Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00064/20.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:08/11/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paulo Moura
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL; EXECUÇÃO DE JULGADO; COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS; ANULAÇÃO PARCIAL DA LIQUIDAÇÃO.
Sumário:I - Uma questão nova que não pode ser apreciada em sede de recurso judicial, pelo que visando o recurso a modificação da sentença, não pode o tribunal de recurso alterar algo sobre o qual a primeira instância não se pronunciou. Apenas o poderia fazer se estivesse invocada nulidade se sentença por falta de conhecimento de questão que devesse ser apreciada ou estivesse em causa questão de conhecimento oficioso.

II – Quando ocorra anulação parcial das liquidações, a parte que não foi anulada pode ser objeto de compensação no processo de execução fiscal, por ser o local onde pode ser efetuada.

III – A devida execução de uma sentença deve ser apreciada em processo de execução de julgado previsto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos e não no processo de execução fiscal. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

J. interpõe recurso da sentença que julgou parcialmente procedente a Reclamação de Atos do Órgão de Execução Fiscal, estando em causa a compensação de créditos efetuada na execução fiscal, que o Recorrente pretende ver invalidada.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
1) O direito do recorrente alicerça-se em duas sentenças, uma de fevereiro de 2017 e outra de novembro de 2017, na qual é ordenada a anulação de repercussões fiscais de resultantes da importação de 5 veículos em 1999 (processos n.º 1090/09.6BEVIS e n.º 1090/09.6BEVIS-A ).
2) O relatório fiscal inicial de 2002 apurou que a repercussão fiscal desses 5 veículos era de 25.348,38€, a título de IVA, e de 14.886,33€, a título de IRC.
3) O recorrente pagou à recorrida, em 05/11/2008, a quantia de 32.520,00€, por reversão.
4) Essa quantia foi discriminada, no anexo ao modelo 50A do pagamento, em 9.267,13€, de IVA considerado em dívida, e 23.252,87€ de “acrescidos” (custas, juros, taxas de justiça, outras taxas e acréscimos ).
5) Foram emitidos e enviados ao recorrente, sem qualquer explicação ou fundamentação, três cheques com a quantia global de 10.239,73€ ( 173,32€ + 8.897,53€ + 1.168,88€ ).
6) O recorrente sempre insistiu junto do S.F./recorrida que lhe eram ( e são ) devidos ainda 22.280,27€, e não apenas os 10.239,73€ pagos.
7) Face a mais uma insistência do recorrente, em 28/10/2019 o S.F. de (...) informou que os 22.280,27€ tinham sido alvo de compensação em 17 processos de execução fiscal (incluindo o processo anulado na sentença recorrida ),
8) concluindo no despacho junto aos autos que considerava “encerrada esta questão da aplicação das verbas anuladas por cumprimento da sentença de impugnação, nada mais havendo a esclarecer”.
9) Em fevereiro de 2020 foi afirmado perante o recorrente que não havia dado entrada nenhuma reclamação no S.F. de(...), tendo aquele que indagar por escrito essa ausência junto do TAF de Viseu, determinando que o tribunal recorrido oficiasse o S.F. para junção do processo completo, o que ocorreu em 18/02/2020, com a remessa da reclamação e do processo para o TAF de Viseu.
10) Somente após determinação judicial, foram todas as peças e informações do processo tributário juntas aos autos, e só nessa ocasião o recorrente tomou conhecimento da determinação da Direção Distrital de Finanças com a indicação de anulação total (ou seja, para restituição dos 32.520,00€).
11) O recorrente teve que efetuar a reclamação que deu origem ao presente pleito, com dados errados e omitidos pela recorrida, através da conduta do S.F. de (...).
12) Estando, na verdade, incluídos 17 processos de execução fiscal (constando instaurados de 2003 a 2018 ) que nada têm a ver com os processos de executivos da liquidação do IVA e do IRC de 1999, que estiveram na base do pagamento efetuado em 2008 por reversão ( 17 processos não contemporâneos das liquidações daqueles impostos de 1999 ).
13) Face à falta completa de informação, o tribunal recorrido também foi induzido em erro na sentença que proferiu, sendo certo contudo que esse erro – causado pela recorrida – não pode aproveitar a esta, e prejudicar o recorrente.
14) O recorrente já efetuou processo de execução de julgados (no TAF de Viseu, U.O. 1, processo n.º 1090/09.6BEVIS-A ), tendo sido julgado procedente e notificada com data de 23/11/2017.
15) constando da sentença do proc. 1090/09.6BEVIS-A a condenação da A.T./recorrida, na “restituição do montante correspondente à parte anulada das liquidações, acrescida de juros indemnizatórios devidos, contados até ao momento em que seja elaborada a nota de crédito (…), pagamento que deve ocorrer no prazo máximo de 30 dias contados desde a presente decisão”.

