Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00459/08.8BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/26/2017
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Cristina Travassos Bento
Descritores:FACTURAÇÃO FALSA. PROVA.
Sumário:1. Quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, compete-lhe provar a existência de indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.
2. Feita esta prova indiciária, recai sobre o sujeito passivo o ónus de provar a veracidade/materialidade da operação.
3. A prova a cargo da AT não em que ser uma prova directa da falsidade da facturação, podendo recorrer-se à prova indirecta.
4. Podendo lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios.
5. A verificação de um vício de forma no procedimento de reclamação não pode projectar efeitos invalidantes sobre o acto tributário de liquidação que o antecede*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Construções..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

Construções…, Lda, com o NIPC 5…, melhor identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou totalmente improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares relativa ao exercício de 2002.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:


“1.- A recorrente não foi notificada em sede de reclamação graciosa para exercer o direito de audição.

2.- A recorrente havia constituído mandatário, pelo que as notificações teriam de ser obrigatoriamente feitas na pessoa deste.

3.- A recorrente havia requerido a produção de prova através dos rácios, tendo demonstrado o exagero da tributação, violando-se o princípio da capacidade contributiva e da igualdade perante a lei.

4.- A douta sentença não se pronunciou sobre os rácios nem sobre o alegado exagero da tributação, o que conduz à nulidade da douta sentença.

5.- Há contradição entre os factos provados e a douta decisão proferida, pois tendo sido provados os factos constantes dos n.ºs 56º e 70º a 83º dos factos provados, é porque os custos eram necessários.

6.- A douta sentença viola, entre o mais, o disposto nos art.ºs 40º CPPT e 668º CPC.

TERMOS EM QUE, REVOGANDO E/OU ANULANDO A DOUTA DECISÃO SE FARÁ JUSTIÇA”


A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

A M Juiz a quo elaborou despacho onde se pronunciou sobre as nulidades suscitadas.

Após a subida dos autos a este Tribunal Central Administrativo Norte, foram os autos com vista à Exma Procuradora-Geral Adjunta, que emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais junto dos Exmos. Juízes-Adjuntos, vem o processo à Conferência para julgamento.

I.1 Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas conclusões das alegações de recurso - artigos 635º, nº4 e 639º CPC, ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT - são saber se a sentença, (i) é nula por omissão de pronúncia (ii) é nula por oposição entre os fundamentos e a decisão (iii) incorreu em erro de julgamento ao julgar notificada a impugnante para o exercício do direito de audição na reclamação graciosa (iv) incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente a impugnação.

II. Fundamentação

II.1 Dos Factos

II.1.1 No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:

A- Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa:
1º - A sociedade impugnante foi objecto de uma acção inspectiva externa levada a cabo pelos serviços de inspecção tributária
2º - Essa acção inspectiva foi desencadeada a coberto das ordens de serviço n.º OI200401193 e n.º OI200401194
3º - Esta acção inspectiva decorreu entre 24 de Janeiro e 17 de Março de 2005
4º - Teve a sua incidência temporal limitada ao IVA e ao IRS dos exercícios de 2001 e 2002.
5º - Aquela ordem de serviço teve como procedência uma inspecção efectuada à sociedade J… Unipessoal, Lda, pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Braga.
6º - Essa acção inspectiva concluiu que aquela sociedade J... Unipessoal, Lda, seria um dos intervenientes num esquema que visava defraudar os cofres do Estado pela não entrega do IVA que ele liquidava e que depois era deduzido pelos utilizadores das facturas que emita, nas quais o IVA aparecia liquidado.
7º - A sociedade impugnante tinha a sua sede no Lugar de Lameirões em Penafiel
8º - A sociedade impugnante iniciou a sua actividade em 26 de Julho de 2001.
9º - Dedicava-se à actividade de construção civil e engenharia civil cm o CAE 45212.
10º - O sujeito passivo já exercia a actividade em nome individual até à data em que a sociedade iniciou a sua actividade.
11º - O património individual foi transferido para o património da empresa.
12º - A sociedade impugnante apresentou as declarações de rendimentos do exercício de 2001 e as declarações periódicas relativas ao IVA do mesmo exercício.
13º - Estava enquadrara para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral.
14º - A sociedade impugnante estava enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC.
15º - A sua contabilidade estava centralizada num gabinete de contabilidade.
16º - Foi nesse local que se procedeu à acção inspectiva
17º - A contabilidade estava devidamente organizada.
18º - A acção inspectiva incidiu na análise dos documentos comprovativos das operações comerciais relacionadas com o fornecedor J... Unipessoal, Lda.
19º - Os Serviços de inspecção tributária verificaram que as facturas constantes da relação enviada pela Direcção de Finanças de Braga estavam relevadas nas contas subcontratados e IVA dedutível.
20º - Assim, tinha sido deduzido o IVA e considerado o mesmo como custo do exercício.
21º - os pagamentos das facturas foram relevados na conta 11 – caixa pois, foram todos efectuados em numerário.
22º - Os Serviços de Inspecção Tributária examinaram a conta da empresa no BPI com o n.º 2…e constataram que dela não foram levantadas ou transferidas quantias monetárias suficientes para o pagamento das facturas.
23º - Da conta depósitos à ordem foram emitidos cheques que entraram na conta caixa pelo valor global, mas não foi possível fazer a correspondência com os custos que tinham sido contabilizados.
24º - Algumas facturas que tinham sido contabilizadas, foram emitidas com data anterior à do início da actividade.
25º - Assim, no exercício de 2001, a sociedade impugnante contabilizou várias facturas da sociedade J... Unipessoal, Lda, no valor global de 190.166,70 euros.
26º - Nelas foi deduzido o IVA no valor de 32.328,62 euros.
27º - No exercício de 2002 a sociedade impugnante contabilizou facturas da mesma sociedade no valor global de 321.180,08 euros.
28º - Nelas foi deduzido o IVA no valor de 56.429,55 euros.
29º - A sociedade J... Unipessoal, Lda, nunca procedeu à entrega da declaração de rendimentos modelo 22 para efeitos do IRC.
30º - A mesma sociedade também nunca enviou as declarações periódicas de IVA.
31º - Bem como as declarações anuais.
32º - A sede declarada desta empresa correspondia a uma habitação em estado de abandono onde não residia ninguém há pelo menos dois anos.
33º - O seu representante legal era conhecido em Fafe pela alcunha de “o facturas” por estar associado à venda de facturas falsas e por andar sempre com um livro de facturas de baixo de braço.
34º - Apresentou as declarações para a Segurança Social de Janeiro a Abril de 2002 onde declarou remunerações a três trabalhadores.
35.- A referida sociedade foi constituída em 6 de Novembro de 2001.
36º - De Junho de 2001 a Novembro de 2003 foram impressas em sue nome 1650 facturas.
37º - A citada sociedade unipessoal requisitou três livros de facturas no total de 450 facturas antes de ter sido constituída e ter iniciado a sua actividade.
38º - A referida sociedade unipessoal não tinha uma estrutura empresarial, material e humana que lhe permitisse efectuar as obras contabilizadas pela sociedade impugnante.
39.-As facturas tinham sido emitidas em diversas tipografias sem observância de qualquer ordem numérica havendo mesmo casos de duplicação.
40º - Em contacto telefónico, o representante legal assumiu a falsidade da parte das facturas.
41º - Era conhecida como sua actividade a venda de automóveis.
42º - Bem como um trabalho ocasional num restaurante.
43º - O J... nunca tinha trabalhado na indústria da construção civil.
44º - A inspecção tributária apurou que a sociedade J... Unipessoal, Lda, emitiu facturas no valor de 11.668.465,21 euros.
45º - Foram emitidas facturas com datas anteriores à da constituição da sociedade.
46º - Alguns dos contribuintes que utilizaram as facturas que ele vendia regularizaram a sua situação perante a administração fiscal.
47º - O valor global das facturas contabilizadas no exercício de 2001 era de 222.495,02 euros, com IVA.
