Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
422/14.0TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA
EMPREGADOR
ESTADO
Data do Acordão: 06/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA- LEIRIA - SECÇÃO DE TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 427/89, DE 07/12; LEI Nº 12-A/2008, DE 27/02.
Sumário: I – A competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Por isso, para se aferir da competência material do tribunal importa apenas atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados.

II – A jurisdição administrativa tem competência para a apreciação dos lítigios com origem na administração pública lato sensu e envolvem a aplicação de normas de direito administrativo ou fiscal ou a prática de actos a coberto do direito administrativo.

III – Assente que a relação jurídica estabelecida entre as partes, tal como é configurada pelo autor, deve ser caracterizada como de emprego público, nunca tendo estado sujeita à lei laboral comum, são os tribunais da jurisdição administrativa os competentes para apreciar os lítigios dela emergentes.

Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Na sua contestação, veio a AUTORIDADE NACIONAL DE PROTECÇÃO CIVIL (ANPC) arguir a incompetência do Tribunal do Trabalho, em razão da matéria, para conhecer do pedido formulado pelo Autor – A... que consiste em: i) ver declarada a existência entre a Ré e o Autor de um contrato de trabalho por tempo indeterminado; ii) ver declarada a ilicitude do despedimento (alegadamente) verbal do Autor e consequente reintegração; e iii) na condenação da Ré no pagamento das indemnizações devidas pela cessação da Comissão de Serviço).

Para tanto alega, em suma, que entre Autor e Ré existiu, entre 01.07.2008 e 31.05.2013, um vínculo de emprego público, por via da nomeação do primeiro, em comissão de serviço, e respectiva renovação, para exercer funções de Adjunto de Operações Distrital (ADOD) do Comando Distrital de Operações de Socorro de Leiria, sendo que a jurisdição competente para dirimir os litígio emergentes de tal vínculo é a jurisdição administrativa, sendo competentes os Tribunais Administrativos e Fiscais, e não os Tribunais do Trabalho (actuais Secções do Trabalho).

Em resposta, o Autor alega que nunca esteve sujeito a vínculo que o possa reconduzir à forma de contrato de trabalho em funções públicas, concluindo pela improcedência da excepção invocada.


***

III – Na sequência da arguida incompetência absoluta foi proferido a decisão que a seguir se transcreve:

“O artigo 64º do Código de Processo Civil prescreve que “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

Por sua vez, o artigo 211º da Constituição da República Portuguesa (CRP) dispõe, no seu nº 1, que “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.

O art. 126º, nº 1, al. b), da Lei da Organização do Sistema Judiciário estabelece que, em matéria cível, compete às secções do trabalho conhecer: “b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho”.

No ordenamento jurídico vigente, o art. 1152º do Cód. Civil dispõe que “Contrato de Trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”, sendo que, por sua vez, e em termos não substancialmente divergentes, o art. 11º do Código do Trabalho prescreve que “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob autoridade destas”.

Nos termos do artigo 212º, nº 3, da CRP, “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações administrativas e fiscais”.

Os tribunais administrativos e fiscais integram, pois, face à lei fundamental, a categoria dos tribunais com estatuto autónomo e com competência específica para o julgamento dos litígios emergentes de relações administrativas e fiscais.

No mesmo sentido, dispõe o artigo 1º, nº 1, da Lei nº 13/2002, de 19/02 (diploma que aprova o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF) que “ Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

Por sua vez, o artigo 4º do ETAF determina o âmbito da jurisdição administrativa, quer através de enumerações dos litígios nela incluídos (cfr. nº 1), quer através dos excluídos (cfr. nºs 2 e 3).

Aí se dispõe, ao que agora nos interessa, na al. d) do nº 3, que “Ficam igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: d) A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas (sublinhado nosso).


