Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2/07.6GCVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Data do Acordão: 05/08/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 358.º, 359.º E 379.º, N.º 1, ALÍNEA B), DO CPP
Sumário: Se o tribunal, na sentença, enuncia os factos narrados na acusação por outras palavras, ou confere maior ou menor pormenor ao relato apenas para apreciar os termos da acção, mas sem acrescentar nada de novo à descrição da acção típica relevante, não ocorre alteração substancial ou não substancial da matéria de facto constante no libelo acusatório.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

No 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Viseu, o Ministério Público requereu o julgamento em processo comum singular, do arguido A..., divorciado, filho de (...) e de (...), natural da freguesia de (...), concelho de Oliveira de Azeméis, nascido a 4 de Março de 1961, soldador, residente na Rua (...), Amadora a quem imputava a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), do C. Penal.

Por sentença de 2008-10-28 foi o arguido condenado pela prática do imputado crime, na pena de nove meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de um ano e na pena acessória de doze meses de proibição de conduzir veículos com motor.

*

Inconformado com a decisão, dela recorre o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

                “ (…).

1. O recorrente A..., nos termos da sentença recorrida foi condenado como autor material de um crime de condução em estado de embriaguez previsto e punido pelo artº 292º, n° 1, do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão, pena essa suspensa na sua execução pelo período de um ano, nos termos do art.º 50° n°s 1 e 5, do C. Penal.

2. E de acordo com o disposto no art.º 69° n.º 1 alínea a) do Código Penal foi ainda condenado na pena acessória de proibição de condução de quaisquer veículos motorizados pelo período de 12 (doze) meses.

3. O arguido/recorrente com todo o devido respeito pela douta sentença, pelo Meritíssimo Juiz que a proferiu, que é muito, entende que não se verificam os requisitos objectivos e subjectivos da prática de tal crime, sendo insuficiente a prova efectuada para dar como provado a matéria de facto constante da douta sentença proferida, havendo erro de julgamento na apreciação da prova produzida.

4. O recorrente pretende a revogação da douta sentença proferida, recorrendo de facto e de direito.

5. Conforme consta da acusação pública e com relevo para o presente recurso, refere-se apenas que o arguido “No dia 01 de Janeiro de 2007, pelas 15h 03m, na Av. da Igreja, em Abraveses, área desta Comarca, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula (...), com uma taxa de álcool no sangue no valor de 3,26 g/l, em consequência de ingestão de bebidas alcoólicas.

“O arguido agiu de forma voluntária, livre, e consciente, sabendo que conduzia o veículo, na via pública, sob influência do álcool, que a sua conduta era proibida e punida por lei e que incorria em responsabilidade criminal. ”

“O arguido A... cometeu em autoria material, concurso efectivo, e na forma consumada:

- Um crime de condução de veículos em estado de embriaguez, p. e p. nos termos dos art°s 292º, n.º 1, com referência ao art.° 69, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal... ”

6. Da sentença proferida, consta que, após instrução e discussão da causa, provado os seguinte factos: “a) No dia 1 de Janeiro de 2007, cerca das 14.30 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, serviço particular, de matrícula (...), de que é proprietário, pela Avenida da Igreja, Abraveses, Viseu, via aberta à circulação pública de trânsito rodoviário, da área deste concelho e comarca de Viseu, tendo sido fiscalizado, já que ao sair do veículo em que circulava e após estacionar e ter entrado num restaurante denotar sinais de manifesta embriaguez, elementos da G.N.R.-G.I.P.S. de Viseu, em missão de fiscalização;               

b) Foi então o arguido submetido ao “teste do balão” (SD-2), que se revelou uma concentração de álcool no sangue em valor superior ao legalmente permitido;               

c) Na sequência dessa fiscalização, pelas 15:03 horas o arguido submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, através do aparelho “DRAGER”, modelo 7110 MKII P, n° ARPN-0067, aprovado pelo I.P.Q. e autorizado pela D.G.V., tendo acusado uma taxa de álcool no sangue (T.A.S.) de 3,26 gramas por litro;               

d) O arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue (T.A.S.) de, pelo menos 2,77 gramas por litro, correspondente à T.A.S. de 3,26 gramas por litro registada, deduzido o valor do erro máximo admissível correspondente ao aparelho “DRAGER”, modelo 7110 MKIII P, n.º ARPN-0067, aprovado pelo I.P.Q. e autorizado pela D.G.V.;         

e) Havia ingerido bebidas alcoólicas, antes de iniciar a condução automóvel;

f) O arguido sabia que a quantidade de bebidas alcoólicas que havia ingerido nesse dia, até momentos antes do exercício da condição do referido veículo, lhe determinava necessariamente uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l e, não obstante, não se absteve de conduzir o referido veículo naquele estado;        

g) O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que não lhe era permitida - antes lhe era vedada por lei - a condução de veículos automóveis sob a influencia do álcool e, bem assim, que a sua conduta era proibida e punida por Lei;

h) O arguido confessou espontaneamente os factos;       

i) Disse-se envergonhado e arrependido;        

j) Tem os antecedentes criminais que constam do seu C.R.C., junto a fls. 79 a 81;”

7. Em face desta matéria de facto considerou o Meritíssimo Juiz não existirem quaisquer dúvidas quanto à prática pelo recorrente p.e p. pelo art.° 292° n.º 1 do C. Penal.

8. Dando-se por reproduzida, por uma questão de economia processual, a fundamentação de facto e de direito proferida pelo Meritíssimo Juiz e respectiva apreciação critica da prova produzida em audiência de julgamento, bem como a fixação da medida da pena.

