Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
493/07.5TASCD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RIBEIRO MARTINS
Descritores: RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
FALSIFICAÇÃO
CHEQUE
BURLA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 01/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SANTA COMBA DÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS ,40º,47º,70º,71º,256º,Nº3 E 218º DO CP ,127º 410º, 412º,428 DO CPP
Sumário: 1.De acordo com o disposto no artigo 412º,nº3 al. b) do CPP, tratando-se da especificação das provas que impõem decisão diversa da recorrida, o recorrente deverá reproduzir nas suas alegações, no discurso directo ou indirecto, as passagens dos depoimentos donde retira a sua diferente convicção. Só assim se concretizaria a exigência de especificação das “concretas provas” que impõem decisão diversa.
2.Do exame da motivação (indicação das provas que serviram para a convicção do tribunal e seu exame crítico) inserta na sentença, verifica-se que o tribunal recorrido relativamente aos factos que o recorrente entende haverem sido incorrectamente julgados, elegeu o depoimento do representante da queixosa (K), bem como o da testemunha JP em detrimento das declarações do arguido, por entender serem os que aqueles que lhe mereciam credibilidade.
3.No Tribunal da Relação analisadas as provas documentais existentes no processo à data do julgamento também ouvida integralmente a gravação dos depoimentos prestados, nada resulta que imponha a formulação dum juízo diverso.
4 O fundamento legitimador da aplicação duma pena é a prevenção na sua dupla dimensão geral e especial, desempenhando a culpa do infractor o duplo papel de pressuposto (não há pena sem culpa) e de limite máximo da pena a aplicar.
5.O art.º 40º do Código Penal assenta numa concepção ético/preventiva: ética porque a sua aplicação está condicionada e limitada pela culpa do infractor; preventiva na medida em que o fim da pena é a prevenção [geral e especial].
Decisão Texto Integral: 20

I –
1- No processo comum …/07 da comarca de Santa Comba Dão, XZ foi condenado na pena única de 230 dias de multa à taxa diária de €8 resultante do cúmulo jurídico das penas de 160 e 120 dias de multa pela prática, respectivamente, dum crime de falsificação de cheque e dum outro de burla puníveis pelos os art.ºs 256/3 e 218º do Código Penal.
Mais foi condenado a pagar à ofendida «P.. C…, L.da» a quantia de € 7.364,38 com juros de mora sobre €7000 contados da prolação da sentença até integral pagamento.
2- O arguido recorre, concluindo –
1) A decisão recorrida não ponderou os documentos contabilísticos juntos nem procedeu à valoração crítica dos depoimentos de VL, JS e das declarações do arguido.
2) Face à prova feita devem eliminar-se os seguintes segmentos factuais:
a) No ponto 2) deve eliminar-se a expressão «conhecido no mercado com o nome de “Gestideia”, dito que o mesmo deveria ser entregue nesta empresa, à qual era dirigido»;
b) No ponto 3) deve ser eliminada a expressão «tinha para com a Gest»;
c) No ponto 4) deve eliminar-se as expressões «ao invés de entregar aos legais representantes da Gest» e «tendo em as instruções que nesse sentido lhe foram dadas pelos legais representantes de tal empresa»;
d) No ponto 5) deve eliminar-se «bem como uma assinatura a imitar a assinatura de um dos legais representantes de tal empresa»;
e) Devem eliminar-se os pontos 9,10,12,13,e 14.
3) Deve adicionar-se ao provado o seguinte:
a) Em data posterior a 17/10/2007 o VL autorizou a emissão de 4 cheques no valor de 20.000, respectivamente, – cheque sobre o Banif no montante de €5.200 emitido para 5/12/2007; cheque sobre o Banif no montante de €4.820 emitido para 23/12/2007; cheque sobre o Banif no montante de €5.300 emitido para 18/1/2008; cheque sobre o Banif no montante de €4.700 emitido para 31/1/2008;
b) Foi acordado entre o V L e o arguido apor como datas de emissão as datas que deles constam;
c) Por conta do saldo da conta corrente, VL autorizou o arguido a receber por conta da Pessoa & Construções o montante devido a esta pela P.., L.da;
d) Na data de 17/10/2007 JS, contabilista da P e C enviou ao arguido um mensagem escrita “SMS” dando-lhe instruções para pedir ao A S, gerente da P.., o montante de €11.833;
e) A S recebeu também ordens expressas da P&C para entregar ao arguido o montante de €11.833;
f) O arguido recebeu o cheque no escritório de AS no dia 23/10/2007;
g) Posteriormente tal cheque foi depositado na conta pessoal do arguido em vista da posterior transferência à C…cor;
h) Esta recebeu de Xz o montante desse cheque;
i) E na conta corrente desta com a P & C levou a crédito desta a quantia de €7.000;
j) Com o recebimento dos €7.000 a assistente viu o seu saldo devedor diminuir naquele montante;
l) As facturas de fls. 221 a 227 foram recepcionadas, aceites e integradas na contabilidade da assistente em data não posterior a 2/11/2007, totalizando €49.509,82;
m) A assistente continua devedora da representada do arguido;
n) A 4/12/2007 a Ccor tinha um crédito sobre a assistente no montante de pelo menos €57.709,82;
o) Por causa dos atrasos nos pagamentos da assistente a Ccor atravessava em Outubro de 2007 um período de dificuldades financeiras;
p) Facto comunicado ao V L e por ele reconhecido;
q) O que motivou a emissão dos cheques referidos em 3.a) e do cheque de fls. 115;
r) O que aconteceu por convénio entre a assistente e o arguido para viabilizar financeiramente a continuação da actividade da Ccor.
4) Consequentemente, deve o arguido ser absolvido,
5) E julgado improcedente o pedido indemnizatório.
6) A procedência da acusação quanto à burla depende da prova que o arguido tivesse usado de meio astucioso causando erro ou engano sobre factos.
7) Ou, se assim se não entenda, deve ampliar-se a discussão de modo a apurar-se se o arguido recebeu ordem para pedir tal cheque e o entregar à assistente ou para ficar com o seu montante; ou apurar que tipo de relações justificou que o cheque fosse emitido a favor de Gest. que é pessoa distinta da P & C.
8) Não houve qualquer prejuízo patrimonial dado que o arguido fez integrar contabilisticamente o montante do cheque a crédito da assistente.
9) Os crimes de falsificação e burla exigem o dolo específico,
10) Não tendo o arguido intenção de causar qualquer prejuízo patrimonial à assistente;
11) A obrigação de indemnizar tem como pressuposto um facto ilícito criminoso.
12) Não se tendo provado os elementos típicos destes crimes também é improcedente o pedido de indemnização.
13) Mesmo que assim se não entenda a pena deve ser especialmente atenuada.
14) A sentença violou os art.ºs 127º do Código de Processo Penal, 32 da Constituição da República Portuguesa, 40,69,71, 217,218 e 256 do Código Penal.
3- Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido pelo infundado do recurso, no que foi secundado em douto parecer da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta.
4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e decidir!
II –
1- Decisão de facto inserta na sentença
a) Factos provados –
1) No dia 23 de…. de 2007 AJ, representante da empresa "P, L.da" com sede em Rua Serpa Pinto em… entregou nesta localidade ao arguido o cheque n.º 9247201407, sacado sobre a conta n.º 39255830001 do BPI, devidamente preenchido, datado de 23/10/2007, com o valor de € 7.000, emitido à ordem da "Gest".
2) Tal cheque foi entregue ao arguido tendo-lhe previamente VL –, representante da empresa "P e C Lda.", com sede no Parque Industrial de…, conhecida no mercado com o nome de "Gest" –, dito que o mesmo deveria ser entregue nesta empresa à qual era dirigido, facto este de que o arguido ficou bem ciente.
3) Tal cheque destinava-se ao pagamento de uma divida comercial que a "P, Lda." tinha para com a "Gest
4) Contudo o arguido, ao invés de entregar aos legais representantes a "Gest" tal cheque a quem o mesmo se destinava e tendo em conta as instruções que nesse sentido lhe foram dadas pelos legais representantes de tal empresa –, resolveu depositá-lo numa conta bancária de que era titular, fazendo-o seu e usufruindo do montante que o cheque titulava.
5) Com efeito, na posse de tal cheque o arguido –, em data não concretamente apurada mas situada entre os dias 17 e 23 de Outubro de 2007-, escreveu no verso do mesmo, com o seu punho, no local destinado ao "endosso" os dizeres "Gest, L.da", bem como fez uma assinatura a imitar a assinatura de um dos legais representantes de tal empresa e por baixo assinou o seu nome "Xz e escreveu "125/11" e "Xz " e depositou-o na caixa automática da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo.
6) A quantia de €7.000 foi depositada na conta de que o arguido era titular com o n.º 392558330001, da referida instituição bancária, em data não concretamente apurada mas num dos dias seguintes ao dia 23/10/2007, tendo o arguido feito sua tal quantia que despendeu em proveito próprio.
7) Tal depósito foi efectuado porquanto os funcionários da instituição bancária Caixa de Crédito Agrícola Mútuo criaram e firmaram a convicção, tendo em conta o endosso que constava no verso do cheque, designadamente os dizeres "Gest Lda." e a assinatura que constava de seguida, não só de que o arguido era legítimo possuidor e utilizador de tal cheque, bem como que os dizeres "Gest, Lda." e a assinatura que constava de seguida, apostas no verso do cheque tinham sido escritos pelos legais representantes de tal empresa.
8) E, em consequência viu-se a empresa "P e C L.da", prejudicada em, pelo menos, montante igual àquele que o cheque titulava e que correspondia ao preço da dívida que a "P L.da" tinha para consigo.
9) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito conseguido de através do engano que provocou junto da instituição bancária Caixa de Crédito Agrícola Mútuo sobre a proveniência e regularidade da emissão e endosso do cheque, bem como da sua utilização e posse, obter para si um beneficio consistente no depósito na sua conta pessoal do montante de € 7.000, que sabia ser ilegítimo, à custa do empobrecimento da empresa "P e C L.da", quantia essa que fez sua e despendeu em seu proveito.
10) O arguido assinou o cheque, designadamente no local destinado à assinatura do endossante. como se fosse seu legitimo sacador, usando-o como se fosse seu legítimo possuidor, perfeitamente ciente que o fazia no desconhecimento e contra a vontade do verdadeiro titular do mesmo a quem era destinado e bem assim de que ao agir dessa forma dava ao banco sacado uma ordem ilegítima de pagamento/depósito.
11) Tinha plena consciência que o cheque é um documento (comercial) transmissível por endosso.
12) Colocou deliberada e conscientemente em perigo, com a sua conduta, a credibilidade e confiança de que gozam os cheques na sua circulação e como meios de pagamento, credibilidade e confiança essas tuteladas pelo Estado Português - que assim se viu também lesado - com vista a garantir a estabilidade das relações económicas que se processam no seu território.
13) O arguido agiu sabendo que o referido cheque, bem como o montante que o mesmo titulava, lhe não pertenciam, actuando com o propósito de o fazer seu bem como ao respectivo montante de € 7.000 contra a vontade do legítimo proprietário do mesmo.
14) O arguido agiu em todas as circunstâncias atrás descritas livre, voluntária e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei como crimes.
15) O arguido é empresário do ramo da construção civil e sócio gerente de duas sociedades, auferindo mensalmente, € 1.010 (€ 550 por conta de cada sociedade).