*

A competência do tribunal em razão da matéria afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida, tal como a configura o autor, ou seja, nos termos em que foi proposta a acção, nomeadamente pelo pedido e pela causa de pedir (vide, neste sentido, entre outros, Acórdãos do STJ de 20/05/1998, in BMJ 477-389, de 12/01/94, in CJ 1994-1-38, de 03/02/87, in BMJ 364-591; na doutrina, vide, a título de exemplo, A. dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 1º, p. 110).

Assim, o critério determinante para se aferir da competência material do tribunal não é tanto o de saber quem pratica o acto ou omissão, mas qual a natureza do acto em causa.

Há, pois, que ter em consideração os termos em que a acção foi proposta e a natureza do acto praticado (vide, neste sentido, Ac. da Relação do Porto de 27/04/2004, disponível in www.dgsi.pt/jtrp), numa outra formulação, torna-se necessário recorrer a certos índices de competência “olhando-se aos termos em que foi proposta a acção – seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para a qual se pretende tutela judiciária), seja quanto aos elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do Tribunal – ensina REDENTI – afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, p. 91).


*

Partindo das considerações que antecedem, importa, pois, apreciar se este tribunal é competente, em razão da matéria, para apreciar os termos da relação material controvertida, tal como vem delineada no articulado inicial.

Para tanto, e com interesse para a decisão da presente questão, maxime compulsando a petição inicial apresentada pelo Autor, temos que o mesmo alega que foi nomeado, em comissão de serviço (e renovação da mesma), para exercer, entre 01.07.2008 e 31.05.2013, funções de Adjunto de Operações Distrital (ADOD) do Comando Distrital de Operações de Socorro de Leiria.

Tal Posto ou Categoria de Adjunto de Operações Distrital está previsto no nº 2 do art. 18º do DL nº 75/2007, de 29 Março e foi criado através do Despacho nº 11392/2008 do Secretário de Estado de Protecção Civil de 10 de Abril, publicado no DR, II Série, nº 78, de 21 de Abril de 2008; através do Despacho nº 18456, publicado no DR, II Série, nº 132, de 10 de Julho 2008, o

Autor foi nomeado em comissão de serviço pelo período de 3 anos para desempenhar as sobreditas funções, tendo a 1ª nomeação o seu terminus em 30.06.2011, tendo sido reconduzido por mais 3 anos com base no Despacho nº 9701/2011, publicado no DR, II Série, nº 149, de 04 de Agosto de 2011.

Sucede que tal Posto foi entretanto extinto, em 03.06.2013, e não obstante o pedido formulado pelo Sr. Presidente da ANPC de permanecer em disponibilidade para integrar o CDOS, a verdade é que a respectiva declaração correspondeu a uma comunicação de despedimento. O Autor, ao contrário de outros colegas que retomaram os anteriores postos de trabalho, não tinha qualquer um para onde regressar, não recebendo desde então qualquer remuneração nem subsídio de desemprego, pretendendo por isso ser indemnizado por virtude da cessação da sua comissão de serviço.


*

Ou seja, perante tal quadro, temos que a relação entre Autor e Ré se traduziu, no período compreendido entre 01.07.2008 e 31.05.2013, e como bem salienta a segunda, num vínculo de emprego público, por via da nomeação do Autor em Comissão de Serviço, para cargo não inserido em carreira, como era o caso de Adjunto de Operações Distrital (ADOD).

Os arts. 9º, nº 1 e 12º, nº 1 da Lei Geral Trabalhadores da Função Pública (aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20/06), a propósito da constituição da relação jurídica de emprego, estabelece que a mesma se pode constituir por comissão de serviço, e que, “Cessada a comissão de serviço, o trabalhador regressa à situação jurídico-funcional de que era titular antes dela, quando constituída e consolidada por tempo indeterminado, ou cessa a relação jurídica de emprego público, no caso contrário, em qualquer caso com direito a indemnização quando prevista em lei especial” (cfr. art. 290º, nº 5).

No caso, sendo esta “relação jurídica de emprego público” que está na génese desta acção, torna-se patente a sua natureza administrativa e, como tal, só pode estar sujeita à jurisdição administrativa e fiscal, nos termos do já citado art. 4º, nº 3, al. d) do ETAF.