9. Entende o recorrente, pese embora as doutas considerações de facto e de direito, plasmadas na sentença recorrida, que o mesmo foi indevidamente condenado pela prática de tal crime, havendo nulidade da sentença nos termos do art.° 379° n.º 1 alínea b), do C. P. Penal, que se arguiu nos termos do n° 2 do mesmo artigo.

10. Conforme resulta da matéria de facto descrita na acusação pública mencionada na conclusão n° 5 e dada como assente na douta sentença recorrida, referida na conclusão n° 6, o Meritíssimo Juiz condenou o arguido por factos diversos da acusação, fora dos casos previstos no art.° 358° do C. P. Penal.

11. Considerou, pois, o Meritíssimo Juiz que o arguido conduzia o seu veículo automóvel pela Avenida da Igreja, Abraveses, Viseu, via aberta à circulação pública de trânsito rodoviário, tendo sido fiscalizado já que ao sair do veículo em que circulava e após estacionar e ter entrado num restaurante denotar sinais de manifesta embriaguez, elementos da GNR - GIPS de Viseu, em missão de fiscalização e ainda que o mesmo havia ingerido bebidas alcoólicas até momentos antes de iniciar a condução automóvel, e que sabia a quantidade de bebida que havia ingerido ultrapassava a taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l, não se tendo abstido de conduzir tal veículo.

12. Não tendo sido comunicada tal factualidade ao arguido, nos termos do art° 358° n° 1 do C. Penal, não podendo o arguido requerer prazo para defesa, violaram-se, salvo o devido respeito e melhor opinião, os direitos de defesa do arguido, constitucionalmente consagrada, havendo nulidade da sentença.

13. Acresce que, o Meritíssimo Juiz não poderia dar como provados os factos constantes das alíneas a) a i) atenta a insuficiência dos meios de prova documentais dos autos, havendo igualmente erro notório na apreciação da prova, não tendo sido valorados todos os meios de prova existentes nos autos, vícios que se invocam nos termos do art.° 410° n° 2, alínea a) e c) do C. P. Penal.

14. Conforme consta da acta da audiência de julgamento do dia 21/10/2008, a fls. 116 e 117 dos autos, o arguido/recorrente faltou, não tendo sido ouvido em todo o processo, pelo que não pode ser dada como provada a matéria constante das alíneas h) e i), isto é, que o arguido confessou espontaneamente os factos e que se diz envergonhado e arrependido.

15. Factualidade que certamente por lapso de escrita foi dada como provada.

16. Também a matéria assente e provada nas alíneas a), b), c) e d) e ainda das alíneas e), f) e g) não pode ser dada como provada, impondo-se a revogação da sentença nessa parte, com a consequente absolvição do arguido da prática do crime de condução em estado de embriaguez.

17. Pois, com todo o respeito pela douta sentença proferida e pelo Meritíssimo Juiz que a proferiu, existe erro de julgamento na apreciação dos meios de prova, existentes nos autos, nos termos da alínea c) do n° 2 do art.° 410° do C. P. Penal, mormente dos elementos documentais, resultando igualmente o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada - art° 410° n° 2 alínea a).

18. O Meritíssimo Juiz baseou a sua convicção ao dar como provado que o arguido/recorrente conduzia a sua viatura automóvel com uma taxa de alcoolemia de pelo menos 2,77 g/l, no resultado do exame de determinação quantitativa da presença de álcool no sangue do arguido/recorrente.

19. Tal exame consta da prova documental junta aos autos a fls. 6, precedida do auto de notícia de fls. 5, documentos esses que aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos e por uma questão de economia processual.

20. E não sendo considerada prova pericial em sentido técnico, a prova decorrente do exame efectuado com alcoolímetro, no âmbito do art.° 153° do C. Estrada, é prova tarifada, desde que o aparelho se encontre homologado, aprovado e com verificação periódica válida (Acórdão Relação de Coimbra de 16/05/2012, vide www.dqsi.pt).

21. O alcoolímetro que realizou o teste ao arguido no dia 01/01/2007, para se considerar prova admissível e válida, tem que se encontrar devidamente homologado, aprovado e com verificação periódica válida, pois de contrário, não pode ser atribuído valor probatório ao resultado obtido.

22. Do auto de notificação de fls. 5 consta que o teste efectuado ao arguido foi feito pelo aparelho Drager Alcoteste 711 OMKIII, aprovado pelo despacho 2110696350, publicado no Diário da República n° 223, III Série, de 23 de Setembro de 1996, autorização de utilização n.º 001/DGV/ALC98.

23. A fls. 6 consta o talão de controlo de álcool, com a data da realização do teste, aparelho alcoolímetro que o realizou, o seu número, modelo e marca, não constando nem deste talão, nem do auto de notícia quaisquer elementos referentes à verificação periódica do alcoolímetro em questão.

24. Isto é, desconhece-se em absoluto se tal alcoolímetro, apesar de se dizer devidamente aprovado e homologado, se tratava de aparelho devidamente aferido e fiável, uma vez que não consta a data da última verificação periódica realizada ao aparelho em questão.

25. Deste modo, todo e qualquer alcoolímetro de medição do teor de álcool no sangue, nomeadamente o que efectuou o teste ao recorrente, têm que ser submetidos a controlo, verificação periódica, assim como outros instrumentos de medição têm que ser submetidos a aferição.

26. Em obediência estrita ao art° 153° do Código da Estrada e Regulamento de Fiscalização da Condução sob influencia do álcool (Lei n.º 18/2007 de 17 de Maio), regime de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição - Decreto Lei n.º 291/90 de 20 de Setembro, Portaria n° 1556/2007 de 10 de Dezembro (Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros) e à data dos factos Portaria n° 748/94 de 13 de Agosto, normas que foram expressamente violadas.

27. Remetendo o recorrente para as doutas considerações constantes do Acórdão da Relação de Coimbra de 16 de Maio de 2012, quanto aos diplomas atrás referidos e normas deles constantes.