16) As dívidas que constam compensadas nos processos de execução fiscal não constituem a dívida exequenda desses processos de execução, pelo que o ato de compensação realizado pela A.T./recorrida não detém fundamento legal, sendo inválida.
17) Violou a sentença recorrida os arts. 89.º, 176.º, n.º 1, al. b) e 270.º do C.P.P.T. e 40.º, n.º 2 da L.G.T..
Termos em que, deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida, e substituindo-se esta por decisão que conceda provimento ao recorrente, no âmbito das sentenças já proferidas e das próprias diretrizes da recorrida/Direção Distrital, com a restituição integral ao recorrente, sem qualquer compensação, e com juros indemnizatórios, do montante de capital em débito de 22.280,27€.

A Fazenda Pública não contra-alegou.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo (vide artigo 657.º, n.º 4 do CPC e artigo 278.º, n.º 5 do CPPT), vindo os autos à Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte para julgamento do recurso.
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Relativamente à matéria de facto, aplica-se o disposto no n.º 6 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, uma vez que a mesma não se encontra colocada em causa pelo Recorrente.
Face ao exposto, dá-se por reproduzida a matéria de facto dada como provada na Sentença e ali motivada.
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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber: (1) se o tribunal recorrido foi induzido em erro pela recorrida, face à falta completa de informação que deveria ser prestada por esta e se as dívidas que constam compensadas nos processos de execução fiscal não constituem a dívida exequenda desses processos de execução, pelo que o ato de compensação realizado pela A.T./recorrida não detém fundamento legal, sendo inválida; (2) se a sentença violou os arts. 89.º, 176.º, n.º 1, al. b) e 270.º do CPPT e 40.º, n.º 2 da LGT.
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Apreciação jurídica do recurso.

