Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3604/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ABILIO RAMALHO
Descritores: CRIME DE FALSIDADE DE TESTEMUNHO
ATENUAÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 03/22/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 364º, AL. B), DO C. P.
Sumário: Para que se possa equacionar a aplicabilidade dos benefícios referidos na al. b), do art.º 364º, do C. P. terá de haver um nexo de causalidade adequada entre um e outro comportamento e as respectivas consequências jurídico-probatórias criminais, gerador do conflito interno, de consciência, moral, emocional, do depoente sobre a pessoal atitude a tomar: fala verdade e condiciona a condenação; mente e logra a libertação do arguido-familiar.
Decisão Texto Integral:
Acordam – em fase de audiênciana Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO

1 – Inconformados com a decisão judicial (de Tribunal Singular) [Que faz fls. 171/177.] que individualmente os condenou pela autoria comissiva de um ilícito criminal de falsidade de testemunho, qualificada, (p. e. p. no art.º 360.º ns. 1 e 3, do Cód. Penal), às respectivas reacções penais de 200 dias de multa, à razão diária de 4 €, dela interpõem os cidadãos-arguidos A... (e filhos) B... e C..., (melhor id.º’s nos autos, máxime a fls. 171) o recurso ora analisando, pugnando pela respectiva substituição por outra que subsuma as pessoais atitudes comportamentais tidas por reconhecidas à referida figura de delito, na forma simples, (p. e. p. no art.º 360.º n.º 1, do C. Penal), e os dispense de pena, ou lhes atenue especialmente a moldura penal a tal tipo criminal atinente, extraindo, para tanto, da respectiva motivação [Que faz fls. 181/188.] as seguintes conclusões (por transcrição):
1. O Tribunal a quo cometeu um erro notório na apreciação da prova.
2. Efectivamente, não foi produzida qualquer prova sobre um elemento essencial do tipo qualificado de crime (n.º 3 do art.º 360.º).
3. Com efeito, não só não foi produzida qualquer prova sobre o facto dos arguidos terem sido advertidos sobre as consequências de faltarem ao juramento;
4. Como a certidão da acta da audiência refere apenas que os arguidos prestaram o juramento legal, não constando dela que tivessem sido advertidos das consequências da sua falta.
5. Assim, foi incorrectamente julgado o ponto a.2 dos factos provados.
6. Consequentemente, não é aplicável o n.º 3 do art.º 360.º do CP, por não estarem preenchidos todos os seus requisitos.
7. A testemunha D... não poderia ter merecido qualquer credibilidade por parte do Tribunal.
8. A isso obstava, entre outros factos, a circunstância de lhe ter sido movido processo crime por falsificação de documento na sequência de ter juntado documentos falsificados aos autos onde os arguidos prestaram testemunho falso.
9. Por outro lado, é aplicável aos factos dos autos o art.364.º do Código Penal.
10. Tal preceito obrigava a uma atenuação especial da pena; e
11. Permitia a dispensa de pena.
12. 0 Tribunal a quo não aplicou esse preceito.
13. A pena aplicada aos arguidos é excessiva.
2 – Os Ex.mos representantes/magistrados do Ministério Público, na primeira instância e nesta Relação, pronunciaram-se pela insubsistência das razões invocadas e pela improcedência do recurso, (cfr. peças de fls. 223/233 e 298/299, respectivamente, cujo teor nesta sede se tem por integralmente reproduzido).
3 – Os recorrentes exerceram o direito de resposta ao parecer do Ex.mo Procurador-geral-adjunto, (previsto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP), reiterando a posição assumida na motivação, (cfr. fls. 305/308).
