Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
399/07.8TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: CRÉDITO LABORAL
PRESCRIÇÃO
IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
CADUCIDADE
CONTAGEM DOS PRAZOS
PEDIDO DE NOMEAÇÃO DE PATRONO
INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 11/06/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 381º, Nº 1, E 435º, NºS 1 E 2, CÓDIGO DO TRABALHO; 33º, NºS 1, 2, 3 E 4, DA LEI Nº 34/2004, DE 29/07 (LEI DO APOIO JUDICIÁRIO).
Sumário: I – O artº 435º do Código do Trabalho, ao estabelecer um prazo de caducidade para a acção de impugnação de despedimento, abrange todos os efeitos da ilicitude e exclui quanto a eles a aplicação do prazo prescricional do artº 381º, nº 1, do mesmo Código (prescrição dos créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação), que se reporta apenas aos créditos que decorrem da prestação do trabalho ou que passaram a ser imediatamente exigíveis por força da cessação ou violação do contrato.

II – A prescrição do artº 381º Código do Trabalho não é susceptível de interrupção com a mera proposição da acção judicial, mas é susceptível de interrupção com a citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito – artº 323º, nº 1, C. Civ.

III – Os créditos emergentes da declaração da ilicitude do despedimento estão sujeitos ao prazo de caducidade da acção de impugnação de despedimento (um ano a contar da data do despedimento…) – artº 435º, nºs 1 e 2, do Código do Trabalho.

IV – O prazo de 30 dias do artº 33º, nº 1, da Lei nº 34/2004 de 29/07 (Lei do Apoio Judiciário), é um prazo ordenatório, cuja não observância dará lugar às consequências previstas nos nºs 1, 2 e 3 do artº 33º da dita Lei e já não à preclusão do apoio judiciário concedido e do efeito previsto no nº 4 desse mesmo preceito.

V – Nos termos do artº 332º, nºs 1 e 2, do Código Civil, quando a caducidade se referir ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, … se a instância se tiver interrompido, não se conta para efeitos de caducidade o prazo decorrido entre a propositura da acção e a interrupção da instância.

VI – O prazo que decorra entre a data de nomeação de patrono (data da proposição da acção – artº 33º, nº 4, da Lei 34/2004, de 29/07) e a data em que esse patrono foi notificado da sua nomeação e para apresentar petição inicial em juízo não deve contar para efeitos de caducidade – artº 332º, nº 2, C. Civ..

Decisão Texto Integral:
Autor: A...
Ré: B...

