Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3446/16.9T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVERES DE INFORMAÇÃO DO BANCO AO CLIENTE
INVESTIDOR NÃO QUALIFICADO
RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
SISTEMA DE REPONDERAÇÃO
Data do Acordão: 09/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 7º, 312º E 314º DO CDVM.
Sumário: a) Em sede de impugnação de facto perante a Relação, não basta qualquer divergência de apreciação e valoração da prova, impondo-se a ocorrência de erro de julgamento, pois o nosso sistema é de reponderação, pois o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância, embora exija uma avaliação da prova (e não apenas uma mera sindicância do raciocínio lógico), segundo a chamada “concepção racionalista da prova”, deve, no entanto, restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão.

b) A prova deve ser valorada no seu conjunto, reclamando uma ponderação global, segundo o standard da “probabilidade lógica prevalecente”, em que havendo versões contraditórias sobre determinado facto, o julgador deve escolher das diferentes probabilidades a que, perante o conjunto dos elementos probatórios, se evidencie como a mais provável.

c) Os contratos de intermediação financeira são negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de serviços de intermediação financeira, e estão regulados no Código de Valores Mobiliários (CVM) (aprovado pelo DL nº 486/99, de 13/11).

d) Na intermediação financeira, para além dos deveres de informação derivados do princípio geral da boa fé, o legislador (CVM) consagrou deveres específicos de informação, atenta a natureza da actividade, sobretudo no caso de um investidor não qualificado, porque a lei exige uma declaração livre e esclarecida, sendo que o dever específico de informação incide também sobre o risco do próprio produto financeiro.

e) Responde civilmente o Banco, intermediário financeiro, por violação dos deveres de informação, ao propor a subscrição de um produto financeiro, assegurando tratar-se que era de capital garantido, levando a que o cliente (investidor não qualificado) anuísse à aplicação, nesse pressuposto, sem que houvesse previamente informado qual o tipo de produto e a natureza da obrigação.

f) Cabe no âmbito da responsabilidade pré-contratual tanto a violação culposa dos deveres específicos de informação aquando da celebração do contrato de intermediação financeira, como as situações de indução negligente em erro através do fornecimento de informações inexactas.

g) Actua com culpa grave o banco, intermediário financeiro, que sabendo do perfil conservador do cliente e que não possuía qualquer formação, nem pretendia sequer aplicar o dinheiro em produtos de risco, não o informou devidamente, nomeadamente em que consistia a subscrição de obrigações (subordinadas) e quais as consequências.

Decisão Texto Integral:




Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1.1.Os Autores – M... e H... instauraram na Comarca de Leiria acção declarativa, com forma de processo comum, contra a Ré -  Banco B..., S.A

Alegou, em resumo:

Eram clientes do antigo Banco BP..., e que nessa qualidade lhes foi proposta pelo gerente da agência do BP..., da ..., a subscrição de obrigações SLN 2006, no valor de €50.000,00, sem que os autores soubessem em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa, e as quais lhes foram apresentadas como uma aplicação financeira segura, com capital garantido e, em tudo, equivalente a um depósito a prazo

Pretendiam investir o seu dinheiro numa aplicação segura, com as características de um depósito a prazo, desconhecendo que estavam a investir num produto de risco, sem capital garantido.

Não foram informados sobre a compra de obrigações, nem lhes foi lido ou explicado qualquer contrato ou entregue cópia do mesmo ou de outro documento demonstrativo de que eram possuidores de obrigações, sendo que nem sequer lhes foi explicado o que eram obrigações.

 O Réu omitiu e distorcido o processo informativo, quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que os Autores nunca aceitariam, se acaso o Réu lhes tivesse explicado que o dinheiro era para investir em obrigações SLN 2006 e sem que o capital fosse garantido pelo Banco Réu.

 Na data de vencimento contratada, o réu não lhes restituiu o capital investido, nem os juros acordados, pelo que, tendo havido, por parte do réu, violação dos deveres de informação, é o mesmo responsável pelo pagamento da quantia peticionada.

Sustentam, subsidiariamente, a nulidade do contrato, por violação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.