Em primeiro lugar cumpre saber se o tribunal recorrido foi induzido em erro pela Recorrida, face à falta completa de informação que deveria ser prestada por esta. Segundo alega o Recorrente, apenas com a junção, após determinação do tribunal, da totalidade dos 17 processos de execução fiscal que são anteriores a 2008, é que ficou a saber que a Direção de Finanças deu indicações quanto à anulação da dívida, sem que existisse qualquer outra informação de quaisquer outros processos que pudessem contender com essa anulação, sendo que o Recorrente foi induzido em erro quanto às compensações que invocou, assim como o Tribunal, que decidiu com base em dados errados.
Conclui que as dívidas que constam compensadas nos processos de execução fiscal não constituem a dívida exequenda desses processos de execução, pelo que o ato de compensação realizado pela A.T./recorrida não detém fundamento legal, sendo inválida.
Ora, esta alegação é inovadora em relação ao vertido na Petição Inicial, bem como quanto ao analisado e decidido na sentença. Assim, trata-se de uma questão nova que não pode ser apreciada em sede de recurso judicial. Ou seja, a sentença em momento algum se refere à matéria ora alegada pelo Recorrente, pelo que visando o recurso a modificação da sentença, não pode o tribunal de recurso alterar algo sobre o qual a primeira instância não se pronunciou. Apenas o poderia fazer se estivesse invocada nulidade se sentença por falta de conhecimento de questão que devesse ser apreciada, sendo que nestas alegações de recurso nenhuma nulidade se encontra assacada à sentença.
Dito por outras palavras, resulta do artigo 627.º, n.º 1 do CPC, os recursos jurisdicionais são um meio processual específico de impugnação de decisões judiciais, destinando-se a alterar ou a anular tais decisões de que se recorre para tribunal superior, dentro dos fundamentos da sua impugnação, pelo que, com exceção daquelas que sejam de conhecimento oficioso, não cabe, no recurso, o conhecimento ex novo de questões que não foram em primeira instância suscitadas pela parte, sob pena de se produzirem decisões em primeiro grau de jurisdição sobre matérias não conhecidas pelas decisões recorridas. Neste sentido, veja-se António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2.ª ed., 2014, Almedina, pp. 27 e 88-90 e 92; Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2ª edição, pp. 524-526; e Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil anotado”, volume V, Coimbra, 1981, pp. 309-359.
Face ao exposto, fica impedido o conhecimento destas questões novas, pelo que delas não se conhecerá.
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Seguidamente alega o Recorrente que a sentença violou os arts. 89.º, 176.º, n.º 1, al. b) e 270.º do CPPT e 40.º, n.º 2 da LGT.
Os preceitos invocados do CPPT estabelecem da seguinte forma:
Artigo 89.º (Compensação de dívidas de tributos por iniciativa da administração tributária)
1 - Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são aplicados na compensação das suas dívidas cobradas pela administração tributária, excepto nos casos seguintes:
a) Estar a correr prazo para interposição de reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução;
b) Estar pendente qualquer dos meios graciosos ou judiciais referidos na alínea anterior ou estar a dívida a ser paga em prestações, desde que a dívida exequenda se mostre garantida nos termos do artigo 169.º.
2 - Quando a importância do crédito for insuficiente para o pagamento da totalidade das dívidas e acrescido, o crédito é aplicado sucessivamente no pagamento dos juros de mora, de outros encargos legais e do capital da dívida, aplicando-se o disposto no n.º 3 do artigo 262.º.
3 – A compensação efectua-se entre tributos administrados pela mesma entidade pela seguinte ordem de preferência:
a) Com dívidas da mesma proveniência e, se respeitarem a impostos periódicos, relativas ao mesmo período de tributação;
b) Com dívidas da mesma proveniência e, se respeitarem a impostos periódicos, respeitantes a diferentes períodos de tributação;
c) Com dívidas provenientes de tributos retidos na fonte ou legalmente repercutidos a terceiros e não entregues;
d) Com dívidas provenientes de outros tributos, com excepção dos que constituam recursos próprios comunitários, que apenas serão compensados entre si.
3 - A compensação efectua-se pela seguinte ordem de preferência:
a) Com dívidas da mesma proveniência e, se respeitarem a impostos periódicos, relativas ao mesmo período de tributação;
b) Com dívidas da mesma proveniência e, se respeitarem a impostos periódicos, respeitantes a diferentes períodos de tributação;
c) Com dívidas provenientes de tributos retidos na fonte ou legalmente repercutidos a terceiros e não entregues;
d) Com dívidas provenientes de outros tributos, com excepção dos que constituam recursos próprios comunitários, que apenas serão compensados entre si.
4 - Se o crédito for insuficiente para o pagamento da totalidade das dívidas, dentro da mesma hierarquia de preferência, esta efectua-se segundo a seguinte ordem:
a) Com as dívidas mais antigas;
b) Dentro das dívidas com igual antiguidade, com as de maior valor;
c) Em igualdade de circunstâncias, com qualquer das dívidas.
5 - A compensação é efectuada através da emissão de título de crédito destinado a ser aplicado no pagamento da dívida exequenda e acrescido.
6 - Verificando-se a compensação referida nos números anteriores, os acréscimos legais serão devidos até à data da compensação ou, se anterior, até à data limite que seria de observar no reembolso do crédito se o atraso não for imputável ao contribuinte.
7 - O ministro ou órgão executivo de que dependa a administração tributária pode proceder à regulamentação do disposto no presente artigo que se mostre necessária.
(…)
Artigo 176.º (Extinção do processo)
1 - O processo de execução fiscal extingue-se:
a) Por pagamento da quantia exequenda e do acrescido;
b) Por anulação da dívida ou do processo;
(…)
Artigo 270.º (Extinção da execução por anulação da dívida)
1 - O órgão da execução fiscal onde correr o processo deverá declarar extinta a execução, oficiosamente, quando se verifique a anulação da dívida exequenda.
2 - Quando a anulação tiver de efectivar-se por nota de crédito, a extinção só se fará após a sua emissão.

