Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00449/05.2BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/25/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Carlos de Castro Fernandes
Descritores:DIVISIBILIDADE ATO TRIBUTÁRIO; ANULAÇÃO PARCIAL
Sumário:I - O ato tributário, enquanto ato divisível, tanto por natureza como por definição legal, é suscetível de anulação parcial. Assim, se o Juiz identificar que o ato tributário está inquinado de ilegalidade que só parcialmente o invalida, deve anulá-lo apenas na parte correspondente deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o atinja.

II - O critério jurisprudencial para determinar se o ato deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afeta o ato tributário no seu todo, caso em que o ato deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justificará a anulação parcial.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J., e Outra
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – A Representação da Fazenda Pública (Recorrente), veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pela qual se julgou procedente a impugnação que J. e I. deduziram contra a liquidação de IRS do ano de 2000.

No presente recurso, a Recorrente formula as seguintes conclusões:

A. o Meritíssimo juiz a quo julgou procedente a impugnação judicial, sem apreciar em concreto o vício conducente à anulação total do acto tributário, escorado única e exclusivamente, no facto da Fazenda Pública na contestação apresentada ter concluído «(...) que assiste razão aos impugnantes no que se refere a esta matéria, na medida em que face à prova documental apresentada juntamente com a petição inicial se aceita a verba de € 9.975,96 como créditos efectuados na conta suprimentos resultantes de empréstimos efectivos realizados pelo impugnante».
B. A Fazenda Pública, na sua contestação, manifestou-se apenas pela aceitação da verba de € 9.975,96, como crédito efectuado na conta suprimentos resultante de empréstimo efectivo realizado pelo primeiro Impugnante, na sequência da prova documental posteriormente apresentada pelo sujeito passivo, sendo que relativamente às restantes duas verbas (€ 34.915,85 e de € 14.963,94), não tendo sido possível confirmar a sua proveniência, face à total ausência de elementos probatórios idóneos, não se pronunciou pela sua procedência, pois subsistiam os fundamentos que conduziram à sua desconsideração como suprimentos.
C. A douta sentença recorrida, ao julgar procedente a pretensão dos Impugnantes, sem apreciar em concreto o vício invocado, infringiu o regime consignado no art. 124.° do CPPT e, ao dar como verificado o vicio de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto, sem analisar criticamente as provas evidenciadas nos autos que permitiriam inferir que não existe qualquer elemento probatório associe as verbas de € 34.915,85 e de € 14.963,94 (não contempladas no doc. 3 mencionado no ponto 5 da matéria dada como provada) a créditos efectuados na conta suprimentos resultantes de empréstimos efectivamente realizados pelo primeiro Impugnante, violou o disposto no art. 607.° do CPC ex vi art. 2.°, alínea e) do CPPT.
D. Não se podendo excluir que a douta peça decisória procedeu à anulação in totum do acto tributário por acolher a tese da sua indivisibilidade, face ao teor da sua fundamentação, afigura-se-nos que incorreu em incorrecta interpretação e aplicação da lei, infringindo o disposto no artigos 100.° da LGT e 124.° do CPPT.
E. o Meritíssimo juiz a quo, relativamente às verbas de € 34.915,85 e de € 14.963,94, ao dar como verificado o vicio de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto, procedendo à anulação total do acto tributário impugnado, na prática, considerou ilidida aquela presunção, ao amparo do ponto 5 dos factos provados, que, como já vimos, respeita apenas ao montante de € 9.975,96.
F. Decidindo como decidiu, entendemos que o Ilustre julgador, para além de incorrer numa incorrecta interpretação e aplicação dos n.os 4 e 5 do art. 7.° do CIRS, também efectuou uma incorrecta valoração dos factos evidenciados nos autos e, concomitantemente. uma errónea subsunção da matéria considerada como provada às normas que regem as presunções (cfr artigos 73.° da LGT, 349.° e 350.° do CC), e o ónus da prova (cfr. art. 74.° da LGT).
Termina a Recorrente pedindo que seja dado provimento ao presente recurso, substituindo-se a decisão recorrida que julgue a impugnação parcialmente procedente.
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Os Recorridos apresentaram contra-alegações, nelas concluindo que:
A) Não se conformando com o teor da douta sentença proferida em 11.10.2013, o Representante da Fazenda Pública veio interpor recurso jurisdicional daquela decisão para o Tribunal Central Administrativo Norte.
B) Considera a Recorrente que o Tribunal a quo não poderia ter julgado procedente a impugnação judicial, e anulado o acto tributário impugnado, pelo facto de a Fazenda Pública ter admitido assistir razão aos impugnantes no que respeita à verba de € 9.975,96, e que lhe incumbia apreciar, em concreto, o vício conducente à anulação total do acto tributário, já que relativamente às restantes duas verbas (€ 34.915,85 e de € 14.963,94) aquela não se pronunciou pela sua procedência, por considerar subsistirem os fundamentos que conduziram à sua desconsideração como suprimentos.
C) Quanto a estas últimas verbas, considera a Recorrente que incumbia ao tribunal analisar criticamente as provas evidenciadas nos autos e (alegadamente) verificar que as mesmas não respeitavam a empréstimos efetivamente realizados pelo primeiro impugnante.
D) Do exposto, a Recorrente extrai a ilação de que a liquidação não deveria ter sido totalmente anulada, mas antes parcialmente anulada, por admitir a sua divisibilidade.
E) Embora o artigo 100.° da LGT, ao prever a possibilidade de procedência parcial de uma impugnação judicial, admita tal possibilidade, ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer, nem todos os actos tributários de liquidação são divisíveis, exigindo-se, para que tal suceda, que se esteja perante uma decisão susceptível de ser materialmente dividida, o que não acontece no caso em apreço.
F) De acordo com jurisprudência ínsita em Acórdão recente do STA, existem "casos em que a anulação parcial da liquidação não é possível, o que ocorrerá quando "a AT tenha calculado a matéria colectável por métodos presuntivos, supondo uma determinada margem de lucro, e o juiz concluir pela inexistência de razões bastantes para a opção por essa margem de lucro, ficando, por isso, na "dúvida quanto à quantificação efectuada”. Nesta situação, não lhe resta senão anular totalmente a liquidação”, mas também como em casos como o daqueles autos, o qual respeitava a uma liquidação de IRS, em que "a anulação parcial, interferindo com a incidência objectiva (e até subjectiva) dos próprios rendimentos […] e com as taxas aplicáveis (quer por efeito da alteração dos escalões, quer da consequente alteração dos montantes para aplicação do coeficiente conjugal, implique, necessariamente, uma nova liquidação".
G) Naquele aresto, decidiu o STA não pode afirmar-se que "a anulação parcial da liquidação apenas produzirá um efeito constitutivo traduzido na eliminação de determinada matéria colectável e implicando apenas uma pronúncia administrativa meramente declarativa destinada a certificar o montante em que ficou reduzida a liquidação por força da anulação".
H) Tudo se processa em termos semelhantes no presente caso, visto que (tal como na situação retratada no citado aresto do STA) estamos perante uma liquidação de IRS, pelo que, a partir do momento em que o Tribunal considera (como considerou) que determinado rendimento (no caso, os supramencionados € 9.975,96) foi considerado (e qualificado como rendimento) e não devia, a anulação do referido acto de liquidação terá, necessariamente, de ser total.
I) A anulação terá necessariamente de ser total uma vez que, atenta a forma de cálculo do IRS, não basta ao Tribunal desconsiderar aquele rendimento para que, de forma automática, resulte o montante de imposto a pagar pelo sujeito passivo.
J) O IRS é um imposto de taxa progressiva, cujo quantitativo de imposto pressupõe, no seu cálculo, que se proceda a um conjunto de operações administrativas de liquidação, tais como (i) o novo cálculo do valor global do seu rendimento (sendo esse valor relevante para efeitos da determinação a taxa de imposto a aplicar, visto que o IRS é um imposto de taxa progressiva), mediante a subtracção dos referidos € 9.975,96 (incorrectamente considerados pelo acto impugnado), (ii) o apuramento da taxa a aplicar em função do rendimento apurado (recordando, uma vez mais, que a taxa de imposto do IRS é progressiva) e, finalmente, (iii) a aplicação da referida taxa (ao rendimento apurado).
K) Em sintonia com a citada jurisprudência do STA, no caso dos autos, a anulação parcial da liquidação, interferindo com a incidência objectiva rendimentos e ainda com as taxas aplicáveis implica, necessariamente, um novo acto de liquidação (em bloco) tendo em conta esta nova realidade tributária, o qual não pode ser emitido pelo Tribunal, sob pena de a função jurisdicional se imiscuir de forma intolerável na função administrativa, violando o princípio constitucional da separação dos poderes.
L) Pelo exposto, deve, pois, improceder o recurso interposto, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida.

