Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1561/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DRA. REGINA ROSA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 09/28/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRÓ DOS VINHOS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Área Temática: OBRIGAÇÕES
Legislação Nacional: ARTº 498º DO C. CIV. .
Sumário: 1. Tratando-se o facto danoso de um facto ilícito que constitui crime, tendo sido com base nele que o autor assenta a obrigação de indemnizar, está o correspondente direito a indemnização sujeito ao prazo de prescrição do artº 498º, nº 3, do CC.
2. Sendo este o prazo aplicável, cabe ao lesado respeitá-lo, ainda que não tenha conhecimento da extensão integral do dano .
3. Não havendo reconhecimento judicial e efectivação do pedido de indemnização nesse prazo, não pode o autor prevalecer-se do prazo ordinário de 20 anos quanto a novos danos sobrevindos ao mesmo período de tempo , pretendendo fazer iniciar nesse momento o prazo de prescrição supra referido .
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I - RELATÓRIO
I.1- A..., accionou os réus, B... e mulher C..., e D..., para o efeito de haver deles a quantia de 58.366.560$00 e a que se vier a determinar em sede de liquidação em execução de sentença, acrescida de juros, como indemnização pelos prejuízos materiais e morais que lhe advieram do acidente de viação ocorrido em Janeiro de 1980, no qual foi atropelada pelo veículo conduzido pelo 1º R., que à data não tinha carta de condução, nem possuía seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
Contestaram os RR., e posteriormente a interveniente «Bonança», excepcionando, além do mais, a prescrição do direito da autora nos termos do art. 498º/C.C..
A autora replicou, alegando que os danos que descreveu são novos, surgidos em 1999, e por outro lado, ocorreu interrupção do prazo prescricional conforme expendeu nos arts.48º, 49º e 54º da petição inicial.
Em sede de saneador foi julgada procedente a excepção da prescrição, com a consequente absolvição dos RR., do pedido.
I.2- Apelou a autora, que, no essencial, concluiu assim as suas alegações:
1ª- Face ao vertido no saneador/sentença recorrido e à fundamentação que do mesmo consta, resulta manifesto para a recorrente que não foram sequer apreciados e tidos em consideração os factos alegados nos articulados de petição inicial e réplica;
2ª- Factos esses concernentes à interrupção do prazo ordinário de prescrição, em virtude do reconhecimento do direito efectuado perante a recorrente pelo 1º R., nos termos dos arts.325º e 326º/C.C., bem como ao surgimento de danos novos (em 1999) no decurso do prazo ordinário de prescrição de 20 anos;
3ª- Perante o invocado pela A. na p.i., o decurso do prazo prescricional de 20 anos encontrou-se interrompido até finais de 1981, tendo os RR. sido citados em 15.1.01;
4ª- Sendo ainda certo que os danos descritos nos arts.35º e 36º da p.i. determinam, forçosamente, o início da contagem do prazo trienal constante do art.498º;
5ª- Os factos alegados nos arts. 22º, 46º a 49º da p.i., e ainda a alegação de que somente em finais de 1981 o 1º R. havia deixado de contactar a A., de lhe assegurar o ressarcimento dos seus danos, consubstancia o reconhecimento pelo mesmo da sua responsabilidade;
6ª- Alegou ainda a A. nos arts.55º a 57º da p.i., que o prazo de prescrição ordinário foi interrompido de novo em Setembro de 2000, dado que o 1º R. enviou àquela um cheque, datado de 22.10.00, no valor de 50.000$00;
7ª- Já nos arts.32º e 33º da p.i., a recorrente alega que em 1999 se viu perante o facto novo de não conseguir andar sem ajuda e de poder ficar paralisada dos membros inferiores;
8ª- Alegou assim a recorrente, factos, comportamentos, passíveis de interrupção do prazo de prescrição ordinário de 20 anos, tendo ainda alegado que os danos em relação aos quais se peticiona a indemnização surgiram em 1999, dentro do prazo de prescrição ordinária, e são danos novos;
9ª- Perante tais alegações, o pleito em causa tinha de seguir para a fase de produção de prova, pelo que não dispunha o tribunal recorrido de elementos suficientes para poder concluir pela verificação da prescrição.