Por fim, para fundamentar o pedido indemnizatório, sustentam que, com a sua atuação, o Réu colocou os Autores num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem, ou de não saber quando iam reaver o seu dinheiro.

Pediram a condenação do Réu

 “a) Ser o Réu condenado a pagar aos AA. o capital e juros vencidos e garantidos que, nesta data, perfazem a quantia de 57.000,00€, bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento;

 Ou assim não se entendendo:

b) Ser declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os 50.000,00€ que os AA. entregaram ao R., em obrigações subordinadas SLN 2006;

c) Ser declarado ineficaz em relação aos AA. a aplicação que o R. tenha feito desses montantes;

d) Condenar-se o R. a restituir aos AA. 57.000,00€ que ainda não receberam dos montantes que entregaram ao R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento; E, sempre,

b) Ser o R. condenado a pagar aos AA. a quantia de €3.000,00, a título de dano não patrimonial”.

            Contestou o Réu defendendo-se, em síntese:

Por excepção, arguiu a incompetência territorial do Tribunal, a ineptidão da petição inicial, a prescrição do crédito dos Autores e a caducidade para arguição da nulidade do contrato.

Por impugnação motivada, negou a responsabilidade.

Os Autores responderam.

1.2. No saneador decidiu-se julgar improcedente a excepção de incompetência territorial, e da ineptidão da petição inicial, relegando-se para final o conhecimento das excepções de prescrição e caducidade.

1.3.- Realizada audiência de julgamento foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, decidiu:

a) Julgar improcedente a exceção de prescrição invocada pelo Réu Banco B..., SA;

b).Condenar o Réu Banco B..., SA, no pagamento aos Autores do montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescido dos juros remuneratórios garantidos pelo banco à taxa contratada, durante o período de tempo em que durou a aplicação, ou seja desde Abril de 2006 até Maio de 2016, descontando-se os juros recebidos. 

c) Condenar o Réu no pagamento de juros de mora, à taxa legal,desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, sobre aquele valor.

            1.4. Inconformado, o Banco Réu recorreu de apelação, com as seguintes conclusões

...

            Os Autores contra-alegaram no sentido da rejeição liminar, e pela improcedência do recurso.

            O Banco Réu juntou dois pareceres jurídicos de eminentes Professores Catedráticos.


II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Questão prévia – rejeição do recurso

Os Apelados suscitaram a questão prévia da rejeição e intempestividade do recurso, alegando que o Banco /Apelante omitiu nas conclusões o ónus de especificação quanto às passagens da gravação, logo não sendo admissível o recurso de facto, não pode beneficiar do prazo suplementar, o que implica a preclusão do direito de recorrer.

Quando impugne a matéria de facto, o recorrente deve indicar obrigatoriamente (art.640 nº1 CPC) três elementos: os pontos de facto concretos que considera incorrectamente julgados, os meios de prova, e o sentido da decisão.

Os concretos pontos de facto impugnados devem ser feitos nas respectivas conclusões, porque delimitadoras do âmbito do recurso e constituírem o fundamento da alteração da decisão. Já quanto à especificação dos meios probatórios, a actual redacção, como a anterior, não exige que seja feita nas conclusões, podendo sê-lo no corpo da motivação, mas em todo o caso impõe-se a obrigatoriedade de conexionar cada facto censurado com os elementos probatórios correspondentes.

Para além deste ónus primário, a lei impõe ainda um ónus secundário que consiste na indicação das passagens no caso de os meios probatórios haverem sido gravados (art.640 nº2 a) ).

Analisando as alegações do recurso, verifica-se que o Banco Apelante pretende impugnar a matéria de facto, como expressamente afirmado, individualizando os pontos de facto e o sentido da decisão (cf. conclusões 1ª a 3ª).

Por outro lado, também nas conclusões indicou os meios de prova, o depoimento da testemunha ..., remetendo para as passagens referidas no corpo da alegação.