Do exposto resulta que esta Secção do Trabalho é incompetente, em razão da matéria, para apreciar e decidir o pedido formulado pelo Autor quanto à Autoridade Nacional de Protecção Civil.


*

Em face do exposto, decide-se:

- Julgar procedente a invocada excepção de incompetência em razão da matéria desta Secção do Trabalho quanto à presente acção, nos termos do disposto nos artigos 96º e 97º, ambos do CPC;

- Abster-se de conhecer do pedido formulado pelo Autor contra a Autoridade Nacional de Protecção Civil, de acordo com o disposto no nº 1, al. a), do art. 278º do CPC;

- Absolver a Ré da presente instância, nos termos do art. 99º, nº 1, do mesmo diploma legal.”


***

III – Inconformado veio autor apelar, alegando e concluindo:

[…]


+


Não foram apresentadas contra alegações.

+

O Exmº PGA é do parecer que a apelação deve improceder.

+

Corridos os vistos legais cumpre decidir.

***

IV – Os factos a considerar são os narrados no relatório do presente acórdão.

***

V - Conforme decorre das conclusões da alegação da recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, a questão que importa resolver consiste em saber se o tribunal recorrido tem competência em razão da matéria para conhecer das questões suscitadas nos autos.

Pode considerar-se entendimento pacífico que a competência material dum tribunal constitui um pressuposto processual, sendo aferida pela questão ou questões que o autor coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado (conforme Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pag. 91). A apreciação da competência dum tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta, aferindo-se portanto pelo “quid disputatum”, ou seja, pelo pedido do autor e respectiva causa de pedir, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas alegadas pelas partes ou qualquer juízo de prognose que possa fazer-se quanto à viabilidade ou inviabilidade da pretensão formulada pelo autor. Foi também neste sentido que se firmou a jurisprudência, conforme se observa entre outros dos acórdãos do STJ de 6/6/78, BMJ 278/122, de 20/10/93, in ADSTA, 386/227, de 9/2/94, in CJSTJ, t. 1, p. 288, de 19/2/98, in CJSTJ, t. 1, p. 263, de 3/5/2000, in CJSTJ, t. 2, pag. 39, e de 14/5/2009, in www.dgsi.pt.

A competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Por isso, para se aferir da competência material do tribunal importa apenas atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja, à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados. (V. AC desta Relação. 117/14.4TTLMG.C1 de 15/01/15).[1]

No caso, a relação jurídica de emprego do autor constituiu-se através de nomeação, em comissão de serviço, nos termos dos despachos referidos na decisão impugnada e que têm o seguinte teor:

“MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA Gabinete do Secretário de Estado da Protecção Civil Despacho n.º 11392/2008 Considerando que a estrutura orgânica da Autoridade Nacional de Protecção Civil, aprovada pelo Decreto -Lei n.º 75/2007, de 29 de Março, prevê a existência, em cada distrito, de um comandante operacional distrital, coadjuvado pelo 2.º comandante operacional distrital, ao qual compete exercer as competências previstas no Sistema Integrado de Operações de Socorro e assegurar a articulação operacional permanente com o comando operacional municipal. Considerando que os comandos distritais de operações de socorro podem ainda dispor de um adjunto de operações, sempre que as necessidades resultantes dos riscos naturais, tecnológicos e das actividades humanas, verificadas nas respectivas áreas, o justifiquem. Considerando que através do despacho n.º 47/SEAI/2007, de 23 de Abril, foram já criados os cargos de adjuntos de operações distritais em Lisboa e Porto, tendo por base os estudos de risco elaborados em 2005 e 2006. Considerando que no desenvolvimento dos estudos acima referidos, em matéria de risco primário e complementar, se constata a necessidade de alargar a outros distritos a garantia de melhores níveis de protecção e segurança das populações, património e ambiente, designadamente, através do reforço das respectivas estruturas distritais de planeamento de emergência, de comando e socorro e de recuperação de danos provocados por acidentes graves e catástrofes. Assim, Pelo exposto, no uso das competências que me foram delegadas pelo Despacho n.º 5282/2008, de 1 de Fevereiro de 2008, publicado no DR, 2.ª série, n.º 41, de 27 de Fevereiro de 2008, e nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do Decreto -Lei n.º 75/2007, de 29 de Março, determino a criação do lugar de adjunto de operações distrital nos distritos de Aveiro, Braga, Coimbra, Faro, Leiria, Santarém, Setúbal e Viseu, com efeitos a partir de 1 de Maio de 2008. 10 de Abril de 2008. — O Secretário de Estado da Protecção Civil, José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros”.

