Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
451/13.0PBCLD.B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 03/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JL CRIMINAL DAS CALDAS DA RAINHA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 127.º, 163.º E 412.º DO CPP; ART. 181.º DO CP
Sumário: I – Sabendo-se que foram atingidas as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão, não merece censura a decisão recorrida em oposição à promoção da revogação.
II – Não faria sentido revogar a suspensão da execução da pena de prisão por fundamentos anteriores e do conhecimento do julgador que aplicou a pena de substituição de suspensão da pena de prisão.
Decisão Texto Integral:




Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

 

I

1. Por sentença transitada em julgado a 05/05/2015 foi o arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 21º, n.º 1, e 25º, alínea a), do Decreto-lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à respetiva Tabela I-C, na pena de 1 (um ) ano e 2 (dois) meses de prisão, suspensa por idêntico período, com sujeição do arguido a regime de prova, assente em plano de reinserção social da DGRSP.

2. Por decisão judicial datada de 04/02/2016, foi prorrogada a suspensão da execução desta pena de prisão pelo período de 1 ano, em virtude de o arguido ter sido condenado no processo n.º 474/15.5PBCLD, por sentença transitada em julgado em 02/10/2016, pela prática de dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181º e 184º do Código Penal, praticados em 15/07/2015.

3. Por sentença transitada em julgado em 02/10/2017, no processo n.º 241/13.0PBCLD do Juízo Central Criminal de Leiria, na pena única de 3 anos de prisão efetiva, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º1 do Código Penal, em 22/04/2013; de um crime de coação, p. e p. pelo artigo 154º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, em 23/04/2013; de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do

Código Penal; de um crime de dano simples, p. e p. pelo artigo 212º do Código Penal, em 26/06/2015; e de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal, em 30/03/2014;

4. Por sentença transitada em julgado em 13/04/2018, no processo n.º 421/15.4PBCLD do Juízo Local Criminal de Caldas da Rainha, na pena de 2 anos de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova, assente num PIRS a elaborar pela DGRSP, pela prática em 20/06/2015, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal.

            5. Em 21.6.2018, pelo Ministério Público foi promovido a revogação da pena de 1 (um ) ano e 2 (dois) meses prisão aplicada no proc. nº 451/13.0PBCLD.

6. O arguido opôs-se a esta revogação.

7. Por despacho judicial 11.9.2018 foi indeferida a promoção do Ministério Público e declarada extinta a pena, tendo o despacho o seguinte teor:

“Nos presentes autos, mostrando-se transcorrido o período da suspensão da execução da pena de

prisão aplicada ao arguido …, impõe-se avaliar das condições de cumprimento

da mesma, com vista à sua eventual extinção, prorrogação ou revogação.

No caso vertente constata-se que o arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de

menor gravidade na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa na execução pelo mesmo período, com

sujeição a regime de prova.

Examinados os autos, constata-se que desde a data do trânsito em julgado da decisão condenatória – verificado em 5.05.2015 – o arguido veio a cometer, pelo menos, dois outros ilícitos criminais, designadamente, em 20.06.2015 (processo n.º 421/15.4 PBCLD) e em 26.06.2015 (processo n.º 241/13.0 PBCLD), mostrando, ainda, fraca adesão às regras estabelecidas no âmbito do Plano de Reinserção Social elaborado, no âmbito do regime de prova aplicado.

Por despacho datado de 4.02.2016 (cfr. fls. 310 e ss.), foi determinada a prorrogação da suspensão da pena de prisão, pelo período de 1 (um) ano, sujeitando-se tal suspensão ao cumprimento das mesmas condições.

Findo este período de prorrogação, procedeu-se à audição do condenado.

A DMMP promoveu que a pena de prisão suspensa na sua execução fosse revogada e ordenado o cumprimento da pena aplicada por virtude de o arguido ter praticado crime no decurso do prazo de suspensão, considerando, ainda, que ficaram frustradas as finalidades que estavam na base de tal suspensão (cfr. fls. 493 e ss.).

Conferido o contraditório, o arguido opôs-se a tal sentido de decisão, com os fundamentos constantes de fls. 500 e ss..