O art.640 nº2 a) CPC deve ser interpretado restritivamente no sentido de que a letra diz mais do que o seu espírito, ou seja, em face do objectivo da norma, a rejeição só se impõe quando haja total omissão da indicação das passagens da gravação de cada uma das testemunhas, porque a não ser assim, então a norma será materialmente inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade,  o que nem sequer é o caso, pois o Apelante não só enunciou as passagens, como fez a respectiva tradução.

Para beneficiar do prazo suplementar de 10 dias, não basta que a parte haja requerido a gravação da prova em audiência ou o respectivo suporte para elaborar as alegações, sendo indispensável que o recurso tenha efectivamente “por objecto a reapreciação da prova gravada”, como resulta claramente do texto da lei. Assim, não é o anúncio ou a intenção que legitima o alargamento do prazo, mas antes a concretização do objecto do recurso e respectiva fundamentação nas alegações e a jurisprudência é consistente no sentido de que o deficiente cumprimento do ónus de especificação quanto à impugnação de facto não posterga a tempestividade do recurso com base no alongamento do prazo, previsto no art.638 nº7 CPC.

Na situação dos autos o Banco Apelante cumpriu cabalmente o ónus de especificação, sendo tempestivo o recurso, o que tanto basta para a improcedência da questão prévia.

            2.2.- O objecto do recurso

            As questões essenciais submetidas a recurso, delimitado pelas conclusões, são as seguintes:

            A nulidade da sentença ( art.615 nº1 e) CPC);

            A impugnação de facto ( pontos 2, 5, 8, 9, 10, 14, 15, 17, 20 e 21).

            A responsabilidade civil do Banco Réu (a violação do dever de informação do intermediário financeiro).

            A excepção da prescrição.

            2.2.- Os factos provados ( descritos na sentença )

...

2.3. – Os factos não provados ( descritos na sentença )

...

            2.4. A nulidade da sentença

            O Banco Apelante arguiu a nulidade da sentença por violação do pedido ( art.615 nº1 e) CPC, alegando que ao condenar com base na assunção da dívida extravasou a causa de pedir e do pedido.

            A expressa referência à “assunção de um compromisso perante o cliente” não legitima a interpretação de que se trata de assunção de dívida, como forma de transmissão da dívida, mas antes, dado o contexto da argumentação, como responsabilidade pela confiança, que, segundo a sentença, deve ser protegida pela ordem jurídica.

            Além disso, jamais haveria violação do pedido e nem mesmo da causa de pedir, em face da alegação.

            Improcede a nulidade da sentença.

            2.5. – A impugnação de facto

            O Banco Apelante, alegando erro na apreciação da prova, pretende que se julguem não provados os factos descritos nos pontos 2, 5, 8, 9, 10, 14, 15, 17, 20 e 21 ( dos factos provados), indicando como prova o depoimento da testemunha ...

O Tribunal da Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar a decisão da 1ª instância nas situações previstas no art.662 nº1 CPC ( als a), b) e c) do nº1 do anterior art.712 do CPC)

Muito embora a revisão do Código de Processo Civil, operada pelo DL 329 A/95 de 12/2, haja instituído de forma mais efectiva a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, o poder de cognição do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto.

Para além da possibilidade de conhecimento estar confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, com os pressupostos adrede estatuídos no art.640 CPC, a verdade é que o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, fundada também na base da imediação e da oralidade, pois na formação da convicção do julgador não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados. Contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. O que se torna necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão.

Neste contexto, o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância, embora exija uma avaliação da prova (e não apenas uma mera sindicância do raciocínio lógico), segundo a chamada “concepção racionalista da prova”, deve, no entanto, restringir se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão. Por isso, se entende não bastar qualquer divergência de apreciação e valoração da prova, impondo-se a ocorrência de erro de julgamento (cf., por ex., Ac STJ de 15/9/2010 (proc. nº 241/05), de 1/7/2014 (proc. nº 1825/09), em www dgsi.pt), sendo o nosso sistema de reponderação.

