Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC5270 | ||
Relator: | BARRETO DO CARMO | ||
Descritores: | AMEAÇA | ||
Data do Acordão: | 12/12/2001 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO | ||
Decisão: | . | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL | ||
Legislação Nacional: | ARTº. 412º/2/4 DO CÓDIGO PROCESSO PENAL E 153º DO CÓDIGO PENAL | ||
Sumário: | I - Se na motivação, embora faça transcrições de depoimentos, o recorrente não referencia nem o suporte magnético nem onde, nesse suporte se encontram os depoimentos, não obedece o recurso aos requisitos do art. 412º/3/a)/b)/4 do Código Processo Penal, pelo que tudo se passa como se não estivessem feitas as referências a prova produzida em audiência, e gravada. II - O crime de ameaças enquadra-se nos crimes contra a liberdade pessoal. III - O Código Penal acolhe a liberdade individual como um "bem jurídico intrassocial", sendo que, a tutela penal da liberdade é, por excelência, uma tutela negativa, na medida em que visa impedir as acções de terceiros que afectem a liberdade de acção e de decisão individual e uma tutela pluridimensional, uma vez que assume as diversas manifestações da liberdade pessoal (liberdades de autodeterminação, de movimento, de acção sexual). O bem jurídico protegido pelo art. 153º é a liberdade de decisão e de acção. IV - Neste tipo objectivo de ilícito, o conceito "Ameaça" apresenta 3 caracteristicas essenciais. 1 - Mal: O mal tanto pode ser de natureza pessoal (ex. lesão à saúde) como patrimonial (ex destruição de automóvel ou danificação de um imóvel); 2 - Futuro: O mal ameaçado tem que ser futuro, isto é, o mal, objecto da ameaça, não pode ser iminente, pois, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respectivo acto violento (art. 22º/2 c), do respectivo mal (esta característica temporal da ameaça e um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coacção, entre a ameaça e a violência - ex.. haverá ameaça, quando alguém afirma "hei-de-te matar"; já se tratará de violência quando alguém afirma "vou-te matar já"), sendo, irrelevante que o agente refira ou não o prazo dentro do qual concretizará o mal, e que, referindo-o, este seja curto ou longo. 3 - Que dependa da vontade do agente: E indispensável que a ocorrência do mal futuro apareça como dependente da vontade do agente, sendo, esta característica permite a distinção entre a ameaça e o simples aviso ou advertência; É indiferente a forma que revista a acção de ameaçar: tanto pode ser oral (directa ou por via telefone) escrita (assinada ou anónima), gestual, ou se sirva de interposta pessoa. 4 - Que se ameace com prática de crime contra a vida, integridade física, liberdade pessoal, liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor; o mal ameaçado, isto é, o objecto da ameaça, tem que configurar em si mesmo um facto ilícito típico, não sendo necessário que seja culposo, sendo que, o crime objecto do crime de ameaça tanto pode configurar uma acção como uma omissão. V - Por outro lado, o crime objecto da ameaça tem que ser um crime contra a vida (131º e ss); um crime contra a integridade física (143º e ss); um crime contra a liberdade pessoal (153º e ss.); um crime contra a liberdade e autodeterminação sexual (163º e ss); bens patrimoniais de considerável valor, que equivale a "valor elevado" do artº 202º a). VI - O art. 153º exclui dos crimes susceptíveis de serem objecto dos crimes de ameaça, os crimes contra a honra, de modo que, a ameaça de divulgação de um facto gravemente afectador do bem nome nunca configurará um crime de ameaça - podendo configurar um crime de coacção -154º, ou de extorsão - 22º/2). VII - O sujeito passivo é outra pessoa; vítima do crime de ameaça é o destinatário da ameaça, pelo que, a pessoa objecto da ameaça e a pessoa objecto do crime ameaçado poderão não coincidir, sendo certo que, a pessoa objecto do crime ameaçado tem que estar para com o ameaçado, numa relçação de proximidade existencial (caso contrário a ameaça não aparecerá como susceptível de provocar no ameaçado "medo ou inquietação ao ponto de "prejudicar a liberdade de autodeterminação do ameaçado"). VIII - Importa ainda que haja conhecimento da ameaça por parte do sujeito passivo dela; o conhecimento da ameaça por parte do sujeito passivo dela, é elemento integrante do tipo objectivo do ilícito da ameaça ("ameaçar outra pessoa"), isto é, é indispensável para o preenchimento do tipo, que ameaça chegue ao conhecimento do seu destinatário (não chegando haverá tentativa não punível, dada a moldura penal estabelecida - artº 23º/1), sendo este o momento da consumação deste crime. XI - A ameaça tem de ser adequada a provocar no ameaçado medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação: o crime de ameaça é (actualmente) um crime de perigo concreto, isto é, exige-se apenas que a ameaça seja susceptível de afectar a liberdade de determinação e que na situação concreta, seja adequada a provocar medo ou inquietação, não sendo necessário que, em concreto tenha provocado medo ou inquietação, ou afectado a liberdade de determinação, sendo que, o critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação é um critério objectivo individual, isto é, o critério do homem comum, médio (pessoa adulta e normal), tendo em conta as características individuais do ameaçado; assim, ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é susceptivel de ser tomada a sério pelo ameaçado (tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente). X - A ameaça é qualificada, nos termos do nº 2 do art. 153º que estabelece um crime de ameaça qualificada pela gravidade do crime ameaçado; as espécies de crimes que podem ser objecto das ameaças qualificadas são exactamente as mesmas do n.º 1 do art. 153º (ex.: a ameaça de ofensas corporais graves - 144º, constitui ameaça qualificada - 153º/2; a ameaça de ofensas corporais simples - 143º, constitui o crime de ameaça do n.º 1). XI - O crime de ameaças exige o dolo, sendo suficiente o dolo eventual; o dolo tem que abranger a adequação da ameaça a provocar no ameaçado medo ou inquietação, e, pressupõe que o agente tenha vontade de que a ameaça chegue ao conhecimento do ameaçado, sendo, irrelevante que o agente tenha ou não a intenção de concretizar a ameaça. | ||
Decisão Texto Integral: |