Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00037/07.9BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/29/2012
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Fernanda Esteves
Descritores:TEMPESTIVIDADE DA IMPUGNAÇÃO
ARTIGO 47º, Nº 6 DO CPTA
INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
PRAZO DO PROCEDIMENTO INSPETIVO
NOTIFICAÇÃO DO RELATÓRIO FINAL DE INSPEÇÃO
Sumário:I. A impugnação judicial apresentada no prazo de um mês a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância por ilegal cumulação de impugnações é tempestiva, nos termos do artigo 47º, nº 6 do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 2º, alínea c) do CPPT
II. O procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início (artigo 36º, nº 2 do RCPIT).
III. A violação de tal prazo tem como consequência a cessação da suspensão do prazo de caducidade, contando-se o prazo de caducidade da liquidação desde o seu início (artigo 46ª, n° 1, da Lei Geral Tributária).
IV. Não ocorre preterição de formalidade legal na notificação do relatório final de inspeção ao contribuinte, se, além de esta se mostrar efectuada na pessoa do técnico de contas, foi também remetida carta registada ao contribuinte e o respetivo aviso de receção foi assinado por este.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J...
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
A Fazenda Pública [Recorrente] interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por João… versando sobre o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2002.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. A impugnação é intempestiva.
2. O prazo para deduzir impugnação judicial é de natureza substantiva, de caducidade e peremptório, e conta-se nos termos do art. 279° do Código Civil.
3. O facto de a impugnação judicial ser deduzida para além do prazo que para o efeito a lei estabelece, implica, fatalmente, a caducidade do direito subjetivo de atacar, por essa via, a liquidação do tributo.
4. Pois se a reclamação graciosa “presume-se indeferida para efeitos de impugnação judicial no dia 9 de Setembro de 2006” e assim é doutamente entendido, a impugnação judicial deveria ser apresentada nos 90 dias seguintes a esta data.
5. E o que veio a acontecer é que a impugnação judicial veio a ser apresentada em 10/01/2007, portanto muito para além do prazo.
6. Ora, a caducidade do direito de impugnar é de conhecimento oficioso e constitui uma exceção peremptória - cfr. art. 493° n°s. 1 e 3 do CPC.
7. Exceção esta que tem por efeito extinguir o direito que se pretende fazer valer.
8. Assim sendo e verificando-se que a interposição da impugnação judicial aconteceu para além do prazo legalmente estabelecido, só pode ter como consequência a caducidade do direito de impugnar judicialmente.
9. Pois, verificada esta em sede liminar, até determinaria o indeferimento liminar da p.i..
10. Não tendo sido determinada em sede liminar, determinará a improcedência do pedido.
11. Quanto à dívida ela respeita a IRS, do ano de 2002, na quantia de € 59.070,08, incluídos os juros compensatórios.
12. Trata-se da liquidação adicional de IRS n.º 5334291675, de 2005.10.07, referente ao ano de 2002, na quantia de € 59.070,08, incluídos os juros compensatórios, com fundamento na errada qualificação destes montantes.
13. A liquidação que lhe está subjacente teve origem em ação de fiscalização levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária.
14. No que concerne à forma de notificação do Relatório Final e do ato de liquidação subsequente temos que:
15. de acordo com o disposto no n.° 1 do art. 38° do RCPIT “As notificações podem efetuar-se pessoa/mente, no local em que o notificado for encontrado, ou por via postal, através de carta registada.”
16. Nos termos do n.° 2 da mesma norma, “No procedimento externo de inspeção a notificação postal só deve efetuar-se em caso de impossibilidade de realização de notificação pessoal.”
17. Determina, por seu turno, o art. 39° al. a) do RCPIT que “(...) em caso de notificação na pessoa de empregado ou colaborador, deve remeter-se carta registada com aviso de receção para o domicílio fiscal do sujeito passivo ou obrigado tributário, dando-se conhecimento do conteúdo da notificação, do dia, da hora e da pessoa em que foi efetuada (...)“.