4 – Realizados os pertinentes actos/formalidades legais (vide arts. 418.º, 423.º e 424.º, máxime, do CPP), e mantendo-se a regularidade da instância, nada obsta à legal prossecução processual.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 – Em função do teor das conclusões da motivação apresentada (delimitadoras do âmbito do recurso, como decorre do normativo 412.º, do CPP, e é entendimento jurisprudencial uniforme [Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de processo Penal, 2.ª Ed., III, 335, e jurisprudência uniforme do STJ (por todos, Ac. STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, ano de 1999, pag. 196, e jurisprudência aí citada), bem como Simas Santos/Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5.ª Ed., pag. 74, e decisões aí referenciadas.], sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos indicados no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, de acordo com o Ac. do STJ para fixação de jurisprudência, de 19/10/1995, publicado no DR, I-A Série, de 28/12/1995), são as seguintes, pela respectiva ordem, as questões – suscitadas – analisandas:
a) Erro – notório – na apreciação da prova quanto aos pressupostos qualificativos da infracção criminal de falsidade de testemunho;
b) Omissão de especial atenuação da moldura penal referente à correspondente figura de delito (padrão/simples), ou de dispensa de pena;
c) Gravame sancionatório.
2 – Importa, para tanto – desde já – ter presente o que Ex.mo julgador teve por factualmente adquirido e como o justificou (por transcrição):
Pela discussão da causa, ponderada toda a prova produzida em audiência __ com especial relevo para o depoimento da testemunha de acusação, D... (queixoso nos autos de PCS nº 211/01.1 GBACB do 2º Juízo deste Tribunal), e para os depoimentos das testemunhas comuns à acusação e à defesa do arguido B..., F... (testemunha igualmente no julgamento onde os ora arguidos depuseram como testemunhas), e G... (pessoa que assistiu aos factos em discussão no autos do 2º Juízo deste Tribunal, mas não esteve presente no julgamento aí realizado), testemunhas que tinham conhecimento directo e pessoal acerca dos factos sobre os quais depuseram e efectuaram relatos claros e coerentes, que mereceram credibilidade por parte do Tribunal (sendo que as demais testemunhas inquiridas em audiência não tinham conhecimento dos factos em apreço nos presentes autos); e feita a análise das certidões judiciais de fls. 1-21 e 149-170; e dos certificados de registo criminal dos arguidos de fls. 93, 94 e 95 __, formou o tribunal a convicção que permite julgar provados os seguintes factos:
a.1) No dia 04/10/2002, com início pelas 10h15m, realizou-se uma audiência de julgamento no âmbito dos autos de processo comum com intervenção do tribunal singular nº 211/01.1 GBACB, que correram termos no 2º Juízo deste Tribunal, e onde era arguido E....
a.2) Naquela audiência, os ora arguidos, após terem prestado juramento na qualidade de testemunhas, e de terem sido advertidos das consequência legais a que se expunham, caso faltassem à verdade, prestaram depoimento enquanto testemunhas arroladas pelo aí arguido E....
a.3) Nessa altura, os arguidos C..., B... e A... declararam todos que, nas circunstâncias de tempo e lugar referenciados naquele processo, não houve qualquer conflito físico entre o D... e E....
a.4) Ao invés, o D... e as demais testemunhas inquiridas naquela audiência de julgamento declararam o contrário, de que o E... agrediu o D... ou de que este apresentava sinais evidentes de ter sido agredido.
a.5) A sentença, datada de 21/10/2002, proferida nos aludidos autos de processo comum com intervenção do Tribunal Singular nº 211/01.1 GBACB do 2º Juízo deste Tribunal, transitada em julgado em 05/11/2002, deu como provado que:
_ No dia 13/10/2001, pelas 18 horas, junto ao restaurante denominado “D. Dinis”, sito na Av. D. Dinis, em Ferraria de Pataias – Pataias (...) o arguido E... abeirou-se do ofendido D... e desferiu-lhe um empurrão.
_ Na sequência desse empurrão o ofendido foi embater com as costas no portão das traseiras do supra referido restaurante, tendo, de seguida, caído ao chão.
_ Tendo D... sofrido as lesões e os períodos de doença e de incapacidade para o trabalho ali descritos. Cfr. sentença certificada a fls. 7 e seguintes dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
a.6) Por via do que o E... foi condenado pela prática, como autor material, e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no artº 143º nº 1 do Cod. Penal, além do mais, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 7 €, o que perfez o montante global de 840 €, subsidiariamente 90 dias de prisão – Cfr. sentença certificada a fls. 7 e seguintes dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
a.7) Os arguidos quando prestaram depoimento na audiência de julgamento fizeram-no perante a autoridade judiciária competente, e bem sabiam que o seu respectivo depoimento não correspondia à verdade.
a.8). E cuja recolha tinha em vista a comprovação ou não da prática de determinados factos ilícitos imputados ao aí arguido E..., pai dos arguidos C... e B... e marido da arguida A....
a.9) Os arguidos agiram livre e conscientemente, bem sabendo que estavam obrigados a falar com verdade.
a.10) Sabiam que as suas respectivas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou:
a.11) Todos os arguidos são delinquentes primários.

