Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
810/08.0TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: COSTA FERNANDES
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
GUARDA DE MENOR
Data do Acordão: 06/02/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 1905º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. O critério essencial a ter em conta na regulação do poder paternal (exercício das responsabilidades parentais) é o do interesse do menor;
2. A lei não fornece uma noção de interesse do menor, tratando-se de um conceito indeterminado que terá ser concretizado, em conformidade com as orienta- ções legais sobre o conteúdo do poder paternal (responsabilidades parentais), desig- nadamente as respeitantes à segurança e saúde do menor, ao seu sustento e educa- ção, ao seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, à sua instrução geral e profis- sional, à auscultação da sua opinião, de acordo com as suas idade e maturidade, e à sua autonomização progressiva;

3. A escolha do progenitor a quem o menor deve ser confiado deve recair no que esteja em melhores condições de lhe assegurar um desenvolvimento sadio, a nível físico, psíquico, afectivo, moral e social, bem uma correcta estruturação da personali- dade;

4. Em regra, os irmãos devem crescer juntos, sendo isso relevantíssimo para a sua estabilidade emocional e adequada estruturação da personalidade, pelo que a possibilidade de os reunir deve ser ponderada na escolha do progenitor a quem devem ser confiados;

5. Face ao disposto no art. 158º, 1, c), da OTM, não é legalmente possível a impugnação da matéria de facto, de harmonia com o estatuído pelo art. 712º, 1, a), segunda parte, do Cód. Proc. Civil, mas sem prejuízo da reponderação permitida pelo mencionado nº 1, b) e c);

6. A Relação poderá determinar a ampliação da matéria de facto, de harmonia com as disposições conjugadas dos arts. 1409º, 2, e 712º, 4, do Cód. Proc. Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção do Tribunal  da Relação de Coimbra:

           

I. Relatório:

O Ministério Público, em representação dos menores A... e B.... requereu a regulação do poder paternal dos mesmos, contra os respectivos progenitores:

 C... , residente na.....; e

 D... , contribuinte fiscal nº 215 750 454, residente na .....

No âmbito da conferência a que se reporta o art. 175º da Organização Tutelar de Menores (OTM), foi fixado um regime provisório de regulação do poder paternal, tendo os menores sido confiados à guarda e cuidados do pai e estabelecido um regime de visitas à mãe, bem como uma pensão de alimentos a cargo desta – cfr. 40 e 41.

            Por sentença de fls. 440 a 457, foi decidido:

 1) Atribuir a guarda dos menores à mãe, a qual deverá exercer o poder paternal relativamente aos mesmos;

 2) Estabelecer o seguinte regime de visitas:

     a) O pai poderá passar, quinzenalmente, o fim-de-semana na companhia dos filhos, indo, para tanto, buscá-los à residência da mãe, até às 10H00 de sábado, e vin- do esta buscá-los, à residência dele, às 17H00 de domingo, no horário de Inverno, ou às 18H30, no horário de Verão;

     b) No período natalício e pascal, os menores deverão passar uma semana das suas férias escolares com o pai, passando: nos anos ímpares, a véspera e o dia de Natal com este e a «passagem» de ano com a mãe; nos anos pares, passarão a véspera e o dia de Natal com a progenitora e a «passagem» de ano com o pai;

    c) Nos indicados períodos de férias, o pai deverá ir buscar os menores à casa da progenitora destes e, findos os aqueles, a mãe irá buscá-los à residência do proge- nitor;

    d) Os menores poderão passar 20 (vinte) dias das férias escolares de Verão com o pai, devendo este transmitir à mãe deles, qual o período em que pretende tê-los na sua companhia, com antecedência suficiente, de forma a permitir que ela possa organizar as suas férias;

      e) O pai dos menores poderá visitá-los, na casa da mãe, sempre que aí se desloque, sem prejuízo das obrigações escolares e das horas normais de descanso deles, devendo a progenitora, sempre que se desloque à zona onde reside o requeri- do, avisá-lo com antecedência, de modo a que este possa ver conviver com os filhos;

3) O requerido deverá pagar mensalmente, até ao dia oito de cada mês, o mon- tante de 85,00 € (oitenta e cinco euros), a título de alimentos, a favor de cada um dos filhos, num total de 170,00 €, quantia que será depositada em conta bancária a indicar pela requerida. Esse montante será actualizado, em Janeiro de cada ano, em percen- tagem idêntica à da inflação.


***

          O requerido recorreu, pretendendo a revogação da sentença e que os filhos lhe continuem confiados, tendo alegado e formulado as seguintes conclusões:

            1ª Apesar de todas as vicissitudes inerentes à vida conjugal, o recorrente ence- tou sempre todos os esforços para cumprir os seus deveres de marido e pai;

2ª A requerida sem motivo aparente, nem qualquer aviso ou justificação, em me-ados de Junho de 2007, saiu inadvertidamente do lar conjugal, tendo estado ausente durante cerca de três dias consecutivos, sem dar notícias;

3ª Tendo valido, nessa ocasião, aos menores A... e B...a dedicação e carinho do recorrente;

4ª A requerida cometeu adultério que inequivocamente assume nestes autos, tendo inclusive arrolado como sua testemunha o actual companheiro, E... ;

5ª Mercê do comportamento reiterado da requerida, o recorrente moveu-se com os menores, em Agosto de 2007, para a localidade de ...., concelho de G...;

6ª Aí, os menores A... e B...têm encontrado a paz e tranquilidade de que necessitam para crescer em harmonia e segurança;