18. Verifica-se, na situação em apreço, que foram efetuadas diversas diligências tendentes à notificação do Relatório Final na pessoa do sujeito passivo, as quais se mostraram infrutíferas, porquanto:
19. Não foi possível contactar o sujeito passivo no local do estabelecimento, sito no Lugar de Lagar - Vandoma, por, de acordo com declarações dos seus empregados, se encontrar ausente.
20. Verificou-se recusa, por parte dos seus empregados, em assinar qualquer documento, tendo-se estes ausentado, de seguida, do referido estabelecimento (como se extrai dos Autos de Ocorrência de fls. 52 a 54 do PA).
21. Na impossibilidade de notificação do sujeito passivo, foi a notificação do Relatório de Inspeção efetuada, em 2005.07.20, na pessoa do seu colaborador, o Técnico Oficial de Contas (TOC) sr. José Augusto da Silva Guimarães (cfr. certidão e ofício de fls. 55 e 56 do PA).
22. Esta notificação apenas veio a ser conseguida após uma primeira tentativa, junto da sua residência, em resultado da que lhe foi deixada, na caixa do correio, cópia do Auto de Ocorrências ao tempo lavrado (cfr. doc de fls. 57 e 58 do PA).
23. Na data da notificação na pessoa do TOC, 2005.07.20, foi também remetido ao sujeito passivo, via postal e para o seu domicílio fiscal, Lugar de Lagar - Vandoma, o relatório de Inspeção Tributária (ofício n.° 27495, a fls. 59 a 61 do PA), tendo-lhe sido comunicada, em cumprimento do disposto no art. 39° al. a) do RCPIT, a notificação efetuada na pessoa do TOC (cfr. ofício n.° 27771, a fls. 62 a 63 do PA).
24. De todo o exposto se conclui que o Relatório de Inspeção Tributária foi validamente notificado ao sujeito passivo, não se verificando, pois, a alegada preterição de formalidade essencial.
25. Quanto à alegação de que não foi respeitado o prazo de seis meses previsto no n.° 2 do art. 36° do RCPIT sendo, por tal facto ilegal a liquidação impugnada, verifica-se o seguinte:
26. Nos termos do n.° 2 do art. 39° do RCPIT, a notificação para início do procedimento inspetivo efetua-se por carta-aviso, a qual deverá conter os elementos referidos nas alíneas a) e b), devendo, ainda, conter em anexo, de acordo com o n.° 3, os direitos, deveres e garantias dos sujeitos passivos no procedimento inspetivo.
27. O n.° 1 do art. 51° do mesmo diploma determina que da ordem de serviço ou despacho que determinou o procedimento de inspeção, será, no início deste, entregue uma cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário.
28. Das citadas normas resulta claro que o início do procedimento de inspeção, tanto para efeitos da contagem do prazo previsto para a duração do procedimento inspetivo como para efeitos de caducidade do direito à liquidação, se conta desde a data em que o procedimento inspetivo se iniciou efetivamente e não desde a data em que o sujeito passivo foi notificado, através de carta-aviso, de que iria realizar-se uma ação inspetiva sem a indicação da respetiva data.
29. Nos termos do art. 36° do RCPIT, o procedimento de inspeção pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito à liquidação dos tributos “(...) é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu inicio”.
30. A ação inspetiva no decurso da qual se promoveram as correções subjacentes à liquidação impugnada, foi efetuada em cumprimento da Ordem de Serviço n.° OI200400073.
31. Em observância do disposto na al. 1) do n.° 3 do art. 59° da LGT e no art. 49° do RCPIT, foi remetida ao impugnante, pelo ofício n.° 441703 de 19/10/2004, a carta-aviso, na qual se encontra identificado o âmbito, a extensão e o ano a fiscalizar, não se indicando, contudo, qualquer data para o início do procedimento (cfr. fls. 64 e 65 do PA).
