Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4804/14.9T8CBR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: REGISTO NACIONAL DE PESSOAS COLECTIVAS
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRAZO
CASO JULGADO
Data do Acordão: 01/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 138, 279, 560, 590 CPC, DL Nº 129/98 DE 13/5
Sumário: 1. Tem força obrigatória dentro do processo a decisão, transitada em julgado, que considere ter o autor usado a forma processual prevista na lei.

2. O prazo de trinta dias previsto no art.º 69º do DL nº 129/98, de 13.5, para a interposição da impugnação judicial é um prazo processual/judicial, subordinado ao regime (de continuidade e contagem) do art.º 138º do CPC.

Decisão Texto Integral:            

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            IV (…) & Associados, Sociedade de Advogados, R. L., intentou, na Secção Cível da Instância Local de Coimbra, acção de impugnação judicial contra o Instituto dos Registos e Notariado, I. P. (IRN), pedindo a declaração da ilegalidade da decisão do Registo Nacional de Pessoas Colectivas que determinou a perda do direito ao uso da firma e do número de identificação de pessoa colectiva por parte da A., bem como da decisão que rejeitou o recurso hierárquico interposto (daquela primeira decisão) com fundamento na falta de objecto do mesmo, proferida pelo Presidente do Conselho Directivo do Instituto dos Registos e Notariado a 12.8.2014.

            Por despacho de 14.10.2014, a Secção Cível da Instância Local de Coimbra declarou-se materialmente incompetente para conhecer do pedido formulado contra o Réu, absolvendo-o da instância.

            Veio depois a A., invocando o disposto nos art.ºs 560º e 590º do Código de Processo Civil (CPC), apresentar na Secção de Comércio da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra nova petição formulando idêntica pretensão e pedindo ainda a condenação do Réu a notificar a A. para proceder à regularização da situação (e efectuar a inscrição no Ficheiro Central no prazo a que alude o n.º 2 do art.º 61º do DL n.º 129/98, de 13.5), bem como a indemnizá-la pelos prejuízos sofridos.

            Alegou, em resumo: em 23.4.2014 teve conhecimento de que o Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC) procedeu à sua eliminação do Ficheiro Central de Pessoas Colectivas, pelo que perdeu o direito ao uso da firma e do número de pessoa colectiva; em 19.5.2014, interpôs recurso hierárquico da decisão de eliminação do Ficheiro Central e de declaração de perda do direito ao uso de firma, recurso rejeitado pelo Presidente do Conselho Directivo do Instituto dos Registos e Notariado por falta de objecto; as decisões que determinaram a perda do direito ao uso da firma e rejeitaram o recurso hierárquico são ilegais.

            Por sentença de 04.11.2014, a Mm.ª Juíza a quo, afirmando a existência de um erro na forma do processo que importa a nulidade de todo o processado, nomeadamente da petição inicial, indeferiu liminarmente a petição inicial.

            Inconformada, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra.

            Por decisão sumária desta Relação, de 27.3.2015, foi julgado procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se “não ser inepta a petição inicial, prosseguindo os autos, os seus ulteriores termos e corrigindo-se, se necessário, a distribuição efectuada” (sic). 

            Depois de, por despacho de 11.5.2015, ter sido determinada a rectificação da distribuição, descarregando-se na espécie 1ª e carregando-se na espécie 9ª, bem como a rectificação da autuação em conformidade (recurso contencioso), a Mm.ª Juiz a quo, por sentença de 19.5.2015, “ao abrigo do disposto no art.º 70º, n.º 6, do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas”, rejeitou liminarmente a presente impugnação judicial.

            Inconformada, a A. recorreu de novo para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:

            1ª - A factologia subjacente ao presente recurso e constante dos autos permite concluir que a impugnação judicial deu entrada na via judicial através do Instituto dos Registos e Notariado - como determinava o art.º 70º do DL n.º 129/98 -, tendo sido liminarmente indeferida pela Secção Local da Comarca de Coimbra e, após a apresentação de uma nova petição ao abrigo das disposições conjugadas dos art.ºs 560º e 590º do CPC, novamente indeferida liminarmente pela Secção de Comércio do mesmo Tribunal com fundamento em erro na forma processual, para, depois de esta decisão ter sido revogada por este Tribunal da Relação, voltar novamente a mesma Juíza da Secção de Comércio a indeferir liminarmente a petição com fundamento no facto de o recurso não ter sido correctamente interposto.