48º - No exercício de 2002 o valor das facturas atingiu os 377.609,63 euros.
49º - Todas as facturas foram contabilizadas como custos dos exercícios de 2001 e 2002 e influenciaram o resultado apurados para efeitos de IRC.
50º - O respectivo valor de IVA foi deduzido nas declarações periódicas de 2001 e 2002 e diminui o imposto a pagar.
51º - Aquele J... emitente das facturas que foram contabilizadas nunca tinha exercido a actividade.
52º - O valor das facturas teria sido alegadamente pago em numerário.
53º - Os serviços de inspecção tributária concluíram que as facturas emitidas por aquela sociedade J... Unipessoal, Lda, em fictícias pois não correspondiam a serviços que tivessem sido efectivamente prestados.
54º - Aquela não tinha capacidade para proceder à facturação emitida em seu nome.
55º - A sociedade impugnante não apresentou à inspecção tributária os meios de pagamento que utilizou.
56º - Todos os pagamentos foram efectuados em numerário.
57º - A administração tributária procedeu a correcções meramente técnicas em sede de IRC e IVA uma vez que as facturas que considerou falsas não constituem custos fiscais e o IVA constante das mesmas facturas não era passível de ser deduzido pois elas não tinham subjacentes operações reais.
58º - As correcções ao lucro tributável foram fixadas no valor de 190.166,70 euros e 131.013,38 euros em sede de IRC para os exercícios de 2001 e 2002.
59º - O IVA liquidado nas facturas nos montantes de 32.328,62 euros em 2001 e 24.101,23 euros em 2002 foi corrigido no respectivo valor.
60º - A sociedade impugnante não comprovou a movimentação bancária de fundos financeiros necessários ao pagamento do valor das facturas.
61º - As liquidações impugnadas foram efectuadas por a AF não ter sido aceite o IVA mencionado nas facturas uma vez que se tratavam de operações simuladas.
62º - Do mesmo modo se procedeu em relação à correcção da matéria tributável com incidência em IRC.
63º - A sociedade impugnante apresentou reclamação graciosa em 13 de Setembro de 2005, alegando ilegalidade da liquidação e solicitando a sua anulação e o pagamento de juros indemnizatórios – cfr. doc. de fls. 50 a 55 do P.A. apenso aos autos.
64º - Em 19.09.2006 foi a reclamação indeferida, tendo a recorrente, ora impugnante sido notificada em 25.09.2006 o teor do despacho através do oficio n.º 85741 de 20.09.2006 da Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do Porto – cfr. docs. de fls. 123, 124, 125 e 126 do P.A. apenso aos autos.
65º - Em 22/08/2006 o reclamante foi notificado por carta registada, através do ofício n.º77635/0403 do teor do projecto de despacho proferido em 21.08.2006 e, para exercer, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, o direito de audição previsto no art.º 60º da LGT – cfr. doc. de fls. 74 e 123 do P.A., apenso aos autos.
66º - A notificação foi feita para a sede da impugnante – cfr. doc. de fls. 74 e 75 do P.A., apenso aos autos.
67º - Direito que não exerceu.
68º - Em 06.10.2006 apresentou na Direcção de Finanças do Porto Recurso Hierárquico do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, tendo sido mantida a decisão de indeferimento da Reclamação – cfr. docs. de fls. 20 a 44 da P.A., apenso aos autos.
69º - A impugnante foi notificada do indeferimento do Recurso Hierárquico em 19.05.2008 através do ofício n.º 36334 de 12.05.2008 da Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do Porto – cfr. docs. de fls. 45, 46 e 47 do P.A., apenso aos autos.
70º - Em 10.07.2008 apresentou no Serviço de Finanças de Penafiel a presente impugnação judicial.
71º - No ano de 2001 a sociedade impugnante tinha cerca 15 de trabalhadores – cfr. depoimento de A... que trabalhou para a impugnante desde 1997 até Junho de 2008 e, é sogro do dono da sociedade impugnante.
72º - Como não conseguiam dar satisfação a todo o trabalho recorriam a subempreitada – cfr. depoimento de A….
73º - Recorria a um senhor que era conhecido por Senhor F... – cfr. depoimento de A....
74º - Nas obras andava um encarregado seu, chamado João – cfr. depoimento de A....
75º - A sociedade impugnante dedicava-se em especial a calcetamento e assentamento de lajetas, preparação de terreno para se assentar cubos – cfr. depoimentos de A....
76º - Essa empresa tinha pessoal para assentar o lajeamento e preparação de terreno para assentar os cubos – cfr. depoimento de A....
77º - O pessoal era pago ao fim de semana – cfr. depoimento de A....
78º - Exercia as funções de encarregado da obra da sociedade impugnante – cfr. depoimento de A....
79º - No fim do mês eram entregues as facturas, onde vinham mencionadas as obras e os serviços prestados – cfr. depoimento de A....
80º - O encarregado deles, o Sr.º João controlava diariamente consigo quem estava ao trabalho e as horas que tinham trabalhado – cfr. depoimento de A....
81º - o Sr. F... trazia nas obras da ora impugnante entre 15 a 20 homens semanais – cfr. depoimento de A....
82º - O transporte era com a firma dele – cfr. depoimento de A....
83º - No ano de 2001 foi o único subempreiteiro que trabalhou para a sociedade impugnante – cfr. depoimento de A....
84º - A sociedade impugnante não conseguia sozinha, sem recorrer a subempreiteiros, ter capacidade de resposta para cumprir os trabalhos em tempo – cfr. depoimento de António…, pedreiro, que trabalhou para a sociedade impugnante entre o ano de 2000 e 2003 e, é tio do Sr.º S….