32. O procedimento inspetivo iniciou-se, assim, na data em que efetivamente se deu início aos atos de inspeção, ou seja, em 2005.01.20, data em que o sujeito passivo assinou a Ordem de Serviço e que consta da mesma (cfr. fls. 66 do PA), sendo pois, esta a data que terá de ser considerada para efeitos de contagem do prazo de duração do procedimento inspetivo.
33. Os atos de inspeção tributária compreendidos no procedimento de inspeção terminaram na data da assinatura, pelo sujeito passivo, da Nota de Diligência, em 2005.07.06 (cfr, fls. 67 do PA).
34. Quanto ao fim do procedimento inspetivo, o mesmo ocorreu em 2005.07.20, data esta em que foi validamente efetuada a notificação do Relatório Final, na pessoa do Técnico Oficial de Contas do sujeito passivo.
35. Ora, tendo o início do procedimento inspetivo ocorrido em 2005.01.20 e o seu fim em 2005.07.20, conclui-se ter sido cumprido o prazo de seis meses previsto no art. 36° do RCPIT.
36. De salientar que ainda que a duração do procedimento inspetivo tivesse ultrapassado o prazo de seis meses, tal facto não consubstanciaria uma preterição de formalidade essencial suscetível de originar a anulação do ato tributário de liquidação, na medida em que não se está perante mas sim perante um prazo disciplinar, meramente indicativo, cujo incumprimento tem apenas como consequência, para a Administração Tributária, a não suspensão do prazo de caducidade que se encontra prevista no n.° 1 do art. 46° da LGT, contando-se o prazo de caducidade continuamente e sem suspensão, neste sentido o Acórdão 01456/06-2º Juízo de 06.02.2007.
37. Consequência esta que, a verificar-se, não teria, na situação em apreço, qualquer implicação ao nível da caducidade do direito à liquidação, na medida em que o ato tributário, relativo a IRS do ano de 2002, foi emitido e notificado ao impugnante no decurso do ano de 2005 e a caducidade do direito à liquidação ocorreu apenas em 2006.12.31.
38. Portanto, entende a fazenda Pública que não se verifica qualquer violação de lei ou preterição de formalidades essenciais no cumprimento do prazo do procedimento por parte da Administração Fiscal.
39. E, no essencial, a douta sentença incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto, considerando provado um facto que estava documentalmente provado de forma diferente, e ainda em erro de julgamento sobre a matéria de direito, consubstanciado este em errada interpretação e aplicação das normas legais citadas, violando, por isso, o disposto nos art.s 36°, 49° e 51º do RCPIT, 46° e 59° da LGT, e, 659° n.°s 2 e 3 do CPC.
40. Assim, deve julgar-se verificada a exceção peremptória de caducidade, cfr. art. 493°, n.°s 2 e 3, e 496° do CPC.
Sem prescindir,
41. sempre se dirá que a douta sentença ao decidir julgar procedente a presente impugnação contraria frontalmente as normas legais em vigor, designadamente o disposto nos arts 36°, 49° e 51° do RCPIT, 46° e 59° da LGT e 659° nos 2 e 3 do CPC.
O Recorrido apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
1ª - Não se verifica a exceção peremptória de caducidade do direito de deduzir impugnação, porquanto esta foi apresentada em Tribunal ao abrigo de disposição legal que o permite - art. 47°, n°.5 do CPTA, ex-vi do art. 2° do C.P.P.T..
2ª - A notificação do relatório das conclusões do procedimento de Inspeção viola o disposto nos arts.36°, n°.1 e, n°.5 do art. 38°, ambos do C.P.P.T. e, arts.60° e 61°, n°.2 do RCPIT
3ª - o início do procedimento inspetivo verifica-se, nos termos previstos no art. 36°, n°.2 do RCPIT, contando-se o prazo a partir da data da receção da “carta aviso” - art. 49° do RCPIT - até à data em que o contribuinte é notificado do relatório das conclusões - arts.60° e 61°, n°.2 do RCPIT.
4ª - Do cômputo dos prazos previstos nos arts. 49°, 60º e 61°, ambos do RCPIT, verifica - se que a AT, ora Recorrente, não deu cumprimento aos prazos aí previstos, sendo causa de nulidade.