16) O arguido estudou até ao 5° ano de escolaridade; é casado; tem dois filhos, um menor de idade que ainda estuda; vive em casa própria
17) O arguido é dono de um Audi A4 do ano de 2002 e dum jipe Land Rover do ano de 1998.
18) O arguido suporta mensalmente, a título de crédito pessoal, uma prestação de cerca de € 500.
19) O arguido não tem antecedentes criminais.
20) A assistente ficou privada do valor de € 7.000.
b) Factos não provados
Não se provou que a instituição bancária Caixa de Crédito Agrícola Mútuo fosse a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ….
c) Motivação
(…) No caso a convicção do Tribunal sobre a factualidade provada radicou na análise crítica e ponderada da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, globalmente considerada, de acordo com as regras da experiência comum e com o princípio da livre apreciação da prova.
Desde logo valorou o Tribunal os teores das certidões de matrículas constantes de fls. 14 a 19 e 48 a 51 quanto aos elementos identificativos da aqui assistente e da sociedade "Puroriginal, L.da", cópias dos cheques pré datados e notas de lançamento constantes de fls. 84 a 88, o teor de fls. 89 a 91, fls. 103 a 105 e 111, fls. 221 a 228, 44 e o original do cheque constante de fls. 115 –, tudo ponderado com a demais prova produzida em julgamento, concretamente com as respostas do arguido e as declarações das testemunhas inquiridas (…).
Concretamente valorou o Tribunal as declarações do arguido que no essencial admitiu que o cheque a que se reportam os autos lhe foi entregue por Y, legal representante da sociedade "P.L.da", preenchido à ordem da "Gest.", aqui assistente, por a primeira sociedade lhe (à assistente) dever valores. Admitiu, ainda, ter escrito no verso do cheque os dizeres que aí se encontram exarados, dizendo, contudo, que a assinatura aí aposta é a sua e que o mesmo não foi depositado na caixa automática do balcão do Carregal do Sal mas sim na caixa automática da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo balcão central, em Lisboa, na sua conta particular.
Negou, no entanto, que VL legal representante da assistente, lhe tivesse dito que esse cheque lhe deveria ser entregue, sustentando que este o autorizou, para pagamento de uma dívida que a assistente tinha para com a sociedade de que é legal representante – "Ccor" – a ficar com o mencionado cheque, concretamente com o montante nele inscrito (€7000). Concretizando, disse que o legal representante da assistente lhe pediu para ir buscar o cheque ao cliente, ficando com o mesmo, sublinhando ser credor, naquela data, da assistente e que foi esse crédito que motivou que o legal representante da assistente lhe tivesse dito para ficar com o valor do cheque, valor que descontou na conta-corrente que mantém com a assistente, sustentando que a sua empresa ainda é actualmente credora da assistente num montante compreendido entre os € 43.000 e os € 45.000.
Sucede, porém, que a versão sufragada pelo arguido, em face da demais prova produzida, ponderada de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, não mereceu acolhimento. Senão vejamos.
Importa salientar que Y, o legal representante da sociedade "P L.da", que depôs de forma séria e que nos mereceu credibilidade, confirmando ter entregue o cheque a que se reportam os autos ao aqui arguido, nessa data já tendo conhecimento da existência da sociedade "Ccor", da qual é o arguido sócio gerente, explicou que o legal representante da assistente lhe disse que, para pagamento dos serviços que lhe deviam (à assistente), deveria entregar um cheque ao aqui arguido. Que na data em que emitiu o cheque, assinando-o, apondo a quantia de €7.000 e a indicação do portador ("Gest"), o montante nele inscrito se destinava à "Gest", por ter sido com esta que contratou a realização de remodelação de obras na sua loja, tendo-o entregue com a finalidade do arguido o transportar e entregar à assistente.
Por outro lado, JS, contabilística da assistente e que depôs de forma que nos mereceu credibilidade, afirmou ter enviado uma mensagem ao arguido, datada de 17/10/2007, cujo teor se encontra junta aos autos a fls. 91. Explicando o seu teor disse que a assistente tinha de receber do cliente (“P Lda.") o valor de €11.833 correspondente à factura constante de fls. 111, mas que o mesmo só pagou daquele montante, € 7.000 (por as obras, segundo disse a testemunha, ainda não estarem àquela data finalizadas) e que como era o arguido que se encontrava junto do cliente lhe foi pedido o favor de transportar o cheque e posterior entrega á assistente.
K, sócio gerente da assistente, que depôs de forma isenta e credível, também afirmou ter pedido ao arguido para que recebesse o cheque a que se reportam os autos, não o tendo, contudo, autorizado a ficar com o mesmo, concretamente com o valor nele inscrito. Explicando disse que o arguido estava autorizado a receber tal cheque por ser da sua confiança e porque "estava sempre nas obras". Confrontado com a mensagem que JS enviou ao arguido, reproduzida a fls. 91, disse que o mesmo, contabilista da assistente, informou o arguido do dinheiro que deveria pedir ao cliente, e que posteriormente lhe (à assistente) teria de ser entregue, sublinhando que o arguido não podia ter pensado que o dinheiro era para ele pois que "nunca esteve em cima da mesa que o cheque era para ele".
Ademais, a testemunha VM, cunhado e sócio da sociedade "Ccor", depondo, no essencial, de forma credível, confirmou a existência de relações comerciais entre a assistente e a sociedade de que também é sócio e disse que quem era, à data dos factos, devedor era a assistente. Relativamente ao cheque a que se reportam os autos disse, num primeiro momento e de forma peremptória, que o arguido o recebeu do cliente e que esse cheque "era para entregar na Pessoas", aqui assistente, e "depois era para nos pagar", para posteriormente vir a afirmar, ainda que não tivesse logrado convencer o Tribunal, que o cheque em causa era para o arguido, achando que o legal representante da assistente consentiu o arguido a ficar com o cheque.
