Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2126/09.6TBLRA-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
TORNAS
CREDOR
RECLAMAÇÃO
PRAZO
Data do Acordão: 09/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1377, 1378 CPC
Sumário: No caso de o credor de tornas consignar que não prescinde das mesmas, a não reclamação do seu pagamento logo após a notificação para o efeito prevista no artº 1377º nº1 do CPC pretérito, não o impede de, posteriormente, o impetrar, pois que o direito se mantém, vencendo as tornas, inclusive, juros, e sendo o pagamento garantido nos termos do artº 1378º nº4 do anterior CPC.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

No processo de inventário em que foram interessadas A (…) e M (…), aquela, já após a sentença homologatória da partilha, requereu o pagamento de tornas da responsabilidade  desta no valor de €8.326,31, ainda não pagas, sob pena da inerente venda judicial.

Esta opôs-se, alegando que o requerimento é extemporâneo, atento o disposto no art. 1377º do CPC, pois que por notificação datada de 21/05/2015, a interessada foi notificada do mapa de partilha, bem como para, no prazo de 10, dias vir reclamar o pagamento das tornas, o que não fez.

2.

Seguidamente foi proferido o seguinte despacho:

«Compulsados os autos verifica-se que a interessada A (…) foi notificada – cfr. refª 76862933, de 19/03/2015 - do mapa informativo e para reclamar tornas.

 Mais se verifica que no final da conferência de interessados foi declarado pelos interessados, incluindo a referida A (…), que não prescindiam das tornas a que tivessem direito – cfr. fls. 455.

Aquando da prolação da sentença que homologou o mapa de partilha não demos conta, do ora nos penitenciamos, que antes da sua elaboração não haviam sido notificados os devedores de tornas, nos termos previstos no art. 1378º, nº1 do CPC, red. anterior à Lei nº 23/2013, de 05/03. A nulidade decorrente de tal irregularidade mostra-se sanada.

A referida sentença já transitou em julgado.

De acordo com o disposto no art.1378º, nº3 referida redação, o credor de tornas pode pedir que, transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, no processo de inventário se proceda à venda dos bens adjudicados ao devedor de tornas, até onde seja necessário para o pagamento das tornas. Tal pedido poderá ser feito antes ou depois do trânsito em julgado da sentença (cfr. neste sentido Ac. R.C. de 18/09/2007, proc. 133-D/2002.C1, citado pela interessada J (…) no seu requerimento de fls. 548vº-549 e vº.).

Assim, afigura-se-nos que no caso dos autos poderá a referida interessada, credora de tornas, lançar mão da possibilidade prevista no art. 1378º, nº3 do CPC como faz, requerendo prévia notificação para depósito das tornas, para obstar a despesas desnecessárias. Contrariamente ao que sustenta a devedora de tornas M (…), não “prescreveu o direito da Requerente vir reclamar as tornas.”

Temos em que se determina a notificação de M (…) para proceder ao depósito das tornas que deve a A (…), sob pena de prosseguimento dos autos para venda dos bens adjudicados à mesma, nos termos previstos no art. 1378º, nº3 do CPC.»

3.

Inconformada recorreu  a requerente.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Inexistiram contra alegações.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e  639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção -, o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

Extemporaneidade do pedido de pagamento das tornas.

5.

Os factos a considerar são os dimanantes do relatório supra.

Dos quais, nuclearmente, se destacam os seguintes.

A interessada A (…) declarou que não prescindia das tornas a que tivesse direito.

Foi notificada para as reclamar o que não fez.

Outrossim foi omitida a notificação da devedora de tornas para as depositar.

6.

Apreciando.

Liminarmente.

Inexiste qualquer nulidade da decisão.

Na verdade e perante uma concreta questão colocada pelas partes – intempestividade do pedido de pagamento das tornas -  esta nela foi abordada e decidida, com chamamento/fundamentação, legal e jurisprudencial, tid(o)a por pertinente.

O thema decidendum recursivo prende-se, não com a nulidade formal do despacho, mas antes com a sua validade substancial, ie., com a sua (i)legalidade.

Há que não confundir as duas figuras – nulidade formal e (I)legalidade -  e restringir o recurso, em abono da economia de meios e celeridade da causa, ao que, efetivamente, releva e interessa.

Quanto ao fundo.

Como é consabido:

 «…o juízo do inventário é sobretudo um juízo de equidade onde se deve evitar que uns interessados se locupletem à custa dos outros» - Ac. da RC de 12.05.1967, JR, 13-604, apud, Lopes Cardoso, Partilhas judiciais, 3ª ed. 2º, p.398.

Nesta senda estatui o artº  1377.º nº1 do CPC, na redação aqui aplicável:

1 - Os interessados a quem hajam de caber tornas são notificados para requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas.

E mais prescrevendo o artº 1378.º

1 - Reclamado o pagamento das tornas, é notificado o interessado que haja de as pagar, para as depositar.

