Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:04608/04 - VISEU
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/08/2007
Relator:Moisés Rodrigues
Descritores:OMISSÃO/EXCESSO DE PRONÚNCIA – RECLAMAÇÃO COMISSÃO REVISÃO – CONDIÇÃO IMPUGNABILIDADE
Sumário:I - Nos termos dos artigos 668.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil e 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário, a sentença ou acórdão, em suma, a decisão, é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar, ou conhece questão de que não podia tomar conhecimento, o que está em correspondência directa com o dever e a proibição que lhe são impostos – cfr. art. 660.º, n.º 2 daquele primeiro diploma legal -, de resolver todas as questões que tiverem sido submetidas à sua apreciação, exceptuadas apenas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e de se ocupar de questões que as partes não tenham suscitado, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso.
II - Pese embora a impugnação com fundamento em erro na quantificação da matéria tributável esteja dependente do prévio pedido de revisão, o certo é que essa condição de impugnabilidade já não funciona se na impugnação, como no caso sub judice, forem invocados outros fundamentos que não aquele.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte

I
Entrac , Ldª (adiante Recorrente), pessoa colectiva nº , não se conformando com a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou procedente uma excepção dilatória e, em consequência, absolveu desta instância de impugnação judicial a entidade impugnada, dela veio recorrer, concluindo, em sede de alegações:
a) A sentença é nula, porquanto não conheceu das seguintes questões, que a recorrente alegou:
a. A decisão para alterar o método directo, para o indirecto, conforme Art.° 51° do CIRC;
b. A inconstitucionalidade do Art.° 41°, n.° 2, do CIRC, ao Art.° 104°, n.° 2, da CRP;
c. A errónea quantificação dos juros compensatórios, nos termos do Art.° 80° do CIRC.
b) A sentença é nula, porquanto se excede na questão, da errónea quantificação, abrangida pelo Art.° 84° do CPT, que a recorrente não alegou.
Nestes termos; Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que elimine o indeferimento liminar e que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação da liquidação impugnada e com todas as consequências legais, para que assim se faça JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O magistrado do Mº Público neste TCAN emitiu o seguinte parecer: “Esgotando-se hoje o prazo para o MP emitir parecer e passando já das 18 horas, abstenho-me de o fazer.”

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

II
É a seguinte a factualidade declarada provada na 1ª instância:
a) A presente impugnação respeita à liquidação de IRC e Juros Compensatórios, parte, do ano de 1996, no montante global de 702.411$00;
b) Por acção dos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária cujo relatório está junto a fls. 14 a 31 dos autos, foram efectuadas rectificações que tiveram origem no recurso à aplicação de métodos indiciários conforme ponto 6.2 do relatório (fls. 27), havendo consequentemente correcção de valores;
c) A impugnante foi notificada (fls. 32 e sgs. dos autos) para que pudesse reclamar em conformidade com o estatuído no art. 84° e sgs, do CPT;
d) Não foi apresentada qualquer reclamação nos termos do art. 84° do CPT;
e) Em 14.12.98 dá entrada a presente impugnação na Repartição de Finanças de Vouzela.
Os factos provados assentam na análise critica dos elementos constantes dos autos, nomeadamente dos títulos executivos, das informações oficiais e dos documentos juntos.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão.