28. Tanto na vigência da Portaria 748/94 de 10 de Dezembro, art.° 5o, 9o e 10°, bem como na Portaria 156/2007 de 10 de Dezembro, que aprovaram o Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, no seu art.° 5o, 6o, 7o e 9o referem que todo e qualquer alcoolímetro e o respectivo registo de medição deve conter entre outros elementos a marca, o modelo, o n.º de série, a data da primeira verificação, e a data da última verificação metrológica e respectivo prazo de validade.

29. Só com a verificação deste último elemento, isto é, data da última verificação periódica é que se pode considerar o alcoolímetro em questão e que mediu a taxa de alcoolemia ao arguido/recorrente, um instrumento válido e fiável.

30. Ora, conforme resulta das disposições legais atrás invocadas, verifica-se que o auto de notícia e o talão emitido pelo alcoolímetro são omissos quanto à data da verificação periódica, não constando esse elemento de facto do processo.

31. Pelo que desconhece-se em absoluto se tal aparelho reunia ou não as condições legais de aferição para ser considerado um aparelho fiável, sendo irrelevante o facto de o arguido não ter requerido a contraprova.

32. E sendo a Taxa de Alcoolemia no Sangue elemento essencial para o preenchimento do tipo legal de crime em questão, a sua determinação só é possível através da utilização do aparelho devidamente homologado e verificado periodicamente.

33. Sendo a data da verificação periódica do aparelho que mediu a taxa de alcoolémia essencial para que se possa concluir se a TAS que o arguido/recorrente era possuidor, é a constante dos autos, pois só assim se poderá necessariamente concluir ou não pelo preenchimento do elemento objectivo do tipo de ilícito em apreço.

34. Pelo que não resultando tais elementos documentais atrás invocados e a data da última verificação ao alcoolímetro utilizado, nem a sua validade, não pode ter-se como fiável a medição da TAS feita ao arguido em 01/01/2007.

35. Não podendo dar-se como assente a matéria de facto plasmada nas alíneas a) a g) dos factos dados como provados, matéria que deverá ser revogada, com a consequente absolvição do arguido.

36. Tanto mais que sempre poderia o Meritíssimo Juiz a quo, ao abrigo do disposto no art.° 340° n° 1 do CPP ter solicitado relatório ao Instituto Português de Qualidade, de onde constasse a data da última verificação periódica ao alcoolímetro em questão, o que não aconteceu.

37. Deverá assim a douta sentença recorrida ser revogada, absolvendo-se o arguido da prática do crime de condução em estado de embriaguez ou caso assim se não entenda ser ordenado o reenvio do processo para novo julgamento, nomeadamente para averiguação da data da última verificação periódica do alcoolímetro em questão, antes de 01/01/2007 e sua eventual repercussão na prova de TAS de que o arguido era portador.

38. Caso não procedam as considerações atrás mencionadas, e a manter-se os factos dados como provados nas alíneas a) e b) entende o arguido que a pena que lhe foi aplicada, isto é, 9 meses de prisão suspensos por um ano e a pena acessória de 12 meses, é demasiado elevada, não satisfazendo as exigências de prevenção geral e especial.

39. Sendo que, de tal factualidade não resulta, conforme se afirma na sentença que “o arguido ter sido fiscalizado em virtude de circular na Avenida da Igreja, Abraveses, Viseu, aos ziguezagues e, local muito movimentado da cidade”.

40. Aliás, diga-se, o arguido/recorrente não foi interveniente em nenhum acidente de viação, para além de que apenas foi condenado em 2003 pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez praticado noano de 1995, tendo decorrido entre a data dessa prática até à data da prática dos presentes autos 17 (dezassete) anos sem que o mesmo tivesse cometido crime de idêntica natureza.

41. Sendo que à data do presente recurso também não sofreu qualquer outra condenação por idêntico crime, assim, impunha-se que o Tribunal tivesse aplicado pena de multa em vez de pena de prisão, a qual apenas deve ser aplicada como “ultima ratio”.

42. O Tribunal a quo errou na escolha e medida da pena, porquanto a douta sentença valorizou apenas as exigências de prevenção geral, na escolha da pena, menosprezando a vertente da prevenção especial de socialização e até o limite da culpa do recorrente.

43. Por estas razões, entendemos que o arguido, apesar de ter sofrido uma condenação anterior, pelos mesmos factos, mas há cerca de 17 anos, nada impede de formular novo juízo de prognose favorável, só porque a pena de multa não surtiu qualquer efeito anteriormente, devendo beneficiar, mais uma vez, de uma pena de multa, cuja medida há-de ter em conta as exigências de prevenção geral e os seus antecedentes criminais, mas não se esquecendo que o mesmo está social, familiar e profissionalmente inserido.

44. Por isso, reputa-se adequada e justa ao caso uma pena de multa, por ser adequada às exigências de prevenção geral e especial, multa essa fixada no seu valor mínimo à taxa diária mínima, dados os seus parcos rendimentos.

45. Assim, atento o atrás plasmado entende igualmente o recorrente que a sanção acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 12 meses é demasiado elevada, devendo ser reduzida para um limiar mínimo, próximo de metade (6 meses), atento a falta de condenação do arguido por idêntico crime desde o ano de 1995 e dado o lapso de tempo decorrido sobre a prática dos factos destes autos, tendo decorrido já mais de 5 anos.

46. Caso assim se não entenda, a manter-se a pena de prisão de nove meses deve a mesma continuar suspensa na sua execução, nos termos do art.° 50° do C. Penal, na actual redacção, por um ano, pois que a simples censura de facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidade da punição, reduzindo-se no entanto a sanção acessória para um limiar mínimo próximo de metade.