Por outro lado, a prova deve ser valorada no seu conjunto, reclamando uma ponderação global, segundo o standard da “probabilidade lógica prevalecente”, em que havendo versões contraditórias sobre determinado facto, o julgador deve escolher das diferentes probabilidades a que, perante o conjunto dos elementos probatórios, se evidencie como a mais provável (cf. Michele Taruffo, La Prueba de Los Hechos, 2002, pág. 292 e segs.).

É com base nestes princípios que se passa a aquilatar a impugnação de facto, e ouvida a gravação integral da prova e atento o depoimento escrito, verifica-se, em síntese:

...

            Neste contexto e em juízo valorativo, porque a prova indicada não impõe decisão diversa, improcede a alteração de facto, mantendo-se incólume a factualidade descrita na sentença.

            2.6.- A responsabilidade civil do Banco

            A sentença recorrida após qualificar o negócio celebrado entre Autor e Banco (BP...) como de contrato de intermediação financeira, tratando-se de investidor não qualificado, baseou a responsabilidade do Banco (intermediário) tanto na responsabilidade pré-contratual (por violação dos deveres de informação), como na responsabilidade contratual ao assumir a garantia de pagamento do capital e juros.

            Em contrapartida, para o Apelante inexiste fundamento para a responsabilização, tanto mais que na versão do CVM vigente ao tempo (2006)  não previa norma que obrigasse o intermediário financeiro a prestar informações acerca dos riscos do tipo de instrumento financeiro (obrigações SLN 2006).

Os contratos de intermediação financeira são negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de serviços de intermediação financeira, e estão regulados no Código de Valores Mobiliários (CVM ) (aprovado pelo DL nº 486/99 de 13/11).

Considerando que o contrato foi celebrado em 17 de Abril de 2006, aplica-se o regime legal então vigente, ou seja antes das alterações introduzidas pela Lei nº 104/2017 de 30/8, que transpôs parcialmente a Diretiva 2014/91/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23/7/2014.

Importa, desde já, anotar, pela especial relevância no caso, que o Autor se integra na categoria de investidor não qualificado ( art.30 ).

Como qualquer negócio, também o contrato de intermediação assenta numa declaração de vontade negocial que se revela como um fenómeno ambivalente: enquanto acto de comunicação e enquanto acto determinativo ou normativo (cf., por ex., Karl Larenz, Derecho Civil, Parte Generale, 1978, pág.448 e segs.).

Ora, este fenómeno reflecte-se também no problema da interpretação, tanto assim que o acto de comunicação, destinado a ser conhecido e entendido pelo declaratário, provoca nele a correspectiva confiança, pelo que a declaração de vontade há-de responsabilizar o declarante por esta confiança, dentro da “ordem envolvente da interacção negocial”, ou seja a critérios normativos de razoabilidade e de boa-fé, com uma função integrativa e reguladora das condutas dos contraentes.

Mas, tornando-se o acto comunicativo juridicamente vinculante, a interpretação negocial não pode deixar de ser sistémica, convocando os princípios, como o da justiça contratual, da boa fé, da segurança, do equilíbrio das prestações.

Na fenomenologia dos contratos, a intersubjectividade vinculante ultrapassa o processo formativo, pois tratando-se de um negócio jurídico bilateral, rectius, um contrato sinalagmático, dele emergem direitos e deveres consubstanciados numa relação jurídica complexa. De tal forma que o direito positivo assevera que todo o negócio jurídico deve ser pontualmente cumprido e no cumprimento das obrigações como no exercício do direito correspondente devem as partes proceder de boa-fé (arts.406 nº1 e 762 nº2 do CC).

Sobre a culpa na formação dos contratos a lei estabelece que quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato, tanto nos preliminares como na formação dele, deve proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos causados à outra parte (art. 227, nº 1 do CC).

Agir de boa fé é fazê-lo com a lealdade, correcção, diligência e lisura exigíveis às pessoas normais face ao circunstancialismo envolvente, abrange o comportamento integral, segundo o critério da reciprocidade, ou seja, por via de comportamento devido e esperado às partes nas relações jurídicas envolvidas, e a celebração do contrato ou a sua anulação (ou resolução), ou também a sua ineficácia, não afastam o espectro normativo do art. 227 do CC, a qual é aplicável tanto no caso de se interromperem as negociações, como no de o contrato chegar mesmo a consumar-se (cf., por ex., Eva Sónia da Silva, Da Responsabilidade Pré-Contratual por Violação dos Deveres de Informação, pág.30; Ana Prata, Notas Sobre Responsabilidade Pré-Contratual, pág.36 e segs.).

