Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
608/17.5T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
LISTA PROVISÓRIA DE CRÉDITOS
IMPUGNAÇÃO
DESPACHO
RECURSO
DECISÃO FINAL
Data do Acordão: 06/06/2017
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE COMÉRCIO DE MONTEMOR-O-VELHO.
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 643º, Nº 1, E 644º DO NCPC; ARTº 17º-F, Nº 5 DO CIRE.
Sumário: I – Na reclamação efectuada ao abrigo do nº 1 do artº 643º do NCPC, apenas cabe emitir pronúncia sobre se o recurso deve ser admitido em face da norma legal que o reclamante invoca para o efeito. Efectivamente, de acordo com o nº 1 do artº 643º do NCPC, “Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão.”.

II - Se analisarmos as normas das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 644º do NCPC, constatamos que a admissão da apelação autónoma exige que a decisão em causa tenha posto termo à causa, ou a procedimento cautelar ou a incidente processado autonomamente (al. a)), ou, que, tratando-se de decisão proferida no saneador, a mesma, não obstante não ter posto termo ao processo, seja uma decisão de mérito – v.g., porque decide da procedência ou da improcedência alguma excepção peremptória -, ou que absolva “...da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.”.

III - Portanto, se a decisão, não pondo termo à causa, não é de mérito, nem absolve “...da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos”, não é, à luz do nº 1 do artº 644º do NCPC, passível de apelação autónoma, que é o que sucede, por exemplo, com as decisões que julguem improcedentes as excepções dilatórias (v.g., a da ineptidão da petição inicial).

IV - Note-se que também na Relação de Évora se entendeu que “O despacho, proferido no processo especial de revitalização, que decide a impugnação da lista provisória de créditos apenas é impugnável com o recurso da decisão final (a referida no art.º 17.º-F. n.º 5, CIRE)”.

V - O despacho, proferido no processo especial de revitalização, que decide a impugnação da lista provisória de créditos apenas é impugnável com o recurso da decisão final (a referida no art.º 17.º-F. n.º 5, CIRE).

Decisão Texto Integral:







I - 1) - Em processo de revitalização respeitante à devedora “A..., S.A.”,a correr termos no Juízo de Comércio de Coimbra - Juiz 3, da Comarca de Coimbra (Montemor-o-Velho), vieram vários credores impugnar a lista provisória de credores, tendo, designadamente, o “IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.” impugnado a lista provisória de créditos reconhecidos com fundamento na indevida exclusão do seu crédito, no montante de €58.720.000,00, emergente da rescisão de dois contratos de atribuição de apoio que havia celebrado com a devedora.

A devedora respondeu, contrariando a pretensão do impugnante.

Em 20 de Março de 2017 foi decidido, entre o mais, julgar “...procedente a impugnação deduzida pelo IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. e, consequentemente, reconhecido o crédito por esta reclamado, no valor de € 58.720.000,00.”;

2) – Desta decisão veio a “A...” interpor recurso que disse abarcar a matéria de facto e a matéria de direito, ser de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo, invocando para o efeito as «…disposições conjugadas dos artigos 627.º, n.º 1, 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 637.º, n.ºs 1 e 2, 638.º, n.º 1, 2.ª parte, 639.º, 640.º, 644.º, n.º 2, alínea h), todos do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi do artigo 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”) e ainda do artigo 14.º, n.º 5, do CIRE...», tendo terminado assim a sua alegação de recurso:

«[…] deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, a decisão quanto ao reconhecimento dos créditos do IFAP revogada, não devendo os mesmos constar do quórum deliberativo do plano no presente PER. […]»;

3) – Na 1ª Instância foi proferido despacho que indeferiu o aludido recurso de apelação autónomo, com subida imediata, despacho este do qual se transcreve o seguinte trecho[1]:

«[…] O credor/impugnante IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. defendeu nas suas contra-alegações não ser o recurso interposto pela devedora admissível, porquanto o despacho que decide a impugnação da lista de credores não é suscetível de recurso que não a com a decisão final que venha a ser proferida.

