Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
183/16.8GATBU.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE FRANÇA
Descritores: PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS MOTORIZADOS
CUMPRIMENTO DESCONTÍNUO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Data do Acordão: 03/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 69.º DO CP
Sumário: Não é legalmente admissível o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.º do CP, em regime temporal descontínuo ou a suspensão da execução da pena referida.
Decisão Texto Integral:


ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

Na Secção de Competência Genérica, da Instância Local de Tábua, Comarca de Coimbra – J1, no Processo Sumário que aí correu termos, sob o nº 183/16.8GATBU, foi o arguido A.... submetido a julgamento, acusado pela prática, em autoria material, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1 alínea a), do Código Penal, por referência aos artigos 152.º, n.º 1 alínea a) e n.º 3, e artigo 153.º, n.º 1, ambos do Código da Estrada, incorrendo ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artº 69º, 1, c), do CP.

Efectuado o julgamento, viria a ser proferida sentença, condenando o arguido nos seguintes termos (transcrição):

Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a acusação procedente por provada e, em consequência decido:

a) Condenar o arguido A..., pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1 alínea a), do Código Penal, por referência aos artigos 152.º, n.º 1 alínea a) e n.º 3, e artigo 153.º, n.º 1, ambos do Código da Estrada, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), perfazendo o total de €660,00 (seiscentos e sessenta) euros de multa;

b) Condenar o arguido A..., na pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 5 (cinco) meses, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal;

c) Condenar o arguido A..., nas custas criminais, que se traduzem em 1 (uma) UC (cfr. artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais e artigo 513.º e 514.º n.º 1, do Código de Processo Penal) reduzida a metade atenta a confissão, ao abrigo dos artigos 344º, nº 2, alínea c), do CPP e 8º, nº 9 e Tabela III anexa, ao RCP.

Procede-se ao desconto de um dia de detenção à pena de multa aplicada ao arguido, nos termos do artigo 80.º, n.º 2, do Código Penal, perfazendo 109 (cento e nove) dias de multa, liquidando-se a multa no valor global de €654,00 (seiscentos e cinquenta e quatro euros).

O arguido fica advertido de que deverá entregar na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial a licença/carta de condução ou qualquer título que o habilite a conduzir veículos motorizados na via pública ou equiparada, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, sob pena de apreensão da mesma pelas autoridades policiais e sob a cominação de, não, o fazendo, cometer um crime de desobediência do art.º 348.º, n.º 1 al. b) do C.P. (art.º(s) 69.º, n.º 3 do Cód. Penal e 500.º, n.º 2 e 3 do C.P.P, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2013 - publicado no D.R. n.º 5, Série I, de 2013.01.08) e caso volte a conduzir no período da inibição, comete um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353.º do Cód. Penal.

Notifique.

Após trânsito: - Remetam-se boletins à DISCC (art.º 374.º n.º 3, al d) do C.P.P e arts. 2.º, n.º 1, 3.º, 5.º, 6.º, n.º 1, al. a), e 7.º, da Lei n.º 37/2015, de 5/5).

- Comunique a presente decisão à ANSR e IMTT, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 69.º, n.º 4 do Código Penal, art.º 500.º do C.P.P e Circular n.º 5/2012 do Conselho Superior da Magistratura.

            Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos:

1- A pena acessória imposta ao ora recorrente é excessiva e deve ser reduzidas para medidas que se aproximam dos respectivos limites mínimos.

2- Foi demonstrado que foi que sem poder exercer a condução o arguido ficará impedido de exercer a sua actividade profissional não existindo meios de transporte públicos que permitam deslocar-se desde a sua residência até ao seu local de trabalho.

3- A discordância do recorrente tem ainda que ver com o modo de cumprimento da pena acessória: proibição de conduzir por um período de 5 meses, prevista na douta Sentença.

4- O recorrente desempenha de professor em (...) , Arganil e reside em Oliveira do Hospital, sendo habitual deslocar-se a vários centros de formação e levar consigo formandos.

5- Para o desempenho de tais funções, é indispensável a utilização de um veículo ligeiro, tendo, naturalmente, que estar devidamente habilitado para o efeito.

6- Ora, como a utilização diária de um veículo é conditio sine qua non do seu trabalho, a impossibilidade de poder conduzir derivada da douta decisão do tribunal a quo, levará, inevitavelmente à cessação do contrato de trabalho do recorrente.

7-  É manifestamente desproporcional que o recorrente, em virtude daquela conduta, censurável é certo, veja ser-se colocado numa situação de "pena de despedimento" indirectamente.