Terminam os Recorridos pedindo que seja julgado improcedente o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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A distinta Procuradora Geral Adjunta junto deste Tribunal elaborou parecer no sentido da procedência do presente recurso (cf. fls. 123 dos autos – paginação do processo em suporte físico).
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Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
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II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância:

1 - O impugnante foi objeto de uma inspeção tributária e que deu lugar a correções em sede IRS e IVA dos anos de 2000, 2001 e 2002, conforme relatório elaborado pelos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de Aveiro e constante do PA a fls. 1 a 8 e que aqui se dão por reproduzidas.
2 - Os fundamentos para as correções ora em discussão são em resumo os seguintes e que aqui se transcrevem:"(...) O Sujeito Passivo “J.", (...) encontrava-se registado no Serviço de Finanças de Espinho (0078), para o exercício da actividade de "comércio de veículos automóveis"(...) iniciou a actividade em 21 de Maio de 1999 para o comércio de automóveis usados adquiridos no mercado nacional e cessou-a em 23/03/00, (...) é administrador das seguintes empresas: (…) T., Lda., (...) A conta de empréstimos de sócios nos exercícios de 2000, 2001 e 2002 apresentavam valores muito elevados: (...) 31-Ago-00 9.975,96 (...) 31-0ut-00 34.915,85 (...) 30-Nov-00 14.963,94 (...) Da análise aos movimentos efetuados a crédito da conta de suprimentos detectaram-se as seguintes situações irregulares, segundo informação enviada. (…) Ano de 2000 (...) Os documentos suporte aos registos contabilísticos na conta empréstimos de sócios são meros talões de depósitos com a menção de "empréstimos à firma feito por J.”.
Os talões de depósito normalmente não têm junto a cópia dos cheques. Nos talões de depósito, quando são entregas de valores, cheques, faz referencia ao banco sacado, ao número da conta e do cheque, desconhece-se no entanto o titular da conta. (…) Da análise a dois talões de depósito que justificam parcialmente o empréstimo do sócio-gerente, constata-se que foram emitidos cheques sobre diversas contas bancárias. (...) Da sua análise constata-se que sobre o mesmo banco, BTA, foram sacados cheques de três contas diferentes o que se afigura anormal, atendendo a que os suprimentos teriam sido realizados pelo sócio-gerente. (...) Em 25/11/03, o sócio gerente prestou, resumidamente, os seguintes esclarecimentos: "Relativamente aos documentos internos, contabilizados na conta 25.511, estes mesmos destinam-se a pagar verbas emprestadas pelo sócio gerente à firma, sem juros;
(...) Relativamente ao documento interno 11020 do diário de bancos, não se tratou de operação comercial, mas sim, de trocas de cheques que habitualmente se fazia, … os cheques da N. vinham devolvidos ... (...) Desta acção, conclui-se face ao exposto que os créditos efectuados na conta suprimentos do sócio-gerente não resultam de empréstimos efectivos do sócio pelo que se presume, face ao exposto no nº 4 do artigo 7º do Código do IRS que se trata, de lucros ou adiantamento de lucros e por isso o crédito contabilístico a favor do sócio não é mais de que um pagamento que em termos fiscais dever ser considerado rendimento enquadrado na Categoria E do IRS para efeitos de tributação. (...) questionámos o contribuinte sobre a realidade dos valores contabilizados sobre a forma de "empréstimos do sócio-gerente à firma"(...) tendo-nos sido afirmado, (...) que relativamente aos suprimentos, estes "não estavam bem”. Acrescentou ainda que já tinha conhecimento dessa irregularidades. (...) Perante isto, o contribuinte procedeu à entrega das declarações de rendimentos modelo 3 de substituição para os exercícios de 2000, 2001 e 2002 de modo a corrigir estas irregularidades detectadas e já no total de 558.109,02. (...) Pagou as respectivas coimas. (...) O valor das correcções referidas aparece evidenciado através da inclusão dos referidos montantes no anexo E Rendimentos de Capital quadro 04, campo - Lucros e adiantamentos por conta de lucros. (...). "
3 - Dá-se aqui por reproduzida a nota de liquidação respeitante ao IRS do ano de 2000 e constante destes autos a fls. 11.
4 - Dão-se aqui por reproduzidos os documentos constantes do PA a fls. 9 e 10.
5 - Dá-se aqui por reproduzido o documento n° 3 apresentado com a petição inicial respeitante a um extrato de movimentos efetuados nas contas da T. e J. e emitido pelo Banco Comercial Português e constante destes autos a fls. 21.
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Na sentença recorrida considerou-se que inexistiam facto não provados e que fossem de interesse para a decisão proferida.
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Relativamente à motivação da decisão da matéria de facto, decidiu-se na sentença recorrida que:
«Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração da matéria de facto dada como assente no teor dos documentos acima identificados e não impugnados.»
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Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do CPC ex vi art.º 211.º do CPPT e tratando-se de prova documental não infirmada, adita-se à matéria de facto o seguinte:
2A – No relatório de inspeção referida no ponto 2, extrai-se que:
“[…]
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