Assim, e em face destes depoimentos, todos coerentes entre si e no sentido da inexistência da autorização dada ao arguido para que ficasse com o cheque cujo original consta de fls. 115 (desde logo porque tanto quem o emitiu – a testemunha Y - como o legal representante da assistente e seu contabilística negaram que assim tivesse sucedido), não restam quaisquer dúvidas a este Tribunal que, diferentemente do sustentado pelo arguido, não obteve o mesmo qualquer consentimento para ficar com o cheque que lhe foi entregue pela empresa P.. Lda.
Note-se, ainda, que para além do teor de tais depoimentos, outros elementos objectivos existem nos autos que, ponderados com tais depoimentos, impõem a conclusão de que o arguido não obteve da assistente o alegado consentimento para ficar com o cheque e fazer seu o montante nele inscrito.
Na verdade, basta atentar no teor do original do cheque de fls. 115, que foi emitido pela testemunha Y, como por ela afirmado e corroborado pelo arguido, para se verificar que o mesmo se encontra à ordem da "Gest", aqui assistente.
Assim, e se efectivamente tivesse o aqui arguido obtido autorização da assistente para ficar com tal cheque e desse facto tivesse Y conhecimento, mal se compreenderia que o emitente do mesmo, tendo conhecimento de tal facto (que, segundo disse não tinha), tivesse exarado no espaço dedicado à indicação do portador a designação da assistente, pois que poderia, desde logo, incluir o nome do arguido ou mesmo deixá-lo em branco, o que não sucedeu.
Mais se extrai da análise do verso de tal cheque que o arguido, como o próprio o afirmou, escreveu, assim o endossando, a designação da assistente, apondo uma assinatura e, após, colocou o seu nome.
Uma vez mais, se tivesse o arguido obtido autorização da assistente para ficar com tal cheque e Y dessa circunstância tivesse conhecimento, admite-se como possível que este tivesse optado por colocar, no espaço dedicado ao portador, o nome da assistente – por ser a esta que devia o valor aí inscrito e dessa forma procurando uma comprovação de tal pagamento –, como fez. Acontece, porém, que nesta hipótese, deveria o arguido, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, ter entregue tal cheque à assistente, assim permitindo que fosse a mesma, como legalmente se impunha, a endossar tal cheque, o que o arguido não fez e o que obsta, uma vez mais, a que se entenda pela existência de tal autorização.
Note-se que, sendo o arguido empresário de profissão e, por essa razão, conhecedor das lides e usos bancários, não merece qualquer provimento o argumento que usou para explicar o seu comportamento – dizendo que como tinha autorização poderia “endossá-lo" – sustentando que só teria entregue o cheque à assistente se o seu legal representante lhe tivesse dito que teria de o depositar na sua conta e depois seria o valor nele titulado transferido para a sua.
No que ao endosso tange, negou o arguido que a assinatura aí aposta corresponda à imitação da assinatura do legal representante da assistente. Neste particular assume particular relevância a circunstância do arguido ter aposto tal assinatura/rubrica logo após os dizeres "Gest, Lda." e antes da indicação do seu nome completo. Na verdade, ao intercalar tal rubrica entre os dizeres "Gest Lda." e o seu nome completo, ficou o Tribunal convencido que o desiderato pelo arguido pretendido consistia em fazer com que os funcionários da instituição bancária em causa, ao aperceberem-se da sua existência, a tomassem como "boa", ou seja, considerassem que a mesma pertencia ao legal representante da assistente, o que efectivamente aconteceu. Tal rubrica/assinatura, considerando o específico local onde foi desenhada, foi susceptível de fazer crer, junto dos funcionários da instituição bancária em causa, que a mesma pertencia ao endossante, quando na realidade não fazia.
No mais, e se é certo que resulta dos autos que no dia 17/10/2007 a aqui testemunha J S remeteu ao arguido uma mensagem a dizer ao arguido que “o Y não atendeu o telefone, mas deve pedir-lhe €11833 (vide fls. 89 a 91), o valor correspondente à factura que faz fls. 111 dos autos, a verdade é que o teor de tal mensagem não tem a virtualidade de, só por si, fazer crer mais do que lá consta, concretamente de que o arguido estava autorizado a ficar com o valor que lhe seria entregue pelo cliente, pois que da mesma apenas resulta, com segurança, que o arguido deveria pedir ao cliente a entrega do aludido valor, tanto mais que como acima mencionado, o remetente de tal mensagem negou que o arguido tivesse obtido autorização para ficar com o cheque, o que foi corroborado pelos demais depoimentos acima indicados.
Ademais, como resulta de fls. 20, a assistente, por carta datada de 2 de Novembro de 2007, solicitou à empresa de que o arguido é sócio gerente ("Ccor") a entrega do cheque a que se reportam os autos, o que denota que a mesma não autorizou o arguido a ficar com o mesmo, fazendo seu o montante nele inscrito.
Acresce que, como resulta de fls. 44, o mencionado cheque – com o n.º 9247201407 – foi depositado numa conta particular pertencente ao aqui arguido, conta essa sedeada no balcão de … da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo … e já não na conta da sociedade da qual é sócio gerente, onde seria de esperar que o depósito tivesse ocorrido (pois que, segundo alega, era tal sociedade que era credora da assistente e não propriamente o arguido).
Note-se que o facto de se ter apurado que o cheque foi depositado na indicada conta, sedeada no balcão do …, não tem a virtualidade de infirmar que o seu depósito inicial tenha ocorrido, como pelo arguido sustentado, na caixa automática da Caixa Central em Lisboa, pois que quando tal ocorre o destino, natural, de tais depósitos é o balcão onde o depositante tem a conta sedeada, no caso em ….
