Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1233/07.4TBILH-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
INCIDENTE DA QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
REGIME DOS RECURSOS APLICÁVEL
APLICAÇÃO DO REGIME DO D.L. 303/2007
Data do Acordão: 11/18/2008
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ÍLHAVO – 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: -
Legislação Nacional: ARTºS 11º, Nº 1, E 12º, Nº 1, DO DEC. LEI Nº 303/2007, DE 24/08; E 188º DO CIRE (DEC. LEI Nº 53/2004, DE 18/03,NA REDACÇÃO DO D.L. Nº 200/2004, DE 18/08).
Sumário: I – Tendo o processo de insolvência sido instaurado em 2007, ao abrigo do CIRE (Dec. Lei nº 53/2004, de 18/03, na redacção do Dec. Lei nº 200/2004, de 18/08), deve entender-se que o novo regime dos recursos em processo civil, aprovado pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 24/08, não é aplicável no âmbito de um incidente de qualificação de insolvência apenso, face ao estatuído nos artºs 11º, nº 1, e 12º, nº 1, deste último diploma, onde se preceitua que o novo regime dos recursos apenas se aplica aos processos instaurados a partir de 1/01/2008, mesmo que o dito incidente tenha já sido instaurado ou iniciado em 28/05/2008.

II - A qualificação da insolvência consubstancia um incidente do processo de insolvência, sendo a pendência deste, aquando da entrada em vigor das alterações introduzidas pelo D. L. nº 303/2007, de 24/08, que determina a inaplicabilidade – também ao seu incidente de qualificação da insolvência – do regime de recursos introduzido por esse diploma.

III - Entende-se perfeitamente tal interpretação, tanto mais que é logo na sentença de declaração de insolvência que o juiz declara aberto o incidente de qualificação de insolvência, com carácter pleno ou limitado – artº 36º, al. i), do CIRE -, pelo que o processo de insolvência propriamente dito e o apenso de qualificação da insolvência (e todos os demais apensos) constituem um todo processual, perfeitamente interdependentes, cujo início é o do processo principal.

IV - Um recurso interposto nesse incidente considera-se como um recurso sujeito às normas do CPC anteriores à dita reforma do D. L. nº 303/2007, pelo que o prazo para a interposição do dito recurso é de 10 dias, contados da notificação da decisão de que se recorre – artº 685º, nº 1, CPC, na redacção anterior ao D.L.303/2007.

Decisão Texto Integral:
No Tribunal Judicial da Comarca de Ílhavo, corre termos um processo de insolvência com o nº 1233/07.4TBILH, contra a sociedade " A...", com sede em Vila e freguesia da Gafanha da Nazaré, concelho de Ílhavo.

Por apenso a esse processo foi instaurado o presente incidente da qualificação dessa insolvência, no qual os Requerentes da insolvência, B... e C..., apresentaram alegações escritas, pretendendo que seja qualificada como culposa a dita insolvência, por dolo ou culpa grave dos legais representantes da insolvente, D... e E....

Pela Administradora da Insolvência foi junto o parecer de qualificação de insolvência, conforme fls. 28 a 31, no qual se conclui do seguinte modo: “Nos presentes autos verifica-se que a empresa cessou a sua actividade comercial em 2001, sendo que… as dívidas da empresa são originárias dos anos de 1991, 1994, 1995, 1998, 1999 e nomeadamente as fiscais até ao ano de 2002. Tais factos foram praticados entre 1991 e 2002,estando, portanto, excluída a sua prática nos últimos 3 anos anteriores à insolvência.
Deste modo e não tendo a situação de insolvência sido criada ou agravada em consequência de actuação, dolosa ou com culpa, do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, somos de parecer que deve ser qualificada como fortuita a dita insolvência”.

Ouvido o Digno Agente do Ministério Público junto do Tribunal competente, pronunciou-se este no sentido de que “se desconhece a data concreta (em que a sociedade teve conhecimento da situação de insolvência) mas a verdade é que a partir de certa altura a sociedade deixou de ter condições de cumprir as suas obrigações vencidas, dando origem a inúmeros processos judiciais de natureza cível para cobrança de dívidas. Todavia, a sociedade veio mesmo a sofrer um processo de recuperação de empresa, cujas medidas não cumpriu nem implementou, durante os anos de 2000 e 2001.
Por outro lado, ainda que se entenda estar verificada a hipótese legal da alínea a) do nº 3 do artº 186º do CIRE, tal ter-se-á dado, seguramente, antes de 14/1172004 (ou seja, antes dos três anos anteriores ao início do processo de insolvência).
Acresce que não resultam dos autos elementos susceptíveis de concluir pela existência de causalidade entre a actuação dos gerentes da insolvente e a criação ou agravamento do estado de insolvência, nomeadamente devido ao facto de não terem requerido a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência.
Igualmente não se vislumbram elementos no processo que indiciem a existência de dolo ou culpa grave na actuação dos gerentes da insolvente.
Nestes termos, concordando-se com o parecer da Ex.ma Administradora da Insolvência, consideramos ser de qualificar a presente insolvência como fortuita” – fls. 73 a 76.