Como é sabido, a atual regra em matéria de recursos é a de que apenas cabe recurso (imediato) de apelação da decisão do tribunal de 1.ª instância que ponha termo ao processo; as demais decisões podem (e apenas podem) ser impugnadas juntamente com o recurso que venha a ser interposto da decisão final ou, se não houver recurso e a impugnação tiver interesse autónomo para a parte, em recurso único a interpor depois de a decisão final transitar em julgado (art. 644.º, n.º s 1, 3 e 4, do Código de Processo Civil).

Excecionalmente é admitido recurso autónomo das decisões interlocutórias taxativamente elencadas no n.º 2 do art. 644.º, nomeadamente, e de acordo com a alínea h), das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.

O regime dos recursos estabelecido no Código de Processo Civil é aplicável ao processo especial de revitalização, nos termos do art. 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com as especialidades estabelecidas pelo art. 14.º deste último diploma.

A decisão que indefere ou decide a impugnação à lista provisória de créditos reconhecidos no âmbito do PER não constitui, como é evidente, a decisão final do processo, nem se compreende entre as decisões interlocutórias autonomamente recorríveis previstas nas alíneas a) a g) e i) do art. 644.º do Código de Processo Civil. E ao contrário do defendido pela devedora, não se considera que a sua impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil, de forma a poder subsumir a sua autónoma recorribilidade à previsão da alínea h) do art. 644.º.

Com efeito, esta norma apenas abre a possibilidade de recursos intercalares quando a sujeição à regra geral importe a absoluta ineficácia do eventual provimento do recurso. Sendo que para o efeito, como refere Abrantes Geraldes, «não basta que a transferência da impugnação para momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final. Mais do isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso decretado em momento ulterior não passará de uma “vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da ação»(...).

Ora, a limitação da recorribilidade da decisão sobre a impugnação ao recurso interposto da decisão final do PER não torna aquele recurso absolutamente inútil ou inoperante. A sujeição da recorribilidade da decisão das impugnações à regra geral estabelecida no art. 644.º, n.º s 1, 3 e 4, do Código de Processo Civil implica tão só a perturbação do processo pela necessidade da reformulação dos atos processuais entretanto praticados. Logo, o despacho proferido no processo especial de revitalização que decide a impugnação da lista provisória de créditos apenas é impugnável com o recurso da decisão final(...).

Compreende-se a irrecorribilidade autónoma da decisão das impugnações da lista provisória atenta a especifica função que a mesma desempenha: como tem vindo a ser assinalado pela doutrina e jurisprudência, a lista não visa satisfazer os créditos dos reclamantes, como sucede no processo de insolvência, mas tão só legitimar a intervenção dos credores e permitir a formação do quórum deliberativo(...). Consequentemente, só quando esse quórum produzir efeitos terá a decisão das impugnações utilidade, pelo que não só não é um recurso de uma decisão cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil, como é um recurso interposto de uma decisão que só interposto com o recurso da decisão final tem utilidade.

Nesse sentido, sustenta Fátima Reis Silva «Ao facto de a recorribilidade desta decisão não estar prevista junta-se o que acima deixámos dito sobre a natureza e função das listas provisórias e definitivas em procedimento especial de revitalização, concluindo-se que a função aqui prosseguida é apenas a de composição de quórum deliberativo previsto no art. 17.º-F, n.º 3, do Código de Processo Civil. Nessa sequência natural surge a irrecorribilidade autónoma desta decisão, que só na decisão final a proferir de homologação da aprovação do plano produz os seus efeitos»[…]»;

4) – Relativamente a esse despacho, que lhe indeferiu o recurso, veio a devedora “A...”, apresentar reclamação para este Tribunal da Relação, nos termos do art.º 643º do NCPC, oferecendo as seguintes conclusões:

«A. Enquadramento

1. A Reclamante apresenta a presente Reclamação na sequência do Despacho Reclamado, apenas no que se refere à inadmissibilidade do recurso por si apresentado, relativamente ao reconhecimento dos créditos do IFAP, com o objectivo de que o mesmo seja admitido e apreciado pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

B. Da tempestividade do presente recurso

2. O momento processual oportuno para interpor recurso do despacho que decide as impugnações à lista provisória de credores é, precisamente, após a prolação desse mesmo despacho, sob pena de inutilidade.

