Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
701/20.7T8SRE.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
INDEFERIMENTO LIMINAR
ACTOS PREMATUROS
Data do Acordão: 12/10/2020
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 626.º CPC
Sumário: 1- Em processo civil, são chamados “actos prematuros” os praticados antes do início de um prazo estabelecido por lei, mas a intempestividade por antecipação do acto processual não equivale à preclusão temporal, por esgotamento do prazo.

2- Instaurada uma ação executiva para pagamento de quantia certa, não constitui fundamento de indeferimento liminar da petição de embargos de executado a circunstância de haver sido apresentada antes da citação do executado.

Decisão Texto Integral:






DECISÃO SUMÁRIA

( Art. 656º CPC)


1.1.A exequente C..., L.da instaurou (11/03/2020) ação executiva para pagamento de quantia certa, com forma de processo comum, contra a executada N..., Lda.

Com fundamento em sentença homologatória, transitada em julgado, erigida como título executivo, reclamou o pagamento da quantia de €3.157,32.

1.2.- A executada N..., L.da deduziu embargos de executado contra a exequente C..., L.da, alegando, em síntese:

A obrigação exequenda é inexigível porque a exequente não procedeu à reparação dos defeitos.

Pediu a procedência da oposição e a condenação da exequente/embargada a pagar, a título de danos não patrimoniais, a quantia não inferior a € 500,00.

          1.3.- Por despacho de 1/10/2020 decidiu-se indeferir liminarmente a petição de embargos de executado.

          O despacho contém a seguinte fundamentação:

“Veio a Executada apresentar petição inicial de Embargos de Executado sem que tenha ocorrido qualquer acto processual de chamamento à ação executiva. O processo civil é uma sucessão sequencial e encadeada de actos pelos quais se exercem ou se precludem as faculdades processuais inerentes a cada um desses actos a praticar pelas Partes e pelo Juiz.

A prática de um acto totalmente ao arrepio do ritualismo próprio da forma de processo em causa é destituída de lógica processual ou fundamento legal, pelo que é um acto absolutamente inútil pois que incapaz de produzir qualquer efeito na conformação das posições das Partes face litígio trazido ao Tribunal sob certa e determinada forma processual.

Ora, na forma de processo em causa, o prazo para deduzir Embargos de Executado apenas se inicia com a notificação a que alude o art.º 626.º CPC, a qual ainda não ocorreu (e pode até nunca chegar a ocorrer). Com efeito, um acto processual apenas é devido e tempestivo quando praticado dentro do prazo processualmente previsto para o efeito, não podendo a parte praticar o acto após o decurso do prazo, sob pena de extinção do direito de o praticar, mas também não podendo praticar um acto antes do hipotético início do prazo para o efeito, pois não é acto devido à luz do ritualismo próprio da forma processual em causa, e, portanto, não é apto para o regular e legal exercício do direito processual de deduzir Embargos de Executado que apenas nasce com a concretização da notificação para esse efeito.

Pelo exposto:

Por se tratar de acto processual inútil e ineficaz por ausência de fundamento legal que permita a sua prática no momento em que o foi, julga-se inadmissível a petição inicial de Embargos de Executado apresentada pela Executada.

Custas pela Executada.

 Registe e notifique. Notifique o (a) Sr.(a) Agente de Execução.’.

          1.3. Inconformada, a executada/embargante recorreu de apelação com as seguintes conclusões:

1)A apelante, embora não tenha sido citada para a execução, tomou conhecimento da mesma, nomeadamente dos seus elementos essenciais e tem interesse direto em demandar a Exequente, pois invoca factos que a comprovarem-se determinam a inexigibilidade da dívida, isto é, o seu interesse em deduzir oposição nos termos em que o fez.

2) A lei estabelece um prazo peremptório de vinte dias para a dedução da oposição (art.728º CPC), cujo decurso extingue o direito de praticar o acto, atento o art. 139º do CPC, mas este prazo não havia expirado, pelo contrário, não se teria, ainda, iniciado, donde não se pode dizer que foi transposto o limite no que concerne ao prazo peremptório previsto.

3) A decisão recorrida viola o princípio da economia processual, pois afigura-se inútil indeferir a oposição por ter sido deduzida cedo demais, para algum tempo depois, a parte, após a citação pessoal, vir a apresentar articulado idêntico.

