e conclusões do recurso, os apelantes alegam que a empreiteira não se assegurou nem garantiu à vítima condições de segurança para continuar a trabalhar, violando as regras dos artigos 15º, nº 1 e nº 7 e 16º, nº 1 da Lei 102/2009 de 10/09, o preceituado no artigo 3º al. c) do D.L. 50/2005 de 25/02, afrontando, ainda, o artigo 4º al. c) do DL. 331/93 de 25/09.

            Estas normas impõem obrigações em matéria de segurança e de saúde no trabalho.

            Ora, no caso concreto, mostra-se provado com relevância e no essencial, o seguinte circunstancialismo:

            - Estavam a ser realizadas obras no novo troço da IP2, entre Longroiva e Pocinho (Concessão Douro Interior);

            - Era a Ré “ F... , S.A.”, concessionária da obra, quem coordenava, geria e orientava todos os trabalhos desenvolvidos naquela obra;

            - A Ré “ F... , S.A.”, elaborou um “Plano para Trabalhos com Riscos Especiais – Coletores e Drenos”, do qual constavam algumas medidas de proteção e prevenção, entre as quais a seguinte: “os trabalhadores não deverão permanecer no raio de ação das máquinas e só poderão circular perto dos equipamentos apenas após contacto visual com os manobradores e com autorização dos mesmos”. Desenvolveu, ainda, na obra, ações de sensibilização e formação, às quais assistiram e participaram todos os trabalhadores em obra, incluindo o sinistrado;

            - O sinistrado encontrava-se em obra, como trabalhador do subempreiteiro B... , para executar a colocação de coletores e drenos. O plano de segurança e saúde aplicável foi entregue à entidade empregadora do sinistrado;

            - Imediatamente antes da ocorrência do acidente, o sinistrado encontrava-se em zona adjacente à máquina giratória e ao dumper, pertencentes à empreiteira e em que trabalhavam funcionários da mesma, na abertura de uma vala e depósito do material no dumper;

            - Quando a caixa de carga do dumper já continha material que, em parte excedia a altura das guardas, os dois manobradores imobilizaram os seus equipamentos e o manobrador da giratória avisou o sinistrado que podia efetuar a mediação da cota da vala;

            - Na altura do acidente, o sinistrado encontrava-se junto à margem da vala recém-escavada, em posição paralela, com o intuito de realizar medidas de cotas de terreno, junto ao dumper, de cócoras e de costas para este;

            - Foi então que uma pedra resvalou, superando a parede lateral da galera do dumper, projetando-se para o exterior a uma altura de cerca de 3 metros, acabando por atingir o sinistrado na zona posterior do crânio, junto à base da nuca (zona occipital), causando-lhe lesões que foram causa direta e necessária da sua morte;

            -Aquando da ocorrência do acidente, o sinistrado utilizava capacete.

            Ora, atenta o acervo factual descrito, afigura-se-nos que não há como imputar qualquer facto ilícito à empreiteira enquanto concessionária e, portanto, dona da obra, de acordo com o artigo 3º, nº1, alínea f) do Decreto-Lei nº 273/2003, de 29/10.

            A mesma elaborou e divulgou o plano de segurança e saúde, contemplando os riscos especiais (artigo 17º, alíneas b) e c) do aludido diploma legal) e desenvolveu ações de sensibilização e de formação a todos os trabalhadores em obra, nomeadamente ao sinistrado. As suas obrigações legais, enquanto dona da obra, mostram-se pois cumpridas.

            Além disso, a aproximação do sinistrado ao dumper, ocorreu também nos termos impostos pela empreiteira, ou seja, mediante autorização do manobrador da giratória.

            Existirá, então, algum comportamento ilegal que se possa imputar à empreiteira pela circunstância de o dumper ter sido carregado com material que ultrapassava a altura das suas guardas e pelo facto de ter rolado uma pedra que acabou por atingir o sinistrado?

            A resposta a tal questão, afigura-se-nos afirmativa.

            Repare-se que, quem em relação aos manobradores da máquina giratória e do dumper, a empreiteira assumia a qualidade de empregadora. Logo, estava obrigada a cumprir as normas relativas à segurança e saúde no trabalho impostas aos empregadores e que visam garantir as condições de segurança nos estaleiros.