Sobre as partes impendem, entre outros, os deveres de comunicação, informação e esclarecimento que abrangem, por um lado, a viabilidade da celebração do contrato e os obstáculos a ela previsíveis, e por outro, os elementos negociais e a própria viabilidade jurídica do contrato projectado. Para que exista o dever de informação é necessário que se verifiquem os seguintes pressupostos: a essencialidade da informação, assimetria informacional e a necessidade de protecção da parte não informada, a exigibilidade da transmissão da informação.

Por isso, tanto a doutrina, como a jurisprudência, vêm sustentando que a violação desses deveres de informação e esclarecimento de todos os elementos com relevo directo ou indirecto para o conhecimento da temática do contrato servem de fundamento para a responsabilidade pré-contratual.

Como elucida Sinde Monteiro, “de entre os grupos de casos de responsabilidade por culpa na formação dos contratos, conta-se o da celebração de um contrato não correspondente às expectativas, devido ao fornecimento pelo parceiro negocial de informações erradas ou à omissão de esclarecimento devido”. (Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, págs. 47, 358, 360).

E mesmo nas situações de indução negligente em erro , ou seja no erro provocado negligentemente pela contraparte através do fornecimento de informações inexactas, cabe no âmbito da responsabilidade pré-contratual e corresponde obrigação de indemnização (cf., por ex., Paulo Mota Pinto, “Falta e Vícios da Vontade – O Código Civil e os regimes mais recentes “, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, vol.III, pág.485), Eva Sónia da Silva, As Relações entre a Responsabilidade Pré-contratual por informações e os vícios da vontade (erro e dolo), o caso da indução negligente em erro, pág.301 e segs.).

Na intermediação financeira, para além dos deveres de informação decorrentes do princípio geral da boa fé, o legislador (CVM) consagrou deveres específicos de informação, atenta a natureza da actividade, que inclui “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada” ( art. 312 ), nomeadamente as informações respeitantes aos instrumentos financeiros e aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar ( art. 312.º, als. a), b) ) devendo-o fazer de forma completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º) para que a informação possa ser compreendida pelo destinatário médio.

Os deveres de informação do intermediário financeiro costumam ser divididos em dois grandes grupos: os deveres de informação pré-contratual e os deveres de informação contratual.

Os primeiros estão regulados nos arts. 312.º e segs. do CVM e visam com que o cliente investidor a tomar uma decisão esclarecida e fundamentada sobre os seus projectos de investimento, como também criar o clima de confiança e segurança necessários para o mercado de capitais prosperar.

Os segundos encontram-se previstos nos arts. 323 e segs. do CVM e incidem principalmente, sobre os deveres de informação nas operações de execução de ordens e sobre os resultados das operações.

Este dever de informação deve adequar-se ao tipo de investidor, assumindo um conteúdo elástico, nomeadamente em função do maior ou menor grau de conhecimentos e de experiência do cliente, enfim, da sua literacia financeira, e este particular dever de informação por parte do intermediário financeiro visa, antes de mais, a tutela da autodeterminação por parte do investidor (princípio da transparência e da protecção dos investidores). Compreende-se, por isso, a importância da informação, sobretudo no caso de um investidor não qualificado, porque a lei exige uma declaração livre e esclarecida, sendo que, nestes casos, o dever de informação incide sobre o risco do próprio produto financeiro, ou seja, “a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto” ( cf., por ex., Ac STJ de 10/4/2018 ( proc. nº 753/16), em www dgsi.pt).

