Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
405/09.1TBCNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: ALIMENTOS
MENORES
COMPENSAÇÃO
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
Data do Acordão: 01/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - FIGUEIRA FOZ - INST. CENTRAL - 2ª SEC. F. MEN. - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 847, 853, 1878, 2008 CC, LEI Nº 75/98 DE 19/11, DL Nº 164/99 DE 13/5
Sumário: 1. O disposto no nº1 do artigo 2008º do CC, não impede a compensação entre obrigações de alimentos devidos a menores que se vençam em simultâneo.

2. Encontrando-se cada um dos progenitores obrigado a prestar alimentos no valor de 100 € ao filho menor que se encontra a residir com o outro progenitor, tais prestações são compensáveis mensalmente, dispensando os progenitores de, mensalmente, trocarem-se 100 € entre si.

3. Não sendo susceptível de ocorrer uma situação de incumprimento quanto às prestações presentes e futuras, enquanto cada um dos progenitores mantiver um dos menores a seu cargo e as prestações alimentares forem de igual valor, não poderá haver lugar à intervenção do Fundo de Garantia.

Decisão Texto Integral:                                                                                                

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

P (…) veio requerer a fixação da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores, relativo ao menor M (…), alegando, em síntese:

por sentença homologatória de 21-01-2014, foi homologado o acordo entre as partes que regulou o exercício das responsabilidades parentais relativamente aos menores, A (…) e M (…), pelo qual os menores foram entregues à guarda da mãe, ficando o pai obrigado a pagar, a título de alimentos, a quantia de 100,00 € mensais, por cada filho, até ao dia 8 de cada mês, com início em Novembro de 2013;

o requerido não pagou as prestações a que se obrigou, estando em dívida as prestações relativas aos meses de Novembro e Dezembro de 2013, no valor de 200,00 € cada, bem como dos meses de Janeiro a Agosto de 2014, inclusive também no valor de 200,00 € cada, a título de alimentos aos dois menores;

a partir de Setembro de 2014, deixou de estar vinculado ao pagamento da pensão de alimentos pela filha menor A (…), uma vez que esta foi viver com o pai, nos termos do acordo de alteração das responsabilidades parentais, que teve lugar em 05.09.2014;

estando em dívida, ainda as prestações relativas aos meses de Setembro e Outubro de 2014, no montante de 100,00 € cada, a título de pensão de alimentos pelo filho menor M (…);

encontrando-se o requerido a trabalhar sem estar coletado, nem a descontar por conta de outrem, não pode a requerente ver satisfeita a prestação de alimentos nos termos do artigo 189º da OTM,

Conclui, requerendo a fixação da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a menores num valor nunca inferior a 175,00 €.

Pelo juiz a quo foi proferido o seguinte despacho a indeferir liminarmente o requerimento inicial:

“P (…), progenitora do menor M (…), veio requerer o accionamento do F.G.A.D.M., pois o pai do mesmo não pagou as prestações em atraso da filha A (…) até se verificar a alteração da R.R.P. em 5/9/2014, mediante a qual essa filha ficou a viver em casa do pai, nem as prestações seguintes a essa data ao filho M (…) e a requerente não conseguiu por via executiva cobrar os alimentos em dívida, nem se mostra viável obter o seu pagamento pela via do artº 189º da O.T.M.

O M.P. opôs-se, porquanto cada progenitor tem um menor a seu cargo, pelo que, a seguir à alteração referida, cada um dos progenitores deve sustentar o menor que esteja ao seu cuidado e o F.G.A.D.M. só paga prestações futuras, a partir do mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal nesse sentido (artº 4º, nº 5, do D.L. nº 164/99, de 13/5).

Tem razão o M.P., pois apesar de a requerente se ter comprometido em 5/9/2014 a pagar uma prestação alimentar à filha que ficou a viver com o pai, pode ser novamente alterada a R.R.P. no sentido de cada um dos progenitores nada pagar a favor do filho que não esteja a seu cargo, por ter outro ao seu cuidado, que tem de sustentar, em situação de igualdade com o outro progenitor, que fica com o encargo do outro filho sobre si.

Por outro lado, o S.T.J. veio uniformizar jurisprudência mediante o Ac. de 7/7/2009, proc. 09A0682, publicado em www.dgsi.pt, no sentido de que a exigibilidade da prestação ao F.G.A.D.M. só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, como refere a norma indicada supra, não abrangendo quaisquer prestações anteriores.

Pelo exposto, indefiro liminarmente o requerimento inicial, ao abrigo do artº 590º, nº1, do Cód. Proc. Civil.”