E

“Despacho n.º 18456/2008 Em conformidade com o previsto no n.º 2 do artigo 18.º do DecretoLei n.º 75/2007, de 29 de Março, através do Despacho n.º 11392/2008 do Secretário de Estado da Protecção Civil, de 10 de Abril, publicado no Diário da República, 2.ª série — n.º 78, de 21 de Abril de 2008, foi criado o lugar de adjunto de operações distrital nos distritos de Aveiro, Braga, Coimbra, Faro, Leiria, Santarém, Setúbal e Viseu. Assim, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 42.º e na alínea c) do artigo 49.ºA, ambos do Decreto-Lei n.º 49/2003, de 25 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 97/2005, de 16 de Junho, e pelo Decreto-Lei n.º 21/2006, de 2 de Fevereiro, conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 75/2007, de 29 de Março, sob proposta do Comandante Operacional Nacional, ouvido o Comandante Operacional Distrital de Leiria, nomeio, em comissão de serviço, pelo período de três anos, a título excepcional, para desempenhar as funções de Adjunto de Operações Distrital do Comando Distrital de Operações de Socorro de Leiria, A... . O nomeado tem o perfil pretendido para prosseguir as atribuições e objectivos do serviço e é dotado da necessária competência e aptidão para o exercício das funções, conforme resulta da síntese curricular publicada em anexo. O presente despacho produz efeitos a 1 de Julho de 2008. 23 de Junho de 2008. — O Presidente, Arnaldo José Ribeiro da Cruz”

Por último, reza assim o Despacho nº 9.701/2011:

“Nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 18.º e no artigo 28.º, ambos do Decreto-Lei n.º 75/2007, de 29 de Março, conjugado com o artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 49/2003, de 25 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 97/2005, de 16 de Junho, pelo Decreto-Lei n.º 21/2006, de 2 de Fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 123/2008, de 15 de Julho, e com o n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, alterada pela Lei n.º 51/2005, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril é renovada, após proposta do comandante operacional nacional, ouvido o comandante operacional distrital de Leiria e por um período de três anos, a comissão de serviço do adjunto de operações distrital do Comando Distrital de Operações de Socorro de Leiria, A... , cujo primeiro triénio teve início em 1 de Julho de 2008. 28 de Março de 2011. - O Presidente, Arnaldo Cruz”.

A decisão recorrida considerou que “a relação entre Autor e Ré se traduziu, no período compreendido entre 01.07.2008 e 31.05.2013, num vínculo de emprego público, por via da nomeação do Autor em Comissão de Serviço, para cargo não inserido em carreira, como era o caso de Adjunto de Operações Distrital (ADOD).”.

E daí que tenha configurado a relação jurídica estabelecida como de natureza administrativa traduzida num vínculo de emprego público e assim tenha entendido que a apreciação do litígio dos autos dele emergente é da competência dos tribunais administrativos.

Contra esta interpretação se insurge o recorrente sustentando que a competência material do tribunal se afere em função dos termos em que a acção é proposta, e a relação jurídica foi por ele configurada como de trabalho subordinado.

De facto, como acima ficou dito, a apreciação da competência dum tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta. Contudo esta regra deve ser entendida “cum grano salis” sob pena de se deixar ao arbítrio do autor a fixação das regras sobre a competência material dos tribunais. Sempre o autor poderia configurar a mais irrealista relação jurídica, a mais inconsistente causa de pedir, fazendo-lhe equivaler o respectivo pedido, de forma a tornear as regras sobre a competência e, desta forma, escolher a jurisdição que muito bem entender.