3. Em primeiro lugar, porque se assim não fosse o objectivo principal do recurso interposto pela Reclamante – que consiste em sindicar a decisão que admitiu o IFAP a participar no PER como credor e a votar o plano de recuperação – seria completamente frustrado.

4. Ao contrário do que defende o Despacho Reclamado, não faz qualquer sentido que o presente recurso só deva ser interposto a final, dado que nessa fase o IFAP já terá participado na votação e formado parte do quórum deliberativo – e é precisamente isso que a Reclamante pretende evitar com o seu recurso

5. De facto, na perspectiva do Tribunal a quo o pior que poderia acontecer seria o Tribunal da Relação ordenar a anulação do processado com a repetição da votação do plano e sucessiva contagem dos votos, neste caso concreto com a exclusão do IFAP.

6. Ora, se este argumento poderá ser admissível para a generalidade dos processos declarativos – salvo o devido respeito –, não faz qualquer sentido no contexto de um PER.

7. Convém não esquecer que, nos termos do artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE, os credores ficam completamente coarctados de poder exigir e ver pagos os seus créditos na pendência do PER, por isso o Legislador limitou este período de inibição dos direitos dos credores a três meses – caso contrário os credores ficariam num estado de sujeição por tempo indeterminado.

8. Note-se que a natureza urgente e limitada no tempo de um PER reclama que o universo de credores esteja definitivamente decidido antes da votação, procurando- se, por todas as vias, impedir situações em que, depois de votado o plano, o Tribunal da Relação possa anular o processado e ordenar a repetição de actos processuais.

9. Por conseguinte, é evidente a anulação e repetição de actos é totalmente inadmissível no caso do PER, porque implica necessariamente a prorrogação do processo (por se ter que repetir a contagem dos votos) e a perpetuação dos efeitos processuais sobre os credores (nomeadamente, a inibição de os mesmos poderem executar o devedor para cobrança dos seus créditos).

10. Em segundo lugar, conforme refere o Despacho Reclamado, a função da lista provisória de credores é determinar a composição do quórum deliberativo para efeitos de votação do plano no final do PER.

11. Acontece que a produção de efeitos desse quórum deliberativo com um credor que não legitimidade para dele fazer parte e que, neste caso concreto, pode ter um efeito determinante na decisão de aprovação ou não do plano de revitalização, será sempre gravosa para a Devedora, ora Reclamante.

12. É que quer o plano seja ou não aprovado – com o IFAP a fazer parte do quórum deliberativo ilegitimamente – isso trará sempre consequências nefastas para a Devedora e os seus credores.

13. É certo que com a interposição a final do recurso sobre o Despacho Reclamado estes cenários poderiam ser revertidos, mas isso implicaria uma enorme demora até ao desfecho final e definitivo do PER, que não é compaginável com a sua natureza célere.

14. Além disso, a interpor-se o recurso a final a aprovação do plano, este ficará sempre contingente e condicional ao recurso que dele vier a ser interposto.

15. Acresce que é absolutamente determinante para a Devedora, aqui Reclamante, que o PER não se prolongue (indefinidamente) no tempo, sendo para si fulcral que o seu plano seja rapidamente aprovado, pelos seus legítimos credores, para que a sua recuperação seja efectivamente viável.

16. Mais, conforme referido, a função da lista provisória de credores é a de determinar a composição do quórum deliberativo para efeitos de votação do plano no final do PER (o que significa que não faz caso julgado quanto à existência do crédito), donde resulta que recorrer a final, isto é, depois da votação e aprovação do plano (inclusive, pelo próprio IFAP), torna o recurso absolutamente inútil.

