Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01026/03 - Coimbra
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/20/2006
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Drº José Augusto Araújo Veloso
Descritores:RECLASSIFICAÇÃO PROFISSIONAL. DL N.º 497/99. ART. 63.º DL N.º 247/87. NULIDADE
Sumário:I. A proibição contida no artigo 5º nº1 do DL nº497/99, de 19 de Novembro, também se aplica aos casos de reclassificação obrigatória previstos no artigo 15º do mesmo diploma;
II. A sanção de nulidade prevista no artigo 63º do DL nº247/87, de 17 de Junho, continua a aplicar-se às deliberações dos órgãos autárquicos que violem regras de reclassificação profissional, mesmo após a entrada em vigor do DL nº218/2000 de 9 de Setembro.
Data de Entrada:05/11/2006
Recorrente:Presidente Câmara Municipal de Soure
Recorrido 1:Ministério Público
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Recurso Contencioso Anulação (LPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Relatório
O Presidente da Câmara Municipal de Soure (CMS) interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida pelo então 1º Juízo Liquidatário do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra – em 27 de Junho de 2005 – que – dando provimento a recurso contencioso interposto pelo Ministério Público - declarou a nulidade do seu despacho de 15 de Fevereiro de 2001 pelo qual a recorrida particular I… assistente administrativa principal – foi reclassificada na categoria de Chefe da Secção de Protocolos e Relações Públicas – ao abrigo dos artigos 15º do DL nº497/99, de 19 de Novembro, e 1º, 2º e 6º do DL nº218/2000, de 9 de Setembro.
Conclui as suas alegações da forma seguinte:
1- No presente recurso jurisdicional a questão fundamental a decidir consiste em determinar se a proibição decretada pelo artigo 5º do DL nº497/99, de 19 de Novembro, é imediatamente aplicável a toda e qualquer reclassificação ou se, pelo contrário, essa proibição só será objecto de aplicação após se proceder à reclassificação obrigatoriamente imposta pelo artigo 15º para todas as situações de desajuste funcional já constituídas à data da entrada em vigor daquele diploma;
2- O aresto em recurso, espelhando uma concepção positivista do direito, e efectuando uma interpretação meramente literal dos preceitos envolvidos – o artigo 5º e o artigo 15º do DL nº497/99 - considerou que aquela primeira norma vedava toda e qualquer reclassificação profissional para lugares de chefia;
3– Ora, ao efectuar uma interpretação meramente literal do DL nº497/99, o aresto em recurso enferma de um claro erro de julgamento, violando frontalmente o disposto no artigo 15º deste diploma, e fomentando a manutenção de situações de desajuste funcional, ao arrepio de toda a intenção que presidiu à feitura de uma norma especial como a referida no citado artigo 15º;
4– Com efeito, um confronto literal do nº1 do artigo 5º e do nº1 do artigo 15º do DL nº497/99, pode levar o intérprete a concluir que se tratam de disposições conflituantes entre si, pois enquanto o primeiro daqueles artigos impede reclassificações para lugares de chefia, o segundo manda regularizar todas as situações em que haja um desajustamento funcional, o que implica que haja lugar à reclassificação sempre que ocorra tal desajustamento, ainda que seja para categorias de chefia;
5– Contudo, trata-se de um conflito aparente, só possível se o intérprete se cingir à letra da lei, uma vez que a intenção do legislador foi, por um lado, definir a nova disciplina da reclassificação profissional que vigorará a partir da entrada em vigor da lei e, por outro lado, resolver todas as situações de desajustamento funcional entretanto já constituídas;
6– Consequentemente, a harmonização dos artigos 5º e 15º do DL nº497/99 passa pelo reconhecimento destas duas intenções, o que, naturalmente, leva a concluir que o espaço temporal de aplicação do artigo 5º só começará a decorrer depois de terminado o espaço temporal de aplicação do artigo 15º do mesmo diploma (ver PAULO VEIGA E MOURA, Função Pública, Regime Jurídico, Direitos e Deveres dos Funcionários e Agentes, Volume I, 2ª edição, página 433, nota 1136);
7- Ao não perfilhar semelhante entendimento, o aresto em recurso enferma de erro de julgamento, legitimando que se perpetuem situações de desajuste funcional, ao arrepio de todo o esforço regularizador e pacificador levado a efeito pelo artigo 15º do DL nº497/99;
8– Refira-se, aliás, que a recusa da possibilidade de reclassificar para cargos de chefia as situações já constituídas no passado seria absurda e desprovida de sentido, pois conduziria a forçar o funcionário a continuar numa situação de desajuste funcional – quando a lei a ela pretendeu pôr termo – ou a deixar a Administração desprovida do pessoal que durante muitos anos lhe assegurou o desempenho dos mais importantes cargos, pois se estes regressarem à categoria que detinham, e desde há muito não exerciam, ficará a Administração sem quem lhe assegure o desempenho das funções de chefia;