B- Factos não provados com relevância para a decisão da causa.

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.”

II.1.2 Ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2º, alínea e), e 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), acorda-se em aditar o ponto 85º à matéria dada como provada, em face do documento existentes no processo administrativo em apenso aos presentes autos, nos termos que se seguem:

“85º- Em 11.08.2005, a agora impugnante emitiu procuração a mandatário ali identificado, encontrando-se a procuração junta à petição de reclamação graciosa – cfr. fls 56 do processo administrativo em apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.”

II.2. Do Direito

II.2.1 Das Nulidades da sentença

Insurge-se a Recorrente contra a sentença alegando que esta incorreu em omissão de pronúncia, pois não se pronunciou sobre os rácios nem sobre o alegado exagero da tributação, e que os fundamentos se encontram em contradição com a decisão proferida, o que conduz à sua nulidade (Conclusões 4 e 5).
A M Juiz sustentou a sua decisão.
Sublinhe-se que, relativamente à nulidade da sentença por omissão e pronúncia, estipula o artigo 125º nº 1 do CPPT, “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer“.
Comando legal idêntico se encontra no artigo art. 668º alínea d), actual 615º, o CPC, em obediência ao fixado nº 2 do art. 660º, actual 608º, do CPC, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…).”
Existirá, assim, omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão, isto é, um problema concreto que haja sido chamado a resolver, (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada em face da solução dada ao litígio.
Consequentemente, a suscitada nulidade só ocorrerá nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” in Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363.
A este propósito, importa recordar Alberto dos Reis, segundo o qual “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção”, in Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, anotado, Volume V, pág. 143.
E ainda neste sentido, entre muitos outros, veja-se o Acórdão do STA de 12.02.2015 proferido no processo nº01200/12, cujo Sumário se transcreve: “Haverá omissão de pronúncia, susceptível de demandar a nulidade de sentença (artsº 125º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 615º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil) sempre que o tribunal não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras, nomeadamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento.”
Como também se afirmou no acórdão deste TCANorte de 15.09.2016 proferido no processo 00277/11.6BEVIS …”A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se, assim no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 660.º, n.º 2 do CPC (actual artigo 608.º, n.º 2), que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14). (destacado nosso).