17. Em suma, resulta do exposto que foi tempestiva a interposição do recurso apresentado pela ora Reclamante nesta fase processual do PER, sob pena de o mesmo se tornar absolutamente inútil, cumprindo-se assim o disposto no artigo 644.º, n.º 2, al. h), do CPC. […]».

Terminou assim: Nestes termos, e nos demais de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve a presente reclamação ser julgada procedente e, em consequência, ser revogado o Despacho Reclamado, de 04.05.2017, que indeferiu a interposição do recurso de apelação da Reclamante do despacho que decidiu sobre as impugnações à lista provisória de credores.».
O “IFAP – INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP”, respondendo, pugnou pela improcedência da reclamação, com a consequente manutenção do despacho reclamado.
II - Decidindo:
Diga-se, antes do mais, que, tal como sucede nos recursos ordinários, com as “questões” a resolver, que, como se sabe não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, no âmbito das normas correspondentes do direito processual pretérito, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B35863),[2] também na reclamação efectuada ao abrigo do nº 1 do artº 643º do NCPC, apenas cabe emitir pronúncia sobre se o recurso deve ser admitido em face da norma legal que o reclamante invoca para o efeito. Efectivamente, de acordo com o nº 1 do artº 643º do NCPC, “Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão.”.
E o nº 4 do mesmo artigo preceitua “A reclamação, logo que distribuída, é apresentada ao relator, que, em 10 dias, profere decisão que admita o recurso ou o mande subir ou mantenha o despacho reclamado, a qual é suscetível de impugnação, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 652.º.”.
Daqui resulta que o âmbito da reclamação do artº 643º, motivada pelo despacho do Tribunal “a quo” que decidiu não admitir o recurso, se circunscreve à questão de saber se este é, afinal, de admitir, ou se é de confirmar tal despacho, mantendo a decisão nele proferida.
Como se vê, a Reclamante, para defender a recorribilidade imediata da decisão em causa, invoca o disposto na alínea h) do nº 2 do artigo 644º do CPC.
Vejamos.

Diferentemente do regime-regra que vigorava anteriormente àquele que foi estabelecido na reforma do CPC, levada a efeito pelo DL n.º 303/2007, de 24/8, (e, que agora, tem correspondência no NCPC), que era o regime da impugnação autónoma e imediata de toda e qualquer decisão, as decisões de 1.ª instância impugnáveis mediante recurso de apelação, quer à luz do CPC, na versão do DL n.º 303/2007, quer na versão decorrente da Lei nº 41/2013, de 26/6 (NCPC), só são susceptíveis de recurso autónomo imediato nos casos em que ponham termo ao processo ou nas demais situações expressamente indicadas na lei (cfr. Correia de Mendonça e Henrique Antunes, “Dos Recursos”, pág. 228).

Se analisarmos as normas das alíneas a) e b), do nº 1, do artº 644º do NCPC, constatamos que a admissão da apelação autónoma exige que a decisão em causa tenha posto termo à causa, ou a procedimento cautelar ou a incidente processado autonomamente (al. a)), ou, que, tratando-se de decisão proferida no saneador, a mesma, não obstante não ter posto termo ao processo, seja uma decisão de mérito – v.g., porque decide da procedência ou da improcedência alguma excepção peremptória -, ou que absolva “...da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.”.

Portanto, se a decisão, não pondo termo à causa,[3] não é de mérito, nem absolve “...da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos”, não é, à luz do nº 1, do artº 644º do NCPC, passível de apelação autónoma, que é o que sucede, por exemplo, com as decisões que julguem improcedentes as excepções dilatórias (v.g., a da ineptidão da petição inicial).

