Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
28/10.2TBFZZ.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
CAUÇÃO SUBSTITUTIVA
Data do Acordão: 01/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FERREIRA DO ZÊZERE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 21º DO DL Nº 149/95, DE 24/06; 387º, Nº 3, DO CPC
Sumário: I – A pretensão de o requerido, à luz do artº 387º, nº 3, do CPC, prestar caução, em substituição da providência cautelar que foi contra si decretada, deve ser formalizada através da dedução do correspondente incidente processual, que correrá por apenso aos autos da providência cautelar e segundo o ritualismo processual especialmente previsto para o efeito.

II – À luz de tal normativo são dois os requisitos ou pressupostos legais para que a providência decretada possa ser substituída por caução: a) que a caução oferecida pelo requerido se mostre adequada; b) e que, além disso, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente.

III – A apreciação da adequação da caução terá que ser feita casuisticamente, isto é, perante as especificidades de cada caso concreto, mas de molde a que não fique desrespeitada ou desvirtuada a finalidade prática visada com a providência que foi decretada, ou seja, os objectivos com ela perseguidos.

IV – Tendo sido decretada, na sequência da providência cautelar interposta à luz do disposto no artº 21º do DL nº 149/95, de 24/06, a entrega imediata à requerente de determinado equipamento (que fora objecto de um contrato de locação financeira chegado ao seu termo, sem que o locatário/requerido tivesse exercido o direito de aquisição da propriedade desse equipamento, nos termos que se encontravam contratualmente estabelecidos), a caução por fiança (a prestar por pessoa idónea) que o requerido ofereceu em substituição da aludida providência não se mostra adequada (por desvirtuar a finalidade prática visada com a providência que foi decretada).

V – Indeferida (em decisão que se tornou definitiva), por inadequação, uma caução substitutiva da providência decretada, vedado fica ao requerido vir depois oferecer uma nova caução.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. No comarca de Ferreira do Zêzere, A..., S.A., instaurou (29/1/2010) contra B..., ambos melhor identificados nos autos, providência cautelar através da qual, e à luz do disposto no artº 21 do DL nº 149/95 de 24/6, pedia, com base nos fundamentos ali aduzidos para o efeito, que lhe fosse ordenada a entrega imediata do equipamento de escavação, terraplanagem e outros de marca CB CXTED modelo SGPU, que se encontrava na posse do requerido na sequência de um contrato de locação financeira que com ele celebrou, mas que entretanto chegou a seu termo ou fim, sem que o requerido tivesse exercido o direito de aquisição da propriedade do mesmo, nos termos que se encontravam contratualmente estabelecidos, e a cuja entrega aquele se recusa.

2. Em 11/2/2010, e sem a audiência prévia do requerido, veio a ser proferida sentença (fls. 32/37) que, no final, julgando procedente a providência determinou a imediata entrega à requerente do referido equipamento.

3. Entretanto, o requerido atravessou nos autos o requerimento de fls. 91/95 (enviado em 17/5/2010), através do qual, e com base nos fundamentos ali aduzidos, pedia que a providência cautelar que foi decretada fosse substituída por caução, propondo-se para o efeito prestar a mesma meio de hipoteca sobre a fracção que ali identificou.

4. Contra essa pretensão se insurgiu (a fls. 116) a requerente, acabando por pedir o seu indeferimento.

5. Através de despacho de fls. 119 (datado de 8/6/2010), entendendo-se ser o incidente admissível no âmbito do presente procedimento cautelar, ordenou-se a notificação do requerido para, em 5 dias, oferecer caução suficiente para prevenir o perigo de lesão ou para repará-la integralmente.

6. Mais tarde - após a ocorrência de outras questões preliminares de índole incidental que foram suscitadas pelo mesmo e depois de ter solicitado a prorrogação do prazo que lhe fora concedido para o efeito –, o requerido veio juntar (fls. 144/151) aos autos cópia da escritura da hipoteca referente à caução que ofereceu substitutiva da providência decretada.