Na situação dos autos comprovou-se que o Banco assegurou aos Autores que o produto financeiro proposto era de capital garantido, ou seja, sem qualquer risco, pois foi nesse pressuposto que o Autores anuíram à aplicação financeira ( obrigações SLN 2006) no valor de €50.000,00, e que a funcionária do Banco (gerente)  que foi quem tomou a iniciativa de propor a subscrição, e não obstante o perfil conservador do Autores, não informou sequer qual era o tipo de produto, que obrigações, tendo assegurado trata-se de um produto de capital garantido.

Neste contexto, revela-se por demais evidente a violação do dever de informação, o que implica a responsabilidade civil, nos termos do art.314 CVM, consistindo a ilicitude precisamente na violação do dever legal de informação, ou seja, na desconformidade entre a conduta devida (imposta nos arts.7 e 312 CVM)  e a actuação do Banco, sendo a culpa é presumida, que o Banco não ilidiu.

Por outro lado, contrariamente ao alegado no recurso, é manifesto o nexo de causalidade adequada.

A lei civil (art.563 do CC) adoptou a teoria da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que, no plano naturalístico, ele seja condição sem o qual o dano não se teria verificado e depois que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo (nexo de adequação). Releva a causalidade adequada na sua formulação negativa: a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequado para esse dano (cf., por ex., Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 2ª ed., pág.743 e segs., Ac STJ de 15/4/93, C.J. ano I, tomo 2, pág.59, de 15/1/2002, C.J. ano X, tomo I, pág.36).

A teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, admitindo não só a ocorrência de outros factos condicionantes, como ainda a chamada causalidade indirecta, na qual é suficiente que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.

Sendo assim, está comprovada a causalidade adequada entre a actuação do Banco e o dano (perda do capital e juros), pois se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, os autores não teriam investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse um retorno seguro (cf. pontos 8 a 11).

Neste sentido, por ex., Ac STJ de 5/6/2018 (proc. nº 18331/16), disponível em www dgsi.pt, para quem – “tendo a Relação tido como demonstrado que o autor não teria subscrito as obrigações se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do recorrente, que corria o risco de perder, no todo ou em parte, o seu dinheiro em caso de insolvência da emitente, é de considerar verificado um nexo causal (e não meramente naturalístico) entre aquele facto e os prejuízos sofridos pelo primeiro”.

A responsabilidade do Banco pode ainda ser enquadrada no âmbito da chamada “responsabilidade pela confiança”.

Entre as duas modalidades clássicas de responsabilidade – obrigacional/delitual-, existe um espaço para situações de responsabilidade que não se enquadram neste sistema dualista. É aqui que entra a chamada “responsabilidade pela confiança“, como “terceira via”, desenvolvida por determinado sector da doutrina alemã. Este tipo de responsabilidade situa-se no âmbito mais vasto da tutela jurídica das expectativas, cuja frustração da confiança de outrem é susceptível de conduzir à obrigação de indemnização, exprimindo, na sua essência, a justiça comutativa, na forma específica de justiça correctiva e compensatória.

Não há um tratamento unitário e sistemático para a responsabilidade pela confiança, embora o Código Civil Português contenha apoios juspositivos, sendo o mais importante o constituído pela culpa in contrahendo (art.227 ), como responsabilidade sui generis, não tipicamente contratual, nem delitual.

Na verdade, tanto a culpa in contrahendo, como as situações de “auto-vinculação sem contrato“ ou “acordos de facto“, em que existe uma solidariedade assumida, determinadas práticas negociais modernas (especialmente nos sectores bancários e comerciais) convocam a intervenção da responsabilidade pela confiança. É precisamente a tutela da confiança que justifica a regra do art.227 do CC onde se configura uma relação obrigacional sem dever primário de prestação, e que serve de arquétipo para a resolução de outros casos problemáticos.

A tutela da confiança caracteriza-se por uma situação objectiva de confiança (uma conduta de alguém entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura); o investimento na confiança (o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposição ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a confiança legítima vier a ser frustrada) e a boa fé da contraparte que confiou ( cf. J. Baptista Machado, Obra Dispersa, vol.I, pág.415 a 419 ), Carneiro da Frada, Uma “Terceira Via “ no Direito da Responsabilidade Civil? “, 1997, e “Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil”, 2004.)