Já quanto à nulidade de sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão, encontra-se a mesma prevista no artigo 668, actual 615º, nº 1 alínea c) do CPC.
Como é jurisprudência pacífica e reiterada.....esta nulidade ocorre quando a construção da sentença é viciosa, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto. Isto é, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma solução oposta à que logicamente deveria ter extraído, melius, a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.
Sublinha-se, pois, que a contradição relevante em termos de nulidade é a havida entre a decisão e os fundamentos usados na sentença, não entre esta e o arrazoado constante do processo, cuja discrepância é susceptível de configurar, antes, erro de julgamento (a respeito, vide Ac STA/Pleno de 17.03.92 Rº17.017, e Ac STA de 13.02.2002 Rº47203).
O que distingue esta invocada nulidade do erro de julgamento é que ela é um vício formal, ostensivo, detectável com relativa facilidade pelo próprio julgador, de tal forma que pode ser ele mesmo a supri-la (ver artigo 668º nº4 na versão aqui aplicável).
Por sua vez, o erro de julgamento tem a ver com a interpretação e aplicação das normas legais convocadas, traduzindo-se numa possível, mas eventualmente errada, subsunção dos respectivos factos ao direito. Por isso mesmo, esgotado que está o poder jurisdicional do tribunal a quo (666º nº1CPC), este erro de julgamento apenas poderá ser remediado pelo tribunal ad quem, em sede de recurso jurisdicional…. – nestes precisos termos veja-se o acórdão desta Secção, proferido em 18.12.2014, no processo 00651/05.7BEBRG.

Feito o enquadramento legal e jurisprudencial das nulidades invocadas, e regressando ao caso que nos ocupa, sublinhe-se que todas as questões suscitadas nestes autos foram já objecto do mui recente acórdão desta Sessão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.10.2017, proferido no processo 396/09.9BEPNF (1), onde as partes, questões, factos e conclusões de recurso são idênticos, (com excepção da questão relativa à violação do direito de audição em sede de reclamação graciosa, que posteriormente também será analisada), sendo que nos presentes autos se encontra em discussão o IRC do exercício de 2002 e naqueles autos se discutiu o IVA também de 2002.
Assim, por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CC), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no acórdão desta Sessão, proferido naquele processo 396/09.9 BEPNF.
Não ocorrendo justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos, passaremos a transcrever, a fundamentação de tal aresto, aderindo a todo o seu discurso fundamentador com as adaptações indispensáveis à situação jurídica em análise….“Lendo a douta petição inicial, verificamos que a Impugnante contestou a liquidação adicional de IVA [IRC] relativa 2002 com base em três linhas de argumentação: que os serviços prestados por J... Unipessoal são verdadeiros, reais e que não era possível à impugnante prestar os serviços que prestou, nem obter o volume de negócios que obteve, se não recorresse a sub empreitadas, neste caso, prestadas por J... Unipessoal. Além disso, torna-se de todo impossível auferir com o volume de negócios de € 337.978,69 os lucros fixados à impugnante. Por fim, requereu a junção aos autos dos rácios de rendibilidade fiscal (alínea b) do pedido probatório) e “dos rácios existentes na D.G.C.I. relativamente ao sector da construção civil” (alínea D) do pedido probatório).
A junção dos rácios foi ordenada (fls. 75) [fls. 27] e cumprida (fls. 86 e 87, 111 a 114) [29 a 31].
A sentença, contudo, não retirou desta junção qualquer consequência, factual ou jurídica, parecendo ignorar que a sua integração nos autos resultou de pronúncia sua sobre o pedido.

É certo que a impugnante parece querer demonstrar ter havido excesso no apuramento da matéria tributável (pese embora não tenha sido sujeita a avaliação indireta), sem que alegue quaisquer factos de onde se possa retirar ter havido qualquer excesso, limitando-se a referir, no essencial, que “não é possível à impugnante obter o lucro apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária” (art.º 22º da pi) e que “torna-se de todo impossível auferir com estes montantes os lucros que foram fixados à impugnante” (art. 24º da pi).
Embora esta alegação seja manifestamente insuficiente para a demonstração de que houve excesso de quantificação, parece-nos claro que o pedido de junção dos “rácios” de rendibilidade e do sector visavam tal desmonstração, pelo que o tribunal “a quo” deveria ter apreciado a questão fosse para a julgar insuficiente para os fins visados (causa de pedir insuficiente), ou inadequada face ao modo de avaliação em causa (avaliação directa), precisamente porque recai sobre o juiz o dever de pronúncia sobre todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (art. 608º/2 CPC "ex vi" do art. 2º/e) do CPPT).
Não o fazendo sem qualquer justificação, estamos em presença de uma nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art.º 615º/1-d) CPC e 124º do CPPT).