Conforme resulta dos autos e se encontra supra exposto, após o trânsito em julgado da decisão de condenação a que houve lugar nos presentes autos, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes (de menor gravidade), o arguido veio a ser condenado, por decisão transitada em julgado em 5.05.2015, pela prática, além do mais, de um crime de dano simples, na data de 26.06.2015 e, ainda, por decisão transitada em julgado em 13.04.2018, pela prática de um crime de roubo, na data de 20.06.2015.

No caso concreto, há que ter em consideração que, a pena inicialmente aplicada, de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução, já foi objeto de apreciação sobre o cumprimento das condições fixadas e, por se ter considerado, por despacho de 4.02.2016 que o arguido não cumpriu, de forma satisfatória (mas, ainda assim, não de forma que implicasse a total frustração da possibilidade da sua

ressocialização) as condições da suspensão, foi a mesma prorrogada, pelo período adicional de 1 (um) ano.

Neste momento entendemos, salvo o devido respeito, que o parecer que cumpre efetuar se reflete neste período adicional de prorrogação, ou seja, em momento anterior, o tribunal já entendeu que a suspensão da execução da pena de prisão não foi suficiente para conformar a personalidade do arguido, razão pela qual prorrogou tal período, com vista a conferir-lhe uma derradeira oportunidade de conformação importando, agora analisar, apenas, se esta prorrogação atingiu as finalidades pretendidas.

Analisado o Certificado de Registo Criminal do arguido, verifica-se que, desde o despacho de prorrogação da suspensão da pena de prisão, o arguido não voltou a ser4 condenado pela prática de qualquer crime ocorrido naquele período.

Observado o relatório social (cfr. fls. 343 e ss.), são mencionadas algumas fragilidades por parte do arguido, associadas às suas características de personalidade.

Cumpre, agora, avaliar se a prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão atingiu a sua finalidade ou se, ao invés, está definitivamente infirmado o juízo de prognose favorável ao arguido.

Analisados os elementos dos autos e tendo por base as características de personalidade impulsiva, frágil e desorganizada do arguido, afigura-se-nos que o mesmo, efetivamente, apresenta características que levam a temer pela sua capacidade de conformação com as regras do Direito e da sociedade e correta inserção sócio-profissional e familiar.

Todavia, o arguido alterou a sua postura face ao Direito e, desde 26.06.2015 não é conhecido que tenha voltado a delinquir, sendo que, não obstante esteja presentemente em cumprimento de pena de prisão, durante largo período da suspensão da execução da pena aplicada nos presentes autos esteve em liberdade, sem que sejam conhecidas novas intercorrências criminais, para além das já assinaladas.

Assim, entendemos que, ainda que não de forma totalmente satisfatória, as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão, e sua posterior prorrogação, foram atingidas.

Nestes termos, entendemos que não existe razão para nova prorrogação da suspensão e, muito menos, para a sua revogação, razão pela qual se declara extinta a pena aplicada ao arguido nos presentes autos”.

8. Deste despacho recorre o Ministério Público, que formula as seguintes conclusões:

1. O Ministério Público discorda da decisão de não revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido …, tal como tinha promovido, e da consequente declaração de extinção da pena aplicada;

2. Nos presentes autos, por sentença transitada em julgado a 05/05/2015 foi o arguido … condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 21º, n.º 1, e 25º, alínea a), do Decreto-lei n.º 15/93, de 22/01, com referência à respetiva Tabela I-C, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, suspensa por idêntico período, com sujeição do arguido a regime de prova.

3. Por decisão judicial datada de 04/02/2016, foi prorrogada a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 1 ano, em virtude de o arguido ter sido condenado no processo n.º 474/15.5PBCLD, por sentença transitada em julgado em 02/10/2016, pela prática de dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181º e 184º do Código Penal, praticados em 15/07/2015.

4. Todavia, foi o arguido condenado nos processos n.ºs 241/13.0PBCLD e 421/15.4PBCLD, por sentenças transitadas em julgado, pelo cometimento, em pleno período de suspensão da execução da pena de prisão imposta nestes autos, de um crime de dano e de um crime de roubo, tendo-lhe sido aplicada, no primeiro processo, pena de prisão efectiva, a que se seguiu a reclusão do arguido no Estabelecimento Prisional de Caldas da Rainha.