2 - Não sendo efectuado o depósito, podem os requerentes pedir que das verbas destinadas ao devedor lhes sejam adjudicadas, pelo valor constante da informação prevista no artigo 1376.º, as que escolherem e sejam necessárias para preenchimento das suas quotas, contanto que depositem imediatamente a importância das tornas que, por virtude da adjudicação, tenham de pagar. É aplicável neste caso o disposto no n.º 4 do artigo anterior.

3 - Podem também os requerentes pedir que, transitada em julgado a sentença, se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas.

4 - Não sendo reclamado o pagamento, as tornas vencem os juros legais desde a data da sentença de partilhas e os credores podem registar hipoteca legal sobre os bens adjudicados ao devedor ou, quando essa garantia se mostre insuficiente, requerer que sejam tomadas, quanto aos móveis, as cautelas prescritas no artigo 1384.º

Considerando aquele magno e basilar princípio e estes dispositivos legais, tem de concluir-se que se o credor de tornas, oportunamente declarar, expressamente, na legal conferência, que  delas não prescinde, o facto de não reclamar o seu pagamento no prazo e na fase processual definidos pelo artº 1377º nº1, não lhe retira o direito às mesmas.

Mas apenas tal direito é satisfeito em momento processual diverso e, eventualmente, por meios/modos diferentes ou não coincidentes.

Destarte…

No caso de logo as reclamar e elas forem depositadas, fica imediatamente  satisfeito o seu direito e, neste particular, operada a justa composição da lide.

Caso as reclame e não sejam depositadas pelo devedor, emergem, a favor do credor, os meios previstos nos nºs 2 e 3 do artº 1378º.

Caso não reclame o seu pagamento o caso subsume-se na previsão do nº4.

Ora, perante esta, claramente se conclui que o direito às tornas se mantém, mesmo que o seu pagamento não tenha antes sido impetrado pelo credor.

 Tanto assim é que elas até vencem juros desde a sentença.

Efetivamente:

«o credor de tornas que, notificado nos termos do artº 1377º, nº 1, nada faz, não perde o seu crédito. Transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, pode, quando o entender, com base nela, instaurar a competente execução. E, até lá, faculta-lhe a lei que se previna com as garantias previstas no artº 1378º, nº 4…» - Ac. da RC de 18.09.2007, p. 133-D/2002.C1 in dgsi.pt., citado na decisão.

Na verdade, apenas no caso de o credor de tornas renunciar ao direito às mesmas, mencionar que já as recebeu,  ou, até, numa possível interpretação, se nada disser, é que perde o direito às tornas, inclusive no âmbito  do nº4 do artº 1378º- cfr. Ac. da RC de 03.11.2009, p. 172/04.5TBIDN-A.C1.

Este entendimento outrossim dimana, se bem interpretamos, da melhor doutrina na matéria.

Assim:

«A questão de saber se as tornas cujo depósito se dispensou, por não reclamado o pagamento, deviam ou não, vencer juros, vem de tempos idos…os juros legais …são devidos…até ao efetivo pagamento das tornas, salvo prescrição destas(Cód. Civil artº 310º) na certeza de que também as próprias tornas podem ser atingidas pela prescrição  (Cod. Civil, artº 309º). A dívida de tornas, prestação pecuniária, à míngua de preceito de lei que o consinta, não está sujeita a actualização por virtude da flutuação do valor da moeda…e a prova do seu pagamento faz-se por qualquer modo…» - Lopes Cardoso, ob. cit. ps. 430 /31.

(sublinhado nosso).

Mais uma vez se afirma: se as tornas vencem juros, se tal constitui uma dívida que tem de ser paga com definição pela lei – nº4 citado – dos meios de tutela do seu pagamento, e podendo este ser provado por qualquer meio, é porque elas, e o direito que consubstanciam, existe.

Mesmo no caso de não terem, em momento processual  sito a montante,  sido reclamadas.

No caso vertente, a credora de tornas impetrou o seu depósito, se bem atingimos, em numerário.

Tal pretensão é legal e até a mais consentânea com os aludidos princípios da celeridade e economia de meios.

E a menos onerosa para a devedora, pois que, como se viu, elas continuam a vencer juros, e, ainda,  se a credora assim o entender, pode  esta ativar as inerentes garantias concedidas pelo nº4 do artº 1378º, com todos os inconvenientes e despesas daí advenientes, principalmente para a recorrente.

Improcede, brevitatis causa, o recurso.

7.

Sumariando- artº 663º nº7 do CPC

No caso de o credor de tornas consignar que não prescinde das mesmas, a não reclamação do seu pagamento logo após a notificação para o efeito prevista no artº 1377º nº1 do CPC pretérito, não o impede de, posteriormente, o impetrar, pois que o direito se mantém, vencendo as tornas, inclusive,  juros, e sendo  o pagamento garantido nos termos do artº 1378º nº4 do anterior CPC.

8.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 2017.09.12.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos