Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00344/19.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/10/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; N.º 2 DO ARTIGO 9º DO NOVO REGIME DO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, ADITADO PELA LEI N.º 71/2018, DE 31.12;
CRÉDITOS SALARIAIS; CESSAÇÃO DO CONTATO DE TRABALHO; SENTENÇA; INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO CRÉDITOS SALARIAIS;
ARTIGO 309º DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 2.º, N.º 8, DO NOVO REGIME DO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL (DECRETO-LEI N.º 59/2015, DE 21.04); INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:1. Não se aplica a norma jurídica inovatória constante do n.º 2 do artigo 9º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aditado pela Lei n.º 71/2018, de 31.12, onde se prevêem causas suspensivas do prazo previsto no artigo 2º, nº8, do mesmo diploma, a um caso em que tal norma não estava em vigor nem quando foi apresentado o requerimento dirigido à entidade demandada, nem quando esta indeferiu o pedido.

2. No caso de créditos salariais, embora emergentes da cessação de contrato de trabalho, que foram reconhecidos por sentença aplica-se o prazo geral de prescrição de vinte anos, previsto no artigo 309º do Código Civil.

3. É inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão - acórdão do Tribunal Constitucional n.º 328/2018, de 27.06.2018, no processo 555/2017 (retificado pelo Acórdão nº 447/2018).*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

AA veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 03.10.2023, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa que moveu contra o Fundo de Garantia Salarial para impugnar a decisão proferida a 12.11.2018, pelo Presidente do Conselho de Gestão, que lhe indeferiu o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho.

Invocou para tanto, em síntese, que: a interpretação da norma do Novo Regime Jurídico do Fundo de Garantia Salarial, nomeadamente nos nºs 8 e 9 do artigo2º, terão de ser interpretadas de forma a que a interposição da acção laboral interrompa o prazo de 1 ano para a reclamação de créditos junto do FGS, e não apenas a interposição de insolvência, por analogia; a interpretação literal da norma da forma que é feita viola o princípio da igualdade e da proporcionalidade da constituição da república, nomeadamente o referido na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa; assim como o princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, visto que a interpretação da lei da forma que foi feita descrimina a Recorrente relativamente a outros trabalhadores; sendo que a exigência do recurso à insolvência é desproporcionada e viola claramente a congruência do sistema judicial; desta forma a douta sentença violou a lei e a constituição com a interpretação que fez da lei.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A. A douta sentença fez errada interpretação da lei.

B. A recorrente utilizou os procedimentos legais ao seus dispor, nomeadamente tendo recorrido ao tribunal de trabalho para a defesa e reconhecimento judicial dos seus direitos, o que conseguiu no tribunal competente, tribunais de trabalho.

C. A recorrente obtida a sentença que reconheceu os sues direitos, executou a mesma.

D. No âmbito da execução deparou-se com a declaração de insolvência da sua entidade patronal, tendo reclamado os seus créditos reconhecidos por sentença e que lhe foram devidamente reconhecidos e emitido os respectivo formulário para reclamação dos créditos salariais junto do FGS.

E. Terá de se considerar que o prazo para reclamação junto do FGS tem de se considerar suspenso, não com ao a interposição da insolvência, mas também com a interposição da acção laboral.

F. Sob pena de o sistema jurídico ser incongruente, pois torna-se incompatível.

G. A interpretação da norma do NRFGS nomeadamente nos nºs 8 e 9 do artº 2º, terão de ser interpretadas de forma a que a interposição da acção laborar interrompa o prazo de 1 anos para a reclamação de créditos junto do FGS, e não apenas a interposição de insolvência, por analogia.

H. A interpretação literal da norma da forma que é feita viola o princípio da igualdade e da proporcionalidade da constituição da república, nomeadamente o referido na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.

I. Assim como o princípio da igualdade previsto no artº 13º da CRP, visto que a interpretação da lei da forma que foi feita descrimina a Recorrente relativamente a outros trabalhadores.

J. Sendo que e exigência do recurso à insolvência é desproporcionada e vila claramente a congruência do sistema judicial.

K. Desta forma a douta sentença violou a lei e a constituição com a interpretação que fez da lei.

L. Devendo assim ser revogada e substituída por outra reconheça o seu direito aos créditos laborais.

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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

A) A 01/11/2005, a Autora celebrou um designado contrato de trabalho com a empresa “P..., Lda.”, com sede na Rua ..., ..., no ... (cf. fls. 1 e seguintes do PA).