Por sua vez, a Lei Geral Tributária, dispõe no preceito invocado pelo recorrente: Artigo 40.º (Pagamento e outras formas de extinção das prestações tributárias)
(…)
2 - A dação em cumprimento e a compensação são admitidas nos casos expressamente previstos na lei.
Se bem se depreende das alegações algo prolixas, a compensação não deveria ter ido efetuada, uma vez que foram anuladas duas liquidações.
Sucede, porém, que apenas ocorreu anulação parcial das liquidações, pelo que a parte não anulada sempre poderia ser objeto de compensação.
Os artigos 176.º e 270.º do CPPT referem que o processo de execução fiscal se extingue quando a dívida exequenda seja anulada; o que pressupõe a anulação da totalidade da dívida. Estando em causa somente a anulação parcial da dívida tributária, a execução fiscal pode prosseguir no remanescente.
Veja-se sobre o assunto o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 08/02/2011, no processo n.º 04497/11 (que pode ser lido na íntegra em www.dgsi.pt), cujo sumário contém o seguinte teor:
1. Do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, enunciado no art.º 30, n.º 2, da L. G. Tributária, decorre a inadmissibilidade, em execuções fiscais em que esteja em causa a sua cobrança, de causas de extinção da execução não previstas nas leis tributárias.
2. A indisponibilidade do crédito tributário estende-se, por identidade de razões, a todos os outros vínculos creditícios da relação jurídica tributária, nomeadamente, o direito a juros.
3. No decurso do processo de execução fiscal o pagamento por conta está previsto no art.º 264, n.º 2, do C. P. P. Tributário, norma da qual se retira, além do mais, o facto de o mesmo pagamento por conta realizado não ser impeditivo do normal andamento do processo de execução fiscal, assim não sendo vector que gere a suspensão da execução, contrariamente ao que se passa com o pagamento em prestações (cfr. art.º 196, do C.P.P.T.), e muito menos constituindo fundamento de extinção da mesma execução.
4. Verificando-se a mera anulação parcial da dívida exequenda, a execução fiscal prossegue no remanescente, não anulado, com o mesmo título, sabido que as liquidações dos tributos, em geral, são divisíveis por natureza como na própria expressão legal (cfr.artºs.79, n.º 1, e 100.º, da L. G. Tributária; art.º 112.º, n.º 3, do C.P.P. Tributário), podendo ser anulada uma sua parte desde que eivada de algum vício conducente à declaração da sua nulidade ou à sua anulação e manter-se no demais, na parte não afectada.
A dado passo disserta o referido Acórdão do TCA Sul da seguinte forma:
«Pelo contrário, verificando-se a mera anulação parcial da dívida exequenda, a execução fiscal prossegue no remanescente, não anulado, com o mesmo título, sabido que as liquidações dos tributos, em geral, são divisíveis por natureza como na própria expressão legal (cfr.artºs.79, nº.1, e 100, da L.G.Tributária; artº.112, nº.3, do C.P.P. Tributário), podendo ser anulada uma sua parte desde que eivada de algum vício conducente à declaração da sua nulidade ou à sua anulação e manter-se no demais, na parte não afectada (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/1999, rec.24101; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/5/2001, rec.25532; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/9/2005, rec.287/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/4/2010, rec.297/10; ac. T.C.A. Sul, 21/10/2008, proc.2644/08).
No caso “sub judice”, tendo em atenção a matéria de facto provada (cfr.nºs.8 e 17 da matéria de facto provada), é óbvia a conclusão de que a A. Fiscal somente procedeu à anulação parcial da dívida exequenda no montante de € 17.889,70, levando em consideração a entrega da declaração de substituição por parte da reclamante e no que diz respeito à cédula de I.R.S. de 2008, tudo no âmbito do processo gracioso de reclamação em que foi convolada a mesma declaração de substituição (cfr.nº.7 da matéria de facto provada).
Finalizando, atenta a matéria de facto provada nos presentes autos, não se podia decretar a extinção da execução fiscal n.º 3522-2009/114937.7 com base na alegada anulação total da dívida exequenda, execução fiscal esta que ainda se mantém activa, dado se encontrarem em dívida montantes relativos a juros de mora e custas processuais (cfr.nº.18 da matéria de facto provada).
Nestes termos, sem necessidade de mais amplas ponderações, deve considerar-se procedente este fundamento do recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida a qual padece do vício de erro de julgamento de direito incidente sobre a existência de pressupostos para que o órgão de execução fiscal declarasse extinto o processo de execução fiscal n.º 3522-2009/114937.7 que corre seus termos no 3º. Serviço de Finanças de (…), ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão. No mesmo sentido se deverá considerar improcedente a contra-alegação da reclamante/recorrida quando defende a existência de pressupostos para a extinção do aludido processo de execução fiscal em virtude da anulação total da dívida exequenda.».

Em face do exposto, conclui-se que o processo de execução fiscal não tinha de se extinguir devido à anulação parcial das liquidações.