7. Por despacho de fls. 152/153 (proferido em 20/7/2010) foi indeferido o aludido requerimento do requerido de oferecimento de caução (com o fundamento final na manifesta desadequação ao caso concreto da caução oferecida, por hipoteca de fracção autónoma), notificando-se, na sequência, o mesmo para, em 5 dias, informar nos autos sobre o paradeiro do bem sobre que recaiu a providência cautelar decretada e proceder à sua entrega à requerente.

8. Despacho esse que foi notificado (via habilus) aos ilustres mandatários das partes (em 21/07/2010).

9. Através do requerimento de fls. 157/162 (remetido em 3/8/2010), o requerido veio requerer, nos termos e com os fundamentos ali aduzidos, o esclarecimento e a reforma (no sentido de a referida caução oferecida ser aceite) daquela decisão.

Porém, à cautela, e com base nos mesmos fundamentos que antes aduzira naquele seu primeiro requerimento de fls. 91/95, manifestou ali o requerido a intenção de, dado a prestação de caução por hipoteca ter sido considerada inadequada, pretender então prestar caução por meio de fiança (a prestar por terceiro idóneo, e mais concretamente pelos seus pais), em substituição da providência decretada.

10. A requerente pronunciou-se pelo indeferimento quer dos solicitados pedidos de esclarecimento e reforma, quer quanto ao pedido de prestação de nova caução.

11. Apreciando tal requerimento, o srº juiz do processo, através do despacho de fls. 169 (proferido em 24/08/2010), naquilo que ora importa, indeferiu, in totum, o mesmo. E fê-lo, por um lado, por entender não se justificar qualquer esclarecimento ou reforma daquela sua decisão, e, por outro, por entender que, perante o anteriormente decidido, não haver já lugar a nova apresentação de caução por parte do requerido (e nomeadamente por ter já decorrido o prazo que lhe fora concedido para o efeito, e dado ainda a requerente se ter oposto a tal pretensão, concluindo ter-se já o tribunal pronunciado em definitivo sobre tal matéria).

Pelo que, em consequência, no final, voltou a conceder-se ao requerido o prazo de 5 dias para informar nos autos sobre o paradeiro do bem sobre que recaiu a providência cautelar decretada e proceder à sua entrega à requerente.

12. Despacho esse que foi notificado (via habilus) aos ilustres mandatários das partes (em 25/08/2010).

13. Desse despacho foi interposto recurso pelo requerido, através do requerimento de fls. 180 e ss (incluindo as respectivas alegações), o qual deu entrada, via citius, em juízo em 17/9/2010.

14. Recurso esse que, em consonância com a defesa apresentada pela requerente, foi rejeitado pelo despacho fls. 243/245, à luz do disposto no artº 685-C, nº 2 al. a), do CPC, por se considerar não ser o mesmo legalmente admissível (quer à luz do disposto no artº 669, nº 3, quer à luz do disposto no artº 670, nº 2, do CPC).

15. Contra esse despacho, de não admissão do recurso, reclamou o requerido para este tribunal.

16. Apreciando tal reclamação, o ora relator, pelos fundamentos então aduzidos na decisão que recaiu sobre a mesma, concluiu, por um lado, não ser legalmente admissível o recurso quanto àquela 1ª parte do despacho de fls. 169, e, por outro, já ser, porém, admissível o recurso referente à 2ª parte em que se desdobrou o referido despacho, na qual o srº juiz a quo, apreciando também o correspondente pedido que o requerido formulou igualmente naquele seu requerimento de fls. 157/162, indeferiu igualmente a pretensão daquele de apresentar/prestar nova caução (em substituição da providencia cautelar decretada).

Nestes termos, decidiu-se, na parcial procedência da aludida reclamação, admitir, como apelação, o recurso interposto, a fls. 180, pelo requerido, mas restringindo-se o objecto do mesmo somente à parte do despacho de fls. 169 que indeferiu a pretensão (manifestada através do seu requerimento de fls. 157/162) daquele de apresentar/prestar nova caução (em substituição da providencia cautelar decretada), ordenando-se, consequência, a subida dos autos principais a esta Relação para apreciação do aludido recurso restrito ao referido objecto.

17. As alegações e respectivas conclusões do aludido recurso envolviam e diziam respeito a ambas aquelas duas partes do referido despacho recorrido de fls. 169.

No que concerne àquela 2ª parte do aludido despacho o requerido/apelante concluiu, em síntese, aquelas suas alegações no sentido seguinte:

1. Que sendo indeferida, com fundamento na sua manifesta desadequação, a caução que ofereceu (prestada por meio de hipoteca), deverá o requerido ser admitido a prestar a nova caução que ofereceu, entretanto, através daquele seu requerimento de fls. 157/162.

2. Requerimento esse que se apresenta tempestivo e com cabimento legal, face aos fundamentos que o suportam.

3. Pelo que ao não admitir a nova prestação de caução, o despacho recorrido violou o disposto no artº 387º, nº 3, do Código de Processo Civil.

18. Nas contra-alegações que apresentou a requerente pugnou pela improcedência, in totum, do recurso.

19. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


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II- Fundamentação


A) De facto.

Com interesse e para melhor compreensão do objecto do presente recurso, deve atender-se, e tê-los como assentes, aos factos que se deixaram atrás descritos sob o ponto I.


***

B) De direito.

Tal como decorre de tudo o que supra se deixou exarado, o objecto do recurso aqui em apreciação reporta-se tão somente à questão de saber se o requerido/apelante deve ou não ser admitido a prestar a nova caução que ofereceu (na modalidade de fiança, a prestar por pessoa idónea e mais concretamente pelos seus pais) em substituição da providência cautelar que contra si foi decretada?

E a nossa resposta, avançamos desde já, é negativa, por três ordens de razões que passaremos a enunciar:

1ª Razão:

O requerido/apelante pretende prestar caução, à luz do artigo 387º, nº 3, do CPC, em substituição da providência cautelar que – ao abrigo do artigo 21º do DL nº 149/95 de 24/6 – determinou entrega imediata à requerente do equipamento acima identificado no nº 1 do ponto I.

Como ressalta da materialidade que acima se deixou transcrita, com vista a atingir o mesmo desiderato, na sequência do seu requerimento de fls. 91/95 e do despacho de fls. 119, o requerido veio a prestar caução (por si então oferecida) por meio de hipoteca imobiliária (cfr. fls. 147/151).

Todavia, a prestação dessa caução veio a ser indeferida, pelo despacho de fls. 152/153, por, à luz do disposto no citado artº 387º, nº 3, do CPC, se ter julgado a mesma manifestamente desadequada. E, em consequência desse indeferimento, notificou-se o requerido, na sequência do que já antes fora determinado no anterior despacho de fls. 88, para informar nos autos sobre o paradeiro do bem sobre que recaiu a providência cautelar decretada e proceder à sua entrega à requerente.

Pelas razões que acima ficaram explanadas, tal despacho decisório não está aqui em causa neste recurso, mostrando-se o mesmo ora intocável.

Porém, não obstante tal indeferimento o requerido voltou “ carga” pretendendo prestar nova caução, agora noutra modalidade.

Porém, somos de opinião que tornando-se definitivo aquele despacho que indeferiu a caução que fora oferecida (por meio de hipoteca imobiliária), ficou igualmente resolvida, em sentido negativo, definitivamente pretensão do requerido em prestar caução substitutiva da providência cautelar que fora decretada.

Sobre tal temática, e com tal decisão, o tribunal a quo já esgotou o seu poder judicial (cfr. artº 666º, nºs 1 e 3, do CPC).

Aliás, e a nosso ver, nem de outra forma se compreenderia. É que não podemos olvidar que estamos perante um processo (cautelar) de cariz urgente, que deve pautar a sua tramitação pela celeridade dos seus actos processuais. Será que o requerido poderá estar sempre em tempo de oferecer novas cauções substitutivas da providência decretada? Concretizando, será que o requerido depois de a 1ª caução que ofereceu ter sido indeferida, por manifesta desadequação da mesma, e no caso de esta nova que se propõe novamente prestar (na modalidade de fiança por terceira pessoa) vir igualmente a ser indeferida com o mesmo fundamento, poderia ainda assim o mesmo posteriormente apresentar-se a prestar/oferecer uma nova caução em modalidade diferente das anteriores, e assim sucessivamente? A resposta só poderá, na nossa perspectiva, ser negativa, e desde logo porque, para além de contrariar o princípio atrás enunciado, tal colidiria frontalmente com a natureza célere que, como vimos, está associada a este tipo de providência cautelar.

2ª Razão:

Servindo-nos das palavras de Abrantes Geraldes (in “Temas da Reforma do Processo Civil, III Vol., 3ª ed., págs. 238/239”), “a pretensão substitutiva dá origem a um verdadeiro incidente processual, nos termos do artigo 990º (do CPC), o qual segue por apenso ao procedimento cautelar. Incidente esse que tanto pode ser suscitado nas situações em que a providência foi decretada depois do prévio contraditório, como no casos em que essa audição não tenha existido. (…). Com efeito, o incidente de prestação de caução segue as regras do artº 387º (e do artº 988º) e, na falta de regulamentação específica, é ainda aplicável o disposto no artº 303º, nº 3, ex vi artº 384º, nº 3.”

Significa tal, pois, que para a prestação da pretendida caução substitutiva o requerente nela interessado deve para o efeito deduzir o correspondente incidente, que correrá por apenso aos autos da providência cautelar e segundo o ritualismo ou tramitação processual especialmente previstos para o efeito (cfr., além do mais, artºs 990º, 988º e artigos imediatamente anteriores, devidamente adaptados, do CPC).

Pelo que atrás deixámos exarado, parece claro que não foi esse a ritualismo processual seguida pelo requerido aquando da prestação da anterior caução (por meio de hipoteca) que veio a ser indeferida com o fundamento na sua manifesta desadequação. Mas a esse propósito não nos compete agora pronunciar-se sobre tal, pois, como vimos, não é o despacho que a indeferiu que está aqui a ser objecto de “escrutínio”.

Porém, já o mesmo não se poderá dizer no que concerne ao requerimento de fls. 157/162, que o requerido atravessou, como vimos, nos autos para, através dele, pedir a aclaração e a reforma daquele despacho de fls. 152/153 que lhe indeferiu a sobredita caução (por meio de hipoteca), como também, e à cautela, voltar a manifestar a intenção de prestar nova caução (desta vez através fiança por pessoa idónea).

Ora, sendo a possibilidade da prestação dessa nova caução que aqui está sob equação, afigura-se claro, face ao que deixámos expandido, que tal pedido teria que ser formulado ou deduzido através da dedução do correspondente e específico incidente previsto para o efeito e a que atrás nos referimos.

Não sendo esse o caso, ter-se-á de concluir que o requerido utilizou um meio processual inadequado para o efeito.

3ª Razão:

Essa razão tem a ver com o fundo ou mérito da questão.

Como já vimos, é à luz do disposto no artº 387º, nº 3, do CPC, que o requerido pretende prestar caução em substituição da providência cautelar que foi decretada.

Normativo esse que se encontra inserido no âmbito do regime geral dos procedimentos cautelares comuns, também designados por inominados.

Parece ser claro que, no caso dos autos, nos encontramos perante um procedimento cautelar específico ou nominado, já que se encontra previsto e foi decretado à luz de um diploma legal avulso, que especificamente o prevê e regula (cfr. artº 21º do DL nº 149/95 de 24/7, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL nº 265/97 de 2/10 e, mais recentemente, pelo DL nº 30/2008 de 25/2).

Tem sido de alvo de alguma controvérsia o saber se o regime, de substituição da providência decretada por caução, previsto no citado nº 3 do artº 387º é ou não também aplicável aos procedimentos cautelares nominados e especialmente de alguns dos previstos nos artºs 393º e ss do nosso CPC – vide, a propósito, e entre outros, Ac. do STJ de 25/2000, in “CJ, Acs do STJ, Ano VIII, T2 – 83”; Ac. do STJ de 18/5/1999, in “CJ, Acs do STJ, Ano VII, T2 – 97”; Ac. da RE de 30/11/2000, in “CJ, Ano XXV, T5-273”; Ac. RE de 25/2/1999, in “CJ, Ano XXIV, T1 – 278” e Abrantes Geraldes (in “Ob. cit., págs. 254/258” – com diversa jurisprudência aí citada).