Para além dos que ficaram descritos, não se provaram quaisquer outros factos.
Com base em tal juízo, discorreu:
[…] são elementos objectivos do tipo de crime legal em referência:
- a prestação de depoimento falso por parte de testemunha;
- perante tribunal;
- após o agente ter sido ajuramentado e advertido das consequências penais a que se expõe (elemento agravante da culpa - qualificador).
E são elementos subjectivos do tipo:
_ o conhecimento de que o depoimento é falso;
_ a intenção de prestar esse depoimento falso.
Analisada a estrutura típica do crime em referência, constata-se a prática, no caso vertente, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. nos termos do artº 360º do Cod. Penal já que da factualidade apurada resultou que os arguidos foram ajuramentados pelo tribunal (e, portanto, advertidos das consequências penais a que se expunham, em caso de falsidade de testemunho – cfr. artº 91º nºs 1 e 3 do Cod. Proc. Penal).
Efectivamente, procedendo ao enquadramento jurídico-penal da materialidade apurada no citado artº 360º nºs. 1 e 3 do Cod. Penal, concluímos, desde logo, pelo preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo legal em referência.
Além de típicas, as condutas dos arguidos são ilícitas, porque violadoras do bem jurídico tutelado pela censura penal (“in casu”, a realização da justiça).
E, finalmente, tais condutas são imputáveis a cada um dos arguidos a título de dolo directo (cfr. artº 14º nº 1 do Cod. Penal).
Indiciada a ilicitude da conduta de cada um dos arguidos, pelo preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo do tipo, não se verificam quaisquer causas que justifiquem a ilicitude ou que excluam a culpa de qualquer dos arguidos.
Agiram, então, os arguidos com culpa, manifestada pela existência de uma atitude pessoal contrária ao dever-ser jurídico-penal, pelo que concluimos que, mediante as condutas descritas, cada um dos arguidos integrou a prática, em autoria material, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. no artº 360º nºs 1 e 3 do Cod. Penal, o qual é punível com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
3 – Apreciando:
3.1 - Erro – notório – na apreciação da prova:
Erro notório na apreciação da prova consiste num vício de raciocínio na apreciação das provas, necessariamente evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, por si só (na sua globalidade, sem recurso a elementos externos) ou conjugado com o senso comum, (cfr. art.º 410.º, n.º 2, do CPP), imediatamente apreensível pela generalidade das pessoas (pelo cidadão comum ou homem médio), decorrente da violação pelo tribunal julgador das regras da experiência, da formulação de juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, ou do desrespeito de regras sobre o valor da prova vinculada, para concluir de modo contrário ao que seria normalmente/empiricamente dedutível/apreensível [Como é entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico, (cfr., por todos, Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal anotado, II vol., pag. 740, e in Recursos em Processo Penal, 5.ª Ed., pags. 65/68; Ac. do STJ, de 06/04/1994, CJ/STJ, t. 2/1994, pag. 186; de 10/03/1999, SASTJ, n.º 29, pag. 73; e de 13/07/2005, consultável em Acórdãos STJ, http://www.stj.pt/.; e desta Relação de Coimbra, de 12/11/2003 (Recurso 2050/03), disponível em http://www.dgsi.pt/jcrc.].
Porém, cuidadamente analisado o aresto em questão, particularmente o texto a propósito nele exarado, aí se observa coerente, clara e esclarecedora explicação (para qualquer pessoa de mediana capacidade discernitiva/compreensiva) do processo lógico-motivacional da convicção do Sr. Juiz, dele não se colhendono imediato, (sem recurso a outros dados externos) –, que, no exercício do seu soberano poder-dever de livre apreciação das provas (reunidas/produzidas) e de pessoal/individual/íntima susceptibilidade de decorrente convencimento, conferida pelo normativo 127.º (por referência ao preceituado no art.º 125.º, do C. P. Penal), houvesse cometido qualquer atropelo a tais regras.