Mas decidindo em substituição nesta instância, ao abrigo do disposto no 665º/1 do CPC, devemos reconhecer que não só não foram alegados factos relevantes para demonstrar o excesso de quantificação, como tal alegação está prevista no n.º 3 do art.º 74º da LGT (2) para a avaliação indireta, que não é o caso dos autos.
Não queremos dizer que a Impugnante no âmbito da avaliação directa não possa invocar excesso na quantificação, - pode ter sido aplicada a taxa errada, ou mesmo ter havido erro de cálculo e o contribuinte ser chamado a pagar um imposto com “excesso de quantificação”. Todavia, não é erro de cálculo ou mesmo aplicação de taxa indevida que alega ou invoca. Como se extrai dos factos alegados, a Impugnante pretende demonstrar através da junção dos “rácios” ser impossível auferir os lucros que foram fixados à Impugnante.
Ora, para além de não estar em causa a tributação dos lucros (no IVA a tributação não incide sobre os lucros) nenhum imposto é calculado em função dos diversos “rácios”, que de modo nenhum revelam a capacidade contributiva, mas sim através da taxa legal aplicada à matéria tributável calculada de forma própria para cada imposto.
Sem esquecer que nos autos o que está em causa é tão só a recusa do direito à dedução do imposto liquidado em faturação falsa, ao abrigo do disposto no art. 19º/3 do CIVA.
Não estamos em presença de uma tributação por métodos indiretos em que a avaliação da matéria colectável se faz com recurso a presunções, indícios, estimativas ou outros elementos de que a administração tributária disponha (art. 83º/2 da LGT) no âmbito da qual o contribuinte poderá provar o excesso na respectiva quantificação (art. 74º/3 LGT).
Como não estamos no domínio da avaliação indireta, a prova de que houve excesso de quantificação poderia ter sido feita através da demonstração de que foi aplicada taxa indevida ou que houve erro de cálculo e não pela simples remissão para os “rácios” que nada podem esclarecer em matéria de avaliação directa.
Razão porque conhecendo em substituição, improcedem as alegações da impugnante nesta matéria. (…)“