4) A decisão que indeferiu a oposição incorreu em erro na aplicação do direito aplicável, violando o disposto nos arts. 139º e 728º, nº 1, do CPC e viola ainda o exercício do direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art. 20º da CRP.

          A exequente/embargada contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.

          1.4. O recurso foi admitido com efeito meramente devolutivo, mas a Apelante requereu, já neste tribunal, a correcção do efeito, alegando que a lei fixa o efeito suspensivo.

          Considerando as normas remissivas dos arts. 852º e 853º, nº 1 CPC e porque se trata de despacho de indeferimento liminar da petição de embargos de executado, pese embora o valor da causa, o recurso, por remissão dos art.s 852º e 853º, nº 1 CPC, é legalmente admissível (art.629º, nº 3, c) CPC), com efeito suspensivo (art. 647º, nº 3, c) CPC), sendo julgado sumariamente (art. 656º CPC) atenta a simplicidade da questão.


FUNDAMENTAÇÃO

Nos termos do art. 10º CPC (anterior art. 45º) toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e os limites da acção executiva.

O título executivo, enquanto documento certificativo da obrigação exequenda, assume uma função delimitadora (por ele se determinam o fim e os limites, objectivos e subjectivos), probatória e constitutiva, estando sujeito ao princípio da tipicidade.

A causa de pedir não se confunde com o título, sendo antes a obrigação exequenda (pressuposto material) nele certificada ou documentada, pelo que a desconformidade objectiva e absoluta entre o pedido e o título situa-se ao nível da inviabilidade por inexistência de título, o que significa a ausência de direito à prestação e consequentemente a absolvição, não da instância, mas do pedido.

São títulos executivos a sentenças condenatórias (art. 703º, nº 1, a) CPC) que abrangem as sentenças homologatórias.

Ao pagamento coercivo exercitado pela exequente, opôs-se a executada através de oposição à execução, funcionando como uma contra-ação do devedor contra o credor para impedir a execução ou destruir os efeitos do título executivo. Trata-se de uma ação declarativa, estruturalmente autónoma, mas instrumental e funcionalmente ligada à acção executiva, com vista ao exercício do direito de defesa face a essa pretensão, não comportando, por isso, a reconvenção.

Na verdade, destinando-se a oposição a “um acertamento negativo da situação substantiva de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título”, cujo escopo primordial é o de “obstar ao prosseguimento da ação executiva mediante a eliminação por via indireta da eficácia do título executivo enquanto tal”, no plano formal a petição dos embargos de executado tem a estrutura e conteúdo de uma petição da ação declarativa, mas no plano material a oposição consubstancia uma reação à pretensão executiva, sendo substancialmente uma contestação. Por isso, opera o princípio da concentração da defesa, sendo legitimo cumular os fundamentos de oposição (tanto no sistema restritivo, como não restritivo) e o prazo de 20 dias para os embargos tem natureza processual, semelhante à contestação.

Neste contexto, abrindo-se com os embargos de executado uma fase declarativa, não é, porém, uma ação declarativa pura, pois ainda que não se alterem regras da distribuição da prova, trata-se de uma ação de cariz especial, peculiar, porque quer se alegue “oposição de mérito”, quer seja “oposição de forma”, a finalidade é sempre de reação à pretensão executiva, porque funcionalmente conexa, demonstrando o executado que se trata de uma execução injusta. Por isso, sendo os embargos de executado um meio de defesa, embora formalmente através de petição, em fase declarativa, a verdade é que neles o executado exercita o direito subjectivo processual de contraditar a pretensão executiva, sem que possa opor um pedido autónomo diferente.

Uma vez que os embargos se iniciam com uma petição dirigida contra o exequente, está sujeita a despacho liminar, semelhante ao da ação declarativa, significando que os fundamentos do indeferimento liminar são os positivados no art.732º, nº 1 CC (anterior art. 817º), embora não de forma taxativa.

          Problematiza-se no recurso a questão de saber se existe fundamento para rejeitar liminarmente os embargos, na acepção e finalidade já descrita, com fundamento na intempestividade, baseado no argumento de que a parte não pode praticar o acto antes do início do prazo e o direito processual de embargar apenas nasce com a notificação para o efeito.