B) A 27/11/2015, a Autora enviou uma missiva à sua entidade patronal, na qual comunica a designada resolução do seu contrato de trabalho, por falta de pagamento pontual das retribuições respeitantes aos meses de Agosto, Setembro e Outubro, e a 11 dias do mês de Novembro, todos do ano de 2015 (cf. idem e documento junto aos autos a fls. 204).

C) A 01/03/2016, a Autora propôs uma acção contra a sua entidade patronal, peticionando o pagamento dos créditos laborais em falta, acção essa que correu termos na 1' Secção de Trabalho – J1 da Instância Central da Comarca do Porto, sob o n° 4703/16.... (cf. fls. 2 e seguintes do PA).

D) A 05/01/2017, a referida Instância Central – 1ª Secção de Trabalho proferiu decisão final, na qual condenou a entidade patronal a pagar à Autora a quantia de € 19.495,57, a título de créditos laborais (cf. idem).

E) A 31/03/2017, a Autora interpôs contra a sua anterior entidade patronal requerimento da execução da sentença identificada em D), atento o verificado incumprimento do ali decidido (cf. documento junto aos autos a fls. 137 e seguintes).

F) A 20/07/2017, foi proposta acção de insolvência da entidade “P..., Lda.” (cf. documento junto a fls. 172 e seguintes).

G) A 04/04/2018, o Juiz ... do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia proferiu sentença a declarar a insolvência da entidade “P..., Lda.”, processo esse que correu termos sob o n° 6362/17.... (cf. idem).

H) A 30/04/2018, e tendo tomado conhecimento da insolvência da empresa no âmbito dos autos de acção executiva identificados em E), procedeu a Autora à reclamação dos seus créditos laborais junto da Administradora da Insolvência, na quantia total de € 21.657,12 (cf. documento junto com a petição inicial sob o n° 3).

I) Os créditos reclamados pela Autora foram reconhecidos nas listas de credores elaborados pela Administradora de Insolvência designada para o processo de insolvência, no total de € 21.651,55 (cf. documentos juntos a fls. 172 e seguintes do SITAF).

J) A 04/06/2018, a Autora apresentou junto dos serviços do Réu um requerimento de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, no valor total de € 21.657,12, sendo a quantia de € 4.004,66 referente às retribuições relativas aos meses de Novembro de 2015 a Abril de 2018; a quantia de € 1.798,48 referente a proporcionais de subsídio de Natal; a quantia de € 9.943,93 relativa a indemnização por antiguidade; e a quantia de € 5.910,11 relativa a comissão e juros de mora (cf. fls. 1 e seguintes do PA).

K) A 22/10/2018, o Réu comunicou à Autora ofício no qual se podia ler, designadamente, o seguinte: “Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 22 de Outubro de 2018, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento apresentado por Vª Ex.ª será indeferido. Nos termos do artigo 122º do Código do Procedimento Administrativo, Vª Ex.ª tem direito a pronunciar-se, antes de ser tomada a decisão final, dispondo de 10 dias úteis, a partir da presente notificação, para apresentar resposta por escrito, da qual constem os elementos que possam motivar alteração dos valores ou sentido de decisão comunicados, juntando os meios de prova adequados. Poderá, igualmente, contactar os serviços, na morada indicada e pelos contactos mencionados em rodapé. O(s) fundamento(s) para o deferimento parcial é(são) o(s) seguinte(s): - O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º8 do art.º2.ºdo Dec. – Lei n.º59/2015, de 21 de Abril. Mais se informa que, na falta de resposta, o indeferimento ocorre no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem de prazos de: - 15 dias úteis, para reclamar; - 3 meses, para impugnar judicialmente. (...)” (cf. documento junto com a petição inicial sob o n° 5).

L) A 08/11/2018, a Autora exerceu o seu direito de audiência prévia, alegando que, à luz do que foi decidido pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n° 328/2018, de 27 de Junho, a interposição da acção laboral e, posteriormente, da acção de insolvência, deve fazer suspender o prazo de um ano previsto no n° 8 do artigo 2° do DL n° 59/2015, de 21 de Abril, assim se impondo o deferimento da sua pretensão (cf. fls. 33 e seguintes do PA, que aqui se dão por integralmente reproduzidas).