Procurou ainda o aqui arguido demonstrar, como se depreende do acima explanado, que a alegada autorização dada pelo assistente para ficar com o cheque se reportava ao facto do mesmo, ou melhor a sua sociedade, ser credora da aqui assistente.
Todavia, pelas razões infra expostas, não logrou o arguido demonstrar que assim sucedesse, antes se tendo apurado ser controversa a existência desse crédito.
Assim, tendo presente que a testemunha Y disse ter emitido o cheque cujo original se encontra a fls. 115, preenchendo-o, a verdade é que o mesmo, não afirmando que o mesmo tivesse emitido no dia aí aposto (23/10/2007), disse pensar que o terá sido nessa data.
Ora, ponderando o teor do depoimento da indicada testemunha com o teor do cheque, não teve o Tribunal dúvidas em considerar que o cheque em causa foi emitido no dia aí exarado, concretamente 23/10/2007, data em que o entregou ao arguido, bastando atentar, para tanto, no facto da tinta usada com os dizeres "G", "Sete mil euros", "7,000,00" e "Loures" ser igual á da usada nos dizeres "23/10/2007", além da letra ser idêntica.
De modo que, considerando tal factualidade, aliada ao depoimento da testemunha Y, que admitiu como possível ter emitido o cheque nesse dia, não teve o Tribunal dúvidas em considerar que a data da sua emissão foi o dia acima mencionado, logo em momento posterior ao do envio da aludida mensagem (17/10/2007 - vide fls. 89),
Mais delicada é, contudo, a data da emissão dos cheques pré-datados, emitidos pela assistente a favor da sociedade do aqui arguido, cujas fotocópias se encontram juntas a fls. 84, todos eles pré-datados para datas posteriores a 23/10/2007, concretamente 05/12/2007, no valor de € 5,200,00; 23/12/2007, no valor de € 4,800,00: 31/01/2008, no valor de € 4.700,00 e 18/01/2008, no valor de € 5.300,00.
Tais cheques foram acompanhados das notas de lançamento, emitidas pela aqui assistente, todas datadas de 22/10/2007, conforme atestam os documentos de fls. 85 a 88, pelo que, e em face de tais elementos, ficou este Tribunal convencido que os mesmos já se encontravam preenchidos no dia 22/10/2007 (as datas exaradas nas notas de lançamentos que os acompanhavam), ou seja, antes da entrega ao aqui arguido do cheque a que se reportam os autos.
No mais, o Tribunal desconhece, em absoluto, as datas em que tais cheques foram entregues ao arguido, sendo irrelevante que o tenham sido directamente na sua pessoa ou na pessoa de um seu funcionário, concretamente à testemunha RR, como por esta afirmado.
Com efeito, pese embora a testemunha RR funcionário da sociedade de que o arguido é sócio gerente, tenha dito que no dia 24/10/2007 levou das instalações da assistente um envelope que veio posteriormente a constatar, já no escritório onde trabalha, conter no seu interior cheques, em número que não concretizou mas que disse ser superior a um. A verdade é que o Tribunal não relevou, nesta parte, o teor do seu depoimento, por o mesmo se ter demonstrado parcial e, em face das regras da lógica e experiência comum, inconsistente.
Na verdade, importa não olvidar que a indicada testemunha disse que se costumava deslocar às instalações da assistente e que sabia que a data em que foi buscar o sobredito envelope foi o dia 24 por ter verificado tal facto junto das folhas de horas, sustentando que ficou nas instalações da assistente cerca de 2h30m e que, por tal razão, teve de justificar o tempo.
Sucede, porém que, como se disse, esta versão não nos mereceu credibilidade, desde logo porque VV, sócio da "Ccor", quando inquirido, confirmando a existência de folhas de horas naquela empresa, disse que quando um funcionário se ausenta e sabe para onde vai não regista tal facto nas folhas de horas, podendo contudo exará-lo nos seus apontamentos pessoais.
Assim, e como é bom de ver, mesmo que a testemunha RR tivesse ido buscar tal envelope tê-lo-ia feito em cumprimento de uma ordem para tanto, assim estando justificado o tempo que aí estivesse e sem que tivesse necessidade de registar tal ocorrência nas folhas de horas. Deste modo, considerou o Tribunal que a razão de ciência apontada pela testemunha para concretizar o dia 24/10/2007 não mereceu qualquer credibilidade e, por tal razão, ficou por esclarecer a data das suas entregas à sociedade do arguido, apenas se tendo apurado a data das suas emissões, 22/10/2007 (anteriores à data da emissão do cheque a que se reportam os autos (23/10/2007).
Por outro lado, analisado o extracto de contas de fls. 103 e 104, emitido pela assistente e que retrata a sua conta corrente com a sociedade do aqui arguido e que engloba o período a que se reportam os presentes autos, verifica-se que os cheques pré-datados acima indicados foram contabilizados, tendo sido pagos, como aliás também o afirmou o aqui arguido, sendo a mesma credora, a favor da assistente, no valor de € 4.833,78.
Já do extracto de conta corrente emitido pela sociedade do aqui arguido à aqui assistente, constante de fls. 228, que também se reporta ao período aqui em análise, resulta terem sido ponderadas as facturas juntas a fls. 221 a 227 que não foram consideradas pela assistente e que não se encontram incluídas no extracto de conta corrente de fls. 103 e 104 que, por tal razão, atribui um saldo credor, no valor de € 37.659,82 a favor da sociedade do aqui arguido.
Ora, do que acima se explanou é fácil intuir que foram trazidas aos autos, relativamente ao saldo contabilístico das relações comerciais desenvolvidas entre a sociedade do arguido e a assistente, duas versões contraditórias.