9- Do mesmo modo, revela igualmente um nítido erro de julgamento anular-se o acto impugnado com fundamento na violação da regra do concurso, uma vez que a reclassificação profissional é um instrumento de mobilidade entre carreiras distinto do concurso (ver, por todos, PAULO VEIGA E MOURA, Função Pública, Regime Jurídico, Direitos e Deveres dos Funcionários e Agentes, Volume I, 2ª edição, página 430), pelo que é desprovido de sentido falar-se em violação da regra do concurso quando a mudança de carreira se processa por reclassificação, uma vez que esta excluiu aquele;
10- De igual modo, revela mais um erro de julgamento argumentar-se com a inexistência – à data do despacho impugnado – da secção de protocolo e relações públicas, uma vez que no artigo 15º o DL nº497/99 é expressivo ao determinar a reclassificação de todos os funcionários que se encontrassem numa situação de desajuste funcional, mesmo que não houvesse lugar no quadro de pessoal, pelo que a eventual inexistência de tal secção – mas apenas de um serviço de protocolo – não inviabiliza a reclassificação, tanto mais que não constituiu pressuposto legal da admissibilidade da mesma (ver, neste sentido, o artigo 15º do DL nº497/99);
11– Em qualquer dos casos, ainda que por mera hipótese se entendesse que a reclassificação em causa era ilegal por a lei não admitir reclassificações para cargos de chefia – o que só por mera cautela de patrocínio se coloca - sempre o erro de julgamento do aresto em recurso resultaria do facto de ter atentado contra a força de caso resolvido que o despacho impugnado adquirira ao fim de um ano sem ser impugnado;
12- Na verdade, o regime da reclassificação profissional – que constava do artigos 51º e 63º do DL nº247/87 - foi definido ex novo e na totalidade pelo DL nº497/99 – para a Administração Central – e pelo DL nº218/2000 – para a Administração Local - pelo que toda a legislação anterior a disciplinar a reclassificação profissional foi revogada ex vi do disposto no nº2 do artigo 7º do Código Civil, razão pela qual o artigo 63º do DL nº247/87 se encontra tacitamente revogado pelo DL nº497/99 e pelo DL nº218/2000;
13- Ora, não sancionando qualquer um destes dois diplomas com nulidade as reclassificações que não observem todos os requisitos legais, ter-se-á de deixar funcionar a regra geral do artigo 135º do CPA, e, como tal, considerar que apenas serão anuláveis tais reclassificações, daí resultando que o acto impugnado atentou contra a força de caso resolvido que adquirira por força da sua não impugnação no prazo máximo de um ano à data estabelecido no artigo 28º da LPTA.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida.
O Ministério Público conclui as suas contra-alegações da forma seguinte:
1- Por despacho de 15 de Fevereiro de 2001 do Presidente da CMS, a interessada particular foi reclassificada no cargo de chefe de Secção do Protocolo e Relações Públicas ao abrigo do disposto nos artigos 15º do DL nº497/99, de 19/11, e 1º e 2º e 6º do DL nº218/00, de 9/9;
2- O cargo de chefe de secção é um cargo de chefia administrativa (anexo I ao DL nº404-A/98, de 18/12, e anexo II ao DL nº412-A/98, de 30/12);
3- Assim, atento o disposto no artigo 5º nº1 do DL nº497/99, a interessada particular não podia ser reclassificada para o cargo de Chefe Secção do Protocolo e Relações Públicas, pois esta norma impõe limites à reclassificação e reconversão profissionais, não as permitindo quando dêem origem à atribuição de cargos e categorias de chefia;
4- Nos termos do artigo 63º do DL nº247/87, de 17/6, são nulos e de nenhum efeito os actos dos órgãos autárquicos que violem as regras sobre reclassificação profissional;
5- Esta norma não foi revogada pelos DL nº497/99 e DL nº218/00;
6- Por outro lado, naquela data tal secção não existia no quadro de pessoal da Câmara Municipal de Soure (vide Regulamento publicado no DR II série nº145 de 25-06-1996) e a funcionária não se incluía na área de recrutamento para este cargo (artigo 5º do DL nº412-A/98 de 30/12);
7- Assim, era impossível a reclassificação da interessada particular para aquele cargo, uma vez que não tinha existência legal;
8- Pelo que, também por força do disposto no artigo 133º nº2 alínea c) do CPA o acto é nulo e de nenhum efeito;
9- Por outro lado, o acesso aos cargos e categorias de chefia só poderia ocorrer mediante concurso (artigos 1º do DL nº204/98, de 11/7, 1º do DL nº238/99, de 25/6, 26º nº1 e nº2, e 27º nº1, do DL nº184/89, de 2/6);
10- Por isso, a reclassificação da interessada particular como Chefe da Secção de Protocolos e Relações Públicas seria sempre nula, nos termos do artigo 133º nº1 do CPA, uma vez que lhe falta um elemento essencial, que é a prévia aprovação em concurso;
11- Assim, a sentença ao declarar nulo e de nenhum efeito aquele despacho de 15-02-2001, não padece de qualquer vício;
12- Pelo exposto, deve ser negado provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença nos seus precisos termos.

A instância mantém-se válida e regular.
Cumpre apreciar e decidir o recurso jurisdicional.

De Facto
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1- Por despacho, de 15 de Fevereiro de 2001, do Presidente da Câmara Municipal da Soure, I…, assistente administrativa principal do Município de Soure, foi reclassificada na categoria de Chefe de Secção de Protocolos e Relações Públicas, do grupo de pessoal de chefia, sendo a sua nomeação feita por urgente conveniência de serviço (ao abrigo do disposto nos artigos 15º do DL nº497/99, de 19/11, 1º, 2º e 6º, todos do DL nº218/2000, de 9/9) – ver DR III Série, nº78, de 2/4/2001acto recorrido;
2- A reclassificação e nomeação de I…, assistente administrativa principal, na categoria de Chefe de Secção de Protocolos e Relações Públicas, do grupo de pessoal de chefia, não foi precedida de qualquer concurso;
3- Na data do acto recorrido, inexistia no quadro de pessoal da Câmara Municipal de Soure a Secção de Protocolos e Relações Públicas, mas apenas um serviço de Protocolos e Relações Públicas, directamente dependente do Presidente da Câmara Municipal, no qual a recorrida particular exercia funções de coordenação, apenas estando aquela secção inserida no novo quadro proposto para a alteração da estrutura dos serviços municipais de Soure.
De Direito
I. Importa, agora, apreciar os fundamentos deste recurso jurisdicional e proceder à sua decisão de acordo com as balizas fixadas pela lei processual – ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 690º nº1, todos do CPC, aplicáveis, no presente recurso jurisdicional, por força do artigo 102º da LPTA.

II. O Ministério Público, enquanto recorrente contencioso, pediu ao então Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra que declarasse a nulidade do despacho de 15 de Fevereiro de 2001 do Presidente da CMS que procedeu à reclassificação da funcionária I… de assistente administrativa principal para chefe de secção de protocolos e relações públicas, do grupo de pessoal de chefia, fazendo-o ao abrigo do disposto nos artigos 15º do DL nº497/99, de 19 de Novembro, e 1º 2º e 6º do DL nº218/2000, de 9 de Setembro.
O pedido de declaração de nulidade foi fundamentado, pelo recorrente contencioso, na violação do artigo 5º nº1 do DL nº497/99 de 19 de Novembrosegundo o qual a reclassificação e reconversão não podem dar origem à atribuição de cargos de chefia – na violação do artigo 133º nº2 alínea c) do CPAsegundo o qual são nulos os actos cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua crime – na violação dos artigos 1º do DL nº204/98 de 11 de Julho e DL nº238/99 de 25 de Junhoque consagram o concurso como forma de recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública, incluindo a Administração Local – e na violação dos artigos 26º nº1 e nº2 e 27º nº1 do DL nº184/89 de 2 de Junhoque consideram obrigatório o concurso para ingresso e para acesso nas carreiras da função pública.
A sentença recorrida julgou procedentes estes fundamentos e declarou a nulidade do despacho administrativo em crise, fazendo-o, sobretudo, por considerar que a verificação dos requisitos cumulativos previstos no artigo 15º do DL nº497/99, de 19 de Novembro, não dispensa a verificação dos demais requisitos gerais, nomeadamente do seu artigo 5º, por considerar que o acesso ao lugar de chefia aqui em causa exigia concurso público, e por considerar, ainda, que a reclassificação da recorrida viola a alínea a) do nº1 do artigo 15º do DL nº497/99, de 19 de Novembro, porque se na altura da reclassificação não existia secção de protocolos e relações públicas, não se pode concluir que a recorrida exercia funções de chefia, por mais de um ano, nessa secção.