7ª Durante o mês de Dezembro de 2007, recorrente e requerida reataram o res-pectivo e enlace conjugal, tendo esta ido viver para ...., junto do marido e filhos de ambos;

8ª Ambos renunciaram, em 09-01-2008, à prossecução dos autos de regulação do exercício do poder paternal que corria termos no 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de H..., sob o nº 5575/07.0TBCSC – cfr. fls. 39;

9ª Em Março de 2008, sem qualquer comportamento do recorrente que o moti- vasse, a requerida voltou a manifestar o seu propósito de terminar a relação e abando- nar, de novo, o lar conjugal, o que veio a suceder definitivamente, encontrando-se, desde essa data, separados de facto;

10ª Desde essa altura, tem sido o recorrente a acompanhar e diligenciar pelos cuidados, protecção e bem-estar dos menores;

11ª É o recorrente quem acompanha o processo educativo dos menores;

12ª É o recorrente quem tem contribuído com os respectivos rendimentos do tra- balho para o sustento, saúde e educação dos menores, trabalhando arduamente para que nada lhes falte;

13ª É o recorrente quem teve de acudir, com todas as suas forças e empenho, para garantir a estabilidade psicológica e emocional dos menores, tendo para o efeito e no que concerne particularmente ao A..., tratado do respectivo acompanhamento em especialidade, nos Serviços de Pediatria/Psicologia do Hospital ...., em G..., onde ainda, nesta data, continua a ser observado pela Drª I... , psicóloga;

14ª O recorrente é uma pessoa trabalhadora, dedicada e esforçada, exerce a actividade de mecânico de automóveis, em regime de trabalho independente, auferin- do mensalmente cerca de 1.000,00 € (mil euros);

15ª O recorrente vive na localidade de ...., numa casa arrendada pela qual paga 140,00 € (cento e quarenta euros) de renda mensal e que tem excelentes condições de habitabilidade;

16ª O menor A... está matriculado, inscrito e frequenta o 2º ano de escolari-dade na Escola Básica de ....;

17ª A menor B...passa o dia com os avós paternos, os quais, ele aposenta- do e ela doméstica, têm perfeitas condições para garantir a segurança e desenvolvi- mento da menor, em condições de afecto, durante o período de trabalho do recorrente;

18ª O recorrente tem uma situação de estabilidade pessoal e económica;

19ª O recorrente dedica aos filhos toda a atenção, carinho e afecto, de modo a que nunca lhes falte nada;

20ª 0 recorrente esforça-se para que os filhos tenham todos os cuidados de ali- mentação, saúde, bem-estar e desenvolvimento, para que não lhes falte nada e pos- sam crescer saudáveis e felizes;

21ª No cumprimento de tal desiderato, o recorrente conta com a ajuda e colabo- ração incondicionados de seus pais, avós paternos, sobremaneira da parte da avó pa- terna;

22ª Em suma, o recorrente reúne todas as condições para que os filhos sejam confiados à sua guarda e cuidados, devendo ser-lhe atribuído o exercício do poder pa- ternal relativamente aos menores;

23ª Face à atitude da requerida indicada em 9), o recorrente viu-se na contin- gência de promover, em 12 de Maio de 2007, junto dos Serviços do Ministério Público de G... a regulação do exercício do poder paternal relativamente aos meno- res A... e B...– fls. 1 a 6;

24ª Em 15-07-2008, no âmbito dos presentes autos, foi fixado um regime provi- sório de regulação do poder paternal relativamente aos menores a favor do recorrente – fls. 40 e 41;

25ª Tal regime acautela inequivocamente os interesses do A... e B..., pelo que deverá, a final, ser decretado, a título definitivo, nestes autos, dando-se aqui por reproduzido – fls. 290 a 292;

26ª Os processos 53 e 53-A/2007 promovidos junto da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens pela requerida foram ambos arquivados, por não se verificar qualquer situação de perigo para os menores – fls. 64 a 174;

27ª Todos os relatórios até à presente data elaborados sobre as condições de vida de recorrente e requerida e sobre as condições emocionais e afectivas dos filhos de ambos, determinam inequivocamente que o recorrente tem competências para o exercício do poder paternal quanto aos menores - cfr. fls. 263 a 267;

28ª O relatório elaborado em sede de observação psicológica na pessoa do me- nor A..., no Serviço de Pediatria do Hospital ...., em G..., constante de fls. 286 a 287, é sintomático do que se acaba de referir, dando aqui por integralmente reproduzido, com especial ênfase na seguinte afirmação que, para os devidos efeitos aqui se invoca, " ... Tanto o pai como a mãe são figuras de referência para esta criança, mas na nossa opinião, a mãe, com as suas saídas de casa, tem contribuído para a instabilidade emocional do A... ... " … Podemos verificar que existe um bom relacionamento entre o A... e o pai, que se tem mostrado bastante preocupado com o bem-estar do filho ... "  - sublinhado do recorrente;

29º Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida violou o estipulado no art. 1905º, 2, do Código Civil, na redacção anterior à Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, e 1906º, 5, do mesmo diploma, com a redacção agora em vigor, pois não foram ponderados, em primeiro lugar, os interesses dos menores como competia;

30ª A douta sentença recorrida privilegiou de entre os pais a recorrida, pelo sim- ples facto de ser mãe, sendo que, no caso dos autos, é o recorrido que reúne todas as condições e as melhores condições para que os filhos lhe fiquem confiados, face ao que é manifesto que a douta sentença recorrida violou o estipulado no art. 36º, 3, da Constituição da República Portuguesa:

31ª A douta sentença recorrida enferma ainda da nulidade prevista na alínea c) do art. 668º do C. Proc. Civil, pois os fundamentos de facto e de direito estão em clara oposição com a decisão, a qual, face à matéria de facto reputada como provada, im- põe que ao recorrente seja atribuído o exercício das responsabilidades parentais.