I. O autor instaurou contra a ré a presente acção declarativa sob a forma de processo comum pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe créditos respeitantes a indemnização por despedimento ilícito, bem como respeitantes a férias, subsídio de férias e juros de mora sobre as quantias em causa e que identifica.
Alegou, designadamente, que foi despedido no final do mês de Outubro de 2005.
Contestou a ré, por excepção, invocando a prescrição dos créditos peticionados, alegando que o contrato de trabalho cessou, conforme alega o autor, no final do mês de Outubro de 2005 - pelo que tais créditos se extinguiram, pelo menos, no dia 02-11-2005, tendo a acção sido proposta em 24-04-2007.
O autor respondeu dizendo que tais créditos não se encontram prescritos, uma vez que houve negociações extrajudiciais, e que, por outro lado, tendo sido concedido apoio judiciário ao autor a acção deve ter-se por proposta na data em que foi apresentado o pedido de nomeação de patrono.
No termo dos articulados, foi proferido despacho no qual se considerou procedente a excepção de prescrição.
É desta decisão que, inconformado, o autor vem apelar, pretendendo a revogação da decisão recorrida, com as consequências legais.
Alegando, conclui:
1- O douto despacho recorrido que julgou procedente a excepção de prescrição arguida pela Ré e declarou prescritos os direitos peticionados pelo Autor, violou frontalmente a Lei do Apoio Judiciário e o principio do dispositivo;
2- É que, beneficiando o Autor do Beneficio de Apoio Judiciário na modalidade de nomeação de patrono e pagamento de honorários ao mesmo, por o mesmo o ter solicitado e lhe ter sido atribuído, terá que considerar-se proposta a acção na data da dedução do pedido por parte do Autor beneficiário, nos termos do artigo 33°, nº 4, da Lei do Apoio Judiciário;
3- Porém, o Mmo. Juiz, apesar de tal facto não estar alegado pela Ré na arguição da prescrição, entendeu que havia decorrido mais de um ano sobre a data da nomeação da patrona, não podendo considerar-se proposta a acção na data da formulação do pedido de nomeação, pois considerou que a nomeação do patrono constitui causa de interrupção da prescrição, por recurso à analogia com o artigo 24°, nº 5, da citada Lei;
4- Tal entendimento faz uma errónea interpretação e aplicação das citadas disposições, resumidamente por três ordens de razões;
5- Em primeiro lugar, o recurso à analogia só é permitido nos casos omissos e na Lei do Apoio Judiciário é feita a previsão expressa da situação em discussão, distinguindo os modos pelos quais o pedido de apoio judiciário poderá interferir no desenvolvimento da acção ou no exercício do respectivo direito, nos casos em que a acção se encontra pendente e nos casos em que a acção deverá ser ainda intentada, atribuindo num e noutro caso efeitos completamente distintos ao pedido de nomeação de patrono;
6- Assim, nos termos do artigo 24°, nºs 4 e 5, por um lado, considera que o pedido de nomeação de patrono tem efeitos interruptivos do prazo que estiver a decorrer em acção já interposta e, nos termos do artigo 33°, nº 4, por outro, considera que a acção se considera interposta no momento da apresentação do pedido de nomeação de patrono;
7- Em segundo lugar, o Mmo. Juiz a quo acaba por igualar situações que mereceram ao legislador tratamento diferenciado, considerando quer num, quer noutro caso, que existe causa interruptora da prescrição e não é licito ao intérprete fazê-lo;
8- Em terceiro lugar, a admitir-se tal interpretação, nunca se poderia considerar proposta a acção à luz do disposto do artigo 33°, nº 4, da Lei do Apoio Judiciário, pelo que este artigo acabaria por ser "letra morta";
9- A acção deve considerar-se, tal como dispõe o artigo da citada Lei, proposta na data aposta na formulação do pedido da nomeação de patrono, num quadro de garantia constitucional de acesso aos tribunais e à justiça independentemente da sua situação económica;
10- Sem condescender, não foi suficiente e devidamente fundamentada a invocada prescrição, pois a Ré limitou-se a alegar que havia decorrido mais de um ano desde a cessação do vínculo contratual até à data da interposição da acção, pelo que se havia esgotado o prazo prescricional dos créditos peticionados;
11- Esta factualidade, atento os factos vertidos na petição, não permite determinar a verificação da prescrição sem mais;
12- O M.mo Juiz ao julgar procedente a excepção da prescrição porque havia decorrido mais de um ano sobre a data da nomeação da patrona nomeada, conheceu e declarou de factos não invocados pela Ré, ao contrário do que determina o princípio do dispositivo;
13- Não pode, pois, julgar-se procedente, como fez o M.mo Juiz a quo, a invocada excepção da prescrição.
14- Violadas foram pois, entre outras, as disposições dos artigos 33°, n.o 4, da Lei do Apoio Judiciário, 264º do C.P.C., 10° e 342° do C.C.
15- Declarando nulo o douto despacho recorrido ou revogando-o e substituindo-o por outro que declare não prescritos os créditos peticionados pelo Autor, ordenando o prosseguimento dos autos”.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-geral Adjunto no sentido de se negar provimento ao recurso interposto pelo autor.
O autor veio responder a este parecer.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil.
A questão que se coloca é essencialmente esta: saber se os créditos peticionados estão, ou não, extintos pelo decurso do tempo.

Pode considerar-se, como assente, tal como o entendeu a 1ª instância e não é colocado em causa no recurso.
- o contrato de trabalho cessou no final de Outubro de 2005 (acordo das partes, sendo que o autor alega ter ocorrido despedimento e a ré resolução por parte daquele);
- o pedido de nomeação de patrono teve lugar em 21-10-2005 (fls. 10);
- a Ex.ma patrona nomeada foi notificada dessa nomeação em 9-1-2006;
- a presente acção deu entrada no dia 24-04- 2007;
- a ré foi citada em 18-5-2007.