47. Assim sendo, e por tudo o que foi exposto deverá a douta sentença proferida ser revogada, julgando-se procedente esta motivação, proferindo-se Acórdão em conformidade.

Assim farão Vossas Ex.as a acostumada JUSTIÇA.”

(…)”.

*

                Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, concluindo que:

“ 1a- Os factos dados como provados na douta sentença recorrida para além dos que constavam na acusação não são susceptíveis de integrar o conceito de «alteração não substancial dos factos descritos na acusação», a demandar o cumprimento do disposto no artigo 358 do CPP; tratando-se, apenas de meros elementos circunstanciais, irrelevantes na defesa do arguido ou para a caracterização da conduta do mesmo ou da sua gravidade, e de formas diferentes de dizer o mesmo; não se verificando, portanto, o vício invocado pelo arguido previsto no art. 379º, al. b) do CPP.

2a- A matéria dada como provada sob os artigos h) e i) dos factos provados isto é que : «O arguido confessou espontaneamente os factos e se disse envergonhado e arrependido;» nada tem a ver com o julgamento e sentença a que respeitam os presentes autos (sendo certo que neles o arguido nem sequer compareceu ao julgamento) tratando-se manifestamente de lapso decorrente do uso dos meios informáticos - como o próprio recorrente reconhece - pelo que, a única consequência a retirar será a da sua eliminação e nada mais, conforme previsto no artigo 380, n°1 al. b) do CPP.

3a- Do texto da decisão recorrida, por siou conjugada com as regras da experiência comum, não resulta qualquer dos vícios invocados previstos no artigo 410º, n° 2 alíneas a) e c) do CPP.

4a- As penas principal e acessória em que o arguido foi condenado mostram-se ajustadas à sua culpa e às exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.

V. Exas., no entanto, farão justiça!”

*

                Na vista a que refere o art. 416º, nº 1, do C. Processo Penal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo que:

1. - A senhora Procuradora Adjunta, na sua resposta, entende que os factos dados por provados na alínea) para além da acusação, são meros elementos circunstanciais, irrelevantes para a defesa do arguido ou para a caracterização da sua conduta ou da sua gravidade, pelo que não se verifica a nulidade apontada pelo recorrente.

Mais entende que a matéria dada por provada nas alíneas h) e i) é um manifesto lapso decorrente do uso informático, corrigível ao abrigo do n.° 1, alínea b) do CPP e que, na altura dos factos, ainda não estando em vigor o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, não era exigível que do registo de medição do alcoolímetro constasse a data da verificação metrológica do mesmo.

2. Quanto à nulidade invocada é inquestionável que existe uma alteração dos factos descritos na acusação.

Todavia, não me parece que, neste caso, tenha relevo para a decisão, já que se limita a acrescentar à acusação o porquê de o arguido ter sido fiscalizado e submetido ao “teste do balão” SD-2, confirmando o que aparentava aos agentes da GNR, que no local se encontravam em missão de fiscalização, pois apenas acrescentou, na alínea a): “tendo sido fiscalizado, já que ao sair do veículo em que circulava e após estacionar e ter entrado num restaurante denotar sinais de manifesta embriagues, aos elementos da GNR-GIPS de Viseu, em missão de fiscalização”.

Esta materialidade, embora não constasse da acusação, não tem qualquer relevo para a decisão da causa, é meramente circunstancial e explicativa do motivo da fiscalização, que deveria constar na motivação da sentença ao proceder ao exame crítico da prova, nomeadamente no depoimento dos agentes de autoridade, mas que, a não ter sucedido, não tem a virtualidade de integrar a nulidade prevista no n.° 1, alínea b), do CPP, por não ter sido comunicada ao arguido.

3. Quanto à materialidade dada por provada nas alíneas h) e i), ou seja, que: “O arguido confessou espontaneamente os factos”e “Disse-se envergonhado e arrependido”, apesar do próprio arguido dizer que esta materialidade foi dada por provada certamente por lapso, não pode ser corrigida ao abrigo do n.° 1, alínea b), do art.° 380°, CPP, pois a mesma contem factos abonatórios, com a virtualidade de repercussão ao nível da aplicação da medida concreta da pena, implicando a sua correcção uma modificação essencial da sentença.

Na verdade, não tendo o arguido comparecido em julgamento, não tendo apresentado contestação, nem constando esta matéria na motivação da decisão sobre a matéria de facto, por insuficiência de prova produzida em julgamento, deve ser dada por não provada.

4. Quanto à validade do teste e à TAS apurada, uma vez que, à data dos factos, ainda não estava em vigor o art.° 9.°, n.º 2, do Regulamento do Controlo dos Alcoolímetros, anexo à Portaria n.° 1556/2007, de 10 de Dezembro, a mesma deve ser confirmada.

5. Quanto à escolha e medida da pena e à sanção acessória de inibição de condução de veículos a motor, acompanho, na íntegra, as judiciosas considerações do Colega na 1.a instância.

6. Por tal, também, sou de parecer que, deverá ser julgada por não provada a factualidade dada por provada pela douta sentença recorrida, nas alíneas h) e i), por insuficiência de prova produzida em julgamento nesse sentido, confirmando-se, no mais, a douta sentença.

*

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do C. Processo Penal.

*             

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1, do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões da motivação constituem pois, e como é unanimemente entendido, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª Edição, pág. 335, e Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, pág. 103).

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir são:

- Nulidade da sentença nos termos do art 379º, nº 1, al b) do CPP - condenação por factos diversos da acusação sem prévia comunicação;

- Erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - vícios do art 410º, nº 2, als a) e c) do CPP;

- Elemento objectivo do tipo - omissão da data da verificação periódica do alcoolímetro;

- Escolha e medida da pena.