5ª - Também a notificação em pessoa diversa do contribuinte, ou na de pessoa legalmente prevista, é causa de nulidade de notificação.
6ª - A alegada notificação do TOC, do relatório das conclusões, é nula por não ter sido realizada em pessoa jurídica legalmente autorizada.
Assim, a douta decisão recorrida não enferma de qualquer nulidade, contradição, não viola quaisquer disposições legais aplicáveis.
A Exma Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.
Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pela Recorrente e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões [nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º e 684º, nº s 3 e 4 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)] são as de saber se: (i) a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir pela tempestividade da impugnação judicial; (ii) a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir que se verificava a preterição de formalidades essenciais no cumprimento do prazo do procedimento inspetivo e na notificação do relatório final de inspeção.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
2.1.1. A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos [a numeração é da nossa autoria]:
1- A liquidação em crise tem por base correções, no valor de 138.833,45 euros, efetuadas à matéria tributável do impugnante, declarada em relação ao ano de 2002, por recurso a métodos indiretos.
2- Em resultado das referidas correções, foi fixada a matéria tributável de IRS relativamente ao ano de 2002, no valor de 172.932,56 euros.
3- Por ofício de 22 de Outubro de 2004, foi o ora impugnante notificado pela Administração Tributária de que iria ser objeto de exame à sua escrita, relativamente ao ano de 2002.
4- O referido ofício foi rececionado pelo impugnante em 24.10.2004.
5- Em 20.01.2005 a Administração Tributária deu início à ação inspetiva ao ora impugnante.
6- Em 07.07.2005,o impugnante foi notificado do projeto de realização das correções em sede de IRS, relativamente ao ano de 2002.
7- A notificação do Relatório de Inspeção foi efetuada em 20.07.2005, na pessoa do Técnico Oficial de Contas do impugnante.
2.1.2. Aditamento oficioso de matéria de facto provada
Ao abrigo do disposto no artigo 712º, nº 1, alínea a) do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e) do CPPT, adito ao probatório a seguinte matéria de facto:

8- Por carta registada com aviso de receção, datada de 21.07.2005, foi comunicado ao impugnante, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 39º, alínea a) do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, de que havia sido notificado na pessoa do seu colaborador, José Augusto da Silva Guimarães, do relatório de inspeção tributária, bem como das notas de fixação de IRS e IVA, referente ao ano de 2002, juntando em anexo, cópia dos referidos documentos, bem como da notificação efetuada - cfr. processo administrativo apenso (fls. não numeradas).
9- O aviso de receção relativo à carta referida em 8) foi assinado pelo impugnante em 25.07.2005.
10-Por carta registada com aviso de receção, datada de 20.07.2005, foi remetido ao impugnante, nos termos do disposto no artigo 77º da LGT e artigo 61º do RCPIT, o relatório final de inspeção tributária relativo ao ano de 2002 e as notas de fixação dos rendimentos e do imposto em falta de IRS e IVA, respetivamente. - cfr. processo administrativo apenso (fls. não numeradas).
11- O aviso de receção relativo à carta referida em 10) foi assinado pelo impugnante em 25.07.2005.
12- Em 28.11.2006, o impugnante deduziu impugnação judicial contra as liquidações de IRS e IVA, a qual veio a ser indeferida liminarmente por cumulação ilegal de impugnações e absolvida a Fazenda Pública da instância por decisão de 11.12.2006 - cfr. fls. 75 dos autos.
2.2. O direito
2.2.1. A primeira questão que importa apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao decidir pela tempestividade da impugnação judicial e, consequentemente, pela improcedência da exceção da caducidade do direito de impugnar.
Vejamos.
O artigo 102º, nº 1, alínea d) do CPPT, estipula que a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir da formação da presunção do indeferimento tácito. Tal prazo é de natureza substantiva, contínuo e contado de acordo com as regras do artigo 279º do CC [artigo 20º, nº 1 do CPPT]. Assim, tal prazo corre continuamente, sem qualquer interrupção ou suspensão, não se incluindo na contagem do prazo o dia em que ocorrer o evento a partir do qual aquele começa a correr e se o prazo de impugnação terminar em domingo ou dia feriado ou em férias judiciais, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil subsequente.