Juntou uma certidão passada pelo Exmº Presidente do Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas Afonso de Paiva, em G..., a 21-11-2008, do qual resulta que:

- O processo individual do menor A... nunca foi enviado ao Agrupamento de de Escolas de ....;

- Em 20-08-2008, foi recebido no agrupamento de escolas referido em primeiro lugar, um Boletim de Transferência do menor, assinado pela mãe, solicitando a sua transferência para o Agrupamento de ..... 

Tais documentos são admissíveis, nos termos do art. 524º, 2, do Código de Pro- cesso Civil, face ao teor do nº 38, segunda parte, do elenco de factos provados.


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            A recorrida contra-alegou, propugnando pela confirmação da sentença, tendo referido, em síntese, que:

            - O efeito suspensivo atribuído ao recurso deverá ficar condicionado a prestação de caução;

            - Deve ser rejeitado o recurso, no que se refere à matéria de facto, uma vez que o recorrente não fez a indicação dos concretos pontos que considera incorrectamente julgados, nem as passagens da gravação dos depoimentos em que funda a sua discordância;

            - O recorrente não indicou nas conclusões qualquer norma jurídica que haja sido violada.


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            O Ministério Público não contra-alegou.

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            O recurso foi admitido como apelação, com efeito suspensivo. Todavia, por des- pacho de fls. 678, esse efeito foi alterado, de harmonia com as disposições conjugadas dos arts. 185º, 1, da Organização Tutelar de Menores (OTM), e 703º, 1, Cód. Proc. Civil.

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Na sequência do despacho de fls. 598, o recorrente, a fls. 606 e 607, fez um aditamento às suas conclusões (cujo teor ficou transcrito, supra), indicando, por essa via, as disposições legais que considera terem sido violadas.           

No que respeita à matéria de facto, face ao disposto no art. 158º, 1, c), da OTM,

não é legalmente possível a sua impugnação, de harmonia com o estatuído pelo art. 712º, 1, a), segunda parte, do Cód. Proc. Civil, mas sem prejuízo da reponderação permitida pelo mencionado nº 1, b) e c), pelo que não há fundamento para a rejeição do recurso. Na verdade, dispõe o mencionado art. 158º, 1, c), que, na audiência de dis- cussão e julgamento dos processos tutelares cíveis, «as declarações e os depoimen- tos não são reduzidos a escrito», ou seja, não é permitido aquilo a que o legislador tem vindo a designar como «documentação da prova» (ou registo para efeitos de recurso), proibição que, depois da entrada em vigor do Dec.-Lei nº 39/95, de 15/II, se deve con-siderar extensiva ao registo áudio ou vídeo de declarações ou depoimentos – cfr., nes- te sentido, o Ac. da RP, de 28-10-2008, Proc. 0822204, e Tomé d’Almeida Ramião, Organização Tutelar de Menores, anotada e comentada, 4ª ed., Quid Juris, 2005, p. 47 e 48.

            Assim, quanto à matéria de facto, será apenas alterada a parte final do nº 38, porquanto dos documentos juntos com as alegações de recurso (fls. 504 a 506) decor- re tão-só que a requerida diligenciou no sentido de transferir o menor A... para o Agrupamento de Escolas de ...., no ano lectivo de 2008/2009, mas não que o mesmo haja sido matriculado, e feita uma correcção no nº 41, pois está escrito «avó materna», quando se quis escrever «avó paterna». 


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            Cumpre apreciar e decidir:

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            II. Questões a equacionar:
            Uma vez que o âmbito dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 690º, 1, e 684º, 3, do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Dec.-Lei nº 303/207, de 24/VIII), importa apreciar as questões que delas fluem. Assim, «in casu», há que ponderar as seguintes:
                 a) Da invocada nulidade da sentença;
                 b) Qual dos progenitores reúne melhores condições para lhe serem confia- dos os filhos.
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            III. Fundamentação:
            A) Enquadramento fáctico:

Factos Provados:

1. Os menores A... e B..., nascidos, respectivamente, a 05/04/2001 e 19/10/2006, são filhos de C... e D...;

2. Os pais dos menores são casados um com o outro, desde 16 de Setembro de 2000;

3. A requerida, D..., tem uma outra fi- lha, irmã uterina dos menores, de nome F..., que com ela vive;

4. Em meados de Junho de 2007, a requerida saiu de casa, tendo estado au- sente durante três dias, sem dar notícias, após o que regressou ao lar conjugal;

5. O requerido, durante a ausência da requerida, tentou, insistentemente, con- tactá-la telefonicamente, mas sem sucesso;

6. O requerido encontrou a requerida, na ...., ...., na freguesia de ...., concelho de H..., numa casa com E..., mais a menor B...;

7. No início do mês de Julho de 2007, o requerente e pai das crianças, C..., saiu do lar conjugal, sito no concelho de H...;

8. Tendo levado consigo o filho, A..., e a filha, B..., sendo que esta última tinha, en-tão, oito meses de idade;

9. Apesar das solicitações da mãe para que o pai lhe entregasse as crianças, o certo é que este recusou a devolução dos filhos aos cuidados maternos;

