Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00013/10.4BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/21/2016
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR FACTO (I)LÍCITO DECORRENTE DE GESTÃO PÚBLICA;
ACIDENTE DE VIAÇÃO
Recorrente:JSS
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE PAREDES
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Sumária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
JSS, residente em Paços de Ferreira, intentou acção administrativa comum, com processo sumário, contra o MUNICÍPIO DE PAREDES, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito decorrente de gestão pública, alegando, sumariamente, que no dia 30/01/2008, pelas 20h:15m, ao circular com o seu veículo automóvel numa via rodoviária do R., colidiu com umas pedras existentes na faixa de rodagem, perdendo o controlo do seu carro, que foi embater num muro mais adiante, resultando do acidente estragos no automóvel para cuja reparação teve de gastar a quantia de € 13202,07, ficando ainda privado do mesmo pelo período de um mês, cujo prejuízo calculou em € 1085,00, pedindo a condenação do R. no pagamento de uma indemnização no valor global de € 14287,07.

Por sentença proferida pelo TAF de Penafiel foi julgada procedente a acção e, consequentemente, condenado o R. a pagar uma indemnização ao A. em montante a liquidar em execução de sentença.
Desta vem interposto recurso.
Em alegação o Réu formulou as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal a quo, proferida nos autos à margem identificados, que julgou procedente a acção, por provada e, consequentemente, condenou “(…) o R. a pagar uma indemnização ao A. no montante que vier a ser liquidado em execução de sentença.”
2. a sentença em crise considerou ilícita a omissão do R. dos seus deveres de policiamento/vigilância da via, tal como estipulam os artigos 2º e 28º, n.º 1 da Lei n.º 2110, de 19 de Agosto de 1961 (Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais).
3. A propósito da ilicitude, conclui a sentença em crise que “… considera-se que a existência de pedras na faixa de rodagem constitui um obstáculo à livra circulação automóvel, mas igualmente um perigo para o trânsito, que o R. não tratou de sinalizar a tempo de evitar o acidente que ora se analisa, incumprindo, deste modo, as normas acima destacadas, o que só se fica a dever a um funcionamento anormal dos seus serviços.”
4. A sentença em crise considerou, ainda, culposa a actuação do R.
5. Considerou culposa a actuação do R. tendo por base a “jurisprudência consolidada do STA que é aplicável à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública a presunção de culpa, de acordo com o art. 493º, n.º 1 do Código Civil (CC)”.
6. Com efeito e tal como refere a sentença a quo, “o R. Município não conseguiu a elisão daquela presunção, pois não logrou nestes autos a prova de ter actuado com o cuidado que lhe era exigível, nem demonstrou que a ocorrência em questão nesta acção se tivesse ficado a dever a factores de força maior, caso fortuito ou culpa do lesado.”
7. O Recorrente, com o devido respeito, não concorda nem aceita que se verifique qualquer um destes dois pressupostos cumulativos da existência de responsabilidade civil, tal como conclui o douto Tribunal a quo.
8. A ilicitude não estará na existência de pedras na via pública (um obstáculo ocasional), algo que não está provado tivesse sido causado pelo Recorrente, mas, segundo a sentença, no funcionamento anormal dos serviços que não sinalizaram ou que não removeram (dizemos nós), atempadamente, o referido obstáculo ocasional, nos termos dos arts. 9º, n.º 2 e 7º, n.º 3 da Lei n.º 67/2007, de 31/12).
9. Importa reter no presente caso que o concreto obstáculo existente na via não é um obstáculo ou um defeito da própria via, antes um obstáculo ocasional, exterior à mesma, facilmente removível e que, na falta de prova, será da responsabilidade de desconhecidos.
10. Importa ter presente, também, que ao contrário do que foi alegado pelo Autor, o Tribunal a quo não deu como provado o quesito 16º da base instrutória onde se perguntava se “Há cerca de 8 dias as pedras se encontravam na faixa de rodagem direita atento o sentido de marcha do TD?”
11. A prova deste quesito 16º era essencial para a pretensão do A. e para a tese da responsabilidade civil por anormal funcionamento do serviço, nos termos do n.º 2 do art. 9º e n.º 3 do art. 7º da Lei n.º 67/2007, de 31/12.
12. Não estando em causa a existência de um obstáculo ocasional na via pública que fosse da responsabilidade do Recorrente, como seria o caso de se tratar de um buraco na via, o Tribunal a quo considerou que a ilicitude estaria não na existência desse concreto obstáculo, mas na falta da sua sinalização ou remoção, no funcionamento anormal do serviço.
13. Sucede que, ao contrário do que é o entendimento jurisprudencial relativamente ao elemento da culpa, não existe presunção de ilicitude, pelo que teremos concluir que não existe na factualidade dada como provada qualquer facto que indicie ou que suporte um qualquer funcionamento anormal do serviço.
14. Para se poder concluir pela existência de um qualquer funcionamento anormal do serviço teríamos de provar que as pedras existentes na via pública tinham sido ali colocadas pelo Recorrente, tinham uma dimensão adequada a causar perigo na via pública, e que estavam ali há demasiado tempo para não terem sido sinalizadas ou removidas.
15. Nada disto foi dado como provado.
16. Com efeito, não está provado o tamanho das pedras, quem as ali colocou, em que circunstância elas ali foram parar, ou desde quando elas ali estavam, o que impede que se retire qualquer conclusão quanto à existência de um qualquer funcionamento anormal dos serviços.
17. Para os serviços poderem sinalizar (como sugere a sentença) ou para poderem remover (como parece ser o caso dos autos), atempadamente, um obstáculo ocasional existente na via pública, é necessário que os mesmos soubessem, ou não devessem desconhecer, a existência desse obstáculo.
18. Não existe nada nos autos que permita concluir que o Recorrente soubesse ou devesse saber da existência do obstáculo, para que o pudesse sinalizar ou remover.
19. Mais, não existe qualquer facto provado nos autos que nos permita concluir pela violação de qualquer regra técnica ou legal por parte dos serviços do Recorrente.
20. A sentença em crise considerou que era aplicável ao caso a presunção de culpa reconhecida na jurisprudência consolidada do STA para as situações de responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública (art. 493º, n.º 1 do Código Civil), sendo que no caso “o R. Município não conseguiu a elisão daquela presunção, pois não logrou nestes autos a prova de ter actuado com o cuidado que lhe era exigível, nem demonstrou que a ocorrência em questão nesta acção se tivesse ficado a dever a factores de força maior, caso fortuito ou culpa do lesado.”
21. Diz a sentença, que a conduta do Recorrente se situou abaixo do standard médio exigível (usando uma expressão retirada do Acórdão do STA, de 2006.04.04, proferido no processo n.º 01116/05).
22. Sucede que, não estando provada qualquer violação de regras técnicas ou legais por parte dos serviços, não existindo qualquer facto ilícito, não existe campo para qualquer presunção.
23. Não estando provado qual a dimensão das pedras existentes na via, a origem ou a causa da existência dessas pedras na via, o período de tempo que mediou entre a aparição das pedras na via e o acidente, não estando provadas, portanto, as circunstâncias ou os elementos que nos permitam aferir do cumprimento de padrões médios de resultado, como é que é possível à sentença concluir que no caso era razoável exigir ao serviço uma actuação susceptível de evitar os danos produzidos?
24. Assim e sem prejuízo da presunção de culpa, não estando provadas as circunstâncias ou os elementos que nos permitam aferir do cumprimento pelos serviços de padrões médios de resultado, não é possível concluir se no caso era razoavelmente exigível, ou não, um comportamento dos serviços susceptível de evitar os danos que se vieram a produzir.
25. Assim e com o devido respeito, não existem factos provados que nos permitam, sequer, presumir a existência de um comportamento culposo do Recorrente.
26. Assim e com o devido respeito, o Tribunal a quo faz um errado enquadramento jurídico da factualidade por si dada como provada ao admitir a existência de uma omissão ilícita por parte do ora Recorrente, presumindo, além do mais, a sua culpa, nos termos do disposto nos artigos 9º, n.º 2 e 7º, n.º 3 da Lei n.º 67/2007, de 31/12.
Nestes termos e nos demais que serão supridos, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se, assim, a sentença recorrida com as legais consequências.

O Autor não contra-alegou.