No caso dos autos, o impugnante apresentou uma reclamação graciosa contra a liquidação impugnada em 9/3/2006, pelo que, não tendo existido qualquer decisão sobre a mesma, presume-se que a mesma foi tacitamente indeferida decorridos seis meses sobre a data da sua interposição, ou seja, em 9/9/2006 [artigo 57º, nº 5 da LGT]. Considerando que a reclamação se considera tacitamente indeferida em 9/9/2006, o prazo de 90 dias para impugnar [artigo 102º, nº 1, alínea d) do CPPT] começou a contar-se no dia 10/9/2006, pelo que a impugnação judicial apresentada em 10/1/2007 seria extemporânea por, nessa data, já se encontrar expirado o prazo de impugnar.
Assim, em princípio, teria razão a Fazenda Pública quando sustenta que se verifica a exceção da caducidade do direito de impugnar.
Porém, e embora não venha feita qualquer referência na sentença recorrida a este propósito, dos elementos juntos aos autos resulta que o impugnante deduziu impugnação judicial (conjunta) contra as liquidações adicionais de IRS [em causa nestes autos] e de IVA, em 28/11/2006 e que, por sentença datada de 11/12/2006, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou tal cumulação de impugnações ilegal face ao disposto no artigo 104º do CPPT e, consequentemente, indeferiu liminarmente a impugnação e absolveu a Fazenda Pública da instância.
Ora, nos termos do artigo 47º, nº 6 do CPTA [aplicável por força do disposto no artigo 2º, alínea c) do CPPT] “no caso de absolvição da instância por ilegal cumulação de impugnações, podem ser apresentadas novas petições, no prazo de um mês a contar do trânsito em julgado, considerando-se estas apresentadas na data da entrada da primeira para efeitos da tempestividade da sua apresentação.”
No presente caso, tendo a absolvição da instância por ilegal cumulação de impugnações sido decidida por sentença proferida em 11/12/2006, é manifesto que a impugnação judicial deduzida em 10/1/2007, foi apresentada no prazo de um mês previsto no citado artigo 47º, nº 6 do CPTA, sendo, por isso, tempestiva.
Conclui-se, assim, com a presente fundamentação, pela não verificação da exceção da caducidade do direito de impugnar.
2.2.2. A segunda questão suscitada pela Recorrente é a de saber se a sentença recorrida que decidiu pela verificação de preterição de formalidades essenciais no cumprimento do prazo do procedimento inspetivo e na notificação do relatório de inspeção incorreu em erro de julgamento.
É sabido que o procedimento de inspeção é distinto do procedimento de liquidação, tendo aquele um carácter meramente preparatório ou acessório dos atos tributários ou em matéria tributária, “sem prejuízo do direito do direito de impugnação das medidas cautelares adotadas ou de quaisquer outros atos, nos termos da lei” [cfr. artigo 11º do RCPIT, na redação dada pela Lei nº 50/2005, de 30/8].
Deste caráter preparatório ou acessório atribuído ao procedimento tributário resulta que, em regra, as ilegalidades que venham a ser cometidas em tal procedimento repercutem-se no ato de liquidação que vier a ser emitido pela administração tributária.
Assim, para além dos atos que possam ser imediatamente impugnáveis conforme previsto no artigo 11º, in fine do RCPIT, em regra, as ilegalidades cometidas no procedimento de inspeção, uma vez que se projetam na liquidação, podem inquinar de ilegalidade tal liquidação e originar a sua anulação, devendo, pois, ser questionadas na impugnação que venha a ser deduzida contra tal ato de liquidação.