Inconformado com esta decisão, a Requerente dela interpõe recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

I. A regulação das responsabilidades parentais do menor M (…), está regulada no apenso “A”, estando homologado por Douta Sentença transitada em julgado, e em vigor.

II. O Recorrido está obrigado a pagar prestação mensal de alimentos devida ao menor M (…), a quantia de 100,00 Euros mensais, até ao dia 8 de cada mês, bem como as despesas extraordinárias do menor, relativas a despesas escolares e de saúde, mediante a apresentação de comprovativo das mesmas.

III. O Recorrido está em incumprimento das responsabilidades parentais no que toca ao pagamento da prestação mensal de alimentos, bem como as despesas extraordinárias do menor, relativas a despesas escolares e de saúde, do menor M (…).

IV. Não existe nenhum requerimento de alteração das responsabilidades parentais pendente.

V. Estão verificados todos os pressupostos para que seja requerida a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, pois a requerente tem dificuldades económicas comprovadas nos Autos, e ao recorrido não lhe são conhecidos bens, ou rendimentos suscetíveis de serem penhorados, e ser o crédito das prestações de alimentos ressarcidos com a venda desses mesmos bens.

VI. A recorrente é credora atualmente, em 2.300,00 Euros, a título de prestações de alimentos, devidos pelo recorrido, não sendo previsível que aquele venha a pagar voluntariamente a prestação de alimentos devida pelo menor M (…)pois nunca o fez até hoje.

VII. O Douto Tribunal não podia indeferir liminarmente o pedido formulado, pois os fundamentos invocados não se verificam, ou não são juridicamente válidos.

VIII. Indicam-se como violadas, na nossa modesta opinião, entre outras, as normas constantes dos artigos 619º do C.P.C., e 181º, 186º e seguintes da O.T.M..

Há erro na interpretação e aplicação de Direito.