Isto para dizer que a pretensão deve estar estruturada em factos, não bastando que o autor se limite a apelidar ou a qualificar certa relação jurídica como bem lhe convém.

Percorrida a petição inicial verificamos que ao autor alega ter sido admitido ao serviço da ré por contrato de trabalho (artº 1º) para logo no artº 8º aceitar ter sido nomeado em comissão de serviço através do despacho nº 18.456/2008, tendo sido reconduzido no cargo através do despacho 9.701/2011 de 04/08 (artº 10º).

Invocando (v. artº 42º) de que tinha um horário fixo, que recebia uma quantia mensal como contrapartida do trabalho intelectual e manual, que fazia uso de instrumentos de trabalho facultados pela ré e que estava sujeito ao poder de direcção desta conclui estar-se perante uma relação jurídico-laboral, ou seja, que foi admitido por contrato de trabalho subordinado por tempo indeterminado em regime de comissão de serviço, sujeito ao regime do CT, designadamente no toca à sua cessação.

Ora, pese embora esta alegação, não se pode de todo olvidar que o autor aceita o modo como se constituiu a sua relação de emprego. Aceita ter sido nomeado nos termos dos despachos e ao abrigo da legislação já referida.

À data da nomeação, vigorava ainda o DL 427/89 de 07/12[2] (regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração pública), o qual no seu artº 3º estipulava que “ a relação jurídica de emprego na administração Pública constitui-se por nomeação e contrato de pessoal”.

A nomeação, nos termos do seu artº 4º “é um acto unilateral da Administração pelo qual se preenche um lugar do quadro e se visa assegurar, de modo profissionalizado, o exercício de funções próprias do serviço público que revistam carácter de permanência”. e “para efeitos do presente diploma, consideram-se funções próprias do serviço público aquelas cujo exercício corresponda à aplicação de medidas de política e à concepção, execução e acompanhamento das acções tendentes à prossecução das atribuições de cada serviço”sendo quea nomeação confere ao nomeado a qualidade de funcionário”.

E, os termos do artº 5º do mesmo diploma “a constituição da relação jurídica de emprego por nomeação reveste as modalidades de nomeação por tempo indeterminado, adiante designada por nomeação, e de nomeação em comissão de serviço”.

Por último, a nomeação reveste a forma de despacho (artº 8º do referido DL).

Conforme refere Fernandes Cadilha (“in” Dicionário de contencioso administrativo, Almedina, 2007. págs 117 e 118), “por relação jurídico-administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas. Pode tratar-se de uma relação jurídica inter subjectiva, como a que ocorre entre a administração e os particulares, intra administrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem. Por outro lado, as relações jurídicas podem ser simples ou bipolares. Quando decorrem entre dos sujeitos, ou poligonais ou multipolares, quando surgem entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesa situação jurídica (…)

A jurisdição administrativa tem competência para a apreciação dos litígios com origem na administração pública lato sensu e que envolvam a aplicação de normas de direito administrativo ou fiscal ou a prática de actos a coberto do direito administrativo.

No caso em apreciação, a relação jurídica de emprego constituída através de nomeação, acto tipicamente administrativo, leva desde logo a afirmar que entre as partes se firmou uma relação de índole público-administrativo.

Por outro lado a relação estabelecida ficou sujeita ou envolve a aplicação de normas de direito público-administrativo como a próprio autor reconhece, designadamente, nos seus artº 13º e ss quando aí descreve as suas funções, determinadas pelo comandante operacional distrital conforme disposto no artº 11º do DL 134/2006 de 25/06 e artº 18º do DL 75/2007 de 29/03, tais como coordenação do gabinete de segurança contra incêndios, planificação no âmbito da emergência, colaboração na elaboração do plano operacional de incêndios florestais, execução do processo de revisão distrital de emergência, detentor de prerrogativas de autoridade, apoio aos serviços municipais de protecção civil etc.

