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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00236/14.7BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/27/2014
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:PROCESSO CAUTELAR.
INSTRUMENTALIDADE DA PROVIDÊNCIA.
RECURSO.
REEXAME DAS QUESTÕES EQUACIONADAS
Sumário:I) – Improcede o recurso da sentença, em processo cautelar julgado improcedente por razão de instrumentalidade, no qual, objectivamente delimitado, se não provoca reexame do silogismo fundamentador*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:SINTAP...
Recorrido 1:Município de Coimbra
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
SINDICATO DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE ENTIDADES COM FINS PÚBLICOS, em representação do seu associado NFGG..., com os sinais nos autos, inconformado, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF DE COIMBRA, em 22.04.2014, que julgou improcedente a providência cautelar por si interposta contra MUNICÍPIO DE COIMBRA, em que peticionava que fosse o Sr. Presidente da Câmara “notificado para que não prossiga com a execução dos actos efectuados até agora e que informe por escrito (através de carta registada com A.R.) o trabalhador representado peto Requerente na presente acção, para se exercer as suas funções habituais” (sic), sendo ainda “o Requerido condenado, até integral colocação do Associado do Requerente nas suas funções, de uma sanção compulsória que se deixa ao livre arbítrio do Meritíssimo Juiz” (sic), requerendo ainda a citação e junção de relatório de medicina do trabalhos
No seu recurso, formula o autor as seguintes conclusões:
1 – O Associado do Recorrente, enquanto funcionário do Requerido tem direito à ocupação efetiva do seu posto de trabalho, de motorista de ligeiros e de fiscal municipal.
2 – E, a CRP protege a todos os cidadãos o respeito pelos seus direitos e interesses, o que no caso em apreço não acontece.
3 – O direito ao trabalho é constitucionalmente garantido, estar todo o tempo do horário de trabalho, mesmo que nas instalações do empregador público, mas sem nada fazer, é uma manifestamente contra o interesse público.
4 – Com o devido respeito, se o tribunal recorrido tivesse em linha de conta tais factos, concluiria que ao não decretar a providência cautelar estaria a criar uma situação prejudicial para o Associado do Recorrente que, como qualquer pessoa, tem o seu nível de vida, o qual fica inquestionavelmente afetado.
O recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.
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Do que vem de recurso emana que vem imputada à sentença violação do direito ao trabalho constitucionalmente protegido, com afectação do nível de vida do associado do autor.
Se a sentença assim desrespeitou, é a questão que o autor coloca junto deste tribunal de recurso; recurso objectivamente delimitado pelas conclusões.
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As circunstâncias, a que o tribunal recorrido atendeu:
§) - Em 24/3/2014 o Requerente fez entrar a PI desta acção, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
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O Direito:
Como se sabe “os recursos jurisdicionais visam a sindicância das decisões recorridas, sendo balizados pelas críticas que a estas são feitas e condensadas nas conclusões. O que significa que, na sua decisão, o que há que ter em conta é o conteúdo real dessas decisões, por um lado, e o ataque que lhes é feito, por outro (Acs. do TP de 18/2/2000-proc. nº36594, de 7/2/2001-rec. nº35820, de 3/4/2001-Proc. nº39531, de 16/2/2012-Proc. nº304/09; Ac. do STA de 5/4/2000-rec. nº38048.. Ac. do TCAS de 18/3/2009-Proc. nº4449/08, Acs. do STA de 15/5/2007-Proc. nº1025/06, de 21/3/2001-Rec. nº46857, de 26/4/2005-Proc. nº110/05, de 3/5/2005-Proc. nº159/2005, de 24/10/2006-Proc. nº532/2006, de 3/2/2010-Proc. nº541/2009, de 12/5/2010-Proc. nº291/2010, de 25/6/2009-Proc. nº1045/2008 e de 1/7/2009-Proc. nº590/2009)Cfr. Ac. do STA, Pleno, de 15-11-2012, proc. nº 0159/11.
A sentença bastou-se com o que vinha alegado no requerimento inicial, no qual viu omissão que constituiu (o) fundamento decisório.