O Presidente da CMS discorda do assim decidido, e impugna a sentença apontando-lhe três erros de julgamento. O primeiro, na medida em que, partindo de uma interpretação meramente literal dos artigos 5º e 15º do DL nº497/99, de 19 de Novembro, considerou que aquela primeira norma vedava toda e qualquer reclassificação profissional para lugares de chefia – conclusões 1 a 8. O segundo, por ter considerado violada a regra do concurso, pois que, constituindo a reclassificação profissional um instrumento de mobilidade entre carreiras distinto do concurso, a aplicação daquela arredará a deste – conclusões 8 e 9. O terceiro, por ter entendido que a inexistência da secção de protocolo e relações públicas, à data do despacho, inviabilizava a reclassificação da recorrida para a chefia da mesma, dado que essa existência não constitui pressuposto legal da reclassificação – conclusão 10.
Por fim, conclui o recorrente, e para a hipótese de vir a ser confirmada a ilegalidade da reclassificação da recorrida para lugar de chefia, sempre o erro de julgamento da sentença resultaria do facto de ter atentado contra a força de caso resolvido que se formara, entretanto, quanto ao despacho impugnado – conclusões 11 a 13.

III. A primeira questão colocada pelo recorrente consiste, pois, em saber se a proibição do artigo 5º do DL nº497/99, de 19 de Novembro, é aplicável a toda e qualquer reclassificação, ou se, pelo contrário, exclui a reclassificação imposta pelo artigo 15º para todas as situações de desajuste funcional já constituídas à data da entrada em vigor do diploma.
Para o recorrente, a harmonização destas duas normas passa pelo reconhecimento de que têm âmbitos temporais de aplicação diferentes: o espaço temporal de aplicação do artigo 5º só começará a decorrer depois de terminado o espaço temporal de aplicação do artigo 15º - ver Paulo Veiga e Moura, Função Pública. Regime jurídico, Direitos e Deveres dos Funcionários e Agentes, volume I, 2ª edição, página 433, nota 1136.
Cremos não poder extrair-se esta conclusão da interpretação dos pertinentes textos legais, levando em conta os seus elementos literal e sistemático – artigo 9º do Código Civil.
O legislador, no artigo 5º nº1, é peremptório ao estipular, sem quaisquer restrições, que a reclassificação profissional não pode dar origem à atribuição de cargos e categorias de chefia, e a verdade é que no artigo 15º está em causa uma reclassificação profissional.
Nada permite extrair do texto do artigo 15º que tenha sido intenção do legislador afastar aquela proibição geral. Antes pelo contrário, o nº2 desta norma, ao dizer que a reclassificação prevista no número anterior determina a transição do funcionário para a categoria de ingresso da nova carreira, e sendo sabido que os cargos de chefia não têm categoria de ingresso, parece deixar emergir entendimento perfeitamente consentâneo com a aplicação daquela proibição geral aos casos de reclassificação obrigatória por desajuste funcional – sobre cargos e categorias de chefia ver DL 404-A/98, de 18 de Dezembro, DL nº412-A/98, de 30 de Dezembro, e João Alfaia, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, volume I; no mesmo sentido da aplicação da proibição do artigo 5º nº1 do DL nº497/99, de 19 de Novembro, aos casos do artigo 15º do mesmo diploma, ver AC TCAS de 12.05.2005, Rº06813/03.
Assim, a sentença recorrida, na medida em que concluiu que a proibição contida no artigo 5º nº1 do DL nº497/99, de 19 de Novembro, também se aplica aos casos de reclassificação obrigatória previstos no artigo 15º do mesmo diploma, não merece a censura que lhe é dirigida pelo recorrente.

É claro que, sendo pacífico nos autos que o lugar para o qual a recorrida foi reclassificada é um lugar de chefia, esta confirmação do decidido pela 1ª instância tem como consequência a nulidade do despacho administrativo impugnado com base no artigo 63º do DL nº247/87 de 17 de Junho.
Contrariamente ao entendido pelo recorrente na parte final das suas alegações, temos para nós que esta norma sancionatória continua em vigor.