*

                Para a resolução destas questões, importa ter presente o que de relevo consta da sentença recorrida, bem como outros elementos que se colhem dos autos. Assim:

A - Na sentença foram considerados provados os seguintes factos:

“(…)

a) No dia 1 de Janeiro de 2007, cerca das 14:30 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, serviço particular, de matrícula (...), de que proprietário, pela Avenida da Igreja, Abraveses, Viseu, via aberta à circulação pública de trânsito rodoviário, da área deste concelho e comarca de Viseu, tendo sido fiscalizado, já que ao sair do veículo em que circulava e após o estacionar e ter entrado num restaurante denotar sinais de manifesta embriagues, elementos da G.N.R.-G.I.P.S. de Viseu, em missão de fiscalização

b) Foi então o arguido submetido ao “teste do balão” (SD-2), que se revelou uma concentração de álcool no sangue em valor superior ao legalmente permitido;

c) Na sequência dessa fiscalização, pelas 15:03 horas. o arguido submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, através do aparelho “DRÄGER”, modelo 7110 MKIII P, n.º ARPN-0067, aprovado pelo I.P.Q. e autorizado pela D.G.V., tendo acusado uma taxa de álcool no sangue (T.A.S.) de 3,26 gramas por litro;

d) O arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue (T.A.S.) de, pelo menos, 2,77 gramas por litro, correspondente à T.A.S. de 3,26 gramas por litro registada, deduzido o valor do erro máximo admissível correspondente ao aparelho “DRÄGER”, modelo 7110 MKIII P, n.º ARPN-0067, aprovado pelo I.P.Q. e autorizado pela D.G.V.;

e) Havia ingerido bebidas alcoólicas, antes de iniciar a condução automóvel;

f) O arguido sabia que a quantidade de bebidas alcoólicas que havia ingerido nesse dia, até momentos antes do exercício da condução do referido veículo, lhe determinava necessariamente uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l e, não obstante, não se absteve de conduzir o referido veículo naquele estado;

g) O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que não lhe era permitida – antes lhe era vedada por lei – a condução de veículos automóveis sob a influência do álcool e, bem assim, que a sua conduta era proibida e punida por Lei;

h) O arguido confessou espontaneamente os factos;

i) Disse-se envergonhado e arrependido;

j) Tem os antecedentes criminais que constam do seu C.R.C., junto a fls. 79 a 81.”

 B) A motivação de facto da sentença

a)             Do resultado do exame de determinação quantitativa da presença de álcool no sangue do arguido, quanto à T.A.S. de que o arguido era portador;

b)            Do teor do C.R.C. do arguido, cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa;

c)             Do depoimento do militar da G.N.R.-G.I.P.S. Carlos Manuel Teixeira Martins, o qual, aquando dos factos, juntamente com colegas iam almoçar, quando viram um indivíduo chegar de carro, estacionar e dirigir-se ao mesmo restaurante para onde se dirigiam, aparentando o mesmo estar alcoolizado. Instantes depois, já após o arguido entrar no estabelecimento, houve alguma confusão com o mesmo, pelo que foi abordado o fiscalizado, tendo acusado álcool em excesso, tendo sido elaborado o Auto de Notícia. Depôs com conhecimento directo dos factos, de forma clara, isenta, convicta e desapaixonada.”

*

1 - Da nulidade da sentença - art 379º, nº 1, al b) do CPP - condenação por factos diversos da acusação.

O art.º 379°, n.º 1, al. b), do CPP, estatui que "é nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos previstos nos artigos 358° e 359º".

O processo penal tem estrutura acusatória ( art. 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa) e é pela acusação que se define o objecto do processo ( thema decidendum).

Assim, a acusação deve conter, designadamente, a narração dos factos imputados ao arguido e as disposições legais aplicáveis aos mesmos factos ( artigos 283.º, n.º 3, alíneas b) e c) e 285.º, n.º3, do Código de Processo Penal ).

De acordo com o princípio da identidade do objecto do processo, corolário do princípio da acusação, o objecto da acusação deve manter-se idêntico desde aquela até à sentença final. O princípio da vinculação temática constitui uma garantia de defesa, na medida em que impede alterações significativas do objecto de processo, alterações que prejudicariam (ou mesmo inviabilizariam a defesa.

Não obstante tal princípio, por razões de economia processual e no próprio interesse do arguido, a lei permite expressamente ao Juiz que este possa comunicar aos sujeitos processuais, quer uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia (art. 358.º do C.P.P.), quer uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia (art.359.º do C.P.P.), mesmo no decurso da audiência de julgamento.

Nos termos do art. 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, « Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.».

E acrescenta-se no n.º 2: « Ressalva-se dos disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.».

O art. 1.º, alínea f), do C.P.P. considera alteração substancial dos factos aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Logo, alteração não substancial dos factos é aquela que, representando embora uma modificação dos factos que constam da acusação ou da pronúncia, não tem por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

Estatui o n.º 1 do art.º 358° do CPP que "se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa".

Em conformidade, quer na hipótese da não alteração substancial dos factos quer na da alteração substancial dos factos, o arguido tem o direito a tomar posição sobre decisões relativas a tais questões.

Porém, a dimensão do objecto do processo cuja alteração se repercute irreparavelmente na estratégia da defesa, e por isso só pode ser alterada em casos específicos, é a dimensão da alteração dos factos que consubstancia uma descrição da acção típica relevante.

Neste sentido, se o tribunal descreve os mesmos factos por outras palavras, ou confere maior pormenor ao relato apenas para precisar os termos da acção, mas sem acrescentar nada de novo à descrição da acção típica relevante, não ocorre alteração substancial ou não substancial da matéria de facto - cfr Ac Rel Coimbra de 23-05-2012

Reportando-nos aos autos verifica-se na sentença uma alteração da descrição constante da acusação, pois aí foi escrito:

“No dia 01 de Janeiro de 2007, pelas 15h 03m, na Av. da Igreja, em Abraveses, área desta Comarca, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula (...), com uma taxa de álcool no sangue no valor de 3,26 g/l, em consequência de ingestão de bebidas alcoólicas.