          Esta questão remete-nos para a teoria geral do direito processual civil, mais precisamente para a validade dos chamados “actos prematuros”, que são havidos como tais aqueles praticados antes do início de um prazo.

          Com efeito, a lei (art.728º, nº 1 CPC) estabelece que “o executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação”, e na situação dos autos a executada não foi ainda citada, comprovando-se que o solicitador de execução expediu carta para citação em 9/9/2020, informando posteriormente (28/9/2020), a solicitação do tribunal, que ainda não foi possível citar a executada.

          Não parece haver dúvidas de que o prazo para embargar é um prazo peremptório que, por definição, contém o período de tempo dentro do qual o acto pode ser praticado. Se o acto não for praticado nesse prazo entende-se que opera a preclusão, o que implica a perda do direito de praticar o acto processual, ou seja, “o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o acto” (art.139º, nº 3 CPC).

          Mas a lei não prevê qualquer sanção para a prática de actos prematuros, aqueles que são levados a cabo antes do início do prazo.

          Há quem invoque o argumento dos ciclos processuais ou da “sequência processual” para rejeitar os actos prematuros e penalizar a intempestividade por antecipação do acto.

          Muito embora a resposta exija uma ponderação em concreto (por exemplo, seria de todo inconcebível e injustificada a apresentação de uma oposição antes mesmo da propositura da execução), pode afirmar-se que a intempestividade por antecipação do acto processual não equivale à preclusão temporal, por esgotamento do prazo.

          Há três razões fundamentais para admitir aqui os embargos e revogar o indeferimento liminar.

          A primeira extrai-se da regra do art. 189º CPC, o que aplicado à execução equivale a dizer que se o executado intervier no processo através dos embargos de executado considera-se sanada a falta de citação. E se está sanada a falta de citação significa que não pode proceder o argumento de que o direito de embargar ainda não nasceu, porque a executada não foi citada. Para todos os efeitos, não tendo sido arguida a falta, a intervenção no processo é havida como se tivesse ocorrido a citação, cujo objectivo é dar a conhecer ao executado o processo para nele exercer o contraditório.

          A segunda razão entronca no princípio da economia processual e proibição de actos inúteis, com afloramento no art. 130º CPC. Na verdade, tendo a executada já apresentado oposição parece inútil rejeitar de imediato a petição de embargos para a admitir mais tarde, comprovada formalmente a citação, seria contrário ao princípio do aproveitamento dos actos inválidos, e de forma mais abrangente ao princípio da instrumentalidade do processo.

          A terceira razão é a de que a prematuridade da oposição por embargos não viola o princípio da igualdade das partes, nem a do contraditório, ou seja, não colide com o processo equitativo.

Por isso, é de acolher o entendimento da Relação de Guimarães no ac de 10/9/2013 (proc. nº 544/11), em www dgsi.pt, para quem “O oferecimento prematuro da oposição à execução (antes da citação do executado) não é causa do seu indeferimento liminar” e no ac. de 6/2/2020 (proc. nº 261/18), em www dgsi.pt, em que “A rejeição dos embargos de executado com fundamento na sua dedução fora do prazo (art. 732º, nº 1, a) do CPC) respeita, apenas, às situações em que o direito da parte os apresentar se extinguiu pelo decurso do prazo peremptório assinalado e não às situações de prematuridade, em que a irregularidade não traduz qualquer extinção ou perda do direito à prática do acto”.


DECISÃO

          Pelo exposto, decide-se:

1)

          Julgar procedente a apelação e revogar o despacho recorrido.

2)

          Condenar a exequente nas custas.

          Coimbra, 10 de Dezembro de 2020.

          Jorge Arcanjo

          Sumário

1. Em processo civil são chamados “actos prematuros” os praticados antes do início de um prazo estabelecido por lei, mas a intempestividade por antecipação do acto processual não equivale à preclusão temporal, por esgotamento do prazo.

          2. Instaurada uma ação executiva para pagamento de quantia certa, não constitui fundamento de indeferimento liminar da petição de embargos de executado a circunstância de haver sido apresentada antes da citação do executado.