O facto de o regime da reclassificação profissional previsto no artigo 51º do DL nº247/87, de 17 de Junho, ter sido expressamente revogado pelo artigo 7º do DL nº218/2000, de 9 de Setembro, diploma que aplica e adapta aquele à administração local, não acarreta, só por si, a revogação tácita da norma que declara nulas e de nenhum efeito as deliberações dos órgãos autárquicos que violem as regras de reclassificação profissional.
A esta conclusão parece opor-se, desde logo, o carácter geral da hipótese contemplada no dito artigo 63º, que não remete para as concretas regras de reclassificação profissional consagradas no artigo 51º, antes declara nulas as deliberações que violem as regras de reclassificação profissional.
Além disso, a circunstância de o legislador ter revogado, de forma expressa, apenas o artigo 51º do DL nº247/87, de 17 de Junho, aponta para a manutenção em vigor da sanção do seu artigo 63º, pois mal se compreende que perante uma norma sancionatória tão gravosa, e na sequência de uma revogação expressa, o legislador, querendo-a revogar, o fizesse tacitamente – ver artigos 7º nº2 e 9º nº3 do Código Civil.
Sendo, como é, a confirmada violação do artigo 5º nº1 do DL nº497/99, de 19 de Novembro, sancionada com a nulidade, não pode deixar de perecer a alegada violação do caso julgado administrativo que o recorrente também aponta à sentença recorrida, ainda que a título subsidiário.

Como é sabido, o concurso constitui forma normal e obrigatória de ingresso na função pública e de acesso nas respectivas carreiras, enquanto a reclassificação se traduz num instrumento privilegiado de gestão de recursos humanos, que permite, reunidos que estejam os respectivos requisitos legais, a mobilidade intercarreiras – ver artigos 1º do DL nº204/98, de 11 de Julho, 1º do DL nº238/99, de 25 de Junho, 26º nº1 e 27º nº1 do DL nº184/89, de 2 de Junho, e 3º, 4º, 5º e 7º do DL nº497/99, de 19 de Novembro.
A mobilidade decorrente da reclassificação profissional supõe e exige, portanto, a verificação de todos os requisitos necessários de que o legislador faz depender a sua operacionalidade, de tal modo que a administração pública, não se verificando algum deles, fica impedida de lançar mão deste instrumento de gestão para mobilizar os seus recursos humanos, ficando obrigada a cumprir a regra do concurso.
No presente caso, como vimos, devido à proibição decorrente do artigo 5º nº1 do DL nº497/99, de 19 de Novembro, a entidade autárquica recorrente estava impedida de reclassificar a recorrida para o cargo de chefia em causa, devendo tal cargo ser preenchido mediante concurso de acesso aberto para o efeito.
Este concurso público apresenta-se, assim, como procedimento necessário e indispensável para o provimento do cargo de chefe da secção de protocolos e relações públicas para o qual a recorrida foi reclassificada, sendo que a sua falta aduz à nulidade já conhecida uma nova nulidade nos termos do artigo 133º nº1 do CPA.
Também sob este aspecto, e na medida em que julgou nulo o despacho administrativo impugnado por postergação da regra do concurso, a sentença recorrida não padece do erro de julgamento que lhe é imputado pelo recorrente, devendo ser confirmada.

Por fim, quanto ao terceiro erro de julgamento invocado, muito embora este reconhecimento seja inócuo em termos de pretensão revogatória, cremos assistir razão ao recorrente.
Efectivamente, o exercício de funções a que se refere a alínea a) do nº1 do artigo 15º do DL nº497/99, de 19 de Novembro, parece não ter de corresponder a uma actividade já antes formalmente enquadrada no quadro da entidade pública. De facto, como resulta da lei, a reclassificação também pode decorrer de alterações nas atribuições e competências das respectivas entidades públicas – artigo 4º nº1 alínea a) do DL nº497/99 de 19 de Novembro.
Assim, e para efeitos da referida alínea, a circunstância de a recorrida ter exercido funções num serviço de protocolos e relações públicas e não na secção de protocolo e relações públicas, que apenas veio a ser criada na sequência da alteração da estrutura dos serviços municipais, não constituía por si só, segundo cremos, impedimento à reclassificação.

DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste tribunal, no seguinte:
- Negar provimento ao recurso jurisdicional, e, em conformidade, manter a sentença recorrida pelas presentes razões.
Sem custas, por isenção do recorrente.
D.N.
*
Porto, 20 de Dezembro de 2006