Por conseguinte, não se observando de tal peça decisória qualquer – ostensivo – vício processual do processo de formação da sua pessoal convicção – única processualmente válida –, cabalmente explicado, (em conformidade com o preceituado no art.º 374.º, n.º 2, do CPP), mal se compreende a operada invocação da respectiva notoriedade/evidenciação.
Tanto quanto se alcança da aduzida argumentação a propósito da insuficiência probatória do elemento típico, qualificativo, da referida figura de delito – prévia advertência pelo Sr. Juiz presidente do acto de julgamento em que se produziram as assacadas atitudes comportamentais, sobre as respectivas consequências legais/criminais –, com manifesto equívoco conceitual, os recorrentes procuram, antes, meramente retirar – e fazer sufragar – a sua própria (divergente e interessada) inferência do acervo probatório reunido/produzido no âmbito processual, particularmente da certidão da acta da audiência de julgamento em que decorreu a – assumida – falsidade testemunhal, bem como do depoimento da testemunha D..., (cfr. conclusões 1.ª a 8.ª). Trata-se, por conseguinte, de diverso fundamento recursivo [por contraponto ao prevenido no art.º 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, com diversa consequência jurídico-processual, (cfr. normativos 426.º e 431.º, do mesmo diploma legal)].
Todavia, também neste particular se lhes não reconhece razão. Senão vejamos:
3.1.1 – Tocantemente ao depoimento do identificado cidadão D..., desde logo, por absoluta inobservância do ónus processual postulado pelo normativo 412.º, ns. 3, al. b), e 4, do CPP, já que em parte alguma da motivação e do respectivo quadro conclusivo foi validamente ilustrada/demonstrada a alegada razão de ser da invocada/respectiva incredibilidade (conclusões 7.ª e 8.ª), por necessária referência a qualquer objectivo dado probatório reunido nos autos – que, de qualquer modo, se não alcança – e/ou nos suportes técnicos do registo/gravação dos actos de produção probatória oral em audiência, com indispensável adequação impositiva de juízo diverso do produzido pelo julgador, (vd. citado preceito legal), e que, na lógica contextual da fundamentação recursiva, apenas se haveria que reportar à específica circunstância qualificativa do tipo (ajuramento com esclarecimento das consequências da falsidade declarativa) [E sempre com mera finalidade interpretativa do contexto do respectivo registo na correspondente acta, (cfr. art.º 393.º, ns. 2 e 3, do Código Civil).] , posto que tudo o mais foi expressamente admitido na motivação (!);
3.1.2 – A acta da audiência de julgamento de 04/10/2002, em cujo decurso os ora arguidos-recorrentes prestaram depoimento testemunhal, cuja certidão – invocada na fundamentação decisória – faz fls. 1 a 6 do presente processo, constitui documento autêntico, fazendo, pois, fé, quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais, a cuja documentação a lei obriga, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa, (cfr. arts. 99.º, 362.º e 169.º, do CPP, e 371.º, do Código Civil).
Foi redigida por funcionário de justiça [Escrivã-auxiliar Sónia Cristina Lopes.] , necessariamente sob a direcção do Ex.mo juiz que ao acto presidiu, e houve, por imposição legal, que se reduzir ao mínimo essencial à enunciação, em termos simplificados, das operações legais no respectivo acto processual realizadas, (cfr. normativos 100.º, n.º 1, e 169.º, do C. P. Penal; 370.º, n.º 1, do C. Civil; e 137.º e 138.º, n.º 1, do C. P. Civil, máxime).