[…]”
- cf. fls. 1 a 8 do PA juntos aos autos.
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III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe aferir das questões suscitadas pela ora Recorrente no presente recurso e delimitadas no seu âmbito pelas respetivas conclusões, traduzindo-se estas, em síntese, em erro na apreciação da matéria de facto, incorreta interpretação e do disposto nos artigos 73.º, 74.º e 100.º da LGT, 349.º e 350.º do CC, 124.º do CPPT e ns.º 4 e 5 do artigo 7.º do CIRS.
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IV – Do direito

Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, na qual se julgou totalmente procedente a impugnação intentada pelos ora Recorridos contra a liquidação do IRS do ano de 2000. A liquidação supra referida resultou de uma ação inspetiva promovida pelos serviços da então DGCI relativa ao IVA do ano de 2000 e IRS dos anos de 2000, 2001 e 2002. Na sequência da referida inspeção foram apurados rendimentos da categoria «E» de IRS na esfera dos Recorridos e relativos ao ano aqui em causa, ou seja, ao ano de 2000.

Passemos, então, a analisar as questões que a ora Recorrente invoca no presente recurso.

Na sentença recorrida e no que se refere ao erro sobre os pressupostos de facto invocado pelos então Impugnantes (aqui Recorridos), considerou-se que:
“[…] Alegam os impugnantes que a liquidação de IRS do ano de 2000, assentou em pressupostos errados, atendendo a que foram englobadas no rendimento sujeito a imposto, quantias que não são rendimentos e portanto não sujeitas a tributação.

A Fazenda Pública na contestação apresentada, concluiu que assiste razão aos impugnantes no que se refere a esta matéria, na medida em que face à prova documental apresentada juntamente com a petição inicial se aceita a verba de € 9.975,96 como créditos efetuados na conta suprimentos resultantes de empréstimos efetivos realizados pelo impugnante […]”. Daqui se retirou a ilação de que, neste ponto, tinham razão os Recorridos (então Impugnantes), subentendendo-se que tal montante não constituiria rendimento.

Prosseguindo-se na sentença recorrida na análise do outro vício invocado pelos então Impugnantes, relativo à falta do exercício do direito de audição, acabou-se naquela julgando que o apontado vício não se verificava.
No final, no dispositivo da sentença apelada, considerou-se a procedente a impugnação, anulando-se a liquidação impugnada (liquidação a que se faz alusão no ponto 3 da matéria de facto).

A questão fulcral neste recurso, prende-se com o alcance do decisório da sentença ora recorrida, atendendo à factualidade provada e ao direito que lhe é de aplicar no que diz respeito à ora controversa questão da divisibilidade do ato tributário. Ora, esta questão não foi expressa ou tacitamente aflorada pela sentença recorrida, tendo esta se limitado a anular a liquidação de IRS aqui em causa, não balizando ou circunscrevendo o alcance de tal anulação, pelo que se terá que se inferir que a mesma foi total.
Porém, é certo que poderemos estar aqui efetivamente perante um erro na apreciação da prova ou até, num simples erro na determinação do alcance do julgado anulatório feito na sentença recorrida, a verdade é que tal nos remete para a questão que já enunciámos relativamente à divisibilidade do ato tributário. Assim, a verdadeira face da primacial questão ora levantada, não se enquadra tando na ponderação dos ónus probatórios que caberiam a cada uma das partes superar ou no respetivo juízo de ponderação da prova feito ou a fazer pelo Julgador.