            Dispõe o nº1 do artigo 16º da Lei nº102/2009, de 10 de setembro, que “[q]uando várias empresas, estabelecimentos ou serviços desenvolvam simultaneamente, atividades com os seus trabalhadores no mesmo local de trabalho, devem os respetivos empregadores, tendo em conta a natureza das atividades que cada um desenvolve, cooperar no sentido da proteção da segurança e da saúde”.

            Por sua vez, o artigo 15º, nº1 da mesma Lei, consagra que o empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho. Ademais, nos termos do nº7 do artigo, o empregador deve ter em conta, na organização dos meios de prevenção, não só o trabalhador como também terceiros suscetíveis de serem abrangidos pelos riscos da realização dos trabalhos, quer nas instalações quer no exterior.

            Ora, na concreta situação dos autos, resulta da factualidade assente que trabalhadores subordinados da empreiteira, ao serviço desta, carregaram um dumper com material retirado de escavações que excedia as dimensões da caixa de carga, ultrapassando as guardas, gerando, assim, o eminente risco de queda desse material, nomeadamente pedras.

            E, infelizmente, esse risco efetivou-se, pois se a carga estivesse contida dentro da caixa, respeitando as suas guardas, a pedra que atingiu mortalmente o sinistrado nunca teria transposto essas guardas e rolado em direção ao local onde se encontrava a vítima.

            Afigura-se-nos pois que a ré “ F... , S.A.”, violou os artigos 15º nº 1 e nº 7 e 16º nº 1 da Lei 102/2009 de 10/09, bem como o preceituado no artº 3 al. c) do D.L. 50/2005, de 25/02 [“Para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve: … c) Tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos”] ;e o artigo 4º al. c) do DL. 331/93 de 25/09 [“Constitui obrigação das entidades empregadoras: (…) c) Tomar, caso o disposto nos números anteriores não permita garantir suficientemente a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos, as medidas adequadas para minimizar os riscos ainda existentes”].

                Em suma, a Ré “ F... , S.A.”, praticou facto ilícito, pois infringiu disposições legais destinadas a proteger a segurança e saúde de todos os trabalhadores do estaleiro, mormente do sinistrado. O facto ilícito é culposo, uma vez que a empreiteira não atuou de acordo com as normas a que estava obrigada e de que era capaz, ou seja, omitiu o dever de diligência que lhe era legalmente exigido, (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2015, P. 99/09.4TBOER.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

            O facto ilícito culposo foi a causa do acidente que vitimou fatalmente o sinistrado.

            Pelo exposto, mostram-se preenchidos os requisitos da responsabilidade civil prevista no artigo 483º do Código Civil: a existência de facto voluntário pelo agente, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

            Demonstrada a responsabilidade civil extracontratual da empreiteira, importa agora apreciar o quantum indemnizatório .

            E, na nossa perspetiva, esse quantum está limitado ao pedido formulado.

            Tal pedido abrange o pagamento de uma pensão aos beneficiários, correspondente à retribuição que o sinistrado auferia e uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €75.000, pela perda do direito à vida do sinistrado  e de € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais próprios.

            Ora, no que concerne à indemnização por danos patrimoniais, a mesma deve ressarcir prejuízos avaliáveis em dinheiro e que podem ser reparados ou indemnizados.

            Conforme se referiu no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/12/2007, P. 0703715, disponível em www.dgsi.pt: «9.O dever de indemnizar por danos patrimoniais compreende o dano emergente, ou perda patrimonial, que abrange o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado na ocasião da lesão, e o lucro cessante, ou lucro frustrado, que contempla os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito.
10. O lucro cessante pressupõe que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho – o que não se verifica nos casos em que existe uma simples expectativa, uma mera possibilidade de a vítima vir a ser titular dessa situação jurídica.»

            No caso sub judice, conforme resulta da sentença recorrida, o sinistrado tinha direito a uma retribuição anual de €8.192,46, sendo previsível que tal direito perdurasse até ao fim da sua vida ativa que deveria ocorrer pelos 70 anos (cfr., a título de exemplo, o Acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 22/02/1999, P. 99B717 e Acórdão da Relação de Coimbra de 21/04/2010, P. 488/07.9.6BLSA.C1, ambos disponíveis na base de dados da dgsi).

            Deste modo, consideramos que é devido aos beneficiários o valor indemnizatório correspondente ao salário total auferido pelo sinistrado, conforme peticionado, muito embora haja que descontar as quantias eventualmente já recebidas pela seguradora.