Perante os pedidos formulados, temos que distinguir duas diferentes situações de extinção dos créditos pelo decurso do tempo: uma de prescrição, outra de caducidade.
Estão em causa:
- o artº 381º, nº 1, do Código do Trabalho (“1 - Todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”);
- o artº 435º, nºs 1 e 2 do mesmo Código (“1 - A ilicitude do despedimento só pode ser declarada por tribunal judicial em acção intentada pelo trabalhador.
2 - A acção de impugnação tem de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento, excepto no caso de despedimento colectivo em que a acção de impugnação tem de ser intentada no prazo de seis meses contados da data da cessação do contrato”).
Conforme tem sido defendido por corrente jurisprudencial (v., por todos, Ac. da Rel. de Lisboa de 20-2-2008, in www.dgsi, proc. 10035/2007-4, e ainda, o Ac. da Rel. de Coimbra de 9-10-2008, in www.dgsi, proc. 265/07.7TTCVL.c1) este último artigo, 435º, ao estabelecer um prazo de caducidade para a acção de impugnação de despedimento, abrange todos os efeitos da ilicitude e exclui quanto a eles a aplicação do prazo prescricional do artº 381º nº 1 que se reporta apenas aos créditos que decorrem da prestação do trabalho ou que passaram a ser imediatamente exigíveis por força da cessação ou violação do contrato.
Temos, pois, que quanto aos créditos peticionados na acção relativos a férias e subsídio de férias teremos que analisar da questão da sua prescrição.
Quanto aos emergentes da declaração da ilicitude do despedimento, teremos que analisar uma questão de caducidade (para a acção de impugnação de despedimento).
Ambas se devem considerar arguidas pela ré, independentemente da sua qualificação, porque decorrentes da extinção dos direitos pelo decurso do tempo.
A invocação dessa questão pela ré, ao contrário do defendido no recurso pelo autor, afigura-se clara e fundamentada nos artigos 1º, 2º e 4º da contestação, sendo os factos que podiam infirmar a tese assim apresentada matéria de contra-excepção enquadrados na resposta do autor, resultando todos na matéria assente recortada pela 1ª instância e que acima se deu nota.

Quanto à questão da prescrição, temos que esta não é susceptível de interrupção com a mera proposição da acção - é susceptível de interrupção com a citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (323º nº 1 do Código Civil).
O n.º 2 do artigo 323º estabelece que “se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, têm-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”. Ou seja, a interrupção da prescrição ocorre decorridos cinco dias, se antes o devedor não for citado ou mesmo que antes o devedor não for citado.
Sabemos que, no caso dos autos, a petição inicial da acção, com o requerimento para citação da ré, deu entrada no tribunal a quo em 24-4-2007, portanto muito mais de um ano a partir do último dia de Outubro de 2005, momento em que o autor terá alegadamente sido despedido (final de Outubro de 2005). E que só depois disso a ré foi citada.
O que quer dizer que não se verifica situação de interrupção da prescrição, devendo considerar-se prescritos os créditos do autor referentes a férias e a subsídio de férias.