M) A 12/11/2018, o Réu comunicou à Autora ofício no qual se podia ler o seguinte: “Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 22 de Outubro de 2018, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado que o requerimento para pagamento de créditos emergentes de trabalho apresentado por Vª Ex.ª foi indeferido. O(s) fundamento(s) para o indeferimento parcial é(são) o(s) seguinte(s): - O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º8 do art.º2.ºdo Dec. – Lei n.º59/2015, de 21 de Abril. (...)” (cf. documento junto com a petição inicial sob o n° 6).

N) A petição inicial foi apresentada neste Tribunal a 11/02/2019 (cf. fls. 1 e seguintes dos presentes autos).

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III - Enquadramento jurídico.

Dispõe o n.º8 do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04 (Regime Jurídico do Fundo de Garantia Salarial):

“O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.

Esta norma, na sua versão original, deve ser desaplicada, por inconstitucionalidade e, em consequência, considerar-se que o prazo a ter em conta para a apresentação do requerimento a este Fundo é de 3 meses antes da prescrição dos créditos em causa (ver neste sentido, entre outros que se seguiram, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, 21.12.2018, no processo 1777/17.0 PRT, com o mesmo relator do presente).

Seguindo o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 328/2018, de 27.06.2018.

Mas este diploma sofreu uma alteração precisamente para obviar a tal declaração de inconstitucionalidade.

A alteração referida na decisão recorrida, operada pela Lei n.º 71/2018, de 31.12 (Lei do Orçamento de Estado para 2019), que acrescentou ao artigo 2.º o número 9 com esta redacção.

“O prazo previsto no número anterior suspende-se com a propositura de ação de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º ou da data da decisão nas restantes situações.”.

Passando agora a preverem-se causas suspensivas do prazo para intentar a acção contra o Fundo de Garantia Salarial, ficou ultrapassado o problema da inconstitucionalidade da fixação de tal prazo em um ano.

O que não significa que para cada caso concreto se deva aplicar sem mais, a nova disciplina, imposta pela Lei n.º 71/2018, de 31.12.

No caso apreciado no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 25.032022, no processo n.º 01315/17.4 PRT, com o mesmo Relator do presente, por exemplo, este último diploma não era aplicável.

O que sucede neste caso também.

Com efeito a Lei 71/2018, de 31.12 (Lei do Orçamento de Estado), entrou em vigor em 01.01.2019 (artigo 351º) e, com esta, todas as alterações que introduziu em diplomas das mais diversificadas áreas, incluindo a norma do novo n.º 9 do artigo 2º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial.

Ora o requerimento dirigido ao Fundo de Garantia Salarial foi apresentado 04.06.2018 (facto provado da alínea J).

Este requerimento foi indeferido pelo acto, ora impugnado, de 22.10.2018 (facto provado na alínea M).

Não existe, portanto, qualquer conexão temporal entre esta norma inovadora e o caso dos autos.

Não sendo esta norma aplicável ao caso concreto, o que temos, numa primeira aproximação, é a aplicação do disposto no artigo 2º, nº 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04, na redacção dada por este diploma, onde não se prevê qualquer causa de suspensão ou interrupção do prazo para propor a acção.

O que nos reconduz ao entendimento sufragado no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, com o mesmo Relator, de 05.02.2021, no processo 92/18.6 BRG que aqui se mantém.

Dispunha o Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29.07, com a alteração da Lei nº 9/2006, de 20.03, relativamente aos créditos salariais garantidos por este Fundo.

“Artigo 316.º
Âmbito
O presente capítulo regula o artigo 380.º do Código do Trabalho.

Artigo 317.º

Finalidade
O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes.

Artigo 318.º
Situações abrangidas

1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente.
2 - O Fundo de Garantia Salarial assegura igualmente o pagamento dos créditos referidos no número anterior, desde que se tenha iniciado o procedimento de conciliação previsto no Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro.
3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, caso o procedimento de conciliação não tenha sequência, por recusa ou extinção, nos termos dos artigos 4.º e 9.º, respectivamente, do Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro, e tenha sido requerido por trabalhadores da empresa o pagamento de créditos garantidos pelo Fundo de Garantia Salarial, deve este requerer judicialmente a insolvência da empresa.
4 - Para efeito do cumprimento do disposto nos números anteriores, o Fundo de Garantia Salarial deve ser notificado, quando as empresas em causa tenham trabalhadores ao seu serviço:
a) Pelos tribunais judiciais, no que respeita ao requerimento do processo especial de insolvência e respectiva declaração;
b) Pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI), no que respeita ao requerimento do procedimento de conciliação, à sua recusa ou extinção do procedimento.