Quanto à invocada contradição entre os factos provados e a decisão, pois segundo a Recorrente, tendo sido provados os factos constantes dos n.ºs 56º e 70º a 83º dos factos provados, é porque os custos eram necessários que estão documentados e materializado o pagamento, continuamos a acompanhar o discurso fundamentador do acórdão supra identificado…..”Os factos provados n.º 56º e 70º a 83º dizem o seguinte:
56.° - Todos os pagamentos foram efectuados em numerário.
70.° - No ano de 2001 a sociedade Impugnante tinha cerca 15 de trabalhadores - cfr. depoimento de A... que trabalhou para a Impugnante desde 1997 até Junho de 2008 e, é sogro do dono da sociedade Impugnante.
71.º - Como não conseguiam dar satisfação a todo o trabalho recorriam a subempreiteiros - cfr. depoimento de A....
72.° - Recorria a um senhor que era conhecido por Senhor F... - cfr. depoimento de A....
73.º - Nas obras andava um encarregado seu, chamado João - cfr. depoimento de A....
74.º - A sociedade Impugnante dedicava-se em especial a calcetamentos e assentamento de lajetas, preparação de terreno para se assentar cubos - cfr. depoimento de A....
75.º - Essa empresa tinha pessoal para assentar o lajeamento e preparação de terreno para assentar os cubos - cfr. depoimento de A....
76.° - O pessoal era pago ao fim de semana - cfr. depoimento de A....
77.° - Exercia as funções de encarregado da obra da sociedade Impugnante - cfr. depoimento de A....
78.° - No fim do mês eram entregues as facturas, onde vinham mencionadas as obras e os serviços prestados - cfr. depoimento de A....
79.º - O encarregado deles, o Sr. João controlava diariamente consigo quem estava ao trabalho e as horas que tinha trabalhado - cfr. depoimento de A....
80.° - O Sr. F... trazia nas obras da ora Impugnante entre 15 a 20 homens semanais - cfr. depoimento de A....
81.º - O transporte era com a firma dele - cfr. depoimento de A....
82.° - No ano de 2001 foi o único subempreiteiro que trabalhou para a sociedade Impugnante - cfr. depoimento de A....
83.º - A sociedade Impugnante não conseguia sozinha, sem recorrer a subempreiteiros, ter capacidade de resposta para cumprir os trabalhos em tempo - cfr. depoimento de António…, pedreiro, que trabalhou para a sociedade Impugnante entre o ano de 2000 a 2003 e, é tio do Sr. S….
Ora dos factos em questão resulta que a Impugnante para dar satisfação a todo o trabalho recorria a sub empreiteiros, um dos quais conhecido por “Senhor F...” e que nas obras andava um encarregado seu que controlava diariamente consigo quem estava ao trabalho e as horas que tinha trabalhado (facto provado n.º 79º), sendo que o Sr. F... trazia nas obras da ora Impugnante entre 15 a 20 homens semanais (facto provado n.º 80º).
Contudo, a AT nunca questionou que a Impugnante tenha recorrido ao concurso de sub empreitadas para o cumprimento dos seus compromissos. O que a AT questiona, é que essas sub empreitadas tenham sido levadas a cabo pelo emitente J... Unipessoal (mas que outros podem ter efectuado), demonstrando haver indícios sérios de que a facturação por si emitida é falsa como resulta dos factos provados, designadamente os seguintes:
40.° - Em contacto telefónico, o representante legal assumiu a falsidade de parte das facturas.
41.° - Era conhecida como sua actividade a venda de automóveis.
42.° - Bem como um trabalho ocasional num restaurante.
43.º - O J... nunca tinha trabalhado na indústria da construção civil.
(...)
51.º - Aquele J... emitente das facturas que foram contabilizadas, nunca tinha exercido a actividade.
52.° - O valor das facturas teria sido alegadamente pago em numerário.
53.º - Os serviços de inspecção tributária concluíram que as facturas emitidas por aquela sociedade J... Unipessoal, Ld.a, eram fictícias pois não correspondiam a serviços que tivessem sido efectivamente prestados.
54.° - Aquela não tinha capacidade para proceder à facturação emitida em seu nome.
(...)
60.° - A sociedade Impugnante não comprovou a movimentação bancária de fundos financeiros necessários ao pagamento do valor das facturas.
61.º - As liquidações impugnadas foram efectuadas por a AF não ter sido aceite o IVA mencionado nas facturas uma vez que se tratavam de operações simuladas.
Como tem sido decidido de forma reiterada e uniforme pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT: compete à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova indiciária, recai sobre o sujeito passivo o ónus de provar a veracidade/materialidade da operação – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.
Não se exige que a prova a cargo da AT seja uma prova directa da falsidade da facturação, o que equivaleria a renunciar praticamente à perseguição da fraude fiscal. Como em muitos outros casos, poderá recorrer-se à prova indirecta, isto é, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).
A AT não tem que efetuar a prova direta da falsidade das faturas. Mas deve evidenciar a consistência desse juízo (cfr. Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que revelam uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.
Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.
E indícios são os factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (Castro Mendes, citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2 edição, pág. 311).

Neste contexto, importa então, em primeiro lugar, indagar se a Administração fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas contabilizadas pelo impugnante, ora recorrente, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.
Ora os factos provados que acima deixámos transcritos demonstram que a AT recolheu indícios sérios de que a facturação deste emitente não tem subjacente qualquer operação material. É falsa. […]
Demonstrados estes indícios, cabia ao recorrente provar que a faturação emitida por J... – Unipessoal, Lda. é materialmente verdadeira; ou seja, corresponde a trabalhos efectivamente prestados/realizados pelo emitente.
Mas essa prova não foi conseguida. A circunstância de se ter provado que a Impugnante/Recorrente recorria a um tal “Senhor F...” não nos permite concluir, sem mais, que esse Sr. F... era o mesmo emitente da faturação falsa.
Repare-se que o trabalho do emitente J... consistia na venda de automóveis (facto provado n.º 41º) e ocasionalmente num restaurante (facto provado n.º 42º) nunca tinha exercido a actividade (facto provado n.º 51), nem tinha capacidade para tanto (facto provado n.º 54º).
Por isso, conjugando todos os factos, apenas podemos concluir que o tal “Senhor F...” não era o emitente J...- Unipessoal Lda.
Por conseguinte, também não há qualquer contradição entre os factos provados e a decisão, nem qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, não padecendo a sentença do vício de nulidade (art. 615º/1-c) do CPC).”