Por outro lado, no presente caso também não ocorre a situação de absoluta inutilidade, prevista na alínea h) do nº 2 do artº 644º do NCPC.
A este propósito cabe lembrar o que se escreveu no Acórdão desta Relação e desta 3ª Secção, de 12/01/2010 (Apelação nº 102/08.5TBCDN-A.C1)[4], reportando-se ao código que antecedeu o NCPC: «[…] A figura da inutilidade absoluta do recurso colocava-se anteriormente à reforma operada pelo Decreto-Lei nº 303/2007 relativamente à subida imediata ou diferida dos agravos, estabelecendo o artº 734º, nº 2 do Cód. Proc. Civil então em vigor que, entre outros, subiam imediatamente os agravos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
Os contornos de tal figura permanecem, a nosso ver, inalterados, já que a actual impugnação de decisões interlocutórias com o recurso da decisão final equivale, em traços largos, à anterior retenção dos agravos. 
Tais contornos constituíam, na vigência do artº 734º, nº 2 aludido, questão que motivou algumas decisões da jurisprudência, sendo, segundo cremos, unânime a ideia de que a inutilidade que se pretendia evitar era apenas a do recurso, em si mesmo, e não a de actos processuais entretanto praticados […]».
E continuando a explicitar o sentido da inutilidade consagrada no referido artº 734º, nº 2, escreveu-se nesse Acórdão de 12 de Janeiro de 2010: «[…] Esta inutilidade verifica-se sempre que o despacho recorrido produza um resultado irreversível (cfr. RC 5/5/1981, BMJ 310, 345), de tal modo que, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, ela será completamente inútil (cfr. RL - 29/11/1994, BMJ 441, 390), mas não quando a procedência do recurso possa conduzir à eventual anulação do processado posterior à sua interposição (RL - 30/6/1992, CJ 92/3, 254)[...].
Assim, por exemplo, tinha subida imediata o agravo interposto da decisão de suspensão da instância (cfr. art° 276°)[...], porque, se assim não sucedesse, o recurso só subiria depois de terminada a suspensão e a eventual revogação do despacho que a determinou não produziria quaisquer efeitos […]».
Ora, está bem de ver que a retenção do recurso interposto pela ora reclamante, que decidiu julgar procedente a impugnação deduzida pelo IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. e, consequentemente, reconhecer o crédito por este reclamado, no valor de € 58.720.000,00 -, se, impugnado nos termos do nº 3 do artº 644º do NCPC, vier a ser julgado procedente, poderá acarretarar a anulação, ainda que parcial, do processo, disso não resultando, todavia, como se explicitou, que seja de concluir que o tribunal “ad quem”, ao não admitir a apelação autónoma dessa decisão, leve a que a impugnação posterior da mesma seja de considerar absolutamente inútil.

Note-se que também na Relação de Évora se entendeu que “O despacho, proferido no processo especial de revitalização, que decide a impugnação da lista provisória de créditos apenas é impugnável com o recurso da decisão final (a referida no art.º 17.º-F. n.º 5, CIRE)”[5].
Assim, tal como foi considerado no despacho reclamado, entende-se inadmissível a apelação autónoma interposta, pelo que a presente reclamação é de indeferir.
III - Decisão:
Em face do acima exposto, indefere-se a reclamação “sub judice”, mantendo-se o decidido indeferimento do requerimento de interposição de recurso da devedora “A...”.

Custas pela Reclamante.

Notifique

Coimbra, 06/06/2017
 (Luiz José Falcão de Magalhães)


***



[1] Embora tenham interesse não se reproduzirão as notas de rodapé do texto do despacho reclamado.
[2] Consultáveis na Internet, através do endereço “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”, tal como todos os Acórdãos do STJ que adiante se citarem sem referência de publicação.
[3] A decisão de indeferimento liminar põe termo à causa, estando abarcada na previsão da al. a) do nº 1 do referido artº 644º.
[4] Consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase”.
[5] Decisão de 08 de Setembro de 2016, Processo nº 39/16.4T8EVR-B.E1, consultável em “http://www.dgsi.pt/jtre.nsf?OpenDatabase”