            2ª - Porém, o despacho em recurso - que pela segunda vez indeferiu liminarmente a petição - viola frontalmente a força de caso julgado do Acórdão proferido por este Tribunal em 27.3.2015 - que revogara a primeira decisão de indeferimento liminar -, uma vez que, tendo tal acórdão decidido quea autora, efectivamente, usou a forma especial prevista na lei” (constante dos art.ºs 63º a 72º do DL n.º 129/89), não poderia a decisão em recurso voltar a indeferir liminarmente a petição como argumento de queencontra-se, pois, o recurso incorrectamente interposto”.

            3ª - Mesmo quando a lei admite o indeferimento liminar da petição inicial, tal indeferimento nunca poderá ocorrer depois de o Réu ter sido citado, pelo que ao proferir um segundo despacho de indeferimento liminar quando o Réu já havia sido citado (ex vi do disposto no n.º 7 do art.º 641º do CPC), o despacho em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento, praticando um acto não permitido por lei - o indeferimento liminar - e omitindo os actos que essa mesma lei impunha - a convocatória da audiência prévia ou a prolação do despacho saneador -, o que determina a nulidade de todo o processado, tanto mais que a conduta proibida e omitida tiverem inegáveis reflexos na boa decisão em causa, levando a que fosse tomada uma decisão desfavorável à autora sem que lhe tenha sido permitido exercer o contraditório (art.º 195º, n.º 1, do CPC).

            4ª - O despacho em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento ao considerar que a impugnação judicial só foi apresentada em 30.10.2014 e que era extemporânea, pois estava amplamente provado que a impugnação judicial fora apresentada no dia 29.9.2014, data em que a primeira petição deu entrada no IRN em cumprimento do disposto no art.º 70º do DL n.º 129/98 – e no dia 30 de Outubro a A. apenas utilizou a prerrogativa concedida pelos art.ºs 560º e 590º do CPC, pelo que a impugnação judicial tem de se considerar proposta no dia 29 de Setembro, ex vi do disposto na parte final daquele art.º 560º.

            5ª - O despacho em recurso incorreu ainda em flagrante erro de julgamento ao considerar que o prazo referido no art.º 69º do DL n.º 129/89 não era um prazo judicial e ao decidir que a impugnação judicial era extemporânea, pois bastava conhecer a jurisprudência desta Relação para se poder concluir que tal prazo se subordinava à regra constante do art.º 138º do CPC e, como tal, se suspendia durante as férias judiciais, daí resultando que o prazo de 30 dias mencionado no referido art.º 69º daquele diploma só começou a correr em 01.9.2014, sendo, como tal, perfeitamente tempestiva a impugnação judicial apresentada no IRN no dia 29.9 do mesmo ano.

            6ª - Não só já estava decidido com força de caso julgado que a Autora usara a forma especial prevista na lei, como seguramente a impugnação judicial dera entrada na via judicial através do IRN e dentro do prazo previsto na lei - como impunham os art.ºs 69º e 70º do DL n.º 129/98 -, pelo que só começando o prazo de impugnação a correr a partir do dia 1 de Setembro e tendo a impugnação chegado ao Tribunal ´a quo` por força da prerrogativa consagrada no art.º 560º do CPC, naturalmente que não havia qualquer incorrecção na interposição da impugnação judicial nem a mesma era por forma alguma extemporânea, razão pela qual este segundo indeferimento liminar não só é completamente ilegal como viola frontalmente o princípio ´pro actione` e do direito de acesso à justiça.

            Pediu a revogação de mais este despacho de indeferimento liminar proferido pela Secção de Comércio da Instância Central da Comarca de Coimbra, com as legais consequências.

            O Réu não respondeu à alegação de recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar, sobretudo, se a decisão recorrida viola o caso julgado (decisão sumária da Relação de 27.3.2015) e se a acção foi tempestivamente instaurada e a A. fez adequado uso das prerrogativas processuais.