8- O recorrente, na verdade, vê-se confrontado com uma sentença que determina a sua punição pecuniária, acrescida de uma pena acessória que determinará o seu despedimento e consequente colocação em situação de desemprego.

9-  É do conhecimento geral que o ramo em que o recorrente desempenha as suas funções não passa por um período de pujança, pelo que, a verificar-se a perda do título de condução e consequente despedimento, o recorrente ver-se-á numa situação bastante difícil

10- A idade do recorrente e o elevado numero de pessoas com habilitações para leccionar não facilita na hora de ter sucesso na procura de novos empregos.

11-  O nosso sistema penal prevê que a aplicação de sanções criminais está limitada pelos princípios da legalidade, da proporcionalidade e é animado por uma função de prevenção geral e especial, isto é, quanto à comunidade e ao agente, respectivamente

12- A douta Sentença sub judice está conforme a legalidade estritamente formal, contudo, acaba por ultrapassar os limites ínsitos nos preceitos supra referidos, em função da realidade factual in casu.

13- Embora formalmente a aplicação da referida pena acessória seja correcta, em termos materiais consubstancia-se numa pena suplementar que impenderá sobre o recorrente.

14- Constitui princípio fundamental do Direito Penal o pressuposto de que a pena não pode ser, em caso algum, superior ao grau de culpa do agente.

15- Ao aplicar-se a pena acessória nos moldes em que foi aplicada, o recorrente ver-se-á confrontado com uma autêntica pena suplementar: a perda do seu emprego

16- O recorrente reconhece que a ausência da pena acessória, apenas havendo lugar a pena de multa, não iria acautelar as necessidades de prevenção geral.

17- A douta Sentença deveria ser substituída por douto Acórdão que, verificando a consequência nefasta para a vida do recorrente, mas ponderando as necessidades de resposta a este género de ilícito criminal, aplicaria a pena acessória de proibição de conduzir nos períodos fora do horário de trabalho ou em alternativa, caso o Venerando Tribunal ad quem julgue suficiente para assegurar as necessidades de prevenção geral, suspender a execução da pena acessória de proibição de conduzir.

18- Assim, no entender da melhor Doutrina, nada impede que se possa recorrer à analogia, para fundamentar a aplicação de um regime de execução da pena acessória idêntico ao de uma pena principal.

19- Ora, uma vez que o Código Penal prevê a possibilidade da suspensão da pena de prisão, bem como do seu cumprimento em dias livres, isto é, regimes mais flexíveis do cumprimento daquela pena… tanto por analogia, como pela regra a maiori ad minus, deverá ser aplicável ao arguido um regime de cumprimento da pena acessória aos fins-de-semana e feriados, por um período equivalente ao que seria aplicado em função dos 5 meses, ou, caso o tribunal ad quem assim o entenda, suspender a aplicação da pena acessória por um período que entender mais correcto em função das circunstâncias do caso.

20- Foram violadas as normas jurídicas seguintes:- art. 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e- art. 40.º do Código Penal.

21- A douta Sentença deve ser substituída, apenas na parte relativa à aplicação da pena acessória de proibição de conduzir, por douto Acórdão que, verificando os fundamentos supra elencados, permita o cumprimento da pena acessória em período que não colida com o horário de trabalho do recorrente ou, em alternativa, suspenda a sua execução.

NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta, permita o cumprimento da pena acessória em período que não colida com o horário de trabalho do recorrente ou, em alternativa, suspenda a sua execução reduzindo o período fixado para a sanção acessória assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

            Respondeu a Digna Magistrada do MP em primeira instância, retirando do seu articulado as seguintes conclusões:


1. O Recorrente alega que a acessória aplicada é excessiva mas não fundamenta a sua conclusão com a indicação de qualquer norma respeitante à determinação da medida da pena, nem indica qual a interpretação correta de qualquer norma, violando o disposto no art.º 412.º n.º 2 al.s a) e b) do Código de Processo Penal.

2. A pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por um período de cinco meses é proporcional e adequada tendo em conta a culpa do arguido, as exigências de prevenção geral e especial, inexistindo qualquer violação do art.º 40.º do Código Penal.

3. A pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor deve ser cumprida de modo contínuo e ininterrupto.

4. A pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor não pode ser suspensa na sua execução por inadmissibilidade legal, sem que que tal implique qualquer violação do disposto no art.º 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida, nos seus precisos termos, por ser totalmente conforme à lei, no que farão V.as Ex.as JUSTIÇA.

Nesta Relação, a Dig.ma PGA emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso.

Recolhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Factos Provados:

No dia 14 de outubro de 2016, cerca das 21h15, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula (...) RD, na Rua da Indústria, em Tábua.

Nessa ocasião e local, e após o veículo conduzido pelo arguido ter embatido no veículo com a matrícula (...) HG que se encontrava ali estacionado, propriedade d eB.... , o arguido foi abordado por uma patrulha da GNR do Posto Territorial de Tábua, que lhe ordenou que efectuasse o teste de alcoolemia – exame de pesquisa de álcool no ar expirado -, no respectivo aparelho de medição de deteção da presença de álcool, o que o arguido fez tendo acusado uma TAS não concretamente apurada mas superior a 1,20g/l.

Nessa sequência, cerca das 23h00, o arguido foi transportado para o Posto Territorial da GNR de Tábua, sito no Largo do Mercado, em Tábua, local onde lhe foi ordenado pelos militares da GNR que efectuasse o teste de alcoolemia – exame de quantificação de álcool no ar expirado -, no respectivo aparelho de medição quantitativa.

Contudo, o arguido recusou submeter-se a este teste de quantificação, mesmo depois de ter sido advertido pelos aludidos militares de que incorria na prática de um crime de desobediência caso não o fizesse, do que ficou ciente.

O arguido sabia que lhe incumbia a obrigação legal de se submeter às provas legalmente estabelecidas para a deteção de álcool no sangue, bem como que os militares da G.N.R. se encontravam em exercício de funções e que tinham competência legal para lhe exigir a realização dos referidos testes.

O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito, concretizado, de não cumprir a ordem que lhe foi dada, bem sabendo que a mesma era legítima, imposta por disposição legal, emanada de autoridade competente no exercício das suas funções e que lhe foi regularmente comunicada.

O arguido sabia a sua descrita conduta era proibida por lei e criminalmente punível.

Mais se provou que:

- O arguido aufere 1.300 euros de rendimento líquido, exercendo a profissão de professor do ensino básico e secundário.

- Vive em casa arrendada, pela qual paga 250 euros mensais de renda.

- O seu agregado familiar é constituído por três pessoas.

- Vive com a companheira que exerce profissão liberal com actividade esporádica e um menor.

- Em despesas com água, alimentação e gás despende entre 150 a 180 euros mensais.

- Não paga empréstimos.

- Tem licenciatura em química, ramo científico.

- Reside em Oliveira do Hospital e exerce funções em Arganil.

- Não existem transportes públicos que lhe permitam efectuar tal deslocação.

- Apresentou-se à insolvência em 2012, pagando 200 a 250 euros mensais de rendimento disponível.

- Tem anotadas no seu crc duas condenações, uma pela prática de crime de ofensa à integridade física simples (factos de 14/12/2008, pena de multa) e outra pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez (factos de 4/8/2011, pena de multa e de 4 meses de inibição de conduzir).

- Confessou os factos.

DECIDINDO:

            Analisadas as conclusões que o recorrente retira da respectiva motivação, logo se constata que são as seguintes as questões que, através delas, coloca à nossa apreciação:

- em primeiro lugar, põe em causa a medida da pena acessória, que foi fixada em 5 meses, que pretende ser excessiva, e que pretende ver fixada em medida próxima do mínimo legal;

- depois, pede que a pena acessória a fixar seja cumprida «nos períodos fora do horário de trabalho»;

- em alternativa, pede que seja suspensa a execução dessa pena acessória.

O ora recorrente foi condenado, entre o mais, numa pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por um período de cinco meses, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1 alínea a), do Código Penal, por referência aos artigos 152.º, n.º 1 alínea a) e n.º 3, e artigo 153.º, n.º 1, ambos do Código da Estrada e art.º 69.º n.º 1 al. c) do Código Penal.

Resulta da referida al. c) do n.º 1 do art.º 69.º, que:

“É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido (…) por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para deteção de condução de veículo sob efeito do álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.”

            Pretende o recorrente que é excessiva a fixação dessa inibição em 5 meses, pretendendo vê-la reduzida a medida mais próxima do mínimo legal.

            É indubitável que a sua conduta preenche a previsão daquele artº 348, 1, a) do CP; aliás, isso não é aqui posto em causa. Os factos dados como provados configuram a previsão da norma.

            A medida da pena (da principal e bem assim da acessória) deverá ser a adequada à culpa do agente e às exigências de prevenção (artº 71º, 1, CP).