10. Em Agosto de 2007, o requerido veio com os menores para a localidade de ...., em G...;

11. O requerido reconciliou-se com a requerida, três ou quatro dias antes do Na- tal de 2007;

12. Em Março de 2008, os requeridos separaram-se novamente;

13. A menor B..., ficou com a mãe, em H..., desde Março de 2008;

14. A requerida, D..., em Abril do cor- rente ano (2008), viajou de automóvel, de H... a G..., na companhia de seu pai, J... , e da filha, B...;

15. Logo que chegaram a G..., a requerida, D..., contactou o marido, dizendo onde se encontrava e marcando um encontro;

16. Quando o requerente, C..., chegou ao lo-cal, a requerida, D..., estava no interior da via- tura onde havia viajado, na companhia de seu pai e da menor, B...;

17. O requerente, C..., retirou a criança do au- tomóvel da mãe e fugiu com ela para o interior de uma viatura onde se encontrava a avó paterna da menor;

18. Foi solicitada a comparência da Guarda Nacional Republicana;

19. Autuada a ocorrência, os guardas da GNR receberam instruções para que a menor, B..., ficasse com o pai;

20. A requerida acabou por consentir que a menor regressasse a casa com o re- querido;

21. O requerido sempre contribuiu com os rendimentos do seu trabalho, para o sustento, saúde e educação dos menores;

22. O requerido vive na localidade de ...., numa casa arrendada, pela qual paga 140,00 € (cento e quarenta euros) de renda mensal e que tem razoáveis condições de habitabilidade, composta por três pisos, onde se localizam, 2 casas de banho, uma sala, 2 quartos, cozinha e um sótão, que funciona como quarto de brincar dos menores, e um logradouro onde os menores brincam, a casa denota cuidados de higiene e arrumação;

23. Dos sete anos de vida do menor, A... , seis foram passados em H..., concelho onde sempre viveu, onde tem os amigos e onde sempre frequentou a escola;

24. O menor A... frequenta o 2º ano de escolaridade da Escola Básica de ....;

25. A menor B...passa o dia com os avós paternos, sendo ele aposentado e ela doméstica;

26. A requerida é ajudante de contabilista e aufere 426,00 € mensais, tendo isenção de horário, e vive numa casa propriedade de sua mãe, suportando despesas com água e electricidade no valor de 30,00 €/mês;

27. O requerido trabalha, como mecânico, auferindo 1.000,00 € mensais e, além da renda de casa, paga de água, electricidade e gás 60,00 € mensais;

28. O requerido mantém com os menores uma boa e próxima relação afectiva;

29. O requerido é pessoa trabalhadora;

30. O menor tem acompanhamento psicológico, nos serviços respectivos do Hospital Amato Lusitano, em G...;

31. Os menores encontram-se bem integrados na comunidade onde habitam;

32. O requerido durante a vivência do casal não participava na realização das tarefas relacionadas com a higiene e preparação e administração de refeições aos me- nores;

33. A requerida conta com o apoio dos pais, que vivem em frente da casa onde reside;

34. A requerida vive com a filha F... e o seu «companheiro», E..., que tem rendimentos na ordem dos 1.200,00 € mensais;

35. A habitação é composta por três quartos, uma sala, cozinha, casa de banho e despensa;

36. Os menores têm uma relação chegada com a irmã F...;

37. A requerida recebe, ainda, mensalmente, 169,80 € de abonos de família;

38. O menor A... dos 3 aos 5 anos frequentou o infantário da ...., no ...., tendo a mãe diligenciado no sentido da sua matrícula para o ano 2008/2009;

39. Durante a vivência conjunta do casal composto pelos requeridos, a requerida não exercia qualquer actividade profissional e ficava em casa a cuidar dos filhos, o que aconteceu com o A..., até este ir para o infantário, e com a B...até à separa- ção dos pais;

40. Em 24/07/2007, a requerida participou à Comissão de Protecção de Crian- ças e Jovens (CPCJ) de H... que o requerido, duas semanas atrás, havia saído de casa, levando os menores, e que se recusava a devolver-lhos, desconhecendo ela o seu paradeiro;

41. É a avó paterna quem lava e veste os menores, lhes prepara os alimentos e cuida da roupa;

42. Durante a semana, os menores dormem em casa dos avós paternos, sita em ...., pernoitando o pai em ...., numa casa por si arrendada, passando o fim-de-semana com o pai e também, por vezes, com os avós paternos;

43. O menor A... manifesta alguma ambivalência afectiva, mostrando-se fra- gilizado e confuso com as sucessivas alterações familiares, denotando comportamento emocional conflituoso;

44. O menor A... é uma criança meiga afectuosa e comunicativa;

45. O menor A... nutre uma forte ligação afectuosa pela mãe.

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            B) Enquadramento jurídico:
      a) Da invocada nulidade da sentença:

O apelante sustenta que a sentença recorrida enferma da nulidade prevista no art. 668º, 1, c), do C. Proc. Civil, por, em seu entender, os fundamentos de facto e de direito estarem em clara oposição com a decisão

Sucede que um dos princípios a que deve obedecer a motivação das decisões judiciais é o da coerência lógica. Segundo este princípio [que subjaz ao mencionado art. 668º, 1, c)], entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica, devendo, pelo contrário, existir um nexo do tipo do que se verifica entre as premissas de um silogismo e a respectiva conclusão.
            Todavia, essa coerência nada tem a ver com o erro de julgamento, quer porque o julgador interpretou mal a norma, quer porque infringiu as regras da subsunção dos factos à norma – cfr. o Ac. RP, de 12-04-1999, CJ, Ano XXIV, Tomo II, p. 251 e 252.
            O que o indicado normativo visa é a estrutura lógica da decisão, de modo a im- pedir a incongruência que ocorre quando na mesma se retira uma conclusão diferente daquela para que apontavam os fundamentos.
            Como referem o Prof. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2º ed., Coimbra Editora, 1985, p. 689 e 690, nesta disposi- ção, a lei reporta-se à contradição real entre os fundamentos  e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente. Descortina-se a nulidade quando a fundamenta- ção aponta num sentido, seguindo a decisão caminho oposto ou, pelo menos, direc- ção diferente.