Todos estes actos eram praticados pelo autor no âmbito da uma actividade ligada à protecção civil, sujeita e a coberto de normas de natureza administrativa, isso mesmo sendo reconhecido pelo próprio autor.

É evidente que estando os serviços de protecção civil hierarquizados, é normal que o autor estivesse sujeito a observar ordens dos seu superiores mas sem que isso possa influir na caracterização da relação. Assim, é normal que tivesse um horário e que utilizasse instrumentos de trabalho da ré. Melhor fosse que o “jeep”, o material de telecomunicações ou até, passando o exagero, o carro dos bombeiros fossem de sua pertença !!

A relação firmada entre as partes deve, desde o seu início, ser caracterizada como tendo natureza administrativa. E isso mesmo resulta do modo como factualmente o autor configurou a relação de emprego aceitando ter sido nomeado e descrevendo as funções que nitidamente se enquadram na actividade público-administrativa como seja o desempenho de funções inerentes à actividade de protecção civil.

Acresce ainda o seguinte:

Em 01-01-2009 entrou em vigor a Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro[3] (Regime de Vinculação, de Carreiras e de Remunerações dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas), cujo art. 2.º que rege sobre o âmbito de aplicação subjectivo dessa lei, dispõe que, dispõe que “é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funçõese “é também aplicável, com as necessárias adaptações, aos actuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas colectivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objectivo”.

O art. 9.º n.º 1 estabelece como modalidades da relação de emprego público a nomeação e o contrato de trabalho em funções públicas, podendo aquela revestir a modalidade de “definitiva” ou “provisória” e este revestir as modalidades de “contrato por tempo indeterminado” e de “contrato a termo resolutivo, certo ou incerto” (art.s 11º e 21. n.º 1. respectivamente), podendo ainda a relação jurídica de emprego público constituir-se através de comissão de serviço nos casos previstos no nº 4 do artº 9º do citado DL.

Com entrada em vigor desta Lei, o autor, nomeado em comissão de serviço, transitou para mesma modalidade de emprego público (comissão de serviço) com o conteúdo decorrente desta Lei (nº 4 do artº 90º da mesma lei), assim se mantendo até ao fim da renovação dessa comissão.

Ou seja, a relação jurídica sempre se manteve a mesma não se alterando a sua natureza público-administrativa tal como acima ficou definida, podendo a comissão de serviço cessar a todo o tempo por iniciativa da entidade empregadora pública ou do trabalhador regressando este à situação jurídico-funcional de que era titular antes dela, quando constituída e consolidada por tempo indeterminado, ou cessando a relação jurídica de emprego público, no caso contrário, em qualquer caso com direito a indemnização quando prevista em legislação especial (artº 34º da Lei 12-A/2008).

Assente que, em face da petição inicial, a relação jurídica estabelecida entre as partes, tal como é configurada pelo autor, deve ser caracterizada como de emprego público, nunca tendo estado sujeita à lei laboral comum, são os tribunais da jurisdição administrativa os competentes para apreciar os litígios dela emergentes como expressamente dispunha o artº 83º da Lei 12-A/2008 que ainda se encontrava em vigor à data da propositura da acção (igual solução consta do artº 12º da Lei 35/2014).


***

VI - Termos em que se delibera julgar a apelação totalmente improcedente, com integral confirmação da decisão impugnada.

*

Custas pelo apelante.

*

Coimbra, 25 de Junho de 2015

***

(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Jorge Manuel da Silva Loureiro)

(José Luís Ramalho Pinto)



[1] Relatado pelo Desembargador Azevedo Mendes e em que o ora relator foi adjunto, acórdão este que veio a ser confirmado pelo Ac. do STJ de 16/06/2015.
[2] Revogado pela Lei 12-A/08 de 27/09.
[3] Que vigorou até 25.06.14 data da entrada em vigor da Lei 35/2014 de 20/06 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).