*

            II. 1. Releva, para a decisão do recurso, o que consta do antecedente relatório e a seguinte factualidade[1]:

            a) A decisão do recurso hierárquico foi comunicada à A. por carta do IRN datada de 07.8.2014.

            b) Na Instância Local/Secção Cível da Comarca de Coimbra, por decisão de 14.10.2014, proferida no processo 788/14.1T8CBR, julgou-se verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, com a consequente absolvição do Réu da instância.  

            c) A nova petição foi apresentada na Secção de Comércio da Instância Central da Comarca de Coimbra em 30.10.2014.

            d) Aquando da primeira rejeição liminar a Mm.ª Juíza a quo expendeu, nomeadamente:

            «(…) Assim sendo, conclui-se que a presente acção não se pode considerar proposta na data, que inclusivamente se desconhece, em que foi intentada a primeira acção na Secção Cível da Instância Local de Coimbra.

            Seguidamente há a observar que a autora, com o objectivo de impugnar um despacho do Registo Nacional de Pessoas Colectivas e a decisão do recurso hierárquico dele interposto, proferida pelo Presidente do Conselho Directivo do Instituto dos Registos e Notariado, veio intentar uma acção comum contra o Instituto dos Registos e Notariado, I. P.

            (…) a impugnação do despacho que declara a perda do direito ao uso de firma ou denominação, bem como a impugnação da decisão do recurso hierárquico interposto de tal despacho, conhecem um procedimento próprio: a impugnação judicial regulada nos art.ºs 63º a 72º do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, obrigatoriamente interposta neste Registo, no prazo de 30 dias a contar da notificação de tais decisões.

            Como tal, ao recorrer à acção declarativa comum para deduzir a sua pretensão de impugnação de tais decisões, a autora utilizou um processo que não se mostra adequado a tal finalidade, atenta a existência de processo específico para o efeito.

            (…)

            Parece-me manifesto que, caso a parte afectada pela decisão do Registo Nacional de Pessoas Colectivas recorra a uma acção comum, directamente interposta no Tribunal, para impugnar tal decisão, quando deveria ter usado da impugnação judicial regulada nos art.ºs 63º a 72º do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, se verifica uma diferença irredutível entre as duas formas de processo que impossibilita o aproveitamento da petição inicial e determina a nulidade de todo o processado. (…) acentuada a diferença entre o formalismo da acção declarativa comum e da impugnação judicial prevista nos aludidos normativos, desde logo ao nível da entidade competente para receber o processo, preclude necessariamente o aproveitamento dos actos praticados na primeira

            e) Na sequência da referida decisão e do subsequente recurso interposto pela A., o Réu foi citado nos termos e para os efeitos dos art.ºs 228º, 590º, n.º 1 e 641º, n.º 7, do CPC.

            f) Na alegação do recurso, e no tocante à delimitação factual subjacente, aduziu-se, designadamente:

            «(…) Ora, em causa estava a impugnação judicial de uma decisão proferida pelo Instituto dos Registos e Notariado, a qual, nos termos do disposto no art.º 70º do DL n.º 129/98, de 13 de Maio, tem de dar entrada na via judicial através daquele Instituto.

            Em cumprimento daquele normativo, a A. interpôs uma acção de impugnação judicial dirigida à Instância Local de Coimbra, tendo remetido tal acção para o IRN e solicitando a sua remessa para o Tribunal em causa[2].

            Uma vez entrada na via judicial, o Sr. Juiz da Instância Local não ordenou a citação do Réu na referida impugnação judicial, tendo de imediato proferido despacho a considerar a Instância Local materialmente incompetente para conhecer da referida acção de impugnação.

            (…) Tendo o A. sido notificado de que a Instância Local se considerava materialmente incompetente e tendo constatado que o Sr. Juiz daquele Tribunal não ordenara a citação do Réu e se considerava incompetente mal a acção dera entrada no Tribunal, logo nos 10 dias seguintes fez uso da prerrogativa concedida pela parte final do n.º 1 do art.º 590º do CPC, tendo apresentado uma nova petição da acção de impugnação na Secção de Comércio da Instância Central do mesmo Tribunal da Comarca de Coimbra. (…)»

            g) Refere-se na fundamentação da dita decisão sumária desta Relação (de 27.3.2015), designadamente:

            «(…) Como nota prévia, convém referir que tudo o que na decisão recorrida se refere acerca da possibilidade/impossibilidade de a autora poder ou não, apresentar nova petição inicial, aqui não carece de ser apreciado/decidido, uma vez que, conforme resulta da parte final da mesma, o único motivo apontado como fundamento para o indeferimento liminar da petição inicial é a existência de erro na forma de processo, pelo que esta será a única questão sobre a qual nos debruçaremos.