III
Suscitada que foi a nulidade da sentença, de um lado, por omissão de pronúncia, e, de outro, por pronúncia indevida, importa começar por apreciar e decidir tal questão.
Quanto à alegada nulidade por omissão de pronúncia, diremos que nos termos dos artigos 668.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil e 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário, a sentença ou acórdão, em suma, a decisão, é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar, o que está em correspondência directa com o dever que lhe é imposto – cfr. art. 660.º, n.º 2 daquele primeiro diploma legal -, de resolver todas as questões que tiverem sido submetidas à sua apreciação, exceptuadas apenas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, por tal modo que é a omissão ou infracção a esse dever, que concretiza a dita nulidade. [ Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Volume V, p. 143.]
Ora, a Mmª Juiz a quo não deixou de se pronunciar sobre as questões que lhe foram colocadas.
O que se verifica é que está implícito no seu julgamento que a reclamação para a Comissão de Revisão é condição prévia de qualquer impugnação, quaisquer que sejam os vícios aqui alegados.
Se este julgamento está ou não correcto é uma questão de fundo, que nada tem a ver com um vício formal da sentença.
A ser verdadeiro o julgamento feito pela Mmª Juiz a quo, ela não precisava de se pronunciar sobre os vícios de não verificação dos pressupostos para alteração do método directo, para o indirecto, de inconstitucionalidade do artº 41º, nº 2, do CIRC e da errónea quantificação dos juros compensatórios.
Assim, não se verifica esta nulidade da sentença, pois não houve omissão de pronúncia. Verifica-se antes erro de julgamento, como mais adiante se vai demonstrar.
Quanto à alegada nulidade por excesso de pronúncia, porquanto se excede na questão da errónea quantificação, abrangida pelo artº 84º do CPT, diremos que nos termos dos artigos 668.º, n.º 1, alínea d), 2ª parte, do Código de Processo Civil e 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário, a sentença ou acórdão, em suma, a decisão, é nula quando o juiz nela conhece questão de que não podia tomar conhecimento, o que está em correspondência directa com a proibição que lhe é imposta – cfr. art. 660.º, n.º 2, 2ª parte, daquele primeiro diploma legal -, de se ocupar de questões que as partes não tenham suscitado, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso.
Ora, a Fazenda Pública veio alegar, na sua contestação, no que foi acompanhada pelo magistrado do M. Público, não ter sido apresentada reclamação a que se refere o artº 84º do CPT, e que a mesma era necessária como condição para poder impugnar a liquidação.
Não se verifica, pois, esta nulidade da sentença, sendo antes uma situação de erro de julgamento, que a Recorrente também aduz ao requerer a revogação da sentença recorrida e a substituição por outra que elimine o indeferimento liminar e que aprecie os vícios alegados.
Na verdade, a questão que aqui ora se coloca é a de saber se, apesar de a impugnação judicial com fundamento em errónea quantificação da matéria tributável estar dependente de prévio pedido de revisão, de harmonia com o disposto nos nºs 1 e 3 do artº 84º do CPT, essa condição de impugnabilidade funciona se na impugnação de liquidação forem invocados outros fundamentos, para além, ou em vez, desse.
Dispunha o artº 84º do CPT, na redacção que lhe foi dada pelo art. 2.º do Decreto-Lei n.º 47/95, de 10 de Março, e que é a aplicável, em obediência ao princípio tempus regit actum:
«1 - Da decisão que fixe a matéria tributável, com fundamento na sua errónea quantificação, cabe reclamação dirigida à comissão de revisão.
2 - A reclamação, devidamente fundamentada, será apresentada, nos 30 dias posteriores à notificação da decisão referida no número anterior, na repartição de finanças da área do domicílio ou sede do contribuinte ou facultativamente, perante o serviço da administração fiscal que tiver praticado o acto, se for diferente.
3 - A reclamação prevista neste artigo é condição da impugnação judicial com fundamento em errónea quantificação da matéria tributável.
4 - O disposto na presente secção não abrange as correcções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imperativo legal nem as que possam ser objecto, de acordo com as leis tributárias, de recurso hierárquico com efeito suspensivo da liquidação».
Em consonância com aquele preceito, o art. 136.º do CPT, na redacção que lhe foi dada pelo referido artº 2º do Decreto-Lei nº 47/95, de 10 de Março, dispunha:
«A impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável depende de prévia reclamação nos termos dos artigos 84.º e seguintes».
Entendeu pois o legislador que, quando houvesse lugar à fixação da matéria tributável pela Administração Fiscal (AF), fosse qual fosse o método utilizado (avaliação directa ou indirecta) [ Na redacção inicial do art. 84.º do CPT, só a errónea quantificação por métodos indiciários (avaliação indirecta) era fundamento desta reclamação.], sempre se impunha a reclamação da respectiva decisão como condição para permitir a impugnação judicial da subsequente liquidação com fundamento em errónea quantificação da matéria tributável.
Pretendeu assim criar-se um mecanismo de revisão da matéria tributável, atribuindo à comissão de revisão competências para decidir as divergências entre a AF e os contribuintes no que respeita à quantificação da matéria tributável, sempre com o intuito de obter um acordo entre ambos e assim evitar que os contribuintes recorram à via contenciosa quando discordem da AF a propósito da quantificação.
Será que no caso sub judice se verificam os pressupostos que justificam a reclamação prevista no art. 84.º do CPT e a impõem como condição prévia necessária da impugnação?
