Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00595/06.5BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/13/2013
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:IRC
CUSTOS
MENOS VALIAS
CESSÃO DE SUPRIMENTOS
JUROS COMPENSATÓRIOS
Sumário:1.1. Quando o tribunal de primeira instância, deferindo integralmente a pretensão do impugnante, anula a parte da liquidação impugnada que não está suportada nas correções cujos fundamentos são impugnados, não ocorre a nulidade por excesso de pronúncia, mas erro de julgamento.
1.2. A menos-valia resultante de cessão de suprimentos por valor inferior àquele em que foram efetuados e que constituam uma liberalidade não é reconhecida como um custo para efeitos de I.R.C. – artigo 24.º, n.º 1, alínea a), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas;
1.3. Mas a cessão de suprimentos por valor inferior àquele por que os mesmos foram efetuados e que, nos termos acordados, integre a contrapartida no negócio de alienação de participações social e uma das parcelas do valor subjacente ao cálculo do preço correspondente, não é uma liberalidade.
1.4. A menos-valia resultante de cessão de suprimentos por valor inferior àquele em que foram efetuados e que não seja uma liberalidade só constitui um custo dedutível para efeitos fiscais se, além do mais, se revelar indispensável para à realização de proveitos ou a manutenção da fonte produtora – artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas;
1.5. No juízo a formular sobre a indispensabilidade desse custo, não compete à administração tributária avaliar a bondade ou a oportunidade da decisão de gestão que determinou a cessão dos suprimentos por valor inferior ao real, mas apenas formular um juízo externo, de tipo cognoscitivo, sobre a provável inserção dessas decisões no seu escopo lucrativo, com referência ao momento em que foram tomadas e às circunstâncias do negócio global em que foram inseridas;
1.6. É ilegal e deve ser anulada a parte da liquidação adicional resultante da não admissão do custo correspondente à menos-valia contabilizada na cessão de suprimentos por valor inferior àquele por que os mesmos foram efetuados, se dos seus fundamentos resulta que não levou em conta nem a relação entre o negócio subjacente e o escopo societário nem indagou e avaliou as circunstâncias que o determinaram.
1.7. São devidos juros compensatórios pelo retardamento da liquidação de imposto determinado pela dedução, por iniciativa do sujeito passivo, de determinado valor, se esta vier a ser julgada ilegal pela administração tributária, por violação do princípio da especialização dos exercícios, em decisão por aquele não impugnada, e ainda que tal dedução tenha sido efetuada para reverter uma situação de dupla tributação verificada em exercício anterior.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Decisão:Concedido parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou procedente a presente impugnação judicial da liquidação de IRC e juros compensatórios n.º 2006 831000431, relativa ao exercício de 2002, na parte em que teve por base a correção no montante de € 2.885.854,77, bem como a liquidação de juros compensatórios n.º 2006 00000115725, no montante de € 56.846,47.

Recurso esse que foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificada da sua admissão, a Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, que rematou com as seguintes conclusões:

A. Não pode a Fazenda Pública conformar-se com a douta sentença proferida quanto à cedência de suprimentos porque nunca foi posto em causa pela Adm. Fiscal o negócio efectuado pela Impugnante, mas apenas a legalidade da sua contabilização e a sua aceitação para efeitos fiscais;

B. E não pode a Fazenda Pública conformar-se com a douta sentença proferida quanto à anulação dos juros compensatórios pedida em ampliação do pedido porque tal liquidação é uma decorrência normal do retardamento do imposto provocado pela dedução indevida do ano de 2002 do montante das provisões respeitantes a 1998, em violação do princípio da especialização dos exercícios.

C. Ao contrário do que entendem as testemunhas e a Impugnante, entendeu a Administração Fiscal e entende esta R.F.P. que aquela empresa satélite não era apenas um mero centro de custos, traduzia-se também num valor acrescentado à actividade das suas participantes, quiçá até superior ao do valor nela investido.

D. Que a cedência dos suprimentos efectuados às restantes associadas ao custo de um euro e a cedência das suas participações sociais na O… e na Auto-Estradas do A... às mesmas associadas por valor inferior ao devido, constituiu uma liberalidade.

E. Se as referidas empresas tinham valor para as outras associadas, já que até hoje se mantêm em actividade, como referiu uma das testemunhas, deveriam estas pelo menos ressarcir a impugnante do valor por esta investido.

F. Tal cedência e alienação violou o disposto no artº. 23º. do Código do IRC, já que tal custo ou encargo não lhe teve associado qualquer ganho ou proveito, nem foi comprovadamente indispensável à manutenção da fonte produtora.

G. Não logrando a Impugnante, carrear para os autos prova que abalasse a correcção efectuada, a questão decidenda terá que ser contra si decidida, tal como decorre das regras do ónus de prova cfr. o art. 342º do Código Civil e artigo 74.º da Lei Geral Tributária.

H. Sem prejuízo dos princípios de livre admissibilidade dos meios de prova (cfr. art. 115.º, n.º 1, do CPPT) e da livre apreciação da prova (cfr. art. 655.º do CPC), a prova testemunhal, por si só, ou seja, desacompanhada de outros elementos de prova, designadamente documentais, dificilmente servirá para convencer o Tribunal da realidade das operações).

I. Ressalvando o devido respeito com o decidido não se conforma a Fazenda Pública, porquanto entende que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, por insuficiência na determinação dos factos dados como provados e na errónea subsunção destes ao artº 23.º do CIRC.

J. A liquidação adicional impugnada não enferma de qualquer ilegalidade, sendo devido o respectivo imposto e os correspondentes juros compensatórios.

K. A douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação, violou as disposições do Código do IRC ínsitas nos artigos 17º, n.º 1 e 3 bem como o artigo 23º., n.º 1.

L. Mesmo que assim não se entenda, e se [apenas em abstracto] a impugnação apresentada proceder, sentido decisório com a qual a Fazenda Pública, salvo o devido respeito, não se conforma, a douta sentença recorrida enferma de nulidade por excesso de pronúncia, na medida em que não poderia determinar a anulação “das liquidações em causa” mas apenas nos montantes objecto do pedido.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, porque os actos de liquidação aqui em causa não sofrem de qualquer erro, ilegalidade ou vício, deverá a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e a impugnação ser julgada totalmente improcedente com as legais consequências.»

1.2. Não houve contra-alegações.

A M.mª Juiz a quo lavrou douto despacho de sustentação da decisão recorrida.

Neste Tribunal, a Ex.mª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Do Objeto do Recurso

Constitui objeto do presente recurso a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que, pronunciando-se sobre o pedido inicial de anulação de parte da liquidação de I.R.C. do exercício de 2002 e sobre o pedido superveniente de (fls. 281 e seguintes dos autos) de anulação de parte dos juros compensatórios correspondentes, anulou «as liquidações em causa, com as legais consequências».

Na parte da sentença recorrida que incidiu sobre o pedido inicial, a Recorrente invoca o erro no julgamento de facto – quanto aos factos provados sob os nºs 10.º, 29.º, 39.º, 40.º e 41.º - alegando que a prova testemunhal e o documento n.º 13 anexo à petição inicial são insuficientes para julgar provados esses factos [artigos 32.º a 46.º e 52.º a 60.º das doutas alegações de recurso e conclusão “H”].

Na mesma parte da decisão recorrida, a Recorrente invoca também o erro na aplicação do direito aos factos, porque a menos-valia verificada na cessão a terceiros de suprimentos efetuados em sociedades participadas não é um custo dedutível [artigos 20.º a 31.º e 47.º a 51.º das doutas alegações de recurso e, em especial, as conclusões “D” a “G”].

Na parte da sentença recorrida que incidiu sobre o pedido superveniente, a Recorrente invoca também o erro na aplicação do direito aos factos, porque os juros compensatórios resultam do retardamento da entrega do imposto correspondente à importância que indevidamente foi deduzida na matéria coletável do ano de 2002, quando a sua regularização deveria ter sido feita em 1998 [artigos 63.º a 74.º das doutas alegações de recurso e conclusão “B”].