Sublinha-se que, relativamente às facturas apresentadas pelo arguido e constantes de fls. 221 a 226 e que, na sua versão, sustentam a existência de um saldo credor para a sociedade "Ccor", a testemunha JS, precisamente contabilística da assistente, depôs por forma a afirmar que todas elas foram levadas à sua contabilidade mas que apenas lhes foram entregues após a junção aos autos do extracto de fls. 103 e 104, mas que as mesmas não foram pagas porque, na perspectiva da assistente, não são devidas, por não corresponderem a serviços prestados, não tendo, porém e até ao presente, reclamado especificada mente de qualquer uma das aludidas facturas: o que, no essencial, foi corroborado pela testemunha K, legal representante da assistente, que afirmou que tais facturas foram recepcionadas em Novembro de 2007 e que não as rejeitou por ainda se encontrarem a avaliá-las.
Ponderando a circunstância da testemunha K, legal representante da assistente, ter dito que ainda se encontram a "avaliar" a situação que se prende com as facturas de fls. 221 a 226, a incontornável verdade é que a assistente, como resultou da prova produzida, das mesmas ainda não reclamou especificadamente, não obstante a testemunha JS ter dito que as facturas de fls. 221 a 226 se reportam a serviços não prestados pela assistente.
Assim, e como é bom de ver, não tendo o arguido demonstrado a inequívoca existência do crédito que se arroga, a verdade é que o mesmo, em face das facturas constantes de fls. 221 a 226, que não foram reclamadas pela assistente, logrou demonstrar que o mesmo se afigura controverso, ou seja, não se provou a sua inexistência.
E a natureza controversa de tal crédito ainda se adensa quando se pondera que se o mesmo existisse, ou fosse pacífico, não teria a assistente, seguramente, autorizado o arguido a transportá-lo.
De modo que, e se é certo que não se demonstrou, como se disse, que a sociedade do arguido era credora da assistente, pois o que se apurou foi a natureza controversa do saldo credor favorável à sociedade do arguido, impõe-­se sopesar, em face do principio do in dubio pro reo, a eventual existência de tal crédito para, dessa forma, se aquilatar da eventual existência do prejuízo patrimonial da assistente.
Para tanto importa densificar o conceito de património, debatendo-se na literatura três teses fundamentais, a saber (…)
A boa solução da questão em apreciação impõe se recorde que, diferentemente do sufragado pelo arguido, se logrou apurar que este não obteve consentimento do legal representante da assistente para ficar com o cheque a que se reportam os autos e, dessa forma, fazer seu o montante nele inscrito (€7.000).
Vejamos agora se, admitindo-se a existência de um crédito da sua sociedade, o arguido, ao fazer seu o montante titulado no cheque – € 7000 – do qual se apoderou sem autorização do legal representante da assistente, mediante a elaboração de um endosso, pelo seu próprio punho, valor esse que posteriormente veio a descontar do saldo da sua conta corrente com a assistente, como resulta do extracto de conta corrente que juntou, causou, ao não entregar tal cheque, prejuízo patrimonial à assistente, desde já se adiantando que a resposta não poderá deixar de ser afirmativa.
Com efeito, considerando que se apurou que o cheque em causa foi entregue ao arguido com vista a que este o entregasse à assistente, não tendo obtido consentimento para ficar com o montante nele inscrito, e tendo por referência o conceito jurídico/individual objectivo, segundo o qual existe prejuízo patrimonial (…) a conclusão que se impõe retirar é a de que, não fora a intervenção do arguido, que se apoderou do cheque e, posteriormente, do montante nele titulado, a assistente teria aumentado o seu activo no valor correspondente ao do cheque, ou seja, em € 7.000, o que, em virtude da actuação do arguido não sucedeu.
Assim, com a não entrega do cheque e subsequente depósito na contabilidade da assistente do montante nele inscrito, sofreu a mesma uma diminuição no seu activo no valor de €7.000, sendo, nesta perspectiva, indiferente, para efeitos de determinação do prejuízo da assistente, que o arguido tivesse abatido tal valor à dívida que a ela para com ele tinha.
De outro prisma, na medida em que o arguido se apoderou de tal cheque e montante nele inscrito de forma não consentida pela assistente, dele se apoderando, então, e mesmo que a sociedade "Carvidecor", de que é sócio ­gerente, fosse credora da assistente, como por si sustentado, por o arguido se ter apoderado de tal cheque de forma que o nosso direito penal desaprova, constata-se a existência de um enriquecimento ilegítimo, por ilegítimo o modo como obteve o cheque e o dinheiro nele titulado.
Note-se que, a sufragar diferente entendimento, sempre se estaria a dar cobertura a situações não tuteladas penalmente, maxime, que um eventual credor, para satisfação do seu crédito, o satisfizesse, pelas suas próprias mãos e sem a necessidade de intervenção dos legais mecanismos judiciais, o que o nosso direito penai censura.
A prova relativa à actual situação sócio profissional do arguido teve por base as suas declarações, e a ausência de antecedentes criminais teve por base o CRC de fls. 194.
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2- Apreciação –
O recorrente discorda da decisão de facto procurando que este tribunal acolha a sua versão dos acontecimentos, em detrimento da versão da queixosa que mereceu a credibilidade do tribunal recorrido.
Consequentemente pretende, além do mais, que sejam eliminados do provado os factos enunciados sob os n.ºs 9, 10, 12, 13, 14; se proceda a diferente redacção dos n.ºs 2, 3, 4, 5 do mesmo elenco e se aditem outros factos a este.
Para a circunstância de não ser absolvido, pretende uma redução nas penas e a suspensão da sua execução.
2.1- Para a credibilização da sua versão, o recorrente indica, para além dos escritos que juntou relativos à conta corrente da Ccor com a queixosa, as suas próprias declarações em detrimento dos depoimentos de K e JS.