            Efectivamente, de acordo com o disposto nos artigos 63º a 72º do designado Regime Jurídico do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, aprovado pelo DL n.º 129/98, de 13 de Maio (…), as decisões, como a aqui em apreço, podem ser impugnadas mediante a interposição de recurso hierárquico para o presidente do IRN ou mediante impugnação judicial para o tribunal do domicílio ou sede do recorrente.

            A impugnação judicial está regulamentada nos seus art.ºs 69º a 72º, em que, resumidamente, se estabelece que a mesma deve ser interposta no RNPC, após o que cabe resposta deste organismo e após é o processo remetido ao Tribunal competente.

            (…) a autora designou a acção que pretendia intentar em juízo, como “Acção de Impugnação Judicial”, o que está em consonância com o disposto nos já supra referidos artigos 69º a 72º do RNPC.

            (…) a autora, efectivamente, usou a forma especial prevista na lei.

            (…) procede o presente recurso, não podendo subsistir a decisão recorrida, a qual se substitui por outra que determina não ser inepta a petição inicial, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos

            h) Para determinar a segunda rejeição liminar a Mm.ª Juíza a quo apresentou a seguinte argumentação:

            «(…) De acordo com o art.º 63º, n.º 1, al. b), do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, aprovado pelo DL n.º 129/98, de 13.5, os despachos que declarem a perda do direito ao uso de firma ou denominação podem ser impugnados mediante a interposição de recurso hierárquico para o presidente do IRN, I. P., ou mediante impugnação judicial para o tribunal do domicílio ou sede do recorrente.

            A impugnação judicial do despacho e a impugnação judicial do recurso hierárquico devem ser interpostas, de acordo com os art.ºs 69º e 70º, n.º s 1 e 2, do mencionado Regime, no prazo de 30 dias após a respectiva notificação, no Registo Nacional de Pessoas Colectivas (RNPC) mediante requerimento em que são expostos os respectivos fundamentos, acompanhado por todos os meios de prova.

            Recebida a impugnação, caso não tenha havido recurso hierárquico, o director do RNPC deve, no prazo de 10 dias, proferir despacho fundamentado a reparar ou a sustentar a decisão que é imediatamente notificado ao recorrente. No caso de manter a decisão ou de a decisão ter sido mantida na sequência de recurso hierárquico, o director do RNPC deve, no prazo de cinco dias, remeter ao tribunal competente todo o processo, instruído com o despacho recorrido, o despacho de sustentação e demais documentos, bem como o recurso hierárquico, se tiver sido interposto (art.º 70º, n.º s 3 e 4).

            Do exposto decorre que a impugnação do despacho que declara a perda do direito ao uso de firma ou denominação e a impugnação da decisão do recurso hierárquico interposto de tal despacho devem ser obrigatoriamente interpostas no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, no prazo de 30 dias a contar da notificação de tais decisões.

            Ora, a impugnante não interpôs a impugnação no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, mas antes directamente no tribunal do respectivo domicílio. Encontra-se, pois, o recurso incorrectamente interposto.

            Acresce que a impugnante, conforme alega no art.º 15º da sua petição, teve conhecimento do despacho que rejeitou o recurso hierárquico em 12.8.2014. Assim, o prazo de interposição do recurso contencioso, de 30 dias, não sendo um prazo judicial, terá terminado a 12.9.2014, estando há muito esgotado na data em que a impugnação foi apresentada (30.10.2014)

            2. Cumpre apreciar e decidir, com a necessária concisão.

            Podem ser impugnados mediante a interposição de recurso hierárquico para o presidente do IRN, I. P., ou mediante impugnação judicial para o tribunal do domicílio ou sede do recorrente, nomeadamente, a) Os despachos que admitam ou recusem firmas ou denominações; b) Os despachos que declarem a perda do direito ao uso de firma ou denominação ou que indefiram o respectivo pedido (art.º 63º, n.º 1, do DL n.º 129/98, de 13.5, diploma que estabelece o regime jurídico do Registo Nacional de Pessoas Colectivas e a que respeitam as demais disposições a seguir indicadas).