Finalmente, a Recorrente imputa à sentença recorrida o excesso de pronúncia, porque nunca esteve em causa a totalidade d«as liquidações em causa», mas apenas a parte que deriva das correções impugnadas [artigo 75.º das doutas alegações de recurso e conclusão “L”].

3. Do Efeito do Recurso

Nos artigos 1.º a 3.º das doutas alegações de recurso, a Recorrente impugna o efeito do recurso e pede que lhe seja atribuído efeito suspensivo da decisão recorrida.

A Recorrida não se pronunciou, apesar de lhe ter sido dada a oportunidade para o fazer, nas contra-alegações. De qualquer modo, a questão já tinha sido suscitada em recurso da primeira decisão (anulada por este tribunal), onde ambas as partes tiveram a oportunidade de esgrimir os respetivos argumentos, pelo que sempre se julgaria desnecessário voltar a ouvir a Recorrida sobre a mesma questão.

Resulta, com efeito do despacho de admissão do recurso que ao mesmo foi atribuído efeito meramente devolutivo.

No recurso interposto da primeira decisão, a que também tinha sido atribuído efeito devolutivo em primeira instância, foi decidido manter esse efeito, remetendo para a fundamentação constante dos acórdãos deste tribunal de 2008.01.10 (recurso n.º 00259/01, com redação integral disponível in www.dgsi.pt) e de 2007.07.26 (recurso n.º 239/01).

Este entendimento foi, de resto, confirmado em outros acórdãos deste tribunal, como o de 2008.01.31 (recurso n.º 00756/06.7BEPNF) e o de 2008.03.13 (recurso n.º 01023/07.4BEBRG), para cuja fundamentação agora remetemos.

E não vemos agora razão bastante para alterar este entendimento.

Razão porque decidimos manter o efeito do recurso.

4. Do Julgamento de Facto

4.1. Na sentença recorrida, consignou-se o seguinte quanto a factos provados (por nós renumerados):

«Com relevo para a decisão da causa, o tribunal julga provado, com base nos elementos de prova documental existentes nos autos e no depoimento das testemunhas inquiridas, que:

1º. A sociedade Impugnante dedica-se à construção de obras públicas.

2º. A Impugnante no âmbito da sua actividade participa em vários concursos públicos de empreitadas de obras públicas, alguns respeitantes à atribuição de concessões de lanços de auto-estradas – cfr. prova testemunhal.

3º. A ora Impugnante associada a outras empresas ganhou o concurso público para a atribuição do contrato de concessão destinado à construção e exploração de vários lanços de auto-estradas na zona oeste de Portugal – cfr. prova testemunhal.

4º. Para concorrer ao referido concurso público a Impugnante e as suas associadas constituíram em 14 de Janeiro de 1997, a sociedade “O...-Concessões Rodoviárias de Portugal, S.A.”, com o objectivo de centralizar numa só entidade as sinergias das várias associadas, por forma a ganharem o concurso em causa – cfr. prova testemunhal.

5º. Esta sociedade tinha como objecto social a apresentação de propostas para os concursos e a concepção e projecto para a construção, financiamento, exploração e manutenção da vias rodoviárias.

6º. A Impugnante entrou no capital social da “O...” com uma participação de 10.947.000$00.

7º. Esta empresa funcionava como um centro de custos onde eram imputadas todas as despesas iniciais antes de serem obtidas as concessões e, por via disso, os respectivos proveitos.

8º. A Impugnante fazia parte de um agrupamento de empresas que ganhou o concurso para a construção e a concessão de exploração da A 8.

9º. Em 4 de Novembro de 1998 foi constituída a “Auto-Estradas do A...”, que tinha como sócios os mesmos da “O...”.

10º. A participação inicial da Impugnante foi de 438.000$00

11º. Em 2002, para fazer face a uma situação económica difícil, a Impugnante viu-se obrigada a abdicar da sua participação na construção da A 8.