Porém, dispondo o citado artº 21º do referido DL nº 149/95, no seu nº 7 (na redacção introduzida DL nº 265/97, ou no seu nº 8, caso por porventura se entenda que ao caso já seria aplicável a alteração introduzida pelo DL nº 30/2008) “serem subsidiariamente aplicáveis a esta providência as disposições gerais sobre providências cautelares previstas no Código de Processo Civil, em tudo o que não esteja especialmente regulado no presente diploma”, cremos que, in casu, essa controvérsia já não terá, em princípio e à priori, razão de ser.

Ora, dispõe o citado artº 387º, nº 3, que “a providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente”.

Resulta, assim, de tal normativo que são dois os requisitos ou pressupostos legais para que a providência decretada possa ser substituída por caução: que a caução oferecida pelo requerido se mostre adequada e que, além disso, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente.

No que concerne ao requisito da adequação da caução, dado se apresentar revestido de um conceito indeterminado, várias tentativas têm sido ensaiadas para o definir e concretizar.

Por exemplo, Abrantes Geraldes (in “Ob. cit., pág. 260”) depois de defender que será à luz da casuística, ou seja, de cada caso concreto que tal aferição terá que ser feita, entende que “entre as circunstâncias que poderão influir na decisão do juiz integram-se a natureza do direito acautelado, atento o seu conteúdo patrimonial ou não patrimonial, as condições económicas do requerente ou do requerido, a natureza das actividades das lesões, a reparabilidade dos eventuais danos causados.”

Já no acórdão do STJ de 25/6/1998 (publicado em www.dgsi.pt/jstj”), se concluiu que a “caução é adequada quando, em si mesmo, se mostrar, em juízo de prognose, meio idóneo e eficaz em ordem a evitar a lesão grave e dificilmente reparável do requerente da providência”; mas que já constituirá “meio desadequado se, com a sua admissão, se frustrar o objectivo que ditou a providência, propiciando que o requerido reincida na conduta, só porque está coberto pela caução e, até, que aproveite o tempo que a causa levará a ser decidida para agravar a lesão.”

Refira-se ainda o Ac. do STJ de 25/5/2000 (atrás mencionado), o qual (citando o Ac. do STJ de 12/12/75, publicado no BMJ nº 252 – 106), ao afirmar que “com o requisito da adequação pretende a lei que a substituição respeite a finalidade prática que a providência se destinava a alcançar.”

Por fim, diga-se que tal está, de algum modo, em sintonia com sistema espanhol, defendido por Ángeles Jové (in “Medidas Cautelares Inominadas em el Proceso Civil, ed. J. M. Bosch, 1995, pág. 250”) quando define como critério da admissibilidade da caução a constatação de que a mesma suportará a finalidade da providência.

Perante o que se deixou expresso, temos para nós que a apreciação do conceito de caução adequada terá que ser feita casuisticamente, isto é, perante as especificidades de cada caso concreto, mas de molde a que não fique desrespeitada ou desvirtuada a finalidade prática visada com a providência que foi decretada, ou seja, os objectivos com ela perseguidos.

Na providência cautelar específica em apreço, dando-se guarida à pretensão da requerente, determinou-se, como vimos, a entrega imediata à mesma do equipamento ali identificado.

Como ressalta da fundamentação da respectiva decisão, concluiu-se ali (indiciariamente) que o referido equipamento foi objecto de um contrato de locação financeira celebrado entre a requerente (como locadora) e o requerido (como locatário), e que esse contrato chegou ao seu fim (extinguindo-se), sem que o último tivesse exercido o direito de aquisição da propriedade desse equipamento locado, nos termos que se encontravam contratualmente estabelecidos, mantendo, assim, a primeira o direito de propriedade sobre tal equipamento, e que aquele se vem recusando a entregar não obstante interpelado para o efeito.