Assim, é de empírica apreensão que a fórmula aí adoptada para representação dos actos de ajuramentação de todas as testemunhas – indicadas pelos então assistente D... e arguido E..., e não apenas os ora arguidos (!) – e sequente prestação informativa (depoimento), de “prestou juramento legal e depôs [Aliás comummente utilizada!] (realce nosso), quer claramente significar e abranger todo o ritual legal imposto ao juiz pelos artigos 323.º, al. d) – poder-dever de recebimento do juramento de testemunha – e 91.º, n.º 3 – obrigatoriedade de advertência prévia a tal interveniente processual do dever de prestar juramento e das consequências criminais/penais a que se sujeita se faltar à verdade que jure apresentar –, do CPP, e às testemunhas pelo citado normativo 91.º, n.º 1 – dicção da fórmula do juramento – e 348.º, ns. 4 e 5, do mesmo compêndio legal – prestação do depoimento.
Aliás, se assim o não entendessem os próprios recorrentes, decerto que teriam, em tempo oportuno (em instrução - que não requereram - ou em julgamento) suscitado o único/necessário/específico meio válido à infirmação do correspondente entendimento já plasmado na peça acusatória, o processo incidental de falsidade, previsto no art.º 170.º, n.º 1, do CPP, (cfr. ainda art.º 372.º, do C. Civil).
Destarte, sem outras considerações, por inócuas, haver-se-á, inexoravelmente, que concluir pelo reconhecimento do acerto analítico e decisório do julgador tocantemente à verificação, no caso, da circunstância qualificativa do imputado ilícito criminal de falsidade de testemunho, tipificada no n.º 3 do art.º 360.º do C. Penal.
3.2 - Omissão de atenuação especial da moldura penal ou de dispensa de pena:
A este propósito alegam os recorrentes que ao Sr. Juiz se imporia o dever, omitido, de atenuação especial da pena referente ao crime cuja autoria foi nesta fase recursiva expressamente por todos assumida, de falsidade de testemunho na forma simples, p. e p. pelo citado normativo 360.º, n.º 1, do C. Penal, por a tal obrigar o dispositivo 364.º, do mesmo diploma, (vd. conclusões 9.ª a 12.ª), invocando para tanto, na motivação, a relação de familiaridade (cônjuge e filhos) com o cidadão naqueloutro processo arguido, e o propósito de evitação da sua condenação, circunstâncias prevenidas sob a al. b) do preceito, [vd. item 2.c), a fls. 185/186].
De facto, aí se postula que “As penas previstas nos artigos 359.º, 360.º e 363.º são especialmente atenuadas, podendo ter lugar a dispensa de pena, quando:
[…]
b) O facto tiver sido praticado para evitar que o agente, o cônjuge, um adoptante ou adoptado, os parentes ou afins até ao 2.º grau, ou a pessoa que com aquele viva em condições análogas às dos cônjuges, se expusessem ao perigo de virem a ser sujeitos a pena ou a medida de segurança.”
É inquestionável que os arguidos ora recorrentes, enquanto cônjuge e filhos de E..., a favor de quem prestaram o reconhecido/declarado depoimento falso, reúnem condições abstractas de beneficiação do privilegiamento em tal dispositivo consagrado, (cfr. ainda arts. 1758.º a 1781.º, máxime, do Código Civil).
Porém, já não temos por segura a verificação dos demais necessários pressupostos.
Para que se pudesse equacionar a aplicabilidade do(s) referido(s) benefício(s) seria mister que se tivesse por seguro que o falseamento informativo houvesse sido produzido em estado de coacção emocional decorrente da alternativa do depoente em depor com veracidade e, por tal sorte, condicionar, de imediato, o perigo de sujeição do familiar a uma reacção penal, ou de falsear a verdade, e, assim, subtrair ao tribunal o conhecimento de dados com essencial adequação incriminatória, e, consequentemente, impedir a sua condenação. Ou seja, teria de haver um nexo de causalidade adequada entre um e outro comportamento e as respectivas consequências jurídico-probatórias criminais, gerador do conflito interno, de consciência, moral, emocional, do depoente sobre a pessoal atitude a tomar: fala verdade e condiciona a condenação; mente e logra a liberação do arguido-familiar [Assim, A. Medina de Seiça, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, pags. 516/518.].