Conclui pela revogação do despacho recorrido, ordenando-se o prosseguimento dos Autos, no sentido de ser proferida uma Douta Decisão, que fixe o montante da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores no valor nunca inferior a 175,00 Euros, referente ao menor M (…), e ordene a notificação do I.G.F.S.S., para que este providencie o pagamento desta prestação através do centro regional da segurança social da área de residência da Recorrente, com vista a iniciar o respetivo pagamento.
O Magistrado do Ministério Público apresentou contra-alegações no sentido da manutenção do decidido.
Dispensados que foram os vistos legais ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – artigos 635º, nº4, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só:
1. Se é de inferir liminarmente a pretensão de fixação da prestação alimentar a cargo do Fundo, com fundamento no facto de cada um dos progenitores ter um menor a seu cargo.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
São os seguintes, os factos a ter em consideração para a decisão em apreço:
1. Por sentença datada de 21-04-2014, transitada em julgado, que homologou o acordo celebrado entre as partes relativamente aos dois filhos menores A (…) e M (…), estes ficaram entregues aos cuidados da requerente, ficando o pai obrigado a pagar a título de alimentos a quantia de 100,00 € mensais, por cada filho, bem como metade das despesas extraordinárias dos menores relativas a despesas escolares e de saúde mediante a apresentação do comprovativo das mesmas.
2. Após a homologação de tal acordo, a ora recorrente instaurou ação executiva, a correr por apenso aos presentes autos, por dívida de alimentos no montante de 1.400,00 €, à qual acresce a quantia de 1.088,28 € por despesas médicas, escolares e de formação.
3. A 05-09-2014, no Apenso B foi homologada a alteração do acordo sobre a regulação das responsabilidades parentais relativamente à menor A (…) passando esta a residir com o pai e fixando-se a obrigação de alimentos a cargo da mãe, na quantia mensal de 100 €, bem como se estipulou a contribuição de metade das despesas escolares, médicas e medicamentosas da A (…), mediante a apresentação dos respetivos comprovativos ao pai.
De tal materialidade resulta que, presentemente, cada um dos progenitores se encontra obrigado a prestar alimentos no valor de 100 € mensais ao filho menor que se encontra a residir com o outro, facto este que esteve na base do indeferimento liminar aqui em causa.
Em execução do dever de proteção da criança consagrado no artigo 69º da Constituição da República Portuguesa, e com vista a assegurar as suas necessidades básicas, a Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, veio instituir o regime da garantia de alimentos devidos a menores, diploma que se mostra regulamentado pelo DL nº 164/99, de 13 de Maio.
Dispõe o nº1 do artigo 1º da citada Lei, na redação que lhe foi introduzida pela Lei nº 66-B/2012, de 31.12:
Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto – Lei nº 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao valor indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação.”
A prestação a cargo do Fundo pressupõe a não realização coativa da prestação alimentícia já fixada através das formas previstas no artigo 189º da OTM, ou seja, a existência de uma decisão judicial prévia que fixe os alimentos devidos a menor e o incumprimento, total ou parcial, de tal obrigação por parte do devedor.
Tal como foi sustentado, e bem, no despacho recorrido, a exigibilidade da obrigação ao FGAM só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal (art. 4º, nº5, do DL nº 164/99, de 13.05), não abrangendo quaisquer prestações anteriores.
A condenação do Fundo de Garantia tem em vista satisfazer, no presente e no futuro, o sustento da educação do menor, enquanto se mantiver o incumprimento do progenitor ou dos demais obrigados legais, não podendo o Fundo ser condenado a pagar a dívida de alimentos acumulada, porque vencida, pelo progenitor adimplente[1].
Como tal, será líquido não poder ser o Fundo demandado para assegurar o pagamento de quaisquer prestações alimentares, vencidas e não pagas pelo progenitor, quer as respeitantes ao período em que ambos os menores se encontravam a residir com a mãe, quer as que se venceram posteriormente, respeitantes ao menor M (...), que permaneceu à sua guarda.
Por outro lado, e uma vez que o Fundo só pode vir a ser responsabilizado pelos alimentos que vierem a ser devidos a contar da notificação da decisão que fixe a prestação alimentar a seu cargo, deparamo-nos, no caso concreto, com uma dificuldade relacionada com o preenchimento de um dos requisitos necessários à constituição da obrigação a suportar pelo Fundo: o incumprimento do progenitor a tal obrigado.
É que, presentemente, e face ao modo como se encontra atualmente regulado o exercício das responsabilidades parentais relativamente a cada um dos menores, cada um dos progenitores se encontra obrigado a prestar alimentos ao menor entregue aos cuidados do outro, no valor de 100 €.
Apesar de o regime fixado nos Apensos A e B impor a cada um dos progenitores uma prestação de alimentos ao menor que convivente consigo (em vez da solução habitual de, em tal caso, colocar cada um dos progenitores como responsável único pelo sustento do menor consigo convivente), parece-nos inexigível e fantasioso que, todos os meses, o pai e a mãe troquem 100 euros entre si – que a mãe entregue mensalmente ao pai 100 €, a título de prestação de alimentos da filha A (…), e que o pai entregue também mensalmente à mãe, igual quantia de 100 €, a título de alimentos ao seu filho M (…).
Não olvidamos que o artigo 2008º do Código Civil dispõe que o obrigado a alimentos não pode livrar-se das prestações devidas por meio de compensação, em exceção ao regime geral do 847º, do CC (solução a que se chegaria também pela aplicação do disposto na al. b), do nº1 do artigo 853º, que exclui da compensação os créditos impenhoráveis, exceto de ambos forem da mesma natureza).
A razão desta exceção estará, segundo Pires de Lima e Antunes Varela[2], no fim singular a que a obrigação alimentícia se destina. Tendo o direito a alimentos carater pessoal, a sua atribuição visa garantir ao alimentado os meios indispensáveis à sua subsistência[3], pelo que a admissibilidade da extinção de tal obrigação através da compensação privaria o alimentando dos meios de sobrevivência – a compensação, tal como a penhora, teria por efeito que o credor de alimentos não os receberia.