5. Não obstante os crimes pelos quais o arguido foi condenado nos processos n.ºs 241/13.0PBCLD e 421/15.4PBCLD terem sido praticados antes da data de prolação, nos presentes autos, a decisão judicial que determinou a prorrogação do prazo de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, não foram tais condenações tidas em conta na referida decisão, dadas as datas dos seus trânsitos em julgado.

6. Ademais, temos de ter em consideração o curto período de tempo que mediou entre o trânsito em julgado da sentença proferida nos presentes autos e a data do cometimento dos novos factos – pouco mais de um mês – e a revelada personalidade do condenado avessa ao direito, com manifesta propensão para a prática de crimes.

7. Face a tudo que se deixou dito, torna-se inevitável a conclusão de que o juízo de prognose favorável que foi emitido nestes autos, e que justificou o decretamento da suspensão da execução da pena de prisão, se revelou inadequado, face à frustração da expetativa do afastamento do arguido da criminalidade.

8. Tais condenações por crimes cometidos no período de suspensão de execução da pena, a que se seguiu a reclusão do arguido, invalidam a opção judicial pela pena não privativa da liberdade, apontando claramente no sentido de que as razões de prevenção – geral e especial - sentidas no caso, demandam a aplicação de pena privativa da liberdade.

9. Deste modo, a douta decisão recorrida violou, por errada interpretação, os artigos 56º, n.ºs 1, alínea b) e 2, e 57º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal.

10. Assim, uma vez verificado o condicionalismo do artigo 56º, nº 1, al. b), do Código Penal, deve ser determinada a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, ao abrigo do disposto no artigo 56.º, nº s 1, alínea b), e 2, do Código Penal, com todas as consequências legais.


*

Termos em que, e nos mais que doutamente se suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, proferindo-se douto acórdão que revogue a decisão recorrida e a substitua por outra que determine a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido …, e consequentemente o cumprimento da pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão fixada na sentença condenatória, ao abrigo do disposto no artigo 56.º, nº s 1, alínea b), e 2, do Código Penal, como é de toda JUSTIÇA!

9. O arguido respondeu dizendo em síntese que os crimes invocados para a revogação da suspensão da pena não foram cometidos durante a suspensão mas anteriormente; na altura da prorrogação da suspensão encontrava-se o arguido em liberdade; a prisão efetiva que agora está a cumprir é já adequada e suficiente para assegurar a finalidade da punição, a prevenção geral e a prevenção especial; e os relatórios efetuados durante a sua permanência no estabelecimento prisional são no sentido de demonstrar o bom comportamento do arguido, a sua disciplina e o cumprimento de todas as regras.

            10. Nesta instância, a Exmª PGA emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

            11. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.

II

            Questão a apreciar:

            A verificação (ou não) dos pressupostos para a revogação da suspensão da execução da pena de prisão pelos fundamentos invocados pelo Ministério Público.

                                                          

III

Apreciando:

1. Preceitua o artigo 57º do Código Penal que:

“1. A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação;

2. Se, findo o período de suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou prorrogação do período da suspensão”.

Dispõe, por sua vez, o artigo 56º do Código Penal que:

1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso o condenado:

(… )

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

2 A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.

2. Face ao teor desta disposição (artigo 56º), é neste momento comummente aceite que a revogação da suspensão da execução mesmo pela prática de crime durante o período da suspensão, não é de funcionamento automático – v. ac. TRGuimarães de 12.10.2009, proferido no proc. nº 969/06.1GAFLG.G1, onde se decide:

“Desde pelo menos a Revisão de 1995 do Código Penal que a condenação pela prática de crime durante o período da suspensão não provoca automaticamente a revogação da suspensão da execução da pena por ser, ainda, necessário concluir que “as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas” [art. 56º, n.º 1, al. b) do Código Penal]”[1].

Ou seja, a decisão de suspender a execução de uma pena de prisão e a decisão de revogar esta mesma suspensão da execução, estão entre si conexas, partem dos mesmos pressupostos, embora, no final, com resultados diferentes, de sinal oposto.