I.3- Houve contra-alegações, pugnando-se pela confirmação da sentença.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTOS
II.1 - de facto
Na decisão em recurso teve-se em conta a seguinte factualidade:
1- Na presente acção a autora, em virtude de um embate que alega ter ocorrido em Janeiro de 1980, pede, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, a condenação dos RR. no pagamento da quantia global de 58.366.560$00, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, e ainda em quantia que se vier a liquidar em execução de sentença;
2- Os RR. Fernando Baptista e Maria de Fátima Baptista foram citados em 15.1.01 e a chamada «Império-Bonança» foi citada em 24.5.02;
3- Mostra-se registado na C.R.C. de Santarém que, no dia 24.3.62, na freguesia de Póvoa de Santarém, nasceu Isabel Maria Dinis Rosa Brás.

II.2 - de direito
Pretende-se saber se os autos dispõem já dos elementos necessários para se concluir que o direito que a autora/recorrente pretende fazer valer se encontra prescrito.
No saneador/sentença considerou-se que a incapacidade da autora por via da menoridade, cessou em 24.3.80. Ponderando o disposto no art.498º/1, C.C. (como os demais a citar sem menção expressa), o prazo de prescrição de 5 anos resultante do disposto no citado art.498º/3 e art.118º/1-c) do C.Penal, e as datas em que os RR. foram citados, considerou a 1ª instância ser manifesto que decorreu o prazo de prescrição do direito que serve de fundamento da presente acção, mostrando-se também ultrapassado o prazo ordinário de prescrição previsto no art.309º.
Importa desde logo referir que, contrariamente ao afirmado, a decisão não padece da nulidade contemplada no art.668º/1-d), C.P.C. que a recorrente lhe aponta, com o fundamento em não se ter pronunciado sobre as questões e os factos por si alegados nos articulados.
A expressão “questões” utilizada naquele normativo designa o pedido e a causa de pedir, e não a consideração, o argumento ou a razão produzida pela parte.
No tocante à prescrição, o tribunal decidiu uma questão que lhe foi colocada pelas rés. Não lhe incumbia para o efeito, apreciar todos os fundamentos em que a autora assentou o seu pedido, ainda que alguns deles pudessem ter interesse para o conhecimento dessa excepção.
A questão que se lhe impunha à apreciação foi equacionada; agora, se essa apreciação foi prematura devendo ter sido relegada para a sentença final, isso traduz erro de julgamento, não nulidade (erro de actividade).
Como decorre das conclusões, a recorrente sustenta que o estado do processo não permitia concluir pela verificação da prescrição, carecendo de produção de prova para o efeito.
Vejamos se lhe assiste razão.
Conforme o art.498º/1, o direito a indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe assiste.
O nº3 do mesmo comando estabelece que se o facto ilícito constitui crime para o qual a lei estabelece prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
No caso presente, a autora invoca um acidente de viação ocorrido em Janeiro de 1980 no qual saiu lesionada. No art.8º da p.i. diz que “o 1º R. fez marcha atrás na viatura e bateu com a traseira desta no muro onde a A. se encontrava, colhendo-a no embate.”
Por conseguinte, o direito de indemnização que pretende fazer valer neste processo decorre de facto ilícito extracontratual. Logo, o prazo prescricional desse direito conta-se nos termos do apontado art.498º.
Já o prazo ordinário da prescrição de 20 anos (art.309º) de que a recorrente se quer valer, respeita ao direito de indemnização pelo não cumprimento das obrigações (responsabilidade contratual).
Se a A./lesada não tivesse conhecimento do dano, aplicar-se-ia o prazo de prescrição previsto nesse art.309º. Mas tendo tido conhecimento do dano e sua origem, é aplicável a prescrição de curto prazo prevista no art.498º, prazo que começou a correr em 24.3.80, quando a autora atingiu a maioridade (arts.306º e 320º).