Na sequência de tais pareceres foi, de seguida, proferido o despacho judicial de fls. 77, pelo qual foi declarada a insolvência como fortuita, nos termos do nº 4 do artº 188º do CIRE.

Os Requerentes da insolvência, uma vez notificados de tal despacho, vieram apresentar o seu requerimento de fls. 84 a 87, com o qual arguíram a nulidade do dito despacho.

Apreciando tal arguição, foi proferido o despacho de fls. 100, no qual foi indeferida a nulidade arguida.
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Deste último despacho interpuseram os ditos Requerentes recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir imediatamente, no próprio apenso e com efeito devolutivo.

Cumpre, antes de mais, apreciar a admissibilidade desse recurso, nos termos dos artºs 700º, nº 1, al. a), e 701º, nº 1, do CPC.
E nessa apreciação deve dizer-se que o processo de insolvência em causa foi instaurado em 2007, como bem resulta do seu nº processual – 1233/07.4TBILH-B.C1 -, ao abrigo do CIRE (Dec. Lei nº 53/2004, de 18/03, na redacção do Dec. Lei nº 200/2004, de 18/08).
Assim sendo, entende-se que o novo regime dos recursos em processo civil, aprovado pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 24/08, não é aplicável no âmbito do presente incidente de qualificação de insolvência, face ao estatuído nos artºs 11º, nº 1, e 12º, nº 1, deste último diploma, onde se preceitua que o novo regime dos recursos apenas se aplica aos processos instaurados a partir de 1/01/2008.
E isto apesar do presente incidente ter sido instaurado ou iniciado em 28/05/2008, uma vez que a qualificação da insolvência consubstancia um incidente do processo de insolvência, sendo a pendência deste, aquando da entrada em vigor das alterações introduzidas pelo D. L. nº 303/2007, de 24/08, que determina a inaplicabilidade – também ao seu incidente de qualificação da insolvência – do regime de recursos introduzido por esse diploma – ver, neste sentido, a decisão do Relator desta Relação no processo nº 4701/05.9TJCBR-K.C1 – Des. Falcão de Magalhães -, de 28/07/2008, proferida em incidente de reclamação nos termos do artº 688º CPC.
Ver, também, idêntica decisão do relator desta Relação proferido no proc. nº 280/07.0TBLSA-F.C1 – Des. Teles Pereira -, de 16/06/2008, proferido em processo de reclamação do artº 688º CPC.
Ambas essas decisões estão disponíveis no site desta Relação.
E entende-se perfeitamente tal interpretação, tanto mais que é logo na sentença de declaração de insolvência que o juiz declara aberto o incidente de qualificação de insolvência, com carácter pleno ou limitado – artº 36º, al. i), do CIRE -, pelo que o processo de insolvência propriamente dito e o apenso de qualificação da insolvência (e todos os demais apensos) constituem um todo processual, perfeitamente interdependentes, cujo início é o do processo principal.
Pelo que o presente recurso considera-se como um recurso sujeito às normas do CPC anteriores à dita reforma do D. L. nº 303/2007.
Assim sendo, o prazo para a interposição do dito recurso é de 10 dias, contados da notificação da decisão de que se recorre – artº 685º, nº 1, CPC, na sua redacção anterior ao D.L. 303/2007, de 24/08.
Ora, resulta dos presentes autos que o referido despacho recorrido, datado de 17/09/2008, foi notificado aos Requerentes da insolvência (e agora recorrentes) por ofício de 18/09/2008 – fls. 106 -, pelo que se presume que essa notificação ocorreu em 22/09/2008 (nos termos do artº 254º, nº 3, CPC).
Logo, o prazo para recorrerem desse despacho terminou em 2/10/2008, mas a apresentação do recurso apenas ocorreu em 7/10/2008 – fls. 116 -, isto é, no 3º dia útil seguinte ao términus do dito prazo, pelo que a sua validade está dependente do pagamento de uma multa, nos termos do artº 145º, nº 5, CPC.
Verifica-se que essa multa não foi paga nem a secretaria judicial do Tribunal recorrido deu cumprimento ao disposto no nº 6 do citado artº 145º do CPC.
Assim sendo, dê-se agora cumprimento a tal preceito, a fim de poder ser ou não aceite o recurso interposto.
Notifique deste despacho e d. n..
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Tribunal da Relação de Coimbra, em 18/11/2008