Quanto aos depoimentos fê-lo por remissão para os suportes magnéticos, o que a nosso ver não cumpre cabalmente a estatuição do segmento final do n.º4 do art.º 412º do Código de Processo Penal Serão deste diploma todos os preceitos cuja origem se não indique. onde se dispõe que o impugnante da decisão de facto tem de especificar as concretas provas que imponham decisão diversa indicando «concretamente as passagens em que se funda a impugnação».
A nosso ver tratando-se da especificação das provas que impõem diferente decisão, isso significa que o recorrente deveria reproduzir nas suas alegações, no discurso directo ou indirecto, as passagens dos depoimentos donde retira a sua diferente convicção. Só assim se concretizaria a exigência de especificação das “concretas provas” que impõem decisão diversa.
O recorrente pode ter diverso entendimento da citada disposição legal, entendendo que a sua exigência se satisfaz do modo como o fez.
Admitindo-se a divergência a seu favor e porque o desiderato é, afinal, o de indagar da justeza da sua pretensão, apesar da pecha procederemos ao exame integral das provas que o tribunal recorrido teve ao seu dispor.
A este propósito diga-se que não há que atentar nos escritos juntos na fase de recurso, que constam de fls. 309 a 327. O art.º 165 do Código de Processo Penal não permite tal tardia junção ao estatuir que a prova documental deve ser junta até ao momento do encerramento da audiência em 1ª instância.
Esta imposição justifica-se pois o objecto do recurso é a decisão recorrida e não a questão sobre a qual aquela incidiu.
Assim, importa apenas comparar a decisão recorrida com os elementos probatórios de que o juiz dispôs e não com quaisquer outros documentos com junção extemporânea.
2.2- O recurso da decisão de facto é remédio a aplicar a pontos mal julgados com incidência na decisão da causa, ou porque não assentam em qualquer prova ou porque os existentes a contrariam ou porque se violaram regras legais na sua aquisição. Ou seja, quando se suscitem sérias dúvidas quanto à correcção da decisão à luz da prova produzida e cuja alteração tenha incidência na decisão de direito, pois o recurso não é um meio de simples refinamento da sentença sem qualquer incidência no seu dispositivo.
O Código de Processo Penal estatui que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador [art.º 127º]. Esta convicção sendo pessoal é motivada em elementos que a tornem credível.
Por isso se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, isso significa que o julgamento da matéria de facto não merece censura.
Em processo penal a reconstituição do acontecimento histórico imputado ao arguido está dependente da prova produzida em audiência pública sob o signo da investigação oficiosa, da verdade material e do juízo valorativo do julgador sobre a mesma.
A prova é submetida ao crivo do contraditório sob a égide da oralidade e da imediação e demais regras processuais que asseguram as garantias de defesa ao arguido.
O seu valor enquanto elemento reconstituinte dos factos depende decisivamente da sua credibilidade. Daqui dizer-se que a prova necessária para a convicção do julgador não resida tanto na quantidade como na qualidade dos meios de prova produzidos.
A credibilidade da prova por declarações depende essencialmente da personalidade, do carácter e da probidade moral de quem as presta, sendo certo que tais características não são em princípio apreensíveis por quem não esteve no julgamento apenas pelo exame das peças processuais onde as declarações se encontram documentadas; antes pelo contacto pessoal e directo com as pessoas. Esta a razão porque o tribunal de recurso adopte, salvo casos de excepção, o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.
A apreciação da prova processa-se segundo as regras da experiência e a livre convicção Excepção feita à prova vinculada ou tarifada., a significar que a prova deve ser analisada através da formulação de juízos assentes no bom senso, na experiên­cia de vida; i é, em juízos temperados pela capacidade crítica, o distanciamento e a ponderação adquiri­dos pela experiência.
2.3- No caso dos autos a essência da questão centra-se em saber se houve ou não prévio acordo entre o arguido e o legal representante da queixosa no sentido daquele ficar com o cheque para pagamento do que lhe era devido.
Do exame da motivação (indicação das provas que serviram para a convicção do tribunal e seu exame crítico) inserta na sentença verifica-se que o tribunal recorrido relativamente aos factos que o recorrente entende haverem sido incorrectamente julgados, elegeu o depoimento do representante da queixosa (K) bem como o da testemunha JP em detrimento das declarações do arguido, por entender serem os que aqueles que lhe mereciam credibilidade. E fê-lo apresentando uma motivação credenciadora de tal decisão.
Por nós analisadas as provas documentais existentes no processo à data do julgamento e por nós também ouvida integralmente a gravação dos depoimentos prestados, nada resulta que imponha a formulação dum juízo diverso.
A prova na base da qual o tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos nucleares objecto do processo justifica a decisão assumida, que perfilhamos pois dúvidas não temos que o arguido se apropriou do cheque contra a vontade da queixosa a quem se destinava, para o que lhe apôs o falso endosso dele constante.
De resto nem é conforme com as regras da experiência que se o arguido tivesse autorização da queixosa para ficar com o cheque tivesse necessidade de lhe falsificar o endosso. Bastava pedir-lho, sem necessidade de perigosas falsificações.
As observações que o recorrente faz por o cheque ter sido passado a favor de «Gest» e aos termos da falsificação do endosso são secundárias (i, é, se a rubrica aposta no verso do cheque é ou não é uma perfeita imitação da usada por K) pois não têm a virtualidade de alterarem o sentido da decisão de direito.