O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu qualquer parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1.º - No dia 30 de Janeiro de 2008, cerca das 20h:15m, na Av. Padre M.P. Pedra, freguesia de Duas Igrejas, concelho de Paredes, ocorreu um acidente de viação;
2.º - Foi interveniente o veículo automóvel de matrícula **-**-TD, de marca VW;
3.º - O dono desse veículo era JSS, o ora Autor (cf. fl. 90 dos autos);
4.º - O veículo era conduzido pelo filho do A., FMCS;
5.º - Era de noite e o piso era em asfalto;
6.º - A via onde ocorreu o acidente tem uma largura total de aproximadamente 4,70m;
7.º - O **-**-TD, doravante designado apenas por TD, seguia no sentido Duas Igrejas/Cristelo, isto é, no sentido ascendente da Av. Padre Manuel Pinto Preda;
8.º - Seguia na faixa de rodagem do lado direito, atento o seu sentido de marcha;
9.º - Antes do local do acidente, a cerca de quatro metros, desenvolve-se uma curva à direita, atento o sentido de marcha do TD;
10.º - Na data a que se reportam os factos, o condutor do TD seguia no sentido Duas Igrejas/Cristelo, sentido ascendente da Av. Padre M. P. Pedra;
11.º - A seguir à curva, deparou-se com um veículo automóvel que seguia em sentido contrário ao do TD;
12.º - E, ao cruzar-se com o veículo que vinha em sentido contrário, o condutor do TD não se apercebeu de pedras existentes na sua faixa de rodagem;
13.º - O TD colidiu com as pedras existentes no chão/berma da sua faixa de rodagem;
14.º - Ao colidir com as pedras, o condutor do TD perdeu o controlo e foi embater num muro de uma habitação;
15.º - As pedras não se encontravam pré sinalizadas, nem sequer sinalizadas no local;
16.º - O TD sofreu estragos;
17.º - O A. esteve privado do uso do TD;
18.º - No local do acidente desenvolve-se uma recta;
19.º - A referida Avenida está sob controlo e administração do Réu;
20.º - O acidente verificou-se numa via municipal, denominada Avenida Padre Manuel Pinto Preda, freguesia de Duas Igrejas;
21.º - No dia e hora do acidente não existia nenhum tipo de sinalização que avisasse das pedras na via, nem no local do acidente, nem no início da Rua, nem em qualquer outra parte, de modo a garantir a normal circulação e segurança dos utentes da via, nomeadamente as previstas no regulamento de sinalização temporária de obras e obstáculos acima referidos;
22.º - O R. dispõe de um serviço de atendimento telefónico e presencial geral, através do qual os munícipes podem fazer participações e queixas, muitas das vezes relacionadas com anomalias que verificam nas vias;
23.º - O R. dispõe ainda de uma equipa que inspecciona as vias municipais e que soluciona as anomalias que verifica.
X
DE DIREITO
Está posta em causa a sentença do TAF de Penafiel que julgou procedente a acção, por provada e, consequentemente, condenou o R. a pagar uma indemnização ao A. no montante que vier a ser liquidado em execução de sentença.
Na óptica do Recorrente, que não questiona a factualidade apurada, a decisão fez um errado enquadramento jurídico da factualidade por si dada como provada ao admitir a existência de uma omissão ilícita da sua parte, presumindo, além do mais, a sua culpa, nos termos do disposto nos artigos 9º, n.º 2 e 7º, n.º 3 da Lei n.º 67/2007, de 31/12.
Cremos que lhe assiste razão.
Na verdade, a sentença em crise, depois de analisar os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, para cuja apreciação se remete, considerou ilícita a omissão do R. dos seus deveres de policiamento/vigilância da via, tal como estipulam os artigos 2º e 28º, n.º 1 da Lei n.º 2110, de 19 de Agosto de 1961 (Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais).
A propósito da ilicitude concluiu que “… considera-se que a existência de pedras na faixa de rodagem constitui um obstáculo à livra circulação automóvel, mas igualmente um perigo para o trânsito, que o R. não tratou de sinalizar a tempo de evitar o acidente que ora se analisa, incumprindo, deste modo, as normas acima destacadas, o que só se fica a dever a um funcionamento anormal dos seus serviços.” E considerou, ainda, culposa a actuação do R. tendo por base a “jurisprudência consolidada do STA que é aplicável à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública a presunção de culpa, de acordo com o art. 493º, n.º 1 do Código Civil (CC)”.
Referiu que “o R. Município não conseguiu a elisão daquela presunção, pois não logrou nestes autos a prova de ter actuado com o cuidado que lhe era exigível, nem demonstrou que a ocorrência em questão nesta acção se tivesse ficado a dever a factores de força maior, caso fortuito ou culpa do lesado.”
O Recorrente discorda que se verifique qualquer um destes pressupostos cumulativos da existência de responsabilidade civil.
Vejamos:
Da ilicitude
Com efeito e tal como se consignou supra, a sentença sob escrutínio considerou que a ilicitude não estará na existência de pedras na via pública (um obstáculo ocasional), algo que não está provado tivesse sido causado pelo Recorrente, mas, segundo a mesma sentença, no funcionamento anormal dos serviços que não sinalizaram ou que não removeram, atempadamente, o referido obstáculo ocasional, nos termos dos arts. 9º, n.º 2 e 7º, n.º 3 da Lei n.º 67/2007, de 31/12).
