Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
705/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
TRIBUNAIS DE FAMÍLIA E MENORES
ACÇÃO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENOR
Data do Acordão: 05/10/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: -
Legislação Nacional: ARTºS 117º E 118º DO CPC .
Sumário: I – No domínio da competência territorial dos tribunais, a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que tenha sido oficiosamente suscitada, devendo o processo ser remetido para o tribunal que foi julgado competente .
II – Uma vez transitada em julgado a decisão que conheça dessa excepção, ela impõe-se dentro e fora do processo, tornando-se definitivamente vinculativa não só para o tribunal que a profere, como também para aquele outro que venha a ser julgado competente por essa decisão .
Decisão Texto Integral:
Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. O exmº sr. Procurador Geral Distrital junto deste Tribunal veio, à luz do artº 117 do CPC, requerer a resolução do conflito negativo de competência suscitado entre o srº Juiz do 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Coimbra e o srº juiz do 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Aveiro, em virtude de ambos terem declinado, por despachos transitados em julgado, a competência (atribuindo-a cada um ao outro) do respectivo tribunal para continuar a tramitar o processo (e conhecer da questão nele entretanto suscitada), ali identificado, de promoção e protecção da menor A....

2. Notificadas que foram as entidades judiciárias em conflito, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 118 do CPC, pautaram-se pelo silêncio.

3. O exmo. representante do MºPº, junto deste tribunal, emitiu parecer no sentido do conflito ser resolvido a favor do srº juiz do Tribunal de Família e Menores de Coimbra, ou seja, atribuindo-se a competência para o efeito ao Tribunal de Família e Menores de Aveiro.

4. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

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II- Fundamentação

1. De Facto

Muito embora se nos afigure que a instrução do processo não seja modelar, todavia, dos vários documentos juntos aos autos, é possível extrair, com relevância, os seguintes factos:

1.1 No 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Coimbra foi instaurado um processo tutelar de promoção e protecção referente à menor A..., o qual foi autuado com o nº 1012/2001.

1.2 Menor essa que então residia com a sua mãe em Coimbra.

1.3 Nesse Tribunal foi inicialmente (em 1/7/2003) aplicada à menor a medida (tutelar) de acolhimento familiar, a qual veio depois a ser convertida na medida de acolhimento em Instituição.

1.4 Mais tarde, na sequência da aplicação desta última medida, o Tribunal de Família e Menores de Coimbra, por decisão proferida em 21/6/2004, confiou a referida menor à guarda e aos cuidados do Centro de Acolhimento “O Astrolábio”, sediado em Vagos.

1.5 Posteriormente, e na sequência de questões incidentais suscitadas sobre a possibilidade da menor poder passar as quadras natalícias e as férias com a mãe, o srº juiz daquele Tribunal de Coimbra proferiu, com data de 26/10/2004, despacho a declarar, com base nos fundamentos aí aduzidos, incompetente (em razão do território) esse Tribunal para continuar a tramitar o sobredito processo. Para essa incompetência invocou o facto de a menor ter a sua residência, há mais de três meses, na área da comarca do Tribunal de Vagos, pelo que ordenou, em consequência, e após o trânsito desse seu despacho, a remessa do processo ao Tribunal com jurisdição sobre tal área.

1.6 Despacho esse que veio a transitar em julgado 02/11/2004, após o que, no cumprimento do mesmo, foram os autos remetido ao Tribunal de Família e Menores de Aveiro (onde foram distribuídos ao 1º juízo e autuados com o nº 753/04.7TMAVR).

1.7 Porém, o srº juiz a quem foi distribuído o processo, por despacho, datado de 3/12/2004, declinou também a competência deste último tribunal para tramitar o mesmo. Assim, com base nas razões aduzidas em tal despacho – e que andam à volta das interpretação do conceito de residência da menor – julgou tal tribunal incompetente, em razão do território, para assumir o processamento do aludido processo, deferindo tal competência àquele 1º Tribunal de Família e Menores de Coimbra (mantendo, assim, a sua competência inicial).

1.8. Tal despacho transitou em julgado em 20/12/2004.

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2. De Direito

Começaremos por afirmar que o conflito acima aludido envolve dois tribunais de competência especializada, sediados na área deste Tribunal, em que ambos declinam a respectiva competência (atribuindo-a ao outro) para assegurar a tramitação do processo tutelar, acima id., de promoção e protecção referente a uma menor, e cujo regime se encontra regulado na Lei nº 147/99 1/9 (Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo).

E daí a competência deste Tribunal para solucionar tal conflito (cfr. artºs 115, nº 2, e 116, nº 1 – 2ª parte – do CPC, 47 e 56, nº 1 al. d), da LOFTJ).

Porém, na realidade, e como iremos ver, o caso em apreço configura mais um conflito de competência aparente do que real, e pelas razões que, suscintamente, passaremos a enumerar.

É inquestionável (e nisso os tribunais em conflito estão de acordo) estarmos perante um conflito de competência em razão do território.

Como é sabido, a infracção às regras de competência territorial configura a chamada incompetência relativa (cfr. artº 118 do CPC – diploma ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionarmos somente o normativo sem a indicação da sua origem).