3. Ora, o exato sentido ou o ponto de diferenciação que deve ditar a manutenção ou a revogação da suspensão da execução da pena perante a prática pelo agente de um novo ou mais crimes, durante o período da dita suspensão, traduz-se em apurar se as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão podem ou não ser ainda alcançadas.

Em caso afirmativo, será de manter a suspensão (seria, uma vez que já decorreu o período fixado, pelo que foi declarada a extinção da pena, no despacho recorrido).

Em caso negativo, deve ser revogada a suspensão.

Assim o entendemos e assim o entende a demais jurisprudência:

- Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-06-2016, proferido no proc. nº 44/13.2GCCVL.C1:

II - É imprescindível para a revogação da pena de suspensão a constatação de que o condenado, ao cometer o novo crime, invalidou definitivamente a prognose favorável que fundou a aplicação da pena de substituição ou seja, invalidou a expectativa de, através da suspensão, se manter afastado da delinquência.

- Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 23-04-2014, proferido no proc. nº 51/11.0GAPVL.G1:

I – A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

II – O abandono do automatismo na revogação da suspensão, que existia na versão original do Código Penal, não traduz qualquer vontade do legislador de criar um regime mais permissivo, mas, antes, de ligar indelevelmente o destino da suspensão à satisfação das finalidades que estiveram na sua base.
           
4. No presente caso, a pena de prisão suspensa na execução foi determinada por sentença transitada em julgado a 05/05/2015.

Entretanto, por decisão judicial datada de 04/02/2016, foi prorrogada esta suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 1 ano, em virtude de o arguido ter sido condenado no processo n.º 474/15.5PBCLD, por sentença transitada em julgado em 02/10/2016, pela prática de dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181º e 184º do Código Penal, praticados em 15/07/2015.

            Ou seja, esta condenação não foi impedimento da manutenção da suspensão da execução da pena dos presentes autos, justificando apenas a prorrogação do seu prazo em mais um ano.

            Todavia, o arguido veio a ser condenado por sentença transitada em julgado em 02/10/2017, no processo n.º 241/13.0PBCLD do Juízo Central Criminal de Leiria, na pena única de 3 anos de prisão efetiva.

Tal pena é o resultado da prática de mais que um crime, todos eles ocorridos em momento anterior à sentença transitada em julgado a 05/05/2015 (processo em análise), à exceção de um crime de dano simples, p. e p. pelo artigo 212º do Código Penal, cujos factos ocorreram em 26/06/2015.

E, por sentença transitada em julgado em 13/04/2018, no processo n.º 421/15.4PBCLD do Juízo Local Criminal de Caldas da Rainha, na pena de 2 anos de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova, assente num PIRS a elaborar pela DGRSP, pela prática em 20/06/2015, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal.

Do exposto resulta que os factos graves e relevantes do processo n.º 241/13.0PBCLD, ocorreram antes da apreciação e suspensão da execução da pena dos presentes autos.

E os factos do processo n.º 421/15.4PBCLD, referentes a um crime roubo, pese embora ocorridos durante o período da suspensão da execução da pena em análise, determinaram uma condenação em pena de prisão, por sentença transitada em julgado em 13/04/2018, também ela suspensa na execução.

E em ambos os processos (n.º 241/13.0PBCLD e n.º 421/15.4PBCLD), os factos ocorreram antes da prorrogação da suspensão da execução da pena, que data de 4.2.2016.

5. Na verdade, estes factos e estas condenações, como se afirma nas alegações de recurso, não foram considerados nem para a suspensão da pena nem para a sua prorrogação.

O hiato entre a prática de determinados factos delituosos e o respetivo julgamento e condenação do agente, cria vicissitudes para este, que em princípio não lhe são imputáveis mas sim ao funcionamento da administração da própria justiça. Pois, tendo os factos deste processo n.º 451/13.0PBCLD ocorrido em 25.2.2014 e a maioria dos factos do processo n.º 241/13.0PBCLD ocorrido em 2013, normal e lógico seria que, pelo menos quando se procedeu à prorrogação do prazo da suspensão da execução da pena, em 4.2.2016, já tivesse havido julgamento pelos factos do processo nº 241/13.0PBCLD. E, deste modo, na respetiva apreciação do tribunal, tivesse sido ponderada a nova realidade/situação do arguido. Tal não se verificou. Apenas surge a condenação do arguido por sentença transitada em 2.10.2017.