Invoca, ainda, o Recorrente que a sentença violou o artigo 89.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, sem que indique em concreto qual o preceito do artigo que entende não ter sido cumprido.
Em todo o caso parece depreender-se que o Recorrente pretende invocar o facto de existir uma sentença transitada em julgado que determina a restituição do montante correspondente à parte anulada das liquidações, acrescida de juros indemnizatórios. Trata-se do processo n.º 1090/09.6BEVIS-A.
Ora, conforme menciona o Recorrente, nesse processo já foi proferida sentença e encontra-se transitada em julgado (pois segundo refere teve sentença notificada com data de 23/11/2017), pelo que a compensação não viola o disposto no n.º 1 do artigo 89.º do CPPT, na medida em que não está pendente qualquer reclamação graciosa ou qualquer processo judicial sobre o assunto.
Caso o Recorrente se queira referir ao facto de a sentença não ter sido devidamente executada, este processo não se pode substituir ao processo de execução de julgado, pelo aqui não se pode aquilatar da justeza ou não do modo como aquele julgado foi executado. Ou mesmo que se pretenda referir ao facto de a liquidação estar inquinada de algum vício, tal também não pode ser apreciado neste processo.
Aliás, quanto a este aspeto referiu a sentença recorrida que a bondade da execução de julgado não pode ser analisada na execução fiscal, por o meio adequado ser o processo de execução de julgado, nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Mais referiu a 1.ª instância que em sede de reclamação do ato do órgão de execução fiscal é inadmissível a apreciação da legalidade da dívida exequenda (vide págs. 4 e 5 da sentença).
Assim, para o caso de a Administração Tributária não ter executado o julgado conforme o interessado entendia que o deveria ter sido, dispunha o mesmo do processo de execução de julgado, o qual apenas deveria ter sido dado como findo assim que se mostrasse cumprida a sentença anulatória.
Desta forma, o processo de Reclamação dos Atos do órgão de Execução Fiscal, previsto no artigo 276.º e seguintes do CPPT, não pode analisar aquelas questões, uma vez que se limita a apreciar a legalidade dos atos praticados no processo de execução fiscal, sendo esta reclamação um seu incidente. Vide sobre o assunto, a anotação ao artigo 276.º efetuada pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado, vol. II, Áreas Editora, 2007, onde a págs. 646/647, refere que «a reclamação prevista neste art. 276.º constitui um incidente do processo de execução fiscal, por ser uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal do processo, mas deve ser tratada, quanto aos requisitos da respectiva petição como sendo uma «acção de impugnação», por ser essa a natureza que lhe é atribuída pelo art.º 49.º, n.º 1, alínea a), subalínea iii), do ETAF de 2002 (…)». Na anotação 4 de pág. 647 refere, o ilustre comentador, que podem ser objeto de Reclamação quaisquer decisões da administração tributária no processo de execução fiscal. Significa isto, que, “a contratio”, se depreende não poder ser objeto de reclamação outro tipo de decisões que foram tomadas fora do processo de execução fiscal; como seja o eventual incumprimento do julgado anulatório ou a hipotética errada liquidação de tributos.
Por outro lado, resulta que deve ser na execução fiscal o local onde a Administração Tributária pode efetuar a compensação de créditos. Vide Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado, pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, vol. I, Áreas Editora, 2007, onde a págs. 634 (anotação 7) refere que a compensação apenas pode ocorrer depois de instaurada a execução fiscal e que para ser viável não é necessário que tenha ocorrido a citação, mas apenas que a execução fiscal tenha sido instaurada.
Em face do exposto, não se vislumbra qual o preceito do artigo 89.º do Código de Procedimento e Processo Tributário que tenha sido violado.
Resulta, do exposto, que não foi violado o n.º 2 do artigo 40.º da Lei Geral Tributária, uma vez que a compensação foi efetuada conforme situação expressamente prevista na lei.
No seguimento do que se acaba de referir, conclui-se não assistir razão ao recorrente, pelo que o recurso está votado ao insucesso.
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Tendo em conta que o Recorrente beneficia de apoio judiciário, e, acolhendo o decidido na sentença, não obstante o Recorrente soçobrar totalmente no recurso, não se condenará em custas, sem prejuízo de pelas mesmas poder a vir a ser responsabilizado, caso, entretanto, adquira meios económicos para o efeito.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida.
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Sem custas, em virtude do apoio judiciário de que o Recorrente beneficia, sem prejuízo do estabelecido no artigo 13.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho e no artigo 26.º, n.º 6 do Regulamento das Custas processuais.
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Porto, 11 de agosto de 2020

Paulo Moura
Celeste Oliveira
Maria do Rosário Pais