12º. Em virtude das obrigações que tinha assumido para com o concedente e os seus sócios foi conseguido um acordo global nos termos do qual alienou as suas participações nas referidas sociedades e cedeu os suprimentos efectuados aos sócios remanescentes – cfr. prova testemunhal.

13º. Este acordo global de desvinculação foi celebrado em 27 de Dezembro de 2002, mediante um contrato promessa de compra e venda das participações e de cessão de suprimentos.

14º. O contrato definitivo veio a ser celebrado em 22 de Setembro de 2003.

15º. A “O...” ganhou o concurso visado, tendo suportado os custos de elaboração da proposta, nomeadamente custos respeitantes a infra-estruturas, apoio jurídico na elaboração dos contratos, apoio financeiro por parte das entidades bancárias, estudos de tráfego, projectos de engenharia e de contabilidade – cfr. prova testemunhal.

16º. A ora Impugnante detinha uma participação no capital da “O...” no montante de 54.603,40 euros, equivalente a 10,947% do capital social – cfr. doc. de fls. 35 a 53 dos autos.

17º. Em resultado da adjudicação da obra, foi constituída por escritura pública de 1998, pelos sócios da “O...”, a “Auto-Estradas do A... – Concessões Rodoviárias de Portugal, S.A.” – cfr. doc. de fls. 54 a 78 dos autos.

18º. A referida sociedade “Auto-Estradas do A... – Concessões Rodoviárias de Portugal, S.A.”, tinha por objecto social a exploração e manutenção de auto-estradas e outras redes viárias, na zona oeste de Portugal.

19º. A participação inicial da ora Impugnante no capital da “Auto-Estradas do A... – Concessões Rodoviárias de Portugal, S.A.”, foi de Esc. 438.000$00, correspondente a 8,7576% do capital social.

20º. A Impugnante recebeu 15.128.261,63 euros da venda da sua participação na Auto-Estradas do A....

21º. Em virtude de sucessivos aumentos de capital exigidos no âmbito do contrato de concessão, em finais de 2002 a ora Impugnante e as outras sócias tiveram necessidade de efectuar suprimentos à “O...” para que esta pudesse honrar os compromissos assumidos e cobrir as despesas realizadas – cfr. prova testemunhal.

22º. Para fazer face aos elevados custos de apresentação de propostas nos concursos públicos internacionais em que participou, a ora impugnante e as outras sócias tiveram necessidade de efectuar suprimentos à “O...” para que esta pudesse honrar os compromissos assumidos e cobrir as despesas realizadas – cfr. prova testemunhal.

23º. Desde a constituição da “O...” até à data em que se desligou dela, a Impugnante efectuou um total de 1.674.394,68 euros de suprimentos – cfr. docs. De fls. 169 a 224 dos autos.

24º. Tal quantia foi levada a custo no exercício de 2002.

25º. A impugnante recebeu um euro pela venda da sua participação na “O...”.

26º. Realizou uma mais valia fiscal de 10.069.512,18 euros.

27º. Quanto à da “Auto-Estradas do A... – Concessões Rodoviárias de Portugal, S.A.”, a Impugnante estava obrigada a realizar os suprimentos nos termos do Acordo de Subscrição e Realização do Capital – cfr. docs. De fls. 225 a 240 dos autos.

28º. À data da vinculação à “Auto-Estradas do A... – Concessões Rodoviárias de Portugal, S.A.”, a Impugnante tinha efectuado suprimentos à referida entidade no montante de 4.443.406,75 euros – cfr. doc. 12, junto aos autos.

29º. Tais suprimentos foram cedidos por 3.231.946,63 euros.

30º. Ni ano de 2002, a ora impugnante encontrava-se à beira de um colapso financeiro com um conjunto de custos permanentes, entre os quais cerca de 1200 trabalhadores e sem trabalho que lhe permitisse gerar receitas ou cobrir os custos, em virtude da falta de obras públicas, devido à instabilidade política vivida no momento – cfr. prova testemunhal.