Mas como a exigência do artigo 56º do Código Penal é apenas no sentido de que a suspensão da execução da pena de prisão pode ser revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado e se revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, significa que do processo nº241/13.0PBCLD, apenas o crime de dano simples, p. e p. pelo artigo 212º do Código Penal, cujos factos ocorreram em 26/06/2015, pode e deve ser apreciado para eventual revogação da suspensão da execução da pena, pois todos os demais factos deste processo ocorreram ante do decretamento da respetiva suspensão bem como da sua prorrogação.

Ora, o crime de dano simples reveste uma menor gravidade que qualquer crime de tráfico e de roubo, igualmente praticados pelo arguido.

E na apreciação em causa, o que deve relevar é se as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Sobre este aspeto, concorda-se com a decisão recorrida, quando nela se afirma:

 “No caso concreto, há que ter em consideração que, a pena inicialmente aplicada, de 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução, já foi objeto de apreciação sobre o cumprimento das condições fixadas e, por se ter considerado, por despacho de 4.02.2016 que o arguido não cumpriu, de forma satisfatória (mas, ainda assim, não de forma que implicasse a total frustração da possibilidade da sua ressocialização) as condições da suspensão, foi a mesma prorrogada, pelo período adicional de 1 (um) ano.

Neste momento entendemos, salvo o devido respeito, que o parecer que cumpre efetuar se reflete

neste período adicional de prorrogação, ou seja, em momento anterior, o tribunal já entendeu que a suspensão da execução da pena de prisão não foi suficiente para conformar a personalidade do arguido, razão pela qual prorrogou tal período, com vista a conferir-lhe uma derradeira oportunidade de conformação importando, agora analisar, apenas, se esta prorrogação atingiu as finalidades pretendidas.

Analisado o Certificado de Registo Criminal do arguido, verifica-se que, desde o despacho de prorrogação da suspensão da pena de prisão, o arguido não voltou a ser condenado pela prática de qualquer crime ocorrido naquele período.

Observado o relatório social (cfr. fls. 343 e ss.), são mencionadas algumas fragilidades por parte

do arguido, associadas às suas características de personalidade.

Cumpre, agora, avaliar se a prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão atingiu a sua

finalidade ou se, ao invés, está definitivamente infirmado o juízo de prognose favorável ao arguido.

Analisados os elementos dos autos e tendo por base as características de personalidade impulsiva,

frágil e desorganizada do arguido, afigura-se-nos que o mesmo, efetivamente, apresenta características que levam a temer pela sua capacidade de conformação com as regras do Direito e da sociedade e correta

inserção sócio-profissional e familiar.

Todavia, o arguido alterou a sua postura face ao Direito e, desde 26.06.2015 não é conhecido que

tenha voltado a delinquir, sendo que, não obstante esteja presentemente em cumprimento de pena de prisão, durante largo período da suspensão da execução da pena aplicada nos presentes autos esteve em liberdade, sem que sejam conhecidas novas intercorrências criminais, para além das já assinaladas.

Assim, entendemos que, ainda que não de forma totalmente satisfatória, as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão, e sua posterior prorrogação, foram atingidas” [2].

Adianta-se, mesmo assim, o seguinte:

Mesmo a ser ponderada a prática deste crime de dano no momento da prorrogação da suspensão da execução da pena, que ocorreu em 2016, não se afigura que a prática desse crime se revelasse suficientemente forte para concluir pela inviabilidade de alcançar as finalidades que estiveram na base da suspensão.

E a prova desta afirmação, acaba por ser confirmada pela conduta posterior do arguido, que posteriormente à apreciação da prorrogação, não praticou quaisquer outros factos ilícitos. E embora se encontre neste momento a cumprir pena de prisão à ordem de um outro processo (processo n.º241/13.0PBCLD do Juízo Central Criminal de Leiria), o mesmo esteve em liberdade até ao início do cumprimento da pena, mais de dois anos, desde a data do último crime praticado, exatamente o crime de dano simples, em 26.6.2015.