            Ora, analisada a factualidade dada como assente, desde logo se verifica que a favor do arguido ou contra ele militam as seguintes circunstâncias, aliás também destacadas na sentença impugnada:

- o grau de ilicitude do facto que é acrescido, em virtude de o arguido ter sido interveniente em acidente de viação, na sequência do qual se dá a abordagem policial;

- o dolo foi intenso - dolo directo;

- a situação económica e social do arguido, nos termos apurados e atrás descritos;

- a existência de antecedentes criminais, v.g. o facto de ter sido condenado por crime de ofensa à integridade física e, especialmente, a circunstância de ter já averbada anterior condenação pela prática de crime conexo com a condução sob o efeito do álcool.

            A gradação a atribuir à confissão do arguido não há-de ser muito relevante, dado o modo como o crime se produziu e a circunstância de a prova dos factos se mostrar muito facilitada, por ter sido praticado perante agentes de um OPC. Ou seja, a prova encontrar-se-ia facilitada, ainda que o arguido não tivesse optado por uma postura colaborante.

As necessidades de prevenção geral fazem-se sentir fortemente, pois que os ilícitos relacionados com a condução sob o efeito do álcool se produzem com elevada frequência e dos quais, por vezes, resultam autênticas tragédias estradais, sendo que as exigências de prevenção especial também são relevantes, atentos os antecedentes criminais do recorrente, que não foram suficientes para o demover da reiteração criminal.

            Contrariamente ao que afirma o recorrente, parece-nos que o tribunal ‘a quo’ destacou e relevou, como o devia ter feito, o acréscimo de ilicitude e as necessidades de prevenção geral, dada a premência do combate contra este tipo de criminalidade, causador das elevadas taxas de sinistralidade rodoviária nas estradas nacionais, com os consequentes reflexos na vida e na integridade física dos utentes das mesmas. Idem no que se refere à intensidade do dolo, directo.

            As penas concretas, encontradas nesse verdadeiro jogo dialéctico de deve e haver entre as circunstâncias que beneficiam o arguido e aquelas que contra ele militam (nos termos do artº 71º do CP), devem representar para ele um importante sacrifício, que o façam sentir o quão reprovável foi a sua conduta e os perigos que o esperam caso nelas reitere. E essas penas visam a reposição dos bens jurídicos violados e a reintegração do agente na sociedade. Devem ser justas e equilibradas, atendendo a esses parâmetros (artº 40º, CP).

            Os factores de determinação da medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor correspondem aos aplicáveis a propósito da fixação da medida concreta da pena principal.

No dizer de Jorge de Figueiredo Dias, esta pena acessória tem por pressuposto material “a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável.(…) Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação (…).” “(…) deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano” (“Direito Penal Português. Parte Geral, II, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, Coimbra, 1993, p. 165).

Sendo, como vimos, o grau de ilicitude mediano, a culpa elevada e as exigências de prevenção geral acentuadas, e existindo embora, por outro, especiais necessidades de reprovação, a fixação da pena acessória em 5 meses de proibição de condução de veículos motorizados, mostra-se algo benevolente, atentas as referidas necessidades de censura e de prevenção. Basta atentar que essa pena se situa a apenas 2 meses do mínimo legal e a uns distantes 31 meses do seu máximo.

            A sanção acessória deve ser fixada de modo a encontrar correspondência com os critérios valorados quanto à pena de multa, adequada à culpa do arguido, tendo ainda em consideração os seus antecedentes criminais.

            Assim sendo, não merece censura a fixação da pena acessória em 5 meses atenta a conjugação das circunstâncias que militam contra e aquelas que beneficiam o arguido.

            A sua conduta criminal deve ser objecto de reacção penal doseada de forma equilibrada, mas de modo a que ele intua a gravidade da sua conduta e as consequências que advirão caso nela reitere.

            Assim sendo, neste pormenor, improcedem as conclusões do recorrente.

            A questão seguinte prende-se com a pretensão formulada pelo recorrente, no sentido do cumprimento da pena acessória nos períodos fora do horário de trabalho.

            Alega, para o efeito que necessita de conduzir diariamente entre a sua residência e o local de trabalho e que a inibição de conduzir levará à cessação do seu contrato de trabalho, tanto mais que, como ficou assente, não existem transportes públicos entre as duas localidades; invoca analogia com as penas de prisão, no âmbito das quais é possível o cumprimento da pena em regime de dias livres e bem assim a suspensão da sua execução.

O arguido, já iniciado na prática de crimes de condução sob o efeito do álcool, tanto mais que fora alvo de anterior condenação em inibição de conduzir por 4 meses, tinha a obrigação de ter intuído as consequências que para si derivariam da reiteração em condutas da mesma natureza; mostrando alguma indiferença pela anterior condenação e pelo efeito preventivo que ela deveria ter constituído para si, voltou a reincidir. Assim sendo, colocou-se culposamente na situação presente, que diz muito o penalizar.