“O arguido agiu de forma voluntária, livre, e consciente, sabendo que conduzia o veículo, na via pública, sob influência do álcool, que a sua conduta era proibida e punida por lei e que incorria em responsabilidade criminal. ”

A acusação é básica mas não contém omissões de relevo.

E da sentença consta:

“a) No dia 1 de Janeiro de 2007, cerca das 14.30 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, serviço particular, de matrícula (...), de que proprietário, pela Avenida da Igreja, Abraveses, Viseu, via aberta à circulação pública de trânsito rodoviário, da área deste concelho e comarca de Viseu, tendo sido fiscalizado, já que ao sair do veículo em que circulava e após estacionar e ter entrado num restaurante denotar sinais de manifesta embriagues, elementos da G.N.R.-G.I.P.S. de Viseu, em missão de fiscalização;           

b) Foi então o arguido submetido ao “teste do balão” (SD-2), que se revelou uma concentração de álcool no sangue em valor superior ao legalmente permitido;          

c) Na sequência dessa fiscalização, pelas 15:03 horas o arguido submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, através do aparelho “DRAGER”, modelo 7110 MKII P, n.º ARPN-0067, aprovado pelo I.P.Q. e autorizado pela D.G.V., tendo acusado uma taxa de álcool no sangue (T.A.S.) de 3,26 gramas por litro;              

d) O arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue (T.A.S.) de, pelo menos 2,77 gramas por litro, correspondente à T.A.S. de 3,26 gramas por litro registada, deduzido o valor do erro máximo admissível correspondente ao aparelho “DRAGER”, modelo 7110 MKIII P, n° ARPN-0067, aprovado pelo I.P.Q. e autorizado pela D.G.V.; 

e) Havia ingerido bebidas alcoólicas, antes de iniciar a condução automóvel;

f) O arguido sabia que a quantidade de bebidas alcoólicas que havia ingerido nesse dia, até momentos antes do exercício da condição do referido veículo, lhe determinava necessariamente uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l e, não obstante, não se absteve de conduzir o referido veículo naquele estado;          

g) O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que não lhe era permitida - antes lhe era vedada por lei - a condução de veículos automóveis sob a influencia do álcool e, bem assim, que a sua conduta era proibida e punida por Lei.

Relativamente à al a) dos factos provados o que foi acrescentado não tenha relevo para a decisão, limitando-se a concretizar a razão da fiscalização da GNR e a submissão do arguido ao teste SD-2, pois apenas foi aditado na alínea a): “tendo sido fiscalizado, já que ao sair do veículo em que circulava e após estacionar e ter entrado num restaurante denotar sinais de manifesta embriagues, aos elementos da GNR-GIPS de Viseu, em missão de fiscalização”.

Neste segmento tem razão o MP pois esta materialidade, embora não constasse da acusação, é meramente circunstancial e explicativa do motivo da fiscalização, que deveria constar na motivação da sentença ao proceder ao exame crítico da prova, nomeadamente no depoimento dos agentes de autoridade.

Não tinha portanto que ser comunicada ao arguido.

No que respeita às als. e) e f), também se nos afigura que a pormenorização acrescentada à acusação não integra o núcleo da acção típica do crime imputado ao arguido, mormente dos respectivos elementos objectivo e subjectivo.

Consequentemente não se impunha a comunicação a que se refere o art 358º do CPP.

Logo, não se verifica a nulidade prevista no art 379º, nº 1, al b) do CPP.

Improcede pois neste segmento o recurso interposto.

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2 - Erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - vícios do art 410º, nº 2, als a) e c) do CPP;

Os vícios previstos nas alíneas a) a c), nº 2, do art. 410º, do CPP, têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a elementos externos à decisão, enquanto que no controle do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, quando o recorrente impugna a matéria de facto nos termos do art. 412º, nº 3, do CPP, o Tribunal de recurso procede ao reexame de facto, nos pontos especificados pelo recorrente que considera incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida, especificadas pelo recorrente, e com base nas quais assenta a sua discordância (art. 412º, nº 3, als. a) e b), do CPP).

Trata-se, pois, de situações bem distintas. No entanto, in casu, o recorrente alega que a sentença recorrida enferma dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova a que aludem as alíneas a) e c), do nº 2, do art. 410º, do CPP, e simultaneamente impugna a matéria de facto dada como provada no acórdão sob sindicância.

O erro na apreciação da prova por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada que ele pretende ver reparado no Tribunal da Relação, nos termos da motivação resulta, não do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, mas da incorrecta valoração e exame dos documentos juntos aos autos - auto de notícia e talão de fls 6. Ora «Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada» não significa, de forma alguma, insuficiência da prova produzida e valorada em audiência para a decisão de considerar provados determinados factos.” – Ac Rel Lx de 18-01-2006.

Conforme acórdão desta Relação de 3/12/2008 (relator Des Heitor Osório) “ existe o vício do erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal, quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).

Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74). … Como se vê, a questão colocada não releva ao nível do vício invocado, mas ao nível do recurso da decisão da matéria de facto de que atrás cuidámos. Na verdade, o recorrente não diz que os factos provados são insuficientes para permitir a decisão recorrida mas antes, e o que é diferente, que o tribunal deu determinados factos como provados, sem prova que os suportasse.”

Trata-se claramente de um erro de julgamento: o que efectivamente está em causa é tão só a discordância do recorrente sobre o julgamento efectuado pelo tribunal, pelo que, tudo se contém no princípio da livre apreciação da prova que é concedido ao julgador pelo art.º 127.º do C.P.P.