Ora, tal como alegado, no presente caso, o concreto obstáculo existente na via não é um obstáculo ou um defeito da própria via, antes um obstáculo ocasional, exterior à mesma, facilmente removível e que, na falta de prova, será da responsabilidade de desconhecidos.
Sucede que, ao contrário do que foi invocado pelo Autor, o Tribunal a quo não deu como provado o quesito 16º da base instrutória onde se perguntava se “Há cerca de 8 dias as pedras se encontravam na faixa de rodagem direita atento o sentido de marcha do TD?”
A prova deste quesito era essencial para a pretensão do A. e para a tese da responsabilidade civil por anormal funcionamento do serviço. Com efeito, não se vislumbra em que factos se baseia o Tribunal a quo para afirmar a existência da prática (ou omissão) de um qualquer ilícito da parte do Réu.
A existência de pedras numa via pública só poderá ser considerado um facto ilícito se, como refere a sentença sob recurso, resultar do funcionamento anormal do serviço (arts. 9º, n.º 2 e 7º, n.º 3 da Lei n.º 67/2007, de 31/12).
Com efeito, não estando em causa a existência de um obstáculo ocasional na via pública que fosse da responsabilidade do Recorrente, como seria o caso de se tratar, por exemplo, de um buraco na via, o Tribunal considerou que a ilicitude estaria não na existência desse concreto obstáculo, mas na falta da sua sinalização ou remoção, no funcionamento anormal do serviço.
Sucede que, ao contrário do que é o entendimento jurisprudencial relativamente ao elemento da culpa, não existe presunção de ilicitude, pelo que teremos concluir que não existe na factualidade dada como provada qualquer facto que indicie ou que suporte um qualquer funcionamento anormal do serviço.
Ao Réu não era exigível um comportamento premonitório quanto à existência de pedras no chão/berma da faixa de rodagem - cfr. o ponto 13) da factualidade assente.
Com efeito, a circunstância de, num determinado momento, existirem objectos ocasionais numa via pública, estranhos à mesma, não prova só por si a existência de um qualquer funcionamento anormal do serviço responsável pela sua conservação, reparação, sinalização ou policiamento.
Para se poder concluir pela existência de um qualquer funcionamento anormal do serviço teria de se provar que as pedras existentes na via pública tinham sido ali colocadas pelo Recorrente, tinham uma dimensão adequada a causar perigo na via pública, e que estavam ali há tempo/algum tempo/demasiado tempo para não terem sido sinalizadas ou removidas.
Ora, nada disto foi dado como provado.
De facto, não está provado o tamanho das pedras, quem as ali colocou, em que circunstância elas ali foram parar, ou desde quando elas ali estavam, o que impede que se retire qualquer conclusão quanto à existência de um qualquer funcionamento anormal dos serviços.
Repete-se, a conclusão seria outra se o obstáculo na via fosse um qualquer buraco na mesma, caso em que, na falta de outra explicação, se poderia concluir pela falta de manutenção da responsabilidade do aqui Recorrente.
Para os serviços poderem sinalizar, como sugere a sentença, ou para poderem remover (como parece ser o caso dos autos), atempadamente, um obstáculo ocasional existente na via pública, era necessário que os mesmos soubessem, ou não devessem desconhecer, a existência desse obstáculo. Para se poder concluir pelo funcionamento anormal do serviço era preciso provar que o obstáculo ocasional estava há suficiente tempo no local para justificar uma intervenção dos serviços.
Ora, não existe nada nos autos que permita concluir que o Recorrente soubesse ou devesse saber da existência do obstáculo, para que o pudesse sinalizar ou remover - atente-se no probatório onde ficou apurado que: - O R. dispõe de um serviço de atendimento telefónico e presencial geral, através do qual os munícipes podem fazer participações e queixas, muitas das vezes relacionadas com anomalias que verificam nas vias; O R. dispõe ainda de uma equipa que inspecciona as vias municipais e que soluciona as anomalias que verifica - pontos nºs 22 e 23.
Mais, não existe qualquer facto provado nos autos que permita concluir pela violação de qualquer regra técnica ou legal por parte dos serviços do Recorrente.
Assim, assiste razão ao Recorrente ao concluir que a sentença fez uma errada aplicação do direito aos factos que ela própria deu como provados, concluindo pela existência de um funcionamento anormal do serviço sem factos que o substanciem.