Ora, no caso, a sorte processual do marido e progenitor, E..., não se encontrava de todo dependente das prestações informativas da mulher e filhos, ora arguidos, já que outras testemunhas existiam, como os próprios expressamente reconhecem na motivação. Portanto, a recolha probatória atinente à demonstração da assacada acção comissiva-delitiva do identificado familiar, e da respectiva culpabilidade, não ficaria em absoluto condicionada ou comprometida pela postura processual que viessem a adoptar – exercício do direito de recusa a depor, conferido pelo normativo 134.º, n.º 1, al. a), do C. P. Penal, de que foram expressa e legalmente informados, (cfr. acta certificada a fls. 1/6); prestação de depoimento conforme com a pessoal percepção da realidade histórica, ou respectivo falseamento, por que optaram. Daí que se não possa juridicamente asseverar da existência de tal dicotomia emocional, conflitual, sempre dificilmente sustentável em função da opcional escolha de depor ou não, conferida pelo citado dispositivo 134.º, n.º 1, al. a), do CPP, e que, aliás, não apresentaram em julgamento, já que exerceram o direito ao silêncio, previsto no art.º 343.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal, (vd. acta de fls. 139/144), privando, por consequência, o julgador, da sua eventual consideração.
Por conseguinte, inverificada que é a reunião dos necessários/referidos pressupostos, ter-se-á, outrossim, que concluir pela inaplicabilidade aos identificados sujeitos do invocado normativo 364.º, do C. Penal, em qualquer das prevenidas modalidades, mormente a atenuação especial da pena – naturalmente, a referente ao tipo qualificado, em razão do explanado sob o anterior item 3.1 –, já que à dispensa de pena sempre se oporia a premente necessidade de comum contenção de similares atitudes comportamentais (prevenção geral), que com preocupante e desassombrada leviandade e sentimento de impunidade grassam pelo país, como é do conhecimento comum e particular dos operadores judiciários, [vd. ainda art.º 74.º, n.º 1, al. c), do C. Penal].
3.3 - Gravame sancionatório:
Finalmente, sob a conclusão 13.ª – com desconcertante ligeireza, e sem sequer se preocuparem com a realização do ónus legal definido no normativo 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP, (que lhes defere o encargo da indicação das normas jurídicas violadas e do respectivo entendimento sobre o sentido em que o tribunal recorrido interpretou ou aplicou as pertinentes normas legais de definição/concretização sancionatória e o que deveria ter adoptado) –, adjectivam os recorrentes de excessivas as reacções penais que lhes foram impostas.
É por demais manifesta a inidoneidade argumentativa à particular modificação da decisão recorrida, por absoluta omissão indicativa dos preceitos legais violados, e explicativa – quer na motivação, quer no quadro conclusivo – da jurídica razão de ser da discórdia com o decidido, em conformidade com o estatuído no referido art.º 412.º, ns. 1 e 2, als. a) e b), do CPP, e por não se reconhecerem, de todo, no acto decisório, os – vagos – reparos apontados na fundamentação – de gravosa afectação da economia familiar, que, sem qualquer apoio no quadro factual tido por provado, máxime por efeito da pessoal opção de recusa à prestação declarativa/informativa, ainda que sobre as condições vivenciais, agora procuram caracterizar, (vd. ponto 2.d), a fls. 167) –, já que tudo foi minuciosa e criteriosamente ponderado, como do texto da respectiva fundamentação – nesta sede tido por transcrito – bastantemente flúi.
III – DECISÃO

Pelo exposto – sem outras considerações por despiciendas –, delibera-se na Secção Criminal da Relação de Coimbra:
1 – Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelos identificados cidadãos-arguidos A... (e filhos) B... e C..., assim confirmando a decisão recorrida.
2 – Condená-los – individualmente – ao pagamento da soma pecuniária equivalente a 5 (cinco) UC, a título de taxa de justiça, pelo respectivo decaimento, [cfr. normativos 513.º, n.º 1, do CPP, e 82.º e 87.º, n.º 1, al. b), do Código das Custas Judiciais].
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(Consigna-se, nos termos do art. 94.º, n.º 2, do C. P. Penal, que o antecedente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário).
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Coimbra, 22 de Março de 2006.
Os Juízes-desembargadores:
(Abílio Ramalho, relator)
(João Ataíde da Neves)
(Gabriel Catarino)