Na mesma linha de orientação, refere-se no Ac. da RC, de 24-05-2005, Proc. 480/05, «in» www.dgsi.pt., que a nulidade da sentença por contradição entre os funda- mentos e a decisão apenas se verifica quando a decisão proferida padeça de erro lógi- co na conclusão do raciocínio jurídico, por a argumentação desenvolvida, ao longo da sentença, apontar claramente num determinado sentido e, não obstante, a decisão ser no sentido oposto.

É o que sucede, por exemplo, quando num processo em que seja pedida a reso- lução de um contrato de arrendamento, por falta de pagamento da renda, na funda- mentação da sentença se reconheça que o arrendatário não pagou a renda, não ha- vendo mora do locador, nem qualquer outra justificação para o não pagamento, mas acabando por se decidir no sentido da improcedência da acção.

Ora, no caso dos autos não se verifica qualquer quebra da linha lógica que deve unir os fundamentos e a decisão. Na verdade, quando se curou de apurar qual dos progenitores estaria em melhores condições para assumir, em concreto, as responsa- bilidades parentais, cuidando, no dia a dia, da segurança, sustento e educação dos menores, foram sendo apontados argumentos no sentido de a confiança dos mesmos à mãe ser vantajosa para eles, sem, obviamente, se ter excluído a capacidade do pai para tanto. E, assim sendo, não há qualquer incongruência entre os fundamentos e a decisão.

Quando o apelante sustenta que a matéria de facto reputada como provada im- põe que lhe seja atribuído o exercício das responsabilidades parentais, acaba por apontar um erro de julgamento, na modalidade de infracção das regras da subsunção dos factos às normas legais pertinentes, por deficiente valoração daqueles.

            Nesta conformidade, impõe-se concluir que não se verifica a nulidade a que se reporta o art. 668º, 1, c), do Cód. Proc. Civil.


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           b) Qual dos progenitores reúne melhores condições para lhe serem confia- dos os filhos:
            A questão central destes autos consiste em escrutinar qual dos progenitores dos menores tem melhores condições para assumir, no dia a dia, as responsabilidades pa- rentais atinentes à protecção, alojamento, sustento e educação dos filhos.

De harmonia com o disposto no art. 1905º do Código Civil, na redacção aplicá- vel (anterior à Lei nº 61/2008, de 31/X), a regulação do exercício do poder paternal, implica que se decida sobre as seguintes questões:

   - O destino dos menores;

   - O regime de visitas.

   - A fixação dos alimentos e a forma de os prestar.

Em conformidade com mencionado art. 1905º, 2, na falta de acordo entre os progenitores, o tribunal decidirá de harmonia com o interesse dos menores.

Por sua vez, o art. 1096º, 2, também na redacção anterior à Lei nº 61/2008, esti- pula que, na ausência de acordo dos pais, deve o tribunal, através de decisão funda- mentada, determinar que o poder paternal seja exercido pelo progenitor a quem o filho for confiado.

Igualmente os arts. 3º, 1, 9º, 1 e 3, 20º, 1, 21º, 1, da Convenção sobre os Direi- tos da Criança, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90, de 12/IX, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República, nº 49/90, de 12/IX, e o art. 69º da Constituição da República (CRP) impõem que a regulação do poder paternal seja orientada pelo superior interesse do menor

Não existe um conceito legal de interesse do menor, tendo o mesmo de ser en- tendido em termos suficientemente amplos de modo a abranger tudo o que envolva as mais variadas necessidades daquele nos aspectos físico (alojamento, alimentação e segurança), afectivo, intelectual, moral, social e, eventualmente, religioso – cfr. o Ac. da RL, de 08-07-2008, Proc. 5895/2008-1, «in» www.dgsi.pt.

O interesse do menor (ou o superior interesse do menor), é um conceito indeter- minado que deve ser concretizado pelo juiz de acordo com as orientações legais sobre o conteúdo do poder paternal, designadamente: a) a segurança e saúde do menor, o seu sustento e educação - art. 1878º, 1; b) o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, bem como a sua instrução geral e profissional - art. 1885º; c) a auscultação da opinião do menor, de acordo com a sua idade e maturidade, e a sua autonomização progressiva (art. 1878º, 2, e 1901º, 1, este último na redacção anterior à Lei nº 61/ /2008) – cfr. o Ac. RL, de 14-06-2007, Proc. 2616/2007-2, «in» www.dgsi.pt.

Assim, a decisão sobre o destino de qualquer menor deverá ser determinada pelo interesse deste, o que, necessariamente, implica apurar qual das pessoas a quem legalmente pode ser confiado estará em melhores condições de lhe assegurar um sadio desenvolvimento a nível físico, psíquico, afectivo, moral e social, bem uma cor- recta estruturação da sua personalidade – cfr. nesta orientação, entre outros, os Ac. da RC, de 12-10-2004, Proc. 2265/04, e de 17-06-2008, Proc. 230/07.4TMCBR-B.C1; e da RL, de 14-12-2006, Proc. 8506/2006-6, e de 26-04-2007, Proc. 2823/2007-6.