Assim, no que respeita ao erro de julgamento, com base na omissão da data da verificação periódica do alcoolímetro, verifica-se que à data dos factos ainda não estava em vigor o art.° 9.°, n.º 2, do Regulamento do Controlo dos Alcoolímetros, anexo à Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, pelo que se confirmam a validade do teste e a TAS apurada conforme talão junto a fls 6.

Neste sentido, o acórdão desta Relação de 16 de Maio de 2012 - relator Des. Vasques Osório - “… só não merece reparo porque o alcoolímetro Drager 7110 MKIII P foi homologado em 24 de Abril de 2007 portanto, ainda em plena vigência do regulamento aprovado pela Portaria nº 748/94, 13 de Agosto, que não fazia tal exigência, sendo que o art. 10º do actual RCMA manteve a utilização dos alcoolímetros com autorização de uso obtida ao abrigo da legislação anterior, subordinada apenas a duas condições – o bom estado de conservação do aparelho e que nos ensaios não incorra em erro superior aos erros máximos admissíveis da verificação periódica – nenhuma delas se referindo a este elemento [mas deixamos nota de que em vários que relatámos, pudemos constatar que, em exames efectuados com o mesmo modelo de aparelho, o agente da autoridade não deixou de fazer constar do expediente – fosse no auto de notícia, fosse no preenchimento do impresso que, normalmente, materializa a notificação prevista no art. 153º, nº 2, do C. da Estrada – a data da última verificação periódica]. “ - sublinhado nosso.

Assim sendo, apenas as als h) e i) dos factos provados, referentes à confissão e arrependimento, constituem erro de julgamento, que o recorrente denominou de lapso, por isso que nos termos do art 431º, do CPP se decide eliminar as referidas alíneas.

Analisando o invocado vício de erro notório na apreciação da causa, previsto na alínea c), do nº 2, do art. 410º, do CPP. Como é consabido, o erro notório na apreciação da prova é o erro grosseiro que não escapa a um observador médio. Existe tal vício quando se dão provados, factos que, face às regras da experiência comum e à lógica do homem médio, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos.

Quanto ao erro notório na apreciação da prova, refere o Prof. Marques da Silva que «é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.» [Curso de Processo Penal, Vol. III pp. 341 e 342. Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas nem a juízos presuntivos. Vd. ainda, com particular interesse, Alberto dos Reis, no «Código de Processo Civil, Anotado», vol. III, pp. 259 e ss., Castro Mendes, «Do Conceito de Prova», pp. 711 e ss. e Vaz Serra, Provas», no BMJ 110, pp. 61 e ss].

In casu,o arguido/recorrente, sujeito a fiscalização e quando conduzia veículo automóvel na via pública, submetido a exame quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, através do aparelho indicado, acusou a taxa de 3,26 g/l, conforme era descrito no auto de notícia e requerimento acusatório.

Não resulta da motivação da decisão de facto que alguma dúvida séria e relevante, quanto ao resultado fornecido pelo alcoolímetro e quanto à sua utilização de acordo com as legais exigências de aprovação, tivesse sido oportunamente vertida nos autos.

Inexiste, assim, fundamento para que o tribunal recorrido, mormente não tendo sido colocado em crise o funcionamento do alcoolímetro com que foi medida a taxa de alcoolemia no sangue do recorrente, tivesse procedido a correcção na taxa apurada pelo mesmo.

Aliás, se alguma dúvida se colocasse relativa à taxa registada, impunha-se o cuidado de proceder, pelo menos, às diligências que se entendessem por convenientes para o apuramento da verdade ao invés de oficiosamente proceder a alteração daquela, sem suporte na lógica e nas regras da experiência a que se está vinculado por força do art.º 127.º do Código de Processo Penal.

Deste modo, não se encontra fundamento para que se tenha dado como provada, e da forma como nela consta, a factualidade indicada sob a alínea d), tendo incorrido, nesta parte, a decisão recorrida em erro notório na apreciação da prova, ao ter desvalorizado a taxa de álcool no sangue efectivamente registada através do competente exame e por aparelho próprio para o efeito e ao ter interpretado a Portaria n.º 1556/2007 como aplicável a taxas registadas por alcoolímetros devidamente aprovados.

A decisão padece, pois, de vício de raciocínio na apreciação da prova, que resulta como evidente, inquestionável e perceptível pelo comum dos observadores, facilmente se dando conta de que o tribunal, nessa parte, atentou contra as regras da experiência e baseou-se em juízo ilógico.

Trata-se de erro ostensivo, endógeno à sentença, que não passa despercebido a um observador minimamente atento e decorrendo do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ao lograr conclusão contrária às mesmas – v. entre outros, acórdão do STJ de 15.04.1998, in BMJ n.º 476, a pág. 82 –, e por isso, um erro notório na apreciação da prova, previsto no art.º 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, concretizando-se como limitação ao princípio da livre apreciação da prova consagrado pelo referido art.º 127.º do Código de Processo Penal.

A sua constatação implicaria a anulação do julgamento, mormente em sede de matéria de facto e com eventual repercussão em matéria de direito, com o sentido de que haveria de ser reapreciada a factualidade indicada.

Tal implicaria o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art.º 426.º do Código de Processo Penal, mas apenas se não fosse possível, na parte afectada, decidir da causa.

E contendo os autos a prova (documental) bastante para que a matéria de facto seja modificada, nada obsta à mesma por via do art.º 431.º, alínea a), do Código de Processo Penal, assim se evitando esse reenvio, no caso perfeitamente injustificado.

Em resumo e colmatando o vício aludido, o facto provado sob a alínea d), passa a ter a seguinte redacção:
d) O arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue (T.A.S.) de 3,26 gramas por litro.