Encontrando-nos, contudo, no caso concreto, perante duas obrigações de igual natureza e com vencimento simultâneo[4], e afastada assim a razão de ser de tal proibição – uma vez que um acerto de contas não poria em causa a existência condigna do alimentado –, poderíamos defender que, no caso em apreço, nada obstaria à compensação.
Como defendia Vaz Serra, se o crédito da outra parte for também um crédito alimentar, já a compensação será admissível[5].
Contudo, no caso dos autos levantar-se-á, ainda, um outro obstáculo à compensação.
Um dos requisitos para a compensação consiste na reciprocidade dos créditos (artigo 847º CC) – para que possa livrar-se da sua dívida por compensação, é essencial que o devedor seja, por outro lado, credor do credor[6].
Por outro lado, o nº2 do artigo 851º dispõe expressamente devedor só pode livrar-se da obrigação utilizando créditos seus e não de terceiro.
É comum a afirmação de que o credor de alimentos é o menor e não o progenitor a quem se encontra confiado, o que, por si só, excluiria a possibilidade de compensação, não se verificando a reciprocidade entre credor e devedor exigida pelo artigo 847º, nº1 do CC (uma vez que a prestação alimentar a que cada um dos progenitores se encontra obrigado tem como credor o menor confiado ao outro).
Ou seja, somos aqui remetidos para a questão da titularidade do direito à prestação de alimentos devida a menores no âmbito do exercício das responsabilidades parentais.
O dever de prestar alimentos aos filhos menores, enquanto manifestação do conteúdo poder paternal a que estão sujeitos os filhos até à maioridade, recai sobre ambos os pais que, em conjunto, estão onerados com a obrigação de contribuir para o sustento, manutenção e educação dos descendentes menores (artigo 1878º do CC).
Ao progenitor a quem é atribuída em exclusivo a guarda do filho[7], como titular único do exercício das responsabilidades parentais, incumbe, além do mais assegurar o efetivo sustento e a educação do menor.
Assim, embora o beneficiário do direito a alimentos seja o filho menor, durante a menoridade a obrigação de alimentos é cumprida mediante a entrega do respetivo valor ao progenitor com quem este reside.
Sendo este o titular do exercício dos poderes-deveres paternais e estando legalmente autorizado a exercê-los, é a ele que incumbe prover ao sustento e manutenção do menor, não só através da contribuição da sua quota-parte nos encargos financeiros daí decorrentes, mas igualmente através das quantias cujo pagamento o outro progenitor (devedor de alimentos) se obriga precisamente em atenção a pessoa do menor, e que lhe são entregues para que as utilize no custeamento das referidas despesas[8].
Assim sendo, poderá ainda afirmar-se que a titularidade dos alimentos fixados a menores cabe ao progenitor que tem a guarda do menor que deles beneficia[9]. Ou, por outras palavras, ainda que não aufira iure proprio tais quantias, é ele que surge como credor e que tem legitimidade para peticionar e cobrar os alimentos devidos ao menor.
Como defende Remédio Marques, o progenitor, na ação de poder paternal ou de execução para cobrança de alimentos, age em nome próprio e, por isso, é parte processual, atuando em substituição processual, parcial, representativa do menor: “substituição parcial porque é também contitular do objeto do processo, visto que é ele que irá aplicar os referidos montantes no custeamento das despesas de sustento, manutenção, assistência, educação e segurança do menor, para além de ser o titular único (ou contitular) do poder paternal”[10].
De qualquer modo, ainda que se considere que cada um dos progenitores age unicamente como representante do menor consigo convivente, credor de alimentos do outro progenitor, e, em simultâneo, como devedor de alimentos ao menor confiado ao outro, sendo as prestações em causa de igual natureza e montante, e com vencimento na mesma data, a entrega que cada um dos progenitores tem de fazer ao outro da quantia de 100 €, e os 100 € que tem a receber do outro progenitor, anulam, na prática, o efeito de tal entrega, não fazendo qualquer sentido que, mensalmente, os progenitores troquem 100 € entre si. Assim sendo, ainda que, mensalmente, não entreguem qualquer quantia um ao outro (e será esse o comportamento usual e expectável e, sob o nosso ponto de vista o que estava na intenção dos progenitores aquando da celebração dos acordos em causa), poderemos afirmar que ambos cumpriram as prestações a que se encontravam obrigados[11].
Como salienta o Ministério Público nas suas contra-alegações de recurso, o deferimento da pretensão da requerente levaria ao absurdo de o pai vir a ser substituído pelo Fundo de Garantia no pagamento dos 100 € fixados ao menor confiado à mãe (tendo o Fundo posteriormente direito ao reembolso de tal montante sobre o pai) sendo que a mãe, também ela teria de fazer a entrega de 100 € ao pai da prestação alimentar da filha A (…) (caso em que, quem “ganhava”, pelo menos enquanto o Fundo não exercesse o direito de reembolso, era o pai – os 100 € que a mãe receberia seriam, no momento seguinte, entregues ao pai); e, caso a mãe também não entregasse os 100 € da pensão alimentar da A (…), o Fundo substituir-se-ia à mesma entregando 100 € ao pai, solicitando posteriormente o reembolso à mãe[12].
Ou seja, não podemos esquecer que o Fundo de Garantia fica sub-rogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, tendo direito de exigir o reembolso sobre o devedor de alimentos relativamente aos montantes que haja pago (artigo 5º, nº3, do DL 164/99), pelo que este não pode constituir um expediente para que o Fundo acabe por garantir as prestações a que cada um dos progenitores ficou obrigado.
Concluindo, e uma vez que o progenitor que recebe alimentos prestados ao filho consigo residente tem igual obrigação de entregar ao outro progenitor a prestação alimentar devida ao outro filho, ambas de igual valor e com vencimento simultâneo, dificilmente se poderá configurar uma situação de incumprimento: ou optam, desde logo, por proceder à compensação mensal da prestação de alimentos a que cada um se encontra obrigado, ou, adotando (por mera hipótese académica) a prática da troca mensal de 100 € e caso não lhe seja entregue a prestação devida ao filho consigo residente, poderá sempre a requerente reter a prestação devida ao filho convivente com o outro.
Não sendo suscetível de ocorrer uma situação de incumprimento quanto às prestações vincendas, enquanto cada um dos progenitores mantiver um dos menores a seu cargo e as prestações alimentares forem de igual valor, não poderá haver, assim, lugar à intervenção do Fundo de Garantia.
A apelação será de improceder.
IV – DECISÃO
 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pela apelante.            