A Impugnante, no presente recurso, alegou ainda não ter sido notificada em sede de reclamação graciosa para exercer o direito de audição, pois havia constituído mandatário pelo que as notificações teriam de ser obrigatoriamente feitas na pessoa deste (Conclusões 1 e 2).
A sentença considerou a recorrente notificada.
Apreciemos.

É certo que nos termos artigo 60º da LGT haverá, como forma de assegurar a participação dos contribuintes nas decisões a tomar pela AT, que os notificar para exercício do direito de audição, nomeadamente no caso da alínea b) do nº 1 daquele artigo, antes do indeferimento total ou parcial de reclamações. No presente caso, trata-se do procedimento de 2º grau, reclamação graciosa.
Ainda de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 40º do CPPT “As notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste no seu escritório. “

A sentença sob recurso deu como provado que a impugnante foi notificada, na sua sede, para exercer o direito de audição no procedimento de reclamação graciosa – cfr. pontos 63º a 66º da matéria de facto dada como provada.
Invectiva a Recorrente contra a sentença, por considerar que encontrando-se constituído mandatário devia tal notificação ser efectuada na sua pessoa.
Concatenando o ínsito no ponto 85º, por nós aditado ao probatório, e no ponto 63º, é de concluir que aquando da interposição da reclamação graciosa já se encontrava constituído mandatário e que a procuração foi junta com a petição de reclamação.
E apesar de ter razão a Recorrente em considerar que não se pode considerar notificada para exercício do direito de audição em sede reclamação graciosa, tal vício de forma apenas pode ter efeito sobre o acto final desse procedimento, anulando-o, não tendo a virtualidade de anular o resultado de um procedimento anterior, a liquidação impugnada.

Dito por outras palavras, por a decisão da reclamação graciosa ser um acto posterior ao acto de liquidação, não pode produzir efeitos neste acto anterior e distinto, pois o vício de forma invocado se refere apenas ao procedimento de 2º grau.

Sobre tal questão a jurisprudência tem sido reiterada. Veja-se o apreciado, nos acórdãos do STA, de 07.03.2012, proferido no processo 01123/11; de 25 de Junho de 2009, proferido no Proc. nº 345/09.
Neste último aresto pode ler-se o seguinte: “Com efeito, tendo a impugnante invocado na petição judicial sequente ao indeferimento da reclamação graciosa, impugnação deduzida nos termos do artigo 98.º n.º 1, alínea a) do CPPT, vícios e ilegalidades tanto do acto tributário de liquidação (objecto mediato), como do procedimento de reclamação (objecto imediato), a verificação de um vício de forma neste procedimento, como é o caso da falta de audição prévia, ou seja em momento posterior à efectivação da liquidação, nunca poderia projectar efeitos invalidantes sobre um acto tributário que o antecede. Como se deixou expresso no acórdão de 16/06/04, no recurso n.º 1887/03 “Tal vício poderá anular a decisão administrativa proferida na reclamação mas com tal efeito se quedará, podendo apenas conduzir, naquele primeiro aspecto, ao proferimento de nova decisão judicial, sanado o cometido vício procedimental mas nunca à anulação da liquidação igualmente impugnada.”- cfr. no mesmo sentido o acórdão de 15/10/08, no recurso n.º 542/08..”

Com efeito, é jurisprudência pacífica, que a preterição do direito de audição em sede de reclamação graciosa, não produz efeitos anulatórios ipso facto sobre o acto de liquidação do imposto.

Assim, é de negar provimento ao recurso.


III. Decisão

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso, com a presente fundamentação.
Custas a cargo da Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2/3.
Porto, 26 de Outubro de 2017
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo


(1) Acórdão em que a aqui relatora teve intervenção como 1ª adjunta
(2) Art.º 74º/3 LGT: “Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à autoridade tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação”. (itálico da nossa responsabilidade)