A referência a “ziguezague” constante do enquadramento jurídico da sentença não resulta dos factos provados nem da motivação por isso que se procede à respectiva eliminação da frase “fazendo-o aos ziguezagues”.

A matéria de facto dá-se como assente e com esta modificação e com a eliminação das als h) e i).

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Da escolha e da medida das penas

O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se outra pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal, sendo ainda punido com a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período entre três meses e três anos, nos termos do art. 69º, nº 1, a), do C. Penal.

Preceitua o art. 70º do Código Penal, que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Quer isto dizer que a opção por uma pena de prisão só pode ter lugar quando estejam presentes razões de prevenção que não fiquem suficientemente salvaguardadas com uma pena não detentiva, ou seja, quando as sanções não detentivas não se mostrem adequadas à satisfação das exigências de prevenção.

Ora, as exigências de prevenção geral – consubstanciadas numa pena que se mostre suportável à luz da necessidade da tutela dos bens jurídicos e da confiança da comunidade no cumprimento das normas impostas – são, no caso em análise, relevantes, face à proliferação de situações como a dos presentes autos, atentatórias da segurança rodoviária e indirectamente de bens pessoais dos cidadãos.

Quanto às exigências de prevenção especial – reportadas ao próprio agente, nomeadamente à necessidade de evitar uma regressão da sua integração na sociedade, o que permite alcançar uma maior eficácia na protecção dos bens jurídicos tutelados – mostram-se menos prementes, não obstante os antecedentes criminais do arguido, atento o longo tempo decorrido desde a anterior condenação por crime idêntico.

Por conseguinte, eliminadas as referências à condução em ziguezague, e conquanto se considere que a aplicação de pena de multa ainda realiza de forma adequada e suficiente as necessidades de prevenção geral e especial positivas, decide-se dar preferência à pena de multa (artigos 70º e 40º, nº 1, do Código Penal).

Estabelece o art. 40º, nº 1 do C. Penal, que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente da sociedade. Mas, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do mesmo artigo).

Quer a pena principal, quer a acessória, assentam num juízo de censura global pelo crime praticado e daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art. 71.º do Código Penal.

Assim, na graduação da sanção – principal e acessória - deve o Tribunal atender à culpa do agente e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra este.

A culpa é um juízo de reprovação pessoal feita ao agente de um facto ilícito-típico, que podendo comportar-se de acordo com o direito, optou por se comportar em sentido negativo. A conduta culposa é expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual o agente tem, por isso, de responder perante as exigências do dever-ser da comunidade. A culpa tem uma função limitadora do intervencionismo estatal pois a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa, nomeadamente por razões de prevenção, que vêm enunciadas no mencionado art. 40.º, n.º 1 do Código Penal.

A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo para dissuadir a prática de crimes, - através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente (prevenção geral negativa ou de intimidação), - e para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).

No crime de condução de veículo em estado de embriaguez, como crime de perigo abstracto, as exigências de prevenção geral são determinantes na fixação da medida concreta da pena, para aquietação da comunidade e afirmação de valores essenciais afectados por comportamentos que, antes e para além de causarem efectivos danos, são aptos a colocar em perigo bens jurídicos essenciais, como sejam a segurança rodoviária e indirectamente bens pessoais, como seja a vida, de indiscutível valor supremo. 

Reportando-nos ao caso concreto, as exigências de prevenção especial de socialização são, no caso, significativas, quando considerado o percurso pessoal do arguido, com antecedentes criminais, embora com a reserva acima mencionada, indicada, a significar alguma carência de respeito pelos valores comunitários com tutela penal, revelado pelo comportamento anterior pois já sofreu uma condenação anteriorpor crime de igual natureza. Resumindo, o grau de culpa, - dolo na forma directa - é mediano – e a taxa por ser elevada acentua o grau de ilicitude que resulta da condução com uma T.A.S. de 3,26 gramas por litro.

As razões de prevenção geral são prementes uma vez que a sinistralidade rodoviária, pese embora com alguma melhoria verificada nos últimos anos, continua elevada, colocando os condutores sob influência do álcool, em causa, a segurança da circulação rodoviária e, indirectamente, outros bens jurídicos, como a vida e a integridade física das pessoas que de algum modo passam e se cruzam com o arguido.

A determinação da medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção, devendo o tribunal para tal efeito a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal).

Assim, e entre outras, deve o tribunal atender ao grau de ilicitude do facto, ao seu modo de execução, à gravidade das suas consequências, ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, à intensidade do dolo ou da negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, à motivação do agente, às condições pessoais e económicas do agente, à conduta anterior e posterior ao facto, e à falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art. 71º do C. Penal).

O arguido é soldador auferindo ao menos o salário mínimo nacional.

Entende-se pois como adequada a pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5 euros, num total de 500 euros.

A pena acessória de proibição de condução de veículos com motor varia entre o mínimo de 3 meses e o máximo de 3 anos.

Atendendo ao já referido grau de ilicitude do facto, à existência de antecedentes criminais por um lado, e por outro, às necessidades de prevenção geral, dada a elevada sinistralidade rodoviária existente no país, entende-se como adequado e justo fixar tal pena em 9 meses de proibição de conduzir veículos com motor.

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III. DISPOSITIVO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, decidir:
a) Alterar a matéria de facto no que respeita à TAS registada pelo recorrente, fixando-a em 3,26g/l (três vírgula vinte e seis gramas por litro);
b) Eliminar as als h) e i) dos factos provados, assim como as referências a ziguezagues constantes da motivação de direito da sentença;
c) Condenar o arguido na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de €500,00 (quinhentos euros), e na sanção acessória de 9 (nove) meses de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria.

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Sem tributação.

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 (Isabel Valongo - Relatora)

 (Joaquim Correia Pinto)