2.2.2.1. Relativamente ao incumprimento do prazo do procedimento inspetivo, escreveu-se na sentença recorrida: “(…) Ora, nos termos do nº 2 do art.36º do RCPIT, o Procedimento de Inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início. O referido prazo de seis meses esgotou-se em 29.04.2005. A conclusão dos actos de Inspecção dá-se na data da notificação da nota de diligência - art. 61º, nº 1 e 3 do RCPIT. A conclusão só vem a efectivar-se em 02.08.2005, quando é redigido o Relatório de Inspecção e se dá início à notificação das conclusões ao impugnante. O cumprimento do prazo do procedimento inspectivo, é um prazo de caducidade que não se interrompe”, concluindo que “o acto tributário encontra-se ferido dos vícios de forma e violação de lei, o que acarreta a sua anulação”.
A Recorrente insurge-se contra este entendimento, sustentando que, ainda que não tivesse sido cumprido o prazo de seis meses para a conclusão do procedimento inspetivo, tal facto não consubstanciaria uma preterição de formalidade essencial suscetível de originar a anulação do ato tributário de liquidação, por não estarmos perante um prazo peremptório mas sim perante um prazo disciplinador.
Adiante-se, desde já, que a Recorrente tem razão.
Na petição inicial, o impugnante (Recorrido) começa por sustentar a caducidade da inspeção, por ter sido excedido o prazo para a sua conclusão.
Nos termos do artigo 36º, nº 2 do RCPIT, o procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início.
Porém, como refere a Recorrente, ainda que o procedimento de inspeção não tivesse sido concluído no prazo de seis meses conforme previsto no artigo 36º, nº 2 do RCPIT, a consequência, em princípio, não poderia ser, contrariamente ao referido na sentença recorrida, a anulação do ato de liquidação que foi emitido na sequência de tal procedimento.
Com efeito, a resposta à questão de saber qual a consequência para a violação de tal prazo é dada pelo artigo 46º, nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT), segundo o qual “O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação.”
Assim, a consequência para a violação do prazo de seis meses previsto no artigo 36º, nº 2 do RCPIT é apenas a da cessação do efeito suspensivo da inspeção, ou seja, a suspensão do prazo de caducidade por força do procedimento de inspeção cessa, contando-se tal prazo desde o seu início - neste sentido, acórdãos do STA de 9/11/2006, Processo 695/06, de 27/2/2008, Processo 0955/07 e de 4/6/2008, Processo 0103/08 e acórdão do TCAN de 24/1/2008, Processo 00040/03.
E da contagem de tal prazo de caducidade é que poderá resultar a ilegalidade da liquidação, nomeadamente se o prazo de caducidade for excedido, nos termos previstos no artigo 45º da LGT.
Como se afirma no citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29/11/2006, Processo 695/06: ”É esta a consequência. E mais nenhuma. O legislador pretende que o prazo de inspeção não seja ultrapassado. E, se for ultrapassado, há uma consequência para a administração fiscal. Tudo se passa como se não tivesse sido feita a inspeção correndo o prazo de caducidade continuamente e sem qualquer suspensão. É esta para nós a interpretação dos textos legais e não outra. Demais que o diploma que aprova o RCPIT (DL nº 413/98, de 31/12) vem dizer-nos que a natureza de tal diploma “é essencialmente regulamentadora”, o que naturalmente concede primazia à LGT, que é uma lei de valor reforçado. É pois a esta luz que se há - de interpretar o citado artº 36º do RCPIT, compaginado com o já referido artº 46º, 1, da LGT.
Não pode, pois, manter-se a sentença recorrida que concluiu pela verificação de preterição de formalidade legal e pela consequente anulação do ato de liquidação com este fundamento.
2.2.2.2.Resta apreciar a questão de saber se ocorreu (ou não) preterição de formalidades legais quanto à notificação do relatório de inspeção ao impugnante.