Como se decide no ac. do Tribunal da Relação do Porto de 29-10-2014, proferido no proc. nº 225/11.3GAPRD-B.P1:

I - Para a revogação da pena suspensa, ao abrigo do art.º 56º1b) CP impõe-se a verificação de um requisito formal traduzido no cometimento, no período da suspensão de um crime pelo qual venha a ser condenado, e de um requisito material assente na conclusão sobre se a prática desse novo crime afasta irremediavelmente o juízo de prognose em que assentou a suspensão da pena.
            II - Para apreciar do requisito material deve ponderar-se entre outras circunstâncias do caso,
o tipo de crime, as condições em que foi cometido, a sua gravidade, a conduta global do arguido durante a suspensão e a pena aplicada pelo novo crime[3], de modo a saber se as finalidades da suspensão estavam ou não a ser alcançadas.

Pelo que, reafirma-se, tendo em conta o tipo de crime em causa – dano -, a data da sua prática, a conduta posterior do arguido – não praticando quaisquer outros factos delituosos - e sabendo-se que foram atingidas as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão, não merece censura a decisão recorrida.

 

6. Conexa com esta questão está ainda a situação processual do arguido no processo nº421/15.4PBCLD do Juízo Local Criminal de Caldas da Rainha em que por sentença transitada em julgado em 13/04/2018, foi condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova, pela prática em 20/06/2015, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do Código Penal.

Ou seja, já após a suspensão da execução da pena nos presente autos em análise e da sua prorrogação, o arguido foi condenado por um crime bem mais grave do que o crime de dano simples, por factos ocorridos durante a suspensão (embora antes da dita prorrogação), condenação esta em 2 anos de prisão, cuja pena foi suspensa na sua execução.

Trata-se de factos ocorridos em 20/06/2015, sobre os quais foi feito um juízo por um tribunal por  sentença transitada em julgado em 13.4.2018, em momento que o arguido já cumpria pena de prisão à ordem do processo nº241/13.0PBCLD, tendo esse juízo sido no sentido da prognose favorável à suspensão da execução da pena de 2 anos de prisão.

Ora, se assim foi entendido em momento muito posterior quer à data da prática dos factos do crime de dano, quer à data da prorrogação da suspensão da execução da pena, tendo o julgador conhecimento de toda a situação processual do arguido e de todos os seus antecedentes, não faria sentido, por manifestamente ilógico e mesmo contraditório com esse juízo entretanto feito, revogar a suspensão da pena pelos fundamentos pretendidos pelo recorrente Ministério Público.          

IV

Decisão

Por todo o exposto, decide-se julgar improcedente o recurso do recorrente Ministério Público mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.

 Sem tributação.

Coimbra, 13 de Março de 2019

Texto processado em computador e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos signatários

           

Luís Teixeira (relator)

Vasques Osório (adjunto)


[1] No mesmo sentido v. Ac. da Rel. de Coimbra de 7-5-2003, proc. n.º 612/03, rel. João Trindade, in www.dgsi.pt; cfr. no mesmo sentido Maia Gonçalves, Código Penal Português, 15ª ed., Coimbra, 2002, pág. 212, nota 2, Pinto de Albuquerque, Comentário do Penal, Lisboa, 2008, pág. 202, nota 8 e, já anteriormente, Figueiredo Dias nas Actas n.º 6, 8, 41, da Comissão Revisora do Código Penal, nas sessões, realizadas em 3 de Abril de 1989, 17 de Abril de 1989 e 22 de Outubro de 1990, respectivamente, in Código Penal-Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, 1993 e em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 357 – citação feita no mesmo aresto e ainda:
- Ac. TRGuimarães de 22.3.2010, proferido no proc. nº 276/00.3JABRG-A.G1 e ac. TRPorto de 26.1.2005, proferido no proc. nº 0417060.
[2] Sublinhados nossos.
[3] Sublinhado nosso.