E, dado que a procedência da acção requer a verificação cumulativa dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual invocada, a falta de um desses requisitos - ilicitude - faz soçobrar a pretensão do Autor.
No entanto sempre se dirá, em sede de culpa, o seguinte:
A sentença considerou que era aplicável ao caso a presunção de culpa reconhecida na jurisprudência consolidada do STA para as situações de responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública (art. 493º, n.º 1 do Código Civil), sendo que no caso “o R. Município não conseguiu a elisão daquela presunção, pois não logrou nestes autos a prova de ter actuado com o cuidado que lhe era exigível, nem demonstrou que a ocorrência em questão nesta acção se tivesse ficado a dever a factores de força maior, caso fortuito ou culpa do lesado.”
Diz a sentença que a conduta do Recorrente se situou abaixo do standard médio exigível (usando uma expressão retirada do Acórdão do STA, de 2006/04/04, proferido no proc. 01116/05).
Sucede que, não estando provada qualquer violação de regras técnicas ou legais por parte dos serviços, não existindo qualquer facto ilícito, não existe campo para qualquer presunção.
Não estando provado qual a dimensão das pedras existentes na via, a origem ou a causa da existência dessas pedras na via, o período de tempo que mediou entre a aparição das pedras na via e o acidente, não estando provadas, portanto, as circunstâncias ou os elementos que nos permitam aferir do cumprimento de padrões médios de resultado, não é possível dar o salto e concluir que, no caso em concreto, era razoável exigir ao serviço uma actuação susceptível de evitar os danos produzidos.
Dito de outro modo, sem prejuízo da presunção de culpa, não estando provadas as circunstâncias ou os elementos que permitam aferir do cumprimento pelos serviços de padrões médios de resultado, não é possível concluir se na hipótese vertente era razoavelmente exigível, ou não, um comportamento dos serviços susceptível de evitar os danos que se vieram a produzir.
Assim sendo, não existem factos provados que permitam presumir a existência de um comportamento culposo do Recorrente. Ou sempre se teria de ter por afastada (ilidida) a presunção de culpa, atentos os pontos 22) e 23) do probatório e a circunstância de, não tendo havido qualquer participação face ao referido obstáculo, tudo inculcar estar-se na presença de uma situação recente, ainda insusceptível de ter sido detectada e geradora da intervenção dos serviços do Município, ora Recorrente.
Tal equivale a dizer que bem andou este ao alegar que o Tribunal a quo fez um errado enquadramento jurídico da factualidade por si dada como provada ao admitir a existência de uma omissão ilícita da sua parte, presumindo, além do mais, a sua culpa, nos termos do disposto nos artigos 9º, n.º 2 e 7º, n.º 3 da Lei n.º 67/2007, de 31/12.
Em suma:
-quer a doutrina quer a jurisprudência têm vindo a decidir, pacificamente, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas colectivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos.
São esses pressupostos:
–o facto, que é um acto de conteúdo positivo ou negativo, consubstanciado por uma conduta de um órgão ou seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas;
–a ilicitude, traduzida na violação por esse facto de normas legais e regulamentares ou dos princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração;
–a culpa, como nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto ao agente, não sendo necessária uma culpa personalizável no próprio autor do acto, bastando uma culpa do serviço, globalmente considerado;
–o dano, lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de terceiros; e
–o nexo causal entre o facto e o dano
(1).
-para além disso, aplicar-se-á também o regime da lei civil quanto ao pressuposto negativo da não existência de culpa concorrente do lesado (artº 570º do Código Civil) e quanto ao cálculo e limitação da indemnização;
-a norma que estabelece o regime do nexo de causalidade em matéria de obrigações de indemnização é o artº 563º do Código Civil, que preceitua que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
No caso posto, faltando, desde logo, o suporte da ilicitude, a acção teria (terá) de improceder, já que falece a presença cumulativa dos elementos atrás enunciados.

DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença recorrida e julga-se improcedente a acção.
Sem custas nesta instância e, na 1ª, a cargo do Autor, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Notifique e DN.

Porto, 21/04/2016
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
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(1) Cfr., entre outros, os seguintes acórdãos do STA:
– de 16/3/1995, proferido no recurso n.º 36933;
– de 21/3/1996, proferido no recurso n.º 35909;
– de 13/10/98, proferido no recurso n.º 43138;
– de 17/1/2007, proferido no recurso n.º 1164/06 e

– Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6ª edição, págs. 870/871 e
– Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3ª edição, pág. 369.