A este propósito, o Tribunal a quo considerou que o impugnante não foi notificado do conteúdo do relatório de inspeção, uma vez que a administração tributária procedeu à sua notificação em pessoa diferente (“o gabinete de contabilidade que tem a seu cargo a elaboração da contabilidade do impugnante”) e que “a irregularidade da notificação equivale à sua falta, a qual constitui a nulidade prevista nos artigos 194º, alínea a) e 198º, por verificação dos pressupostos consignados nas alíneas a), b) e e) do art. 195º, ambos do C.P.C” e, por outro lado, que “o artigo 36º do CPPT estabelece que os atos em matéria tributária que afetem direitos e interesses legítimos do sujeito passivo, só produzem os seus efeitos quando se verifique a validade da notificação.”
Se bem compreendemos, a sentença recorrida concluiu pela irregularidade da notificação do relatório de inspeção ao impugnante por ter sido notificado na pessoa de terceiro e, assim, não terem sido respeitadas as normas dos artigos 195º, alíneas a), b) e c) do CPC e 36º, nº 1 do CPPT.
Com o devido respeito, não podemos concordar com tal entendimento.
No caso das notificações efetuadas no âmbito de procedimentos de fiscalização rege o disposto nos artigos 37º a 43º, 60º e 62º, nº 2, todos do RCPIT.
Segundo o disposto no artigo 38º do RCPIT, as notificações podem efetuar-se pessoalmente, no local em que o notificando for encontrado, ou por via postal através de carta registada (nº1) e no procedimento externo de inspeção a notificação postal só deve efetuar-se em caso de impossibilidade de realização de notificação pessoal (nº 2).
E, ainda, de acordo com o disposto no artigo 39º do RCPIT a notificação de pessoas singulares obedece ao disposto no Código de Procedimento e de Processo Tributário, com as seguintes adaptações: a) em caso de notificação na pessoa de empregado ou colaborador, deve remeter-se carta registada com aviso de receção para o domicílio fiscal do sujeito passivo ou obrigado tributário, dando-lhe conhecimento do conteúdo da notificação, do dia, da hora e da pessoa em que foi efetuada
Por seu turno, a propósito da notificação do relatório final, preceitua o artigo 62º, nº 2 do RCPIT que o relatório final de inspeção deve ser notificado ao contribuinte por carta registada.
Da matéria de facto apurada nos autos resulta que: (i) em 20/7/2005, foi entregue o relatório final de inspeção ao técnico de contas do impugnante [cfr. certidão junta ao processo administrativo a fls. 55]; (ii) em 21/7/2005, foi remetida ao impugnante uma carta registada com aviso de receção, a comunicar-lhe a notificação efetuada na pessoa do técnico de contas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 39º do RCPIT, cujo aviso de receção foi assinado pelo impugnante em 25/7/2005 [cfr. processo administrativo apenso]; (iii) em 20/7/2005, foi ainda remetida outra carta registada com aviso de receção ao impugnante com o relatório final de inspeção nos termos do artigo 77º da LGT e artigo 61º do RCPIT, cujo aviso de receção se encontra assinado pelo impugnante em 25/7/2005 [cfr. processo administrativo apenso].
Esta factualidade demonstra que o relatório final de inspeção não foi apenas notificado na pessoa do técnico de contas [devidamente comunicada ao impugnante nos termos do artigo 39º do RCPIT], como também foi notificado ao próprio impugnante através de carta registada com aviso de receção, recebida por este, sendo que este último facto não foi sequer equacionado pelo Tribunal a quo.
A administração tributária cumpriu, assim, na notificação do relatório final de inspeção ao impugnante, não só as formalidades previstas no artigo 61º, nº 2, como ainda as impostas pelo artigo 39º, alínea a), ambos do RCPIT.
Em suma, não se vislumbrando a preterição de qualquer formalidade legal por parte da administração tributária na notificação do relatório final de inspeção ao impugnante, não pode manter-se a sentença recorrida que assim não entendeu.
Procedem, pois, as conclusões de recurso.
3.Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em:
a) Conceder provimento ao recurso;
b) Revogar a decisão recorrida;
c) Julgar improcedente a impugnação.
Custas pelo Recorrido, nesta e na primeira instância.
Porto, 29 de Março de 2012
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Álvaro Dantas
Ass. Anabela Russo