Actualmente, o ordenamento jurídico português permite que qualquer dos proge- nitores possa ter à sua guarda e cuidado os filhos - cfr. o mencionado art. 1905º, 2, do Cód. Civil, e o Ac. RL, de 13-03-2008, Proc. 830/2008-8, «in» www.dgsi.pt.

Também é um dado adquirido, a nível das diversas ciências que estudam o de- senvolvimento das crianças, que os irmãos devem crescer juntos e, sempre que possí- vel, na companhia dos pais, sendo isso relevantíssimo para a sua estabilidade emocio- nal e adequada estruturação da sua personalidade – cfr. o mencionado Ac. da RC, de 12-10-2004, Proc. 2265/04.

Assim, só motivos muito ponderosos poderão justificar que se separem os ir- mãos uns dos outros e os filhos dos respectivos progenitores.

No caso dos autos, é patente que os menores terão, fatalmente, de ser confia- dos a um dos progenitores, porquanto a separação destes, ao que tudo indica, é irre- versível.

Face à prova produzida, aparentemente, qualquer dos progenitores tem capaci-dades para cuidar e educar os filhos, sem bem que haja razões para suspeitar de algu- ma instabilidade emocional da mãe, face ao que consta dos nºs 4, 5, 6 e, em menor medida, 11, 12 e 34 do elenco de factos provados.

Essa aparente instabilidade e a compaginação da factualidade a que se repor- tam os nºs 4, 5, 6 e 34 do elenco de factos provados, a qual pode indiciar que poderá ter deixado o marido e os filhos, para «correr» atrás de uma relação amorosa extracon- jugal, trazem para os autos uma certa margem de incerteza quanto à questão de saber se já amadureceu o suficiente para colocar os menores à frente de qualquer outra opção – trata-se de uma variável que o tribunal de 1ª instância podia (devia) ter ultra- passado, por via de uma perícia à personalidade da requerida.

Todavia, após a indicada primeira «deriva», a requerida empenhou-se em recu- perar o convívio dos filhos e interessou-se por eles, sendo de admitir que, aquando da primeira saída de casa, tenha agido irreflectidamente e confiado em que o marido cuidaria bem dos menores.

Por outro lado, determinar, agora, a realização de tal perícia equivaleria a deixar por definir a situação dos menores, durante longos meses.

Na sentença recorrida, considerou-se a mãe como «figura de referência» dos menores, pelo facto de deles ter cuidado desde o seu nascimento e secundarizou-se, injustamente, o pai, afirmando-se que, afinal, as crianças têm estado ao cuidado da avó paterna.

Sendo verdade que a requerida, até Junho de 2007, cuidou, no dia a dia, dos menores, por opção do casal e pelo facto de não estar empregada, também é certo que o pai não estava ausente e assumiu a protecção, sustento e educação dos filhos, daí em diante; foi ele quem esteve presente, quando a requerida, por motivos que (infelizmente) não foram de todo esclarecidos os abandonou – cfr. o nºs 4, 5 e 6 do elenco de factos provados. E, no período em que a relação conjugal se manteve está- vel, parece, salvo melhor opinião, que não seria exigível que o requerido se ocupasse dos filhos, estando a trabalhar fora de casa, enquanto a esposa estava disponível para isso mesmo (cfr. o nº 39 do elenco de factos provados) – trata-se de um simples caso de divisão de tarefas, no seio da família.

Também é verdade que, a partir de Agosto de 2007, foi a avó paterna que pas- sou a prestar aos menores os cuidados correntes do dia a dia (nº 41 da factualidade assente), porquanto o requerido tinha que trabalhar, fora de casa. Mas isso não signi- fica que se tenha comportado como um pai ausente – cfr. os nºs  19, 20, 22, 25, 27, 28 e 42.

Mais, estando, actualmente, a requerida empregada, é igualmente muito prová- vel que os menores, sendo confiados a mãe, venham a beneficiar dos cuidados dos avós maternos – cfr. o nº 33 do elenco de factos provados. Aliás, a afirmação de que a requerida tem isenção de horário de trabalho (nº 26 do elenco de factos provados), tendo, por isso, «toda a disponibilidade» para cuidar dos filhos, é pouco consistente. Com efeito, quem conheça bem o mundo laboral sabe que, em regra, a «isenção de horário de trabalho» para pouco mais serve do que evitar ao empregador o pagamento de trabalho suplementar e forçar o empregado a, frequentemente, trabalhar mais. É claro que não se poderá escamotear que, sendo os menores confiados à mãe, pode- rão conviver minimamente com ela, após a jornada de trabalho desta, além do mais.

De qualquer modo, face ao teor do nº 28, conjugado com os nºs 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 14, 19, 20, 31, 42, do elenco de factos provados, impõe-se a conclusão de que o pai também é uma «figura de referência» dos filhos. Isso mesmo consta, no que respeita ao menor A..., do relatório de observação psicológica elabora- do, em Setembro de 2008, pela psicóloga I...., em serviço no Hospital Amato Lusitano, na cidade de G..., a qual tem vindo a acompanhá-lo, desde 14-12-2007. Nesse relatório consta, expressamente:

 «Tanto o pai como a mãe são figuras de referência para esta criança, mas, na nossa opinião, a mãe, com as suas saídas de casa, tem contribuído para a instabili- dade emocional do A...».