            No que concerne aos danos não patrimoniais, comecemos por apreciar o dano morte ou perda do direito à vida.

            No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/12/2007, P. 07B3715, disponível na já referida base de dados), pode ler-se:

            «No dizer de DIOGO LEITE CAMPOS, o direito à vida é um direito «ao respeito» da vida perante as outras pessoas. É um direito «excludendi alios» e só nesta medida é um direito. É um direito a exigir um comportamento negativo dos outros. Atentar contra o direito ao respeito da vida produz um dano – a morte – superior a qualquer outro no plano dos interesses da ordem jurídica.
O dano da morte é o prejuízo supremo, é a lesão de um bem superior a todos os outros.
Impõe-se, pois, que essa lesão implique a indemnização do dano sofrido. E, efetivamente, a perda do direito à vida por parte da vítima da lesão constitui, nos termos do n.º 2 do art. 496º, um dano não patrimonial autónomo, suscetível de reparação pecuniária.

            O montante da indemnização – que cabe aos recorrentes, não por via sucessória, mas por direito próprio, nos termos do preceito citado, e porque a vítima era solteiro e não tinha descendência – deve, também aqui, ser calculado segundo critérios de equidade, por apelo às circunstâncias já mencionadas aquando da apreciação da questão anterior.

            Em recente acórdão deste Tribunal faz-se ressaltar a ideia de que, na determinação do quantum compensatório pela perda do direito à vida em acidente de viação importa ter em conta a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais, e no que respeita à vítima, a sua vontade e alegria de viver, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projetos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia-a-dia, incluindo a sua situação profissional e sócio-económica.
            No caso concreto, a vida que se perdeu foi a de um jovem de 17 anos, saudável, a terminar os seus estudos secundários, pronto para iniciar um curso superior, e com um projeto de vida idealizado.
            É, em suma, uma situação que não diverge substancialmente de muitas outras que este Supremo Tribunal tem ponderado, e que, por isso, justifica a adoção dos padrões de indemnização que têm sido acolhidos nas suas decisões mais recentes, e que estão de acordo com o decidido pela Relação.
            Entende-se, por isso, fixar como indemnização pelo dano o montante de € 50.000,00 (por arredondamento da quantia estipulada no acórdão recorrido).»

            Por sua vez, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/04/2015, P. 1380/13.3T2AVR.C1.S1, reconheceu-se a indemnização de €80.000,00 para um jovem que faleceu com 19 anos de idade.

            Já no Acórdão, também do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/02/2014, P. 1229/10.9TAPDL.L1.S1, escreveu-se:

            «Na determinação da obrigação de indemnização a primeira questão que se suscita é um tema por demais decantado em termos doutrinais e jurisprudenciais e consubstancia-se na determinação do valor do direito á vida.

            Em abstrato todos somos iguais perante o direito mas este princípio terá de ser equacionado em concreto com outros fatores como a idade; a saúde e a função perfeitamente social.

            No plano individual compreende-se que o bem da vida possa ser valorado em abstrato, através de uma compensação uniforme. Mas, do ponto de vista social, as coisas já não serão assim. A vida tem, sobretudo, um valor social porque o homem é, antes de tudo, um ser em situação E terá de ser atendendo a este valor, em temos relativos e numa perspetiva essencialmente de qualidade humana, em que o poder monetário não terá qualquer peso, que os tribunais têm de apreciar, em concreto, o montante da indemnização pela lesão do direito à vida. Tais fatores são evidenciados por Dario Almeida[2] quando aponta três vertentes sob que deve ser analisada a lesão deste direito, ou seja:    

            a)- Enquanto vida que se perde, na função normal que desempenha na família e na sociedade em geral;

            b)-Enquanto vida que se perde, no papel excecional que desempenha na sociedade (um cientista, um escritor, um artista); e

            c) Enquanto vida que se perde, sem qualquer função específica na sociedade (uma criança, um inválido, mas assinalada por um valor de afeição mais ou menos forte.