Visa-se, assim, com tal providência fazer restituir a requerente à posse do referido equipamento, para que, no gozo do correspondente direito de propriedade, possa dele usufruir e dispor como bem entender, nomeadamente vendendo-o ou dando-o novamente em locação financeira (que tanto pode ser ao anterior locatário como a terceira pessoa), tal, como, aliás, resulta expressamente do disposto no artº 7º ex vi nº 6 do citado artº 21º do sobredito DL nº 149/95.

A nova caução substitutiva agora oferecida pelo requerido é na modalidade fiança (por pessoa idónea, e mais concretamente a ser prestado pelos seus pais).

É sabido que a caução, em qualquer das suas modalidades, constitui uma garantia (especial) das obrigações, e como tal é regulada pelo direito substantivo, embora o processo civil funcione como um instrumento da sua realização e concretização (cfr. artº 623º do CC).

Nos termos do estatuído no nº 2 do artº 623º do CC se a caução não puder ser prestada por nenhum dos meios referidos (no nº 1), é lícita a prestação de outra espécie de fiança desde que o fiador renuncie ao benefício de excussão.

Dispõe, por sua vez, o artº 627º que “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor” (nº 1), e que “a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor” (nº 2). (sublinhado nosso)

Comentando tal normativo, escrevem os profs. Pires de Lima e A. Varela (in “Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 612, nota 1”) que “não se altera a fisionomia própria desta garantia, havida como garantia pessoal tipo: o terceiro, fiador, assegura com o seu património a satisfação do direito do credor. É o que resulta da afirmação legal de que o fiador fica pessoalmente obrigado perante o credor.”

Sem nos alongarmos mais, por crermos não ser para aqui necessário, sobre as demais características da figura da fiança (vg. da sua natureza acessória), ressalta, desde logo, do que se acabou de expor que o fiador que presta a fiança apenas garante a satisfação de um direito de crédito (que o credor tem sobre o devedor que ele afiança), e fá-lo, em princípio, de uma forma somente subsidiária, a não ser que, desde logo, renuncie ao benefício de excussão (cfr. artºs 638 e 640 do CC), assegurando com o seu património a satisfação desse direito de crédito.

Porém, pelo que atrás se deixou expandido, com a referida providência cautelar, que foi requerida e depois decretada - e que agora o requerido pretende substituir através de caução na modalidade fiança prestada por terceiros –, o que se pretende garantir ou acautelar não é (pelo menos directamente) nenhum direito de crédito, mas antes o efectivo exercício do direito de propriedade da requerente sobre o equipamento cuja entrega (imediata) se determinou que lhe fosse feita, por forma a, uma vez na sua posse, poder dele dispor imediatamente conforme bem lhe aprouver.

Donde que a referida caução de fiança oferecida pelo requerido não garanta, e nem possa fazê-lo, a entrega de tal bem. O que vale a dizer que a nova caução que o requerido se propõe prestar não respeita a finalidade prática que a providência se destinava a alcançar, ou seja, desvirtua a finalidade prática visada com a providência que foi decretada, isto é, os objectivos que com ela foram perseguidos.

E daí que tenha de se concluir, por fim, que a referida caução oferecida, para substituir a providência cautelar que foi decretada, não preenche, desde logo, o requisito da adequação, ou seja, não se mostra adequada.

E nesses termos teria que ser sempre indeferida.

Pelo que o recurso terá que ser julgado improcedente, confirmando (ainda que com base em fundamentos não exclusivamente coincidentes) a decisão recorrida da 1ª instância.


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III- Decisão


Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se (ainda que com base em fundamentos não exclusivamente coincidentes) a decisão recorrida da 1ª instância.

Custas (do recurso) pelo requerido/apelante (embora tomando-se em conta o benefício de apoio judiciário que o mesmo solicitou, em tal modalidade, no caso de se vir a verificar que o mesmo lhe foi atribuído – cfr. fls. 313/317).


Isaías Pádua (Relator)
Teles Pereira
Manuel Capelo