Como refere a Ex.ma Magistrada do MP em primeira instância, «à data da prática dos factos, o Recorrente sabia do agora por si alegado de que inexistem transportes públicos entre a sua habitação e o seu local de trabalho e que no exercício da sua atividade profissional necessita diariamente de conduzir veículo a motor e, por isso, recaía sobre si um especial cuidado…»

E cita, a propósito, o recente acórdão desta Relação, de 9.Nov.2016, relatado pelo Ex.mo Desembargador Dr. Inácio Monteiro: “se são graves as consequências em virtude da sua conduta também eram especiais os cuidados que sobre o arguido recaíam, não servindo assim de fundamento para suspender ou determinar o cumprimento da pena acessória por períodos fora do seu horário de trabalho.”

Conforme já referido, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 69.º do Código Penal, a prática de crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito do álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, implica a condenação na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos.

O regime jurídico das penas acessórias está regulado nos artºs 65.º a 69.º do CP, não se prevendo aí a possibilidade da suspensão da sua execução ou do seu cumprimento em regime descontínuo. Aliás, a pretensa analogia com o regime das penas de prisão não ocorre, já que nestas está em causa a liberdade das pessoas, que beneficia de protecção constitucional, enquanto que na inibição de conduzir está em causa a privação temporária de uma faculdade legal acessória que nem todos os cidadãos detêm. Se é verdade que o direito à liberdade integra o cerne dos direitos, liberdades e garantias que beneficiam de protecção constitucional directa (artº 27º, CRP), o mesmo já não acontece com a faculdade de conduzir. Por outro lado, não está directamente em causa o direito à segurança no emprego (artº 53º, CRP), pois que não estamos perante um despedimento, nem sequer perante uma privação de um direito secundário, como pena acessória, que possa conduzir, inexoravelmente, a esse mesmo resultado. Existem alternativas que o arguido deverá procurar, constituindo as mesmas uma consequência da pena aplicada. Assim sendo, e não estando em causa qualquer direito, liberdade ou garantia com garantia constitucional directa, não se mostra violado o artº 18º da CRP. Aliás, mesmo relativamente aos direitos fundamentais, como o direito à liberdade, pode acontecer a sua privação por força de sentença penal condenatória ou de aplicação de medida de coacção (artº 27º, CRP).

Aliás, o recorrente não desconhece que a jurisprudência praticamente unânime dos nossos tribunais superiores aponta no sentido da não possibilidade de alteração dos pressupostos do cumprimento da pena acessória prevista no artigo 69.º do Código Penal, seja através do seu cumprimento em regime descontínuo ou da suspensão da sua execução. Aliás, ele expressamente o refere.

«Vide nesse sentido, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-04-2013 (relator Senhor Juiz Desembargador Eduardo Martins), 24-04-2013 (relator Senhor Juiz Desembargador Orlando Gonçalves), 07-04-2010 (relator Senhor Juiz Desembargador Brízida Martins), 16-11-2011 (relator Senhor Juiz Desembargador Paulo Guerra), 27-04-2011 (relator Senhor Juiz Desembargador Orlando Gonçalves).

Também Paulo Pinto de Albuquerque ([1]) refere “a proibição tem um efeito contínuo (…). Por isso, a proibição não pode ser limitada a certos períodos do dia, nem a certos veículos. (…). Por outro lado, não é admissível a suspensão da pena de proibição de conduzir nem a sua substituição por caução no processo penal (…) uma vez que aquela suspensão e esta substituição só estão previstas no CE no âmbito do direito contraordenacional (…).”»

           

Relativamente à possibilidade da suspensão da pena acessória, existe um outro argumento que torna manifesta a sua inaplicabilidade aos casos como o presente. Com efeito, a norma do artº 141º, 1, do CE, prevendo a possibilidade de suspensão da sanção acessória aplicada a contra-ordenações graves, verificados os demais pressupostos referidos, afasta, de modo peremptório, a possibilidade de suspensão das sanções acessórias aplicada a contra-ordenações muito graves; se assim é relativamente às sanções acessórias aplicadas a este tipo de contra-ordenações, por maioria de razão o há-de ser relativamente às penas acessórias aplicadas a crimes.

Termos em que, nesta Relação, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 4 UC’s.

Coimbra, 8 de Março de 2017

(Jorge França – relator)

(Alcina da Costa Ribeiro – adjunta)

([1]) Em Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª edição atualizada, UCP, 2010, p. 264,