A jurisprudência, sem nunca ter caído na arbitrariedade, tem feito um apelo á regra da equidade acentuando-se hoje em dia uma tendência para acentuar o valor absoluto de um direito fundamental, e que é a génese de todos os outros direitos, perante valores referenciados como parâmetros da sociedade de consumo em que vivemos. Não admira assim que desde os 150.000$00 em que foi valorado o direito á vida de um jovem de 22 anos (conf. Acórdão do STJ de 13/5/1986) se tenha percorrido um caminho de sucessivo afinamento de critérios jurisprudenciais que levam, hoje em dia, á consideração de valores que, na jurisprudência deste Supremo Tribunal, se situam entre os € 50.000,00 e 70.000,00 euros[3] [4] [5]

            No caso concreto a decisão recorrida considerou por um lado os valores que em termos jurisprudenciais têm sido fixadas pelo Supremo Tribunal de Justiça e por outro as condições concretas de idade e de vida da vítima que, saliente-se não só era um profissional de nível superior e de reconhecido mérito como também um pai e um marido extremoso.

            Tais circunstâncias necessariamente que marcam o caso vertente pela sua natureza excecional de conjugação de elementos que valorizam em termos sociais, pessoais e familiares a vida que se perdeu.

            Consideramos equitativa a compensação, de € 100.000,00 pela perda do mesmo direito.»

            Seguindo, pois, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e aplicando-a ao caso concreto, temos um jovem adulto de 21 anos, robusto, alegre, saudável, filho dedicado e amigo de seus pais com quem partilhava as maiores alegrias e vivências, para além de ser o “braço direito” de seu pai que com ele contava para perpetuar e desenvolver a sua atividade profissional no ramo da construção civil, que devido a um facto ilícito, faleceu tão novo e com uma vida pessoal, familiar e social, toda pela frente. Perante estes elementos e esta evidência, afigura-se-nos ser justa e adequada a indemnização de € 75.000, peticionada, a repartir em partes iguais pelos dois recorrentes, para ressarcir a perda do direito à vida de G... .

            Finalmente, importa apreciar o pedido formulado pelos recorrentes, no montante de € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais próprios.

            O artigo 496º, nº1 do Código Civil, admite a indemnização dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.

            Não se concretiza na disposição legal os casos de danos não patrimoniais que justifiquem uma indemnização. Refere-se tão só que esses danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.    Significa isto que cabe ao tribunal, no caso concreto, dizer se o dano é grave e se merece ou não a tutela do direito.

            Conforme refere Bruno Bom Ferreira, num artigo publicado na Verbo Jurídico, sob o tema “A problemática da titularidade da indemnização por danos não patrimoniais em direito civil”, pág. 10:

«A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo (essa apreciação deve ter em linha de conta as circunstâncias do caso concreto), devendo abstrair-se dos fatores subjetivos (“de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada”)».

            Na concreta situação dos autos, resultou provada a estreita ligação física e afetiva que o sinistrado mantinha com os seus pais e que por força do falecimento do seu filho, os autores vivem numa permanente infelicidade, em agonia, com marcas de desgosto.

            Afigura-se-nos que estes danos que traduzem um intenso sofrimento, merecem a tutela do direito, tendo os autores, enquanto pais, direito ao seu ressarcimento, ao abrigo do nº2 do artigo 496º do Código Civil.

            Mostra-se a nosso ver justa e adequada a indemnização peticionada de € 20.000,00.

            A morte de um filho constitui uma das perdas mais devastadoras para qualquer ser humano, sendo o sofrimento causado pela mesma “vitalício”, mesmo que se aprenda a viver/conviver com tão dramático infortúnio.

            Em suma, o recurso mostra-se procedente, pelo que se impõe a revogação da sentença recorrida.

            Resta-nos apenas salientar que toda a argumentação explanada no recurso respeitante à descaraterização do acidente, se mostra irrelevante, face ao decidido, afigurando-se-nos que a mesma apenas foi apresentada por cautela e dever de patrocínio perante eventuais contra-alegações que suscitassem tal questão.

            Concluindo, o recurso, mostra-se improcedente.


*

VI. Decisão

            Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso procedente, e consequentemente, revogam a sentença recorrida, condenando a Ré « F... , S.A.», no pedido, muito embora haja que descontar as quantias eventualmente já recebidas pelos autores pagas pela seguradora D... Plc – Sucursal em Portugal, absolvendo-se os demais réus do peticionado.

            Custas em ambas as instâncias a cargo da Ré « F... , S.A.».

Notifique.


(Em conformidade com o disposto no artigo 663º, nº7 do Código do Processo Civil, elaborou-se sumário em folha anexa)

Coimbra, 16 de dezembro de 2015

 (Paula Maria Videira do Paço)

 (Ramalho Pinto)

 (Azevedo Mendes)