            O prazo para a interposição da impugnação judicial é de 30 dias após a notificação ou, nos casos em que o acto recorrido não tenha dado lugar a notificação, após o seu conhecimento pelo impugnante ou, se for o caso, da publicação da constituição ou alteração da pessoa colectiva. No caso de se tratar de impugnação judicial subsequente a recurso hierárquico, o prazo é de 30 dias a contar da data da notificação ao impugnante da decisão do recurso hierárquico (art.º 69º).

            A impugnação judicial dos despachos previstos no n.º 1 do art.º 63º ou do despacho do presidente do IRN, I. P., é apresentada no RNPC (art.º 70º, n.º 1); A impugnação deve ser interposta mediante requerimento em que são expostos os seus fundamentos, acompanhado por todos os meios de prova e, se for o caso, requerendo as diligências que considere necessárias à prova da sua pretensão; Recebida a impugnação, caso não tenha havido recurso hierárquico, o director do RNPC deve, no prazo de 10 dias, proferir despacho fundamentado a reparar ou a sustentar a decisão que é imediatamente notificado ao recorrente; No caso de manter a decisão ou de a decisão ter sido mantida na sequência de recurso hierárquico, o director do RNPC deve, no prazo de cinco dias, remeter ao tribunal competente todo o processo, instruído com o despacho recorrido, o despacho de sustentação e demais documentos, bem como o recurso hierárquico, se tiver sido interposto; Após a distribuição, se não houver motivo para rejeição liminar, são notificados, para contestar, caso ainda não se tenham pronunciado, os terceiros interessados (n.ºs 2, 4, 5 e 6 do mesmo art.º).

            3. O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes (art.º 138º, n.º 1, do CPC); os prazos para a propositura de acções previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores (n.º 4, do mesmo art.º).

            4. A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto (art.º 279º, n.º 1, do CPC); sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância (n.º 2, do mesmo art.º).

            Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no art.º 560º (art.º 590º, n.º 1, do CPC).

            O autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do art.º 558º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo (art.º 560º, do CPC).

            5. Como primeiro fundamento do indeferimento em causa, a Mm.ª Juíza a quo referiu que “a impugnante não interpôs a impugnação no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, mas antes directamente no tribunal do respectivo domicílio. Encontra-se, pois, o recurso incorrectamente interposto.

            Salvo o devido respeito por entendimento contrário, dir-se-á que aquela asserção não encontra nos autos adequado fundamento e, se dúvidas houvesse quanto à forma da instauração da acção, impor-se-ia, então, pelo menos, a audição das partes ou a obtenção de informação no processo n.º 788/14.1T8CBR [cf. II. 1. b), supra], actuação que, como decorre dos autos, não foi adoptada pelo Tribunal recorrido.

            Dizem-nos os autos:

            - Inicialmente, a A. “propôs contra” o Réu “acção de impugnação judicial ao abrigo dos artigos 67º, 69º e 70º do Regime do Registo Nacional das Pessoas Colectivas” (cf. a decisão da Instância Local reproduzida a fls. 5 e seguinte);

            - Esta Relação, confrontada com a nova acção intentada na Secção de Comércio e a problemática do eventual erro na forma de processo, veio a considerar e a concluir, nomeadamente, que devendo a impugnação judicial ser interposta no RNPC, após o que cabe resposta deste organismo e após é o processo remetido ao Tribunal competente, a autora designou correctamente a acção que pretendia intentar em juízo (em consonância com o disposto nos já supra referidos artigos 69º a 72º do RNPC) e, efectivamente, usou a forma especial prevista na lei [cf. II. 1. g), supra].

            - Ademais, a A., na primeira alegação de recurso, não deixou de referir ter seguido a tramitação legalmente prevista (aduzindo, além do mais, que a impugnação judicial deu entrada na via judicial através do Instituto dos Registos e Notariado) e veio depois a reafirmar aquela sua posição apelando à consulta dos autos… [cf., v. g., I., “conclusão 1ª” e II. 1. alínea f), supra].

            Ora, tendo esta Relação concluído pela inexistência de erro na forma de processo - única questão objecto do recurso de fls. 56/57 - afigura-se que a questão relativa à forma e/ou ao meio adjectivo utilizado/actuado ficou definitivamente decidida (art.º 620º, do CPC), razão pela qual, quanto a esta matéria, nem sequer se poderá/deverá proceder a qualquer nova indagação visando uma porventura melhor configuração da realidade.