«Podemos verificar que existe um bom relacionamento entre o A... e o pai, que se tem mostrado bastante preocupado com o bem-estar do filho».

«É importante que o A... mantenha contacto com a sua mãe, no entanto, é importante que os pais consigam gerir melhor os conflitos existentes e entrem em acordo no que diz respeito aos filhos que têm em comum» - cfr. fls. 287. 

Mais, nesse relatório, também consta que, na consulta realizada em Abril de 2008, o referido menor «vinha muito triste», por a mãe ter saído novamente de casa e levado a irmã, demonstrando estar com muitas saudades desta e afirmando «eu quero que a menina volte» (cfr. o nº 12 do elenco de factos provados) e que a mãe lhe tinha prometido que o não deixava: «ela prometeu ficar até ser velhinha» - terá dito, ipsis verbis.

Ainda do mesmo relatório, consta que, em Maio seguinte, o menor A... pareceu «mais tranquilo, pelo facto de a irmã já estar com ele, mantendo tristeza pela ausência da mãe» - cfr. fls. 286 e os nº 14, 17, 19 e 20 do elenco de factos provados.

Aqui chegados, é imperioso concluir que a ligação afectiva entre os dois meno- res é muito forte, sendo inaceitável a sua separação. E também tem de aceitar-se que tenham laços afectivos importantes com a irmã uterina – como consta do nº 36 da factualidade assente.

Ora, a junção dos três irmãos só é possível, se os menores a que se reportam os autos forem confiados à mãe, sendo esse um elemento decisivo a ponderar.

Por outro lado, a menor B... tem (agora) apenas 2 anos e 7 me- ses, idade em que a ligação à mãe ainda é muito importante, sendo mais um elemento de peso a ponderar.

Também é patente a forte vinculação do menor A... à mãe, como flui das passagens do aludido relatório que foram transcritas, o que, outrossim, merece ponde- ração.

Embora, como se entendeu no Ac. da RL, de14-12-2006, Proc. 8506/2006-6, «in» www.dgsi.pt, apesar do carácter essencial da relação mãe/filho, na primeira infân- cia, o tribunal deva conceder um peso decisivo à estabilidade e ao equilíbrio emocional dos menores, razão pela qual a atribuição da guarda à mãe, só é compatível com o princípio da igualdade (plasmado no art. 36º, 3, da CRP), nos casos em que a guarda do menor lhe é conferida, não em virtude do sexo, mas antes por força das circunstân- cias do caso concreto, que, à luz dos interesses do menor, apontem essa solução.

Quanto às relações e integração social dos menores, aceitando-se que o menor A... ainda possa ter amizades na zona do .... ( H...), onde residiu até aos 6 anos de idade (nº 23 do elenco de factos provados), a verdade é que também as terá na localidade onde tem residido e frequentado a escola, nos últimos 22 meses (quase dois anos), estando bem integrado na respectiva comunidade – cfr. os nºs 10, 24 e 31 da factualidade assente.

Relativamente a este aspecto parcelar e no que concerne à menor B..., temos que também ela está bem integrada na comunidade da área em que tem residido com o pai e os avós paternos, nos últimos 20 a 21 meses (ou seja, desde cerca dos 10 meses de idade), uma vez que, entre dias não apurados de Março e Abril de 2008, esteve com a mãe – cfr. os nºs 10, 13, 14, 17, 19, 20, 25 e 31 do elenco de factos provados.

Assim, no que respeita às amizades e integração comunitária, ambos os meno- res, sendo confiados à mãe, terão de fazer uma nova adaptação, deixando, em certa medida, para trás pessoas com quem se relacionaram, podendo ocorrer que o A... reencontre antigos colegas.

Nesta conformidade, apenas o facto de ser de todo conveniente a reunião dos três irmãos, a idade da menor B... e a vinculação de ambos os menores à mãe aconselham que lhe sejam confiados.

Mas isso não significa, de modo algum, que o requerido não tenha condições para cuidar dos filhos, apoiado, como tem sido, pelos seus progenitores, mormente por sua mãe, nem que lhe fosse exigido outro procedimento – obviamente, quando traba- lha, tem que deixar as crianças entregues a sua mãe, sendo certo que não se vê onde possa estar o mal, nas situações em que os avós ajudam a cuidar dos netos.

Como elementos que suscitam algumas dúvidas, no que concerne à confiança dos menores à mãe, temos a possível, mas não comprovada, instabilidade emocional desta, sendo ainda certo que pouco se sabe quanto ao comportamento e idoneidade do homem com quem esta vive maritalmente («companheiro»), acerca do qual apenas se apurou quanto ganha – cfr. o nº 35 do elenco de factos provados.