Cremos que não, pelas razões adiante enunciadas.
Fundamentou-se na sentença recorrida:
«A matéria tributável foi fixada por métodos indiciários, pelo que nos termos do n° 3 do art. 84° do CPT, a reclamação para a Comissão de Revisão prevista nesse artigo é condição de impugnação judicial com fundamento em errónea quantificação da matéria tributável.
Compulsados os autos, resulta dos mesmos, que foi efectuada a notificação (fls. 32 e sgs. dos autos) para que a impugnante pudesse reclamar do lucro tributável fixado de conformidade com o estatuído no art. 84° e sgs. do CPT relativamente ao referido ano (parte) de 1996.
A impugnante não reclamou da decisão que lhe fixou a matéria tributável.
De harmonia com o disposto no art. 136° do CPT, a impugnação com base em errónea quantificação da matéria tributável por métodos indiciários depende da prévia reclamação nos termos do art. 84° e sgs..
Assim, nos termos do art. 84° do Código do Processo Tributário, é condição da impugnação judicial a apresentação de reclamação quando tenha havido errónea quantificação da matéria colectável.
Não tendo havido reclamação, o acto tomou-se definitivo.
Consequentemente, não é admissível a presente impugnação.»
Na verdade, a Mmª Juiz a quo julgou procedente uma excepção dilatória (não apresentação, previamente à presente impugnação, de qualquer reclamação, e sendo esta, condição da impugnação judicial, nos termos do disposto no nº 3 do artº 84º e nº 1 do artº 136º, ambos do CPT) e absolveu da instância a entidade impugnada. Está assim implícito neste seu julgamento que a reclamação para a comissão de revisão é condição prévia de qualquer impugnação, qualquer que seja a sua fundamentação ou os vícios nela alegados.
Esta questão foi já objecto de decisões do Supremo Tribunal Administrativo [ Acórdãos proferidos no Recurso nº 17 635, de 01/07/1994, publicado na Ciência e Técnica Fiscal, nº 378, págs. 269 a 274, no Recurso nº 026662, de 26/06/2002, publicado na íntegra em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c57240dec4d240b780256bf1004675dc?OpenDocument e ainda no Recurso nº 026276, de 13/03/2002, publicado na íntegra em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f253d5bb63d9924380256b83005ac40e?OpenDocument ], tendo-se escrito no proferido em 13/03/2002:
«Ora, resulta destas disposições que a reclamação para a comissão de revisão só é condição da impugnação judicial quando esta tenha como exclusivo fundamento A ERRÓNEA QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL. Se o fundamento da impugnação judicial for outro, mormente uma questão de direito, já a reclamação para a comissão de revisão não é condição de impugnação judicial. E compreende-se que assim seja, pois os membros da comissão de revisão podem não ser juristas e podem não ter competência técnica para a resolução de questões de direito. A sua competência está direccionada para a decisão de questões técnicas, de questões de quantificação a partir de métodos de prova indirecta, como seja presunções e estimativas. O vício de duplicação de colecta põe ao órgão decisor uma questão de direito. O vício de incompetência também coloca uma questão de direito.
Poderia dizer-se que a falta de reclamação prévia atempada para a comissão de revisão torna definitiva a matéria colectável, pelo que o contribuinte jamais poderá discutir a matéria colectável definitivamente fixada. Mas acontece que o acto de liquidação pode estar afectado por outros vícios que nada tenham a ver com a determinação da matéria colectável. A errónea quantificação da matéria colectável não é o único vício que pode afectar uma liquidação, pois pode haver outras ilegalidades e a lei tem de ser respeitada, seja material ou adjectiva.»
E, no caso sub judice, a ora Recorrente impugnou a liquidação, não com fundamento na errónea quantificação da matéria tributável, mas antes alegando a existência dos vícios de não verificação dos pressupostos para alteração do método directo, para o indirecto, de inconstitucionalidade do artº 41º, nº 2, do CIRC e da errónea quantificação dos juros compensatórios.
Por tal motivo, a sentença recorrida não se pode manter, face ao erro de julgamento nela cometido, uma vez que, pese embora a impugnação com fundamento em erro na quantificação da matéria tributável esteja dependente do prévio pedido de revisão, o certo é que essa condição de impugnabilidade já não funciona se na impugnação, como no caso sub judice, forem invocados outros fundamentos que não aquele.
Aqui chegados e compulsados os autos, constatamos que nos mesmos não foi produzida qualquer diligência instrutória, sendo certo que na petição inicial foram arroladas duas testemunhas, não constando qualquer despacho judicial a justificar a sua não inquirição e, por outro lado, não foi fixada qualquer materialidade de facto, por parte do tribunal a quo, para que se possa conhecer dos vícios invocados pela impugnante, ora Recorrente, isto é, não verificação dos pressupostos para alteração do método directo, para o indirecto, de inconstitucionalidade do artº 41º, nº 2, do CIRC e da errónea quantificação dos juros compensatórios. Deste modo, a sentença recorrida não pode deixar de ser revogada, a fim de o tribunal recorrido proferir nova sentença a conhecer dos vícios alegados, que nada têm a ver com a errónea quantificação da matéria tributável, após recolha dos elementos necessários à fixação da matéria de facto pertinente.

IV
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a remessa dos autos ao TAF de Viseu para realização das pertinentes diligências probatórias e, após recolha dos elementos necessários à fixação da matéria de facto pertinente, apreciar o mérito da causa.
Sem custas.
Notifique e registe.
Porto, 08 de Fevereiro de 2007
Ass) Moisés Moura Rodrigues
Ass) José Maria da Fonseca Carvalho
Ass) Aníbal Augusto Ruivo Ferraz