Admitindo que a recorrente tenha ficado gravemente lesionada, o 1º R. incorreu num crime de ofensas corporais por negligência, p.p. pelo art.369º do C.Penal de 1886, então vigente, que previa uma pena de prisão de 3 dias a 6 meses. Pelo C.Penal de 1982, com as alterações introduzidas em 1995, teria aquele réu cometido um crime de ofensa à integridade física por negligência, p.p. pelo art.148º/1 ou 3, a que corresponde a pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias (nº1) ou pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias (nº3). Neste caso se do facto resultou ofensa à integridade física grave.
Em qualquer das situações o prazo da prescrição do procedimento criminal é de 5 anos (art.125º§2º do C.P./86, e art.118º/1-c), C.P./82).
Portanto, inserindo-se o pedido de indemnização no domínio da responsabilidade civil extracontratual, o direito da autora já se achava prescrito em 29.12.00 – data da propositura da acção – face ao disposto naquele art.498º/3.
Mas em defesa do seu direito de accionar, adianta a autora que se verificou a interrupção do prazo prescricional nos termos dos arts.325º e 326º, em face dos factos que alegou nos arts.46º a 49º, 50º a 52º e 55º a 57º da p.i.. Ou seja, que até finais de 1981 houve da parte do 1º R. comportamentos e atitudes que exprimem o reconhecimento do direito da autora, o mesmo ocorrendo em Setembro/00 quando ele lhe enviou um cheque no montante de 50.000$00.
Ora, ainda que tais factos ficassem demonstrados depois de submetidos a produção de prova como defende a recorrente, é manifesto que o novo prazo que começou a correr a partir do acto interruptivo (1981), terminou em finais de 1986. E na altura em que o R. teria enviado à recorrente o referido cheque, há muito que havia decorrido o prazo prescricional de 5 anos do art.498º/3, aqui aplicável como salientámos.
Adianta ainda a recorrente que em 1999 se viu perante o facto novo de não conseguir andar sem ajuda, e de poder vier a ficar quase paralisada dos membros inferiores (arts.32º e 33º da p.i.). Argumenta que a indemnização peticionada respeita a estes danos novos, e que é a partir desse momento (1999) que se inicia a prescrição trienal, porque no decurso do prazo de prescrição de 20 anos sobreveio o conhecimento desses danos.
Quer a recorrente dizer que até essa data prevalece o prazo de prescrição ordinário de 20 anos do art.309º, e só depois se aplica o prazo estabelecido no nº1 do art.498º.
Igualmente não colhe este argumento.
A recorrente tinha conhecimento do direito que lhe compete, ou seja, sabia que era lesada, e conhecia até a pessoa do responsável, depois de ter sido vítima de atropelamento. Como ela própria alega na p.i. (arts.18º a 23º), foi levada ao H.U.C., tendo sido submetida a cirurgia de urgência à bacia, coluna e pernas, e tido alta em Abril/1980.
Ora, tratando-se o facto danoso de um facto ilícito que constitui crime, tendo sido com base nele que a autora assenta a obrigação de indemnizar, está ele sujeito, como já referimos, ao prazo de prescrição do art.498º/3. Sendo este o prazo aplicável, a autora deixou passá-lo ao não exigir judicialmente indemnização do responsável, no decurso do prazo de 5 anos subsequentes ao acidente (art.323º), ainda que não tivesse conhecimento da extensão integral do dano.
Não havendo, assim, reconhecimento judicial e efectivação da indemnização naquele prazo aplicável, não pode a autora prevalecer-se do prazo ordinário de 20 anos quanto aos danos novos que teriam sobrevindo em 1999, e pretender fazer iniciar a partir deste momento o prazo de prescrição estabelecida no nº1 do art.498º.
Atento o que se deixa dito, extinguiu-se por esgotamento do devido prazo, o direito que a autora pretende ver efectivado, sem necessidade de os autos prosseguirem para produção de prova.
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III - DECISÃO
Acorda-se, pelo exposto, em julgar improcedente a apelação, e em confirmar o saneador/sentença apelado.
Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia (fls.104).
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COIMBRA,