Artigo 319º
Créditos abrangidos

1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.

2 - Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.

3 - O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respectiva prescrição.”

Estabelecia-se aqui, sem dúvida, um prazo: o termo inicial era a data de vencimentos dos créditos (situado nos seis meses que antecederam a propositura da acção, na regra geral) e o termo final era 3 meses antes da prescrição.

O prazo para reclamar os créditos, considerado de caducidade, terminava três meses antes do prazo de prescrição desses mesmos créditos.

O artigo 2º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, veio então dispor.

“O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”

Norma sobre a qual o Tribunal Constitucional se debruçou considerando-a inconstitucional, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insusceptível de qualquer interrupção ou suspensão - acórdão do Tribunal Constitucional n.º 328/2018, de 27.06.2018, no processo 555/2017 (retificado pelo Acórdão nº 447/2018).

Dispõe o artigo 282º da Constituição da República Portuguesa sob a epígrafe “Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade”.

“1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado”.

Não vemos razão para não aplicar esta norma, dirigida à hipótese de “declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral” ao caso, como o presente, em que temos uma declaração de declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade ainda sem força obrigatória geral.

Na verdade, é a solução que mais segurança e certeza traz para a solução de casos similares, dada a sedimentação que o antigo regime jurídico já tinha alcançado.

E porque, por outro lado, tendo em conta a multiplicidade de situações idênticas que correm nos tribunais administrativos, mantendo-se a declaração de inconstitucionalidade, com o recurso obrigatório pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional, é previsível que venha a surgir essa declaração com força obrigatória geral, pelo que, com esta posição, já estará preparado o caminho pela jurisprudência dos tribunais administrativos para tal declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, reforçando a certeza e segurança jurídicas.

O que não se pode afirmar, de todo, face a esta declaração de inconstitucionalidade, como faz a autoridade recorrida, é afirmar que já se tinha esgotado o prazo de um ano a que alude o artigo Decreto-Lei 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015.

Porque foi precisamente este prazo de um ano sem qualquer previsão de suspensão ou interrupção que o Tribunal Constitucional declarou como solução legal inconstitucional.

E não se vê, perante esta declaração, como aproveitar a norma.

Retomando assim a solução legal consagrada no Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29.07, com a alteração da Lei nº 9/2006, de 20.03.

No caso de créditos salariais, embora emergentes da cessação de contrato de trabalho, que foram reconhecidos por decisão judicial, aplica-se o prazo geral de prescrição de vinte anos, previsto no artigo 309º do Código Civil.

Prazo que nestes casos estava longe de se esgotar.

Na verdade, o Autor e Recorrente viu os seus créditos laborais reconhecidos por sentença transitada em julgado em 05.01.2017 proferida em processo instaurado em 16.12.2015 – factos provados sob as alíneas A) e B).

E solicitou o pagamento destes créditos em 18.01.2017 – facto provado sob a alínea D) -, ou seja, muitos anos antes de estarem prescritos.

Pelo que se impõe revogar a sentença recorrida e julgar a acção totalmente procedente.

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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

A) Revogam a decisão recorrida.

B) Julgam a acção totalmente procedente e condenam o Réu nos termos peticionados.

Custas em ambas as instâncias pelo Recorrido.

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Porto, 10.03.2023


Rogério Martins
Conceição Silvestre
Luís Migueis Garcia, com a declaração de voto que se segue:


Declaração de voto:
Renovo a declaração de voto que sempre tenho feito em casos semelhantes, nomeadamente nos citados processos nºs 1315/17.4 BEPRT e 92/18.6BEBRG: «Não dissentindo do fundamento de inconstitucionalidade presente no citado Ac. do Tribunal Constitucional, tenho que a sua transposição para o caso não passa por aplicar a norma do art.º 282º, nº 1, da CRP; antes, sem essa intermediação, cabe mesma solução de direito final por desaplicação, e sem repristinação.».
Porto, 10 de Março de 2023.