            6. O Tribunal recorrido, partindo do pressuposto de que a A./impugnante teve conhecimento do despacho que rejeitou o recurso hierárquico em 12.8.2014, concluiu, depois, que o prazo de interposição do recurso contencioso, de 30 dias, terá terminado a 12.9.2014, prazo que assim estaria há muito esgotado quando a impugnação foi apresentada (30.10.2014).

            Também aqui se afigura incorrecto o juízo emitido pela Mm.ª Juíza a quo quanto à pretensa intempestividade da acção.

            Estando em causa a natureza e a contagem do prazo para interposição de recurso contencioso (i. é, para os tribunais comuns), apenas se poderá concluir pela aplicabilidade das normas adjectivas civis (do regime próprio do processo civil) a todo o desenrolar processual do referido recurso, mormente no tocante ao prazo de interposição e respectiva contagem, destacando-se a regra da continuidade dos prazos vertida no art.º 138º do CPC.[3]

            Decorre dos autos que a decisão do recurso hierárquico foi comunicada à A. por carta do IRN datada de 07.8.2014 e que a A. diz ter recebido a 12.8.2014; a A. alegou que a impugnação judicial foi remetida para aquele Instituto em 26.9.2014 e por ele recebida em dia 29.9.2014 [cf. I. e II. 1. a), supra]; correu, depois, o prazo para a remessa ao Tribunal previsto no art.º 70º, n.º 5, do DL n.º 129/98, de 13.5; seguiu-se a primeira decisão de indeferimento de 14.10.2014; em 30.10.2014 foi apresentada nova petição inicial no Tribunal considerado competente – a Secção de Comércio.

            Nenhuma dúvida se podendo suscitar quanto a estarmos perante uma acção prevista no Código de Processo Civil, à qual se aplica a regra da continuidade dos prazos plasmada no art.º 138º do CPC, é evidente, atento o período das férias judiciais de 16 de Julho a 31 de Agosto (cf. o art.º 28º da Lei n.º 62/2013, de 26.8) e tratando-se de um prazo judicial/processual, que a acção poderia ser intentada até 30.9.2014.

             Não se questionando que a (primeira) petição inicial foi efectivamente apresentada no IRN em data não posterior a 30.9.2014 (data em que findava o prazo para a interposição do recurso contencioso) e tendo a A. sido notificada da decisão (de 14.10.2014) que julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, absolvendo o Réu da instância, ao que tudo indica, por carta expedida em 15, 16 ou 17.10.2014 (fls. 4 e 5), presumindo-se a notificação em data não anterior a 20.10.2014 (art.º 248º, do CPC), apenas se poderá concluir pela tempestividade da presente acção, cuja (segunda) petição inicial viria a ser apresentada em 30.10.2014 [cf. fls. 48/II. 1. c) e o regime jurídico explanado em II. 4, supra, bem como o disposto no art.º 69º do DL n.º 129/98, de 13.5].

            7. Concluindo-se, pois, pela tempestividade da presente acção, queda assim prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, devendo os autos prosseguir para conhecimento de mérito [sendo porventura conveniente consultar os elementos do processo dito em II. 1. b), supra/cf. o art.º 70º do DL n.º 129/98], se a tanto outra causa não obstar.

            Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recuso.


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III. Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, prosseguindo os autos como se refere em II. 7., supra.

            Sem custas.


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26.01.2016

Fonte Ramos ( Relator)

Maria João Areias

Fernanda Ventura



[1] Considerados os documentos juntos aos autos.
[2] Sublinhado nosso, como os demais a incluir no texto.
  A respeito dos aludidos envios/remessas, diga-se, por um lado, que o Réu nada disse após ter sido citado no âmbito do primeiro recurso jurisdicional e, por outro lado, quanto ao processo n.º 788/14.1T8CBR (que correu termos pela Secção Cível da Instância Local da Comarca de Coimbra), apenas constam dos presentes autos a cópia da sentença de 14.10.2014 e da carta da sua notificação (fls. 4 a 6).
[3] Cf., entre outros, os acórdãos da RP de 29.11.2005-processo 0524015 e da RC de 06.10.2009-processo 2714/08.8TBPBL.C1, publicados no “site” da dgsi.
   Vide, ainda, nomeadamente, Carlos Lopes do Rego, Comentários ao CPC, Vol. I, 2ª edição, 2004, Almedina, pág. 151.