Assim, a propósito desta questão da divisibilidade do ato tributário relatou-se no acórdão do pleno da secção de contencioso tributário do STA de 10.04.2013, proferido no recurso n.º 0298/12 (in www.dgsi.pt): “[…] A anulação parcial do acto tributário, em si mesma, nada tem de inédito ou de estranho, pois que como ainda recentemente reafirmou este Supremo Tribunal (cfr. Acórdão de 12 de Janeiro de 2012, rec. 965/10), «(…) o acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial. É esta, aliás, a posição consensual da doutrina e da jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, a qual, para além de apelar a essa divisibilidade (Cfr., entre outros, os acórdãos proferidos em 9/07/1997, no processo n.º 5874; em 22/09/1999, no processo n.º 24101; em 16/05/2001, no processo n.º 25532; em 26/03/2003, no processo n.º 1973/02; em 27/09/2005, no processo n.º 287/05; e em 12/01/2011, no processo n.º 583/10.), apela, também, à natureza de plena jurisdição da sentença de anulação parcial do acto, invocando razões ligadas aos princípios processuais da economia processual (para que da sentença ou acórdão do tribunal saia logo uma definição da situação que não careça de qualquer nova pronúncia da administração tributária) e ligadas ao próprio âmbito do contencioso de mera anulação (no qual os limites à plena jurisdição só serão de aceitar em relação àqueles aspectos da acção administrativa em que a plena jurisdição implique para o juiz tributário, enquanto juiz administrativo, a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa) (Cfr. o Prof. Saldanha Sanches, in Fiscalidade, 7/8, Julho-Outubro de 2001, págs. 63 e segs., e o Prof. Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 2ª ed., pág. 397.). Deste modo, se o juiz reconhecer que o acto tributário está inquinado de ilegalidade que só em parte o invalida, deve anulá-lo apenas nessa parte, deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o fira.».
O critério jurisprudencial para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa, pois, por determinar se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado (como nos casos julgados por Acórdãos deste Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, rec. n.º 533/12, de 12 de Janeiro de 2012, rec. n.º 583/12 ou de 26 de Março de 2003, rec. 1973/02) ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial.[…]”.

Deste modo, vertendo e aplicando a referida orientação jurisprudencial que acolhemos à presente situação, podemos concluir que o ato aqui em apreço era efetivamente divisível no que se refere à anulação decretada. Efetivamente, estava aqui em causa o apuramento de rendimentos da categoria «E», no ano aqui em questão, apuraram-se pelos serviços inspetivos da AT várias parcelas referentes a rendimentos e enquadrados na referida categoria. Porém, só uma daquelas parcelas foi considerada indevidamente classificada como rendimento, mais concretamente o valor de € 9 975,96 (estando esta incluída num valor total inicialmente apurado de € 59 855,75 de rendimentos da categoria «E» ano de 2000). Por isso, a ilegalidade reconhecida é corrigível mediante uma simples operação aritmética, quedando-se a execução do julgado pela mera redução da matéria coletável referente à mencionada parcela em questão, o que não envolve qualquer nova subsunção jurídica distinta do decidido (uma vez que inexiste, designadamente, qualquer nova qualificação jurídica de tal parcela como constituindo outro tipo de rendimento). Deste modo, a admitida ilegalidade não contamina o ato no seu todo, não se justificando assim a decretada anulação total do ato de liquidação aqui em causa (vide, entre outros, o acórdão do STA de 08.01.2020, proferido no processo n.º 01568/09.1BELRA, disponível em www.dgsi.pt).

Concluiu-se, assim, que terá que ser dado provimento ao presente recurso, tal implicando a revogação da sentença recorrida e a consequente declaração de provimento parcial da impugnação deduzida, mas apenas na parte em que nesta se concluiu não ser enquadrável como rendimento da categoria «E», no ano de 2000, o montante de € 9 975,96, conforme supra enunciado.
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Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte sumário:

I - O ato tributário, enquanto ato divisível, tanto por natureza como por definição legal, é suscetível de anulação parcial. Assim, se o Juiz identificar que o ato tributário está inquinado de ilegalidade que só parcialmente o invalida, deve anulá-lo apenas na parte correspondente deixando-o subsistir no segmento em que nenhuma ilegalidade o atinja.

II - O critério jurisprudencial para determinar se o ato deve ser total ou parcialmente anulado passa por determinar se a ilegalidade afeta o ato tributário no seu todo, caso em que o ato deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justificará a anulação parcial.
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V – Dispositivo

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e, consequentemente, julgar a impugnação judicial parcialmente procedente.
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Custas pelos Recorridos (por totalmente vencidos).
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Porto, 25 de março de 2021

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Manuel Escudeiro dos Santos
Ana Patrocínio