Mais complexa é a questão da caducidade, que se reporta aos créditos emergentes da declaração da ilicitude do despedimento.
Aqui, agora sim, será relevante o momento da proposição da acção tal como o recorrente a enquadra.
Ora é de considerar, face ao disposto no artigo 33º nº 4 da Lei 34/2004, de 29 de Julho (regime de acesso ao direito e aos tribunais) – dispondo este que “a acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono” -, que a acção de impugnação do despedimento teve lugar no dia 27 de Dezembro de 2005, data do pedido de nomeação de patrono, por parte do autor e tal como já dissemos.
Tal facto teria impedido então a caducidade da acção?
No despacho da 1ª instância, considerou-se o seguinte, a propósito deste efeito pretendido pela posição do autor:
A patrona nomeada foi notificada dessa nomeação no dia 09 de Janeiro de 2006 (folhas 14).
A acção deve ser intentada 30 dias após aquela nomeação (artigo 33º, nº 1)
Ora, a acção foi interposta no dia 24 de Abril de 2007, ou seja, quase 16 meses após a nomeação de patrono.
Daqui decorre que entre o acto de nomeação e a interposição da acção decorreu mais de um ano, pelo que se extinguiram por prescrição os créditos do autor.
Na verdade, seria de todo absurdo e incongruente que a acção fosse interposta em qualquer altura, após a nomeação do patrono.
Ter-se-á de aplicar por analogia o disposto no artigo 326º, nº 1 e 2 do CC e o disposto no artigo24º, nº 5, alínea a) da citada Lei do apoio judiciário”.
O recorrente insurge-se contra esta interpretação essencialmente baseada no prazo de 30 dias para o patrono nomeado intentar a acção em juízo (artigo 33º nº 1 da Lei 34/2004) e com recurso a aplicação analógica de outros preceitos citados na decisão em crise.
Pensamos que lhe assiste razão nesta parte. O prazo de 30 dias em causa é, a nosso ver, um prazo ordenatório, cuja não observância dará lugar às consequências previstas nos nºs 1, 2 e 3 do artigo 33º da Lei 34/2004 e já não à preclusão do apoio judiciário concedido e do efeito previsto no nº 4 desse mesmo artigo.
Contudo, seria efectivamente um absurdo como refere o Sr. juiz a quo que, sem consequências, “a acção fosse interposta em qualquer altura, após a nomeação do patrono”. Esta solução inviabilizaria a própria natureza da figura da caducidade (em regra sujeita a prazos mais curtos do que a própria prescrição) e que tem por razão de ser a definição na ordem jurídica, dentro dum prazo razoável, das situações de litígio entre os indivíduos, por razões de segurança e paz social.
Contudo, o sistema harmonicamente interpretado contém soluções para essa preocupação.
No caso, importa recorrer ao disposto no artigo 332º nº 1 e 2 do Código Civil do qual resulta que “quando a caducidade se referir ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta (…) se a instância se tiver interrompido, não se conta para efeitos de caducidade o prazo decorrido entre a proposição da acção e a interrupção da instância”.
Como refere Pires de Lima e A. Varela (in Código Civil Anotado, anotação ao artigo 332º) “a interrupção da instância é (…) irrelevante em matéria de prescrição. Há que aguardar a deserção (5 anos) para se definir a posição do titular. Em matéria de caducidade a doutrina é diferente (…). Apenas se considera interrompida a caducidade entre a propositura da acção e a interrupção da instância”.
Ora, devendo considerar-se, como vimos, que a acção foi proposta com o pedido de nomeação de patrono, então, nos termos do disposto no artigo 285º do Código de Processo Civil, deve considerar-se também que a instância se interrompeu um ano depois de 9 de Janeiro de 2006, data em que a patrona nomeada foi notificada dessa nomeação para apresentar petição inicial em juízo e não o fez, como devia ter feito. Isto, porque encontrando-nos numa situação de excepção ao princípio geral do artigo 267º nº 1 do CPC (momento do início da instância), dele resulta, em qualquer caso, que a instância se inicia pela proposição da acção, não havendo motivos para, se assim é, afastar na singularidade da situação as regras da interrupção da mesma.
Então, assim sendo, o prazo que decorreu entre 27-12-2005 (data do pedido de nomeação de patrono/data da proposição da acção) e 10 de Janeiro de 2007, não deve contar para efeitos de caducidade (solução do artigo 332º nº 2 do Código Civil).
Todo o resto do prazo já contará: o que decorre no período que vai da data do alegado despedimento até à do pedido de nomeação de patrono; e o que decorre do período que vai da data da interrupção da instância até apresentação da petição inicial em juízo (data da cessação da interrupção da instância, nos termos do artigo 286º do CPC).
Somando esses dois períodos, verificamos que não completaram um ano.
Por isso, a caducidade não ocorreu quanto ao eventual crédito respeitante a indemnização por despedimento ilícito.

Por isso, sem necessidade de mais considerandos, pode concluir-se proceder parcialmente a apelação.
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III- DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, delibera-se conceder parcial provimento à apelação, confirmando-se o saneador-sentença recorrido no que toca à prescrição dos créditos peticionados relativos a férias e a subsídios de férias, mas revogando-o no que toca ao crédito referente a indemnização por despedimento ilícito, ordenando-se o prosseguimento dos autos, com a realização da correspondente audiência de julgamento.

Custas pelas partes, na proporção de metade para cada.
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Coimbra,
(Luís Azevedo Mendes)
(Fernandes da Silva)
(Serra Leitão)