Coimbra, 20 de Janeiro de 2015

Maria João Areias ( Relatora )

Fernando Monteiro

Inês Moura


[1] Neste sentido, J. P. Remédio Marques, “Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores)”, FCUC Centro de Direito da Família, Coimbra Editora, pág. 245, e “Aspectos sobre o cumprimento coercivo das obrigações de alimentos, Competência judiciária, Reconhecimento e Execução de Decisões estrangeiras”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977”, FDUC, Coimbra Editora, pág. 647, onde se afirma: “Esta obrigação do Fundo de Garantia não visa recuperar os montantes já vencidos e não pagos por parte do devedor (ou devedores) de alimentos.”
[2] “Código Civil Anotado”, Vol. V, Coimbra Editora, pág. 590.
[3] O fundamento da obrigação de prestar alimentos decorre do conteúdo do direito à vida, enquanto direito especial de personalidade, bem como do princípio da preservação da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social e familiar (artigos 24º, 26º, nº3 e 67º da Constituição da República Portuguesa): o direito a alimentos existe para garantir a vida e encontra a sua medida no necessário a assegurar a dignidade da mesma. Tratando-se embora de uma obrigação de conteúdo patrimonial, não visa o incremento do seu património mas assegurar o sustento (aqui entendido num sentido amplo, incluindo vestuário, habitação, saúde, e também nos alimentos a menores, a educação) diário do alimentado.
[4] O mesmo já não poderíamos sustentar no confronto entre prestações alimentares vincendas e um crédito de alimentos resultante de prestações já vencidas. Concordamos assim com a solução defendida pelo TRG de 10.07.2014, relatado por Filipe Caroço, no sentido de que os progenitores de um menor, sucessiva e alternadamente obrigados a prestar alimentos a favor dele não pode, havendo incumprimento, efetuar entre si compensação daqueles créditos (acórdão relatado por Filipe Caroço, disponível in www.dgsi.pt.).
[5] “Obrigação de Alimentos”, BMJ nº 108 – Julho – 1961, pág. 181.
[6] Antunes Varela, “Das Obrigações Em Geral”, Vol. II, 7ª ed., Almedina, pág. 200.
[7] Em derrogação do princípio do exercício conjunto das responsabilidades parentais, consagrado pela Lei nº 61/2008, com as alterações que introduziu aos artigos 1901º a 1912º do Código Civil, em especial no art. 1906º.
[8] Neste sentido, Remédio Marques, obra citada, págs. 333 e 334.
[9] Cfr., neste sentido, Acórdão do STJ de 25.03.2010, relatado por Alves Velho, disponível in www.dgsi.pt, e ainda Remédio Marques, obra citada, pág. 335, nota 446.
[10] Obra citada, pág. 334, nota 442.
[11] Será esse o raciocínio que está por detrás da prática de não se fixar qualquer obrigação alimentar ao progenitor não convivente, quando cada um dos progenitores fica com a guarda de um dos filhos. Assim como, no caso de guarda conjunta física, com residência alternada por iguais períodos em casa de cada um dos progenitores, a obrigação de alimento é normalmente suprimida (a não se em caso de acentuado desnível socioeconómico), por se entender que cada um deles assume o sustento do menor durante o período de tempo em que está à sua guarda.
[12] Assim como não poderá servir como expediente para os progenitores, combinados entre si, nenhum deles cumpra com a finalidade de, desse modo, peticionaram o pagamento de ambas as prestações a cargo do Fundo.