No que respeita a essas dúvidas, tão-só se opta por não determinar a ampliação da matéria de facto (que se entende possível de harmonia com as disposições conju- gadas dos arts. 1409º, 2, e 712º, 4, do Cód. Civil), para não prolongar a situação de alguma indefinição em que os menores se encontram.
Nesta parte, terá de se confiar em que o pai dos menores irá exercer o «poder de vigilância» que o mencionado art. 1906º, 4, do Cód. Civil, lhe garante, quanto à edu- cação e as condições de vida dos filhos, podendo, obviamente, requerer a alteração da regulação do poder paternal, mas apenas se houver motivos ponderosos para isso, porquanto, nas idades destas crianças, quaisquer alterações fundamentais das suas rotinas são-lhes prejudiciais.
 Na verdade, como refere Maria Clara Sottomayor, «in» Exercício do Poder Paternal (Relativamente à pessoa do filho, após o divórcio ou a separação de pessoas e bens), 2ª ed., Publicações Universidade Católica, Porto, 2003, p. 351, o direito de vigilância funciona como «um importante correctivo da exclusividade do poder confe- rida ao progenitor guardião que não tem assim plena liberdade de agir, estando sujeito ao controlo do outro progenitor». E, logo a seguir (p. 352), citando Raymond Legeais, a mesma autora afirma que «o direito de vigilância constitui um “substituto permanente do poder paternal que o progenitor não guardião não exerce directamente e que lhe permite controlar se o progenitor guardião utiliza bem as suas prerrogativas ao serviço do interesse da criança”».
E também há razões para acreditar em que, a mãe dos menores, depois da ex- periência por que passou (aliás, ao que tudo indica criada por ela, através da relação extraconjugal em que se envolveu), irá ser muito mais cuidadosa e pôr à frente dos seus interesses (por muito respeitáveis que sejam) os dos filhos.

Por último, quanto à afirmação constante da sentença recorrida de que a zona de H... «oferece melhores oportunidades, ao nível de formação e educação dos menores», diz-se apenas que se trata de um argumento irrelevante que parte da velha ideia errada de que Portugal é Lisboa (e também H...), sendo o resto «paisagem». Na verdade, em G... existe, obviamente, ensino público até ao nível secun- dário e, para além disso, um instituto politécnico que permite a obtenção de várias licenciaturas, existindo, menos de 60 km mais a Norte, a Universidade da Beira Inte- rior. Aliás, nesse aspecto, há muito boas razões para afirmar que, na localidade onde têm vindo a viver, com o pai e os avós paternos, os menores estão resguardados de tantas coisas menos boas que se vão passando nas grandes zonas metropolitanas.

Importa, ainda, vincar que, vivendo a mãe dos menores, com o homem com quem cometeu adultério, é possível que isso implique algum constrangimento para o marido, ao nível do exercício do seu direito/dever de visita aos filhos, pelo que deverá a mesma cuidar para que o «companheiro» não interfira, o que se irá determinar, de har- monia com o disposto no art. 1410º do Cód. Proc. Civil.

Sendo certo que, necessariamente, os menores criaram, nestes quase dois últi-mos anos, vínculos afectivos com os avós paternos, considerando também o disposto no art. 1887º-A do Cód. Civil, deverá a mãe proceder de modo a que mantenham o contacto com eles, incluindo, na medida do possível, por telefone, o que se irá deter- minar, também em conformidade com o estatuído no art. 1410º do Cód. Proc. Civil.

No que respeita, às férias de Verão, entende-se ajustado alargar o período que os menores passarão com o pai (e também com os avós paternos) para um mínimo de trinta dias, dados os vínculos afectivos existentes e a extensão dessas férias.

Pelas razões expostas, entende-se confirmar a sentença recorrida, mas com as alterações que ficaram referidas, a qual não violou os arts. 1905º, 2, e 1906º do Cód. Civil, na redacção aplicável, nem o art. 36º, 3, da CRP, porquanto a confiança dos menores à mãe visou, como se disse, acautelar o interesse destes.


***
            IV. Decisão:

Pelo exposto, decide-se julgar a apelação improcedente, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida, mas introduzindo-lhe as seguintes alterações:

   a) Fixa-se num mínimo de trinta dias o período que os menores passarão com o pai (e também com os avós paternos), nas férias escolares de Verão;

   b) A mãe dos menores fica expressamente obrigada a permitir que os mesmos contactem com os avós paternos, incluindo, na medida do possível, por telefone;

   c) A mãe dos menores fica obrigada a diligenciar para que o «companheiro» não interfira no exercício do direito/dever de visita do requerido aos filhos.
            Custas do recurso pelo requerido/apelante.
Sumário:       
   1. O critério essencial a ter em conta na regulação do poder paternal (exercício das responsabilidades parentais) é o do interesse do menor;
   2. A lei não fornece uma noção de interesse do menor, tratando-se de um conceito indeterminado que terá ser concretizado, em conformidade com as orienta- ções legais sobre o conteúdo do poder paternal (responsabilidades parentais), desig- nadamente as respeitantes à segurança e saúde do menor, ao seu sustento e educa- ção, ao seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, à sua instrução geral e profis- sional, à auscultação da sua opinião, de acordo com as suas idade e maturidade, e à sua autonomização progressiva;
   3. A escolha do progenitor a quem o menor deve ser confiado deve recair no que esteja em melhores condições de lhe assegurar um desenvolvimento sadio, a nível físico, psíquico, afectivo, moral e social, bem uma correcta estruturação da personali- dade;

  4. Em regra, os irmãos devem crescer juntos, sendo isso relevantíssimo para a sua estabilidade emocional e adequada estruturação da personalidade, pelo que a possibilidade de os reunir deve ser ponderada na escolha do progenitor a quem devem ser confiados;

 5. Face ao disposto no art. 158º, 1, c), da OTM, não é legalmente possível a impugnação da matéria de facto, de harmonia com o estatuído pelo art. 712º, 1, a), segunda parte, do Cód. Proc. Civil, mas sem prejuízo da reponderação permitida pelo mencionado nº 1, b) e c);

 6. A Relação poderá determinar a ampliação da matéria de facto, de harmonia com as disposições conjugadas dos arts. 1409º, 2, e 712º, 4, do Cód. Proc. Civil.