Fundamento da decisão recorrida foi a circunstância de o autor não indicar no seu requerimento inicial a acção principal em modos de poder aferir da instrumentalidade da tutela cautelar, em desrespeito à exigência prevista no art.º 114º nº 3, e), do CPTA.
Assim, exarou-se na decisão recorrida:
Para que um pedido cautelar seja deferido é antes de mais necessário que resulte dos seus objecto e fundamentos uma relação de instrumentalidade entre o seu objecto e o objecto do pedido a deduzir no processo principal.
Tal é não só uma decorrência lógica da natureza cautelar do pedido cautelar (passe a redundância) como uma exigência bem clara do artigo 112º nº 1 do CPTA, segundo o qual a providência pedida tem de ser adequada para assegurar a utilidade da sentença a pedir e a proferir no processo principal.
Coerentemente com esta instrumentalidade relativamente ao objecto de uma acção, os critérios de deferimento ou recusa da providência cautelar, dispostos no artigo 120º do mesmo código, são referidos ao pedido principal, seus mérito e consequências de uma sua futura e eventual procedência e de uma demora da sentença que o julgue procedente.
Ciente destes instrumentalidade e critérios, o Legislador exige, no artigo 114º nº3 alª e) do CPTA, que o Requerimento inicial de todo o processo cautelar contenha a indicação da acção principal de que o processo vai depender.
Mas se o fim desta exigência é garantir a instrumentalidade da tutela cautelar e a possibilidade de se aferir daqueles critérios de decisão, então a indicação da acção principal não se pode ficar por uma classificação da espécie da acção ou de uma genérica alusão ao seu objecto, antes tem de descer ao concreto do pedido que vai ser feito e até dos fundamentos de facto e de direito, embora estes últimos possam ser revelados ao longo na própria fundamentação de facto e de direito do pedido cautelar.
Ora, percorrido todo o texto da Petição inicial em ponto algum se logra encontrar a indicação inequívoca do que vai ser o pedido da acção principal.
Embora não prime pela clareza, podemos dizer que o pedido cautelar, na parte minimamente concretizada, consiste na devolução do trabalhador às funções - de “motorista e fiscal municipal” -, que tinha a té Setembro de 2013. Mas quanto à acção principal apenas é dito que se tratará de uma “acção comum para reconhecimento de direitos e de condenação da Administração à abstenção de comportamento de actos lesivos (sic) de direitos e interesses legal e constitucionalmente protegidos”. Sobre quais são os direitos a reconhecer e as condutas a omitir, não é possível extrair do RI nada de concreto e determinado.
Temos, pois, que concluir que não está sequer enunciada na PI uma relação de instrumentalidade entre a acção cautelar e a acção comum de que esta seria preliminar, o que, aliás, inviabiliza qualquer juízo sobre periculum in mora, fumus juris e ponderação de interesses públicos e privados em jogo.
Assim sendo, a providência requerida só pode ser recusada.
O artº 268º, nº 4, da CRP, dispõe que «É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas».
Dando concretização à Lei Fundamental, o legislador ordinário previu no art. 112.º, n.º 1, do CPTA, que «quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar
a utilidade da sentença a proferir nesse processo».
Compreende-se, pois, que, perante a relação de instrumentalidade, seja exigência da lei de processo, que o requerente da providência indique no requerimento inicial a acção de que o processo depende ou irá depender – art.º 114º nº 3, e), do CPTA.
A sentença recorrida, analisando a peça inicial que tinha em mãos, concluiu que esta não lhe permitia, com suficiente habilitação, aferir de tal relação instrumental.
A instrumentalidade concreta do processo cautelar em relação ao processo principal é uma característica essencial, sob pena de manifesta improcedência do pedido cautelarAc. do TCAS, de 03-03-2011, proc. nº 06969/10.
Vistas as conclusões do recorrente supra, é manifesto que nelas se não evidencia nenhum ataque pertinente e eficaz aos elementos do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida.
O recorrente daí se alheia, deixando incólume o discurso fundamentador da 1ª instância, não provocando reexame da questão equacionada.
Assim, necessariamente o recurso terá de improceder.
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte em julgar improcedente o recurso.
Sem custas, por isenção.
Porto, 27 de Junho de 2014.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Isabel Soeiro
Ass.: Fernanda Brandão