Se é facto adquirido que o cheque foi emitido à ordem de «Gest» sem mais indicações e se tal expressão não tem correspondência ao nome da queixosa (ou de qualquer outra sociedade), isto não confere relevo à tese do recorrente nem justifica qualquer alteração na decisão de facto por ser inquestionável que o cheque foi emitido a favor da queixosa As alterações que importam são aquelas que tiverem relevo para a diferente decisão de direito, já que o recurso não constitui um modo de refinamento das decisões judiciais mas meio de anulação, revogação ou alteração de decisões erradas com incidência jurídica na esfera pessoal ou patrimonial dos visados, no caso do arguido. , e por todos assim foi entendido.
Tal como a imprecisão da expressão constante do n.º 5) do provado, a saber, «como fez uma assinatura a imitar a assinatura de um dos sócios dos legais representantes de tal empresa». A rubrica ilegível aposta no verso do cheque pode não ser uma clara imitação de rubrica ou da assinatura do representante da queixosa (K), mas é seguramente uma rubrica feita pelo arguido para fazer crer no Banco onde depositou o cheque tratar-se de rubrica de representante da queixosa. E obteve tal logro.
Mas por se tratar dum facto essencial da havida falsificação, altera-se a redacção desse ponto 5) para o seguinte: «Com efeito, na posse de tal cheque o arguido –, em data não concretamente apurada mas situada entre os dias 17 e 23 de Outubro de 2007-, escreveu no verso do mesmo, com o seu punho, no local destinado ao "endosso" os dizeres "Gestideia, L.da", bem como fez uma rubrica com o propósito conseguido de convencer os empregados do Banco tratar-se de rubrica ou assinatura de representante da sociedade queixosa e por baixo assinou o seu nome "XZ e escreveu "125/11" e "Xz" e depositou-o na caixa automática da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo».
Esta alteração na sua redacção decorre da circunstância do depoente Y não ter referido, (pois parece que também lho não foi perguntado…) se tal “rubrica” seria uma clara imitação da sua assinatura ou rubrica. Contudo, a finalidade com que o arguido a fez é apodíctica.
2.4- Os factos provados preenchem todos os elementos dos tipos de crime por que o arguido foi condenado.
A aposição no dorso do cheque dum falso endosso permitiu ao arguido ludibriar os funcionários do Banco onde o depositou, fazendo que estes lho creditassem em conta sua.
Deste modo obteve um benefício patrimonial correspondente ao valor do cheque, com igual prejuízo para a queixosa.
O dolo específico dos crimes emana do provado sob o n.º9, pelo que carece de sentido dizer-se que este não ficou provado.
2.5- Quanto às penas, em breve exórdio diremos que o fundamento legitimador da aplicação duma pena é a prevenção na sua dupla dimensão geral e especial, desempenhando a culpa do infractor o duplo papel de pressuposto (não há pena sem culpa) e de limite máximo da pena a aplicar (cfr. art.º 40º/2 do Código Penal).
O art.º 40º do Código Penal assenta numa concepção ético/preventiva: ética porque a sua aplicação está condicionada e limitada pela culpa do infractor; preventiva na medida em que o fim da pena é a prevenção [geral e especial].
O fim do direito penal é a protecção dos bens jurídico/penais. A pena é o meio de realização dessa tutela. Haverá assim que estabelecer uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes.
Quanto à prevenção geral, pela medida da pena faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem tutelado e ao revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela estatal dos bens jurídicos fundamentais à vida colectiva e individual. Por ela cumpre-se também a prevenção geral negativa de dissuasão.
Quanto à prevenção especial, pretende-se obter a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa). Nos casos de infractores ocasionais, como pensamos ser o caso em apreço, a medida da pena tem na prevenção especial o sentido único de dissuasão.
A prevenção especial não é um valor absoluto já que duplamente limitado pela culpa e pela prevenção geral. Pela culpa pois o limite máximo da pena não pode ser superior à medida da culpa. Pela prevenção geral que dita o limite mínimo correspondente à garantia da manutenção da confiança da comunidade na efectiva tutela dos bens jurídicos e dissuasão dos eventuais prevaricadores.
Para além do referido, há que ter em conta o que se dispõe no art.º 71º/2 do Código Penal, onde se estatui que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuserem a favor do agente ou contra ele.
Face ao dito e às considerações insertas na sentença sobre a medida das penas cremos que as mesmas se encontram suficientemente justificadas, tendo-se o tribunal quedado próximo dos limites mínimos das penas de multa aplicáveis.
Como se referiu em acórdão do STJ de 23/9/96 (BMJ 406/411) “ As expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, elemento dissuasor não passará duma mera miragem quando a medida concreta da pena não possuir o vigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando-se o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à da culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício”.
De resto, também como se referiu noutro acórdão do mesmo tribunal (CJ/STJ 2004, 1, 220) “Observados os critérios legais de dosimetria concreta da pena, nomeadamente os do art.º 71º do Código Penal, há uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar. Assim, só em caso de manifesto desequilíbrio das penas se entende a intervenção do tribunal de recurso”.
tNão há razões que justifiquem a pretendida atenuação especial das penas, tanto que o arguido não confessou os factos que o incriminam, não reparou os danos que causou, nem revelou qualquer arrependimento. Antes, procurou fazer embarcar o tribunal numa versão dos factos que não mereceu a credibilidade deste.
E tendo sido condenado em simples penas de multa é um despropósito apelar à suspensão da execução da pena.
Em suma, temos assim por ajustadas as penas aplicadas e equilibrado o cúmulo efectuado.
2.6- Quanto à indemnização ela é devida por tudo o que fica dito, estando presentes todos os pressupostos de que depende o seu arbitramento, a saber, o facto ilícito culposo, o prejuízo para a demandante, o nexo causal e o nexo de imputação.
III –
Decisão –
Termos em que se decide alterar o ponto 5) do provado para os termos que em se deixaram referidos em II/2.3). No mais mantém-se o decidido.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 3,5 UCs
Coimbra,