Ora, nesse domínio ou âmbito, estatui o nº 2 do artº 111 que a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que tenho sido oficiosamente suscitada”, devendo, no caso da excepção (de incompetência) ser julgada procedente, o processo ser remetido para o tribunal que foi julgado competente (cfr. nº 3 do citado normativo, e tendo sempre presente caso sub júdice) – sublinhado nosso.

Assim, e enquanto que, nos termos do artº 106, a decisão sobre a incompetência absoluta , embora transitada em julgado, não tem, em regra, valor fora do processo em que foi proferida, já a decisão proferida sobre a incompetência relativa, em razão do território, assume a natureza e a força de caso julgado. Aliás, isso mesmo já sucedia na vigência do CPC de 1939, conforme referia o prof. Alb. dos Reis (in “CPC Anotado, 3ª ed. pág. 247”).

Com a doutrina consagrada no citado nº 2 do artº 111 visa-se, desse modo, impedir que a questão da competência territorial, já apreciada por um tribunal, volte a ser reapreciada por um outro, ainda que com base em argumentos ou fundamentos diferentes, estando subjacentes a tal norma interesses de celeridade processual e bem como de boa imagem da administração da justiça.

Assim, e uma vez transitada em julgado, a decisão que conheça (mesmo que oficiosamente) a excepção dilatória de incompetência territorial, impõe-se dentro e fora do processo, ou seja, torna-se definitivamente vinculativa não só para o tribunal que a profere, como também para aquele outro que, porventura, venha, em consequência dessa decisão, a ser julgado competente para apreciar a causa (cfr., a propósito, o prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., LEX 1997, pág. 133”; o prof. Lebre de Freitas, in “ Código de Processo Civil, Anotado, vol. 1º, Coimbra Editora 1999, pág. 205” e Cons. Lopes do Rego, in “Comentário ao Código de Processo Civil, Almedina, pág. 105”).

Ora, voltando ao caso em apreço, verifica-se que o srº juiz do 2º Juízo Tribunal de Família e Menores de Coimbra, a dada altura declarou esse tribunal incompetente, em razão do território, para continuar a assegurar a tramitação do sobredito processo, entendendo ser competente para o efeito o tribunal área da Instituição onde a menor em causa se encontrava confiada, ou seja, o Tribunal de Família e Menores de Aveiro.

Dessa decisão não foi oportunamente interposto qualquer recurso (que no caso só era admissível até esta Relação – cfr. nº 4 do artº 112).

Logo, tendo tal despacho transitado em julgado (em 02/11/2004), não poderia o srº juiz do 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Aveiro, deixar de aceitar a competência que lhe foi deferida na sequência da prolação do despacho proferido por aquele tribunal. Despacho esse que se tornou para si vinculativo, já que regulou, como se viu, definitivamente a questão do tribunal competente para continuar a tramitar o referido processo. E isso independentemente de não concordar com os fundamentos que foram aduzidos pelo srº juiz daquele tribunal que deferiu a competência a esse seu tribunal (muito embora se diga – e sem querermos entrar no fundo da questão, por tal não se justificar e nem o impor o caso em apreço – que srº juiz de Coimbra tem a seu favor a corrente de opinião que se nos afigura ser dominante, quer a nível da nossa doutrina, quer a nível da nossa jurisprudência).

E daí a afirmação acima feita, que não se poderia configurar o caso sub júdice como um real conflito negativo de competência.

Todavia, o que é certo, embora não o devendo fazer, é que o srº juiz do Tribunal de Aveiro, não acatando, de forma ilegal aquela 1ª decisão, veio também a proferir um novo despacho no qual, apreciando novamente a questão da competência territorial, declinou a competência do seu tribunal, deferindo novamente a mesma ao Tribunal de Família Menores de Coimbra.

Despacho esse, que também veio a transitar em julgado (em 20/12/2004).

E, sendo assim, quid iuris?

A questão terá, desse modo, de ser resolvida à luz do estatuído no artº 675, nºs 1 e 2, ou seja, deverá então cumprir-se o despacho decisório que primeiramente transitou em julgado.

Ora, pelo que atrás de deixou expresso, foi o despacho do srº juiz do 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Coimbra que primeiro transitou em julgado, pelo que será esse que deverá ser cumprido. E nesses termos o conflito deverá ser resolvido a favor daquele srº juiz, e no sentido de que será o Tribunal de Família e Menores de Aveiro o competente para continuar a tramitar e a conhecer do sobredito processo. Decisão essa que, aliás, vai ao encontro da corrente de opinião que também na nossa jurisprudência é esmagadoramente dominante, e sobretudo a nível do nosso mais alto tribunal (vidé, por todos, Acs. do STJ de 17/2/2005, de 05/12/2002, de 29/1/2004; de 10/2/2004 e de 8/5/2003 in “www.dgsi.pt/jstj” - sendo que os três primeiros abordam abordam questões em tudo idênticas à destes autos, e com a coincidência de um dos tribunais em conflito nos dois primeiros ser também o Tribunal de Família e Menores de Aveiro - e ainda Acordão desta Relação e Secção de 15/11/2004, in “proc. 1604/04”).

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III- Decisão

Assim, por tudo o atrás exposto, decide-se o presente conflito no sentido de atribuir ao 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Aveiro a competência para continuar a conhecer e a tramitar o sobredito processo.

Sem custas

Coimbra, 03/05/2005