Pois bem, a subscrição pelos Autores (obrigações SLN 2006) foi desencadeada e motivada pelo Banco, assegurando capital garantido e rentabilidade assegurada, e eles, agindo de boa fé, confiaram, convictos  de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura com as características de um depósito a prazo, com capital garantido.

2.7.- A excepção da prescrição

O Banco excepcionou a prescrição por já terem decorrido 2 anos sobre a data do conhecimento da conclusão da operação.

Os Autores reponderam dizendo que o prazo de prescrição é de 20 anos porque o Banco agiu com culpa grave.

Preceitua o art.324 nº2 do CVM que, “salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócios em que haja intervindo nessa qualidade, prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos”.

A excepção da prescrição deve ser julgada improcedente com base em dois tópicos:

O primeiro, porque não é suficiente o conhecimento da conclusão do negócio, já que a lei exige que o cliente conheça também os respectivos termos. A verdade é que a Ré não demonstrou ( art.342 nº2 CC) que o Autor conhecesse os termos do negócio

Em segundo lugar porque a Ré actuou com culpa grave, pois que sabendo do perfil conservador dos Autores, e de que nem sequer pretendiam aplicar o dinheiro em produtos de risco, nem lhes foi explicado em que consistiam as obrigações ( nomeadamente SLN 2006).

Neste sentido, por ex., Ac STJ de 17/3/2016 ( proc. nº 70/13) , em www dgsi.pt  (“Atua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido”; Ac RC de 23/1/2018 ( proc. nº 4327/16), em www dgsi.pt ( “ Actua com culpa grave aquele Banco que oculta informação e desconsidera grosseiramente o perfil do cliente, que conhece há vários anos, colocando-lhe um produto financeiro que este não subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto.”)

            2.8.- Síntese conclusiva

a) Em sede de impugnação de facto perante a Relação não basta qualquer divergência de apreciação e valoração da prova, impondo-se a ocorrência de erro de julgamento, pois o nosso sistema é de reponderação, pois o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância, embora exija uma avaliação da prova (e não apenas uma mera sindicância do raciocínio lógico), segundo a chamada “concepção racionalista da prova”, deve, no entanto, restringir se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão.
b) A prova deve ser valorada no seu conjunto, reclamando uma ponderação global, segundo o standard da “probabilidade lógica prevalecente”, em que havendo versões contraditórias sobre determinado facto, o julgador deve escolher das diferentes probabilidades a que, perante o conjunto dos elementos probatórios, se evidencie como a mais provável.

c) Na intermediação financeira, para além dos deveres de informação derivados do princípio geral da boa fé, o legislador (CVM) consagrou deveres específicos de informação, atenta a natureza da actividade, sobretudo no caso de um investidor não qualificado, porque a lei exige uma declaração livre e esclarecida, sendo que o dever específico de informação incide também  sobre o risco do próprio produto financeiro.

d) Responde civilmente o Banco, intermediário financeiro, por violação dos deveres de informação, ao propor a subscrição de um produto financeiro, assegurando tratar-se que era de capital garantido, levando a que o cliente (investidor não qualificado) anuísse à aplicação, nesse pressuposto, sem que houvesse previamente informado qual o tipo de produto e a natureza da obrigação.

e) Cabe no âmbito da responsabilidade pré-contratual tanto a violação culposa dos deveres específicos de informação aquando da celebração do contrato de intermediação financeira, como as situações de indução negligente em erro através do fornecimento de informações inexactas.

f) Actua com culpa grave o banco, intermediário financeiro, que sabendo do perfil conservador do cliente e que não possuía qualquer formação, nem pretendia sequer aplicar o dinheiro em produtos de risco, não o informou devidamente, nomeadamente em que consistia a subscrição de obrigações (subordinadas) e quais as consequências.


III – DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1)

            Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença.

2)

            Condenar o Apelante nas custas.

            Coimbra, 25 de Setembro de 2018.


( Jorge Arcanjo )

( Teresa Albuquerque )

( Manuel Capelo )