31º. A ora Impugnante para poder prosseguir a sua actividade teve que alienar a sua participação na concessão da Auto-Estradas do A... – cfr. prova testemunhal.

32º. O preço global acordado para a venda das participações sociais e dos suprimentos foi de 77.682.455,72 euros – cfr. doc. de fls. 79 a 96 dos autos.

33º. A Impugnante recebeu 15.128.261,63 euros dos 77.682.455,72 euros, relativamente à venda das participações na Auto-Estradas do A... – cfr. prova testemunhal.

34º. Pelos suprimentos cedidos, a ora impugnante recebeu dois compradores o montante de 3. 231.946,63 euros.

35º. O que representa cerca de 71%do valor nominal dos suprimentos efectuados na Auto-Estradas do A....

36º. Em simultâneo foi celebrado o contrato de compra e venda das acções e de cessão dos suprimentos relativos à participação na “O...” – cfr. doc. de fls. 109 a 204 dos autos.

37º. O preço que os compradores aceitaram para a aquisição das participações e dos suprimentos foi de 5 euros (1 euro para cada vendedor) – cfr. docs. De fls. 109 a 204 dos autos.

38º. A Impugnante realizou uma menos-valia na cessão dos suprimentos nas duas sociedade no montante de 2.885.854,77 euros.

39º. A cessão dos suprimentos ocorreu no âmbito de um negócio global de desvinculação da sociedade Impugnante e que se revelou fundamental para a obtenção de um encaixe financeiro, necessário para que a Impugnante pudesse manter a sua actividade empresarial – cfr. prova testemunhal.

40º. O facto de o valor de mercado dos suprimentos ter sido inferior ao seu valor nominal não resulta de qualquer intenção de diminuir a receita fiscal, mas de se tratar de um crédito não vencido e que, quando fosse vencido, não havia segurança de existir liquidez suficiente para a pagar – cfr. prova testemunhal.

41º. O preço atribuído foi calculado com base numa avaliação técnica efectuada pelo Banco BPI, que tomou, nomeadamente, em consideração a taxa obtida num negócio semelhante realizado em data anterior – cfr. prova testemunhal e doc. 13, junto aos autos pela Impugnante.

Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, pro constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa.

4.2. Entre os fundamentos do recurso encontra-se o erro no julgamento de facto.

Pretende a Recorrente que os factos dados como provados na douta sentença recorrida sob os números 10.º, 29.º, 39.º, 40.º e 41.º foram erradamente dados como provados, porque a prova testemunhal é, por si só e desacompanhada de outros elementos de prova, designadamente documentais, insuficiente para demonstrar a sua ocorrência. E também porque – quanto ao 41.º facto dado como provado – o documento número 13 anexo à petição inicial é inidóneo para o provar, visto ser relativo a uma avaliação técnica efetuada pelo B.P.I. à “Auto-Estradas do A...” e não à “O...”.

A presente impugnação judicial deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel em 2006, pelo que as normas do Código de Processo Civil a aplicar-lhe subsidiariamente em matéria de recursos são as anteriores à reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de Agosto, atento o disposto no artigo 11.º, n.º 1, deste diploma.

Dispunha então o artigo 690.º-A do Código de Processo Civil que, quando fosse impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto deveria o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considerasse incorretamente julgados e os concretos meios probatórios que impusessem decisão diversa.

No caso, a Recorrente indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados: são os constantes dos números 10.º, 29.º, 39.º, 40.º e 41.º do rol dos factos provados.

Por outro lado, a Recorrente especifica que os meios probatórios que impunham decisão diversa: começa por especificar quais os meios probatórios em que o tribunal recorrido se baseou (e não se deveria ter baseado) para dar aqueles factos como provados (a prova testemunhal); e acrescenta depois quais os meios probatórios em que o tribunal recorrido teria que se basear (mas não se poderia ter baseado porque não constavam do processo) para dar esses factos como provados (a prova documental, maxime os documentos contabilísticos).

No caso do facto ali dado como provado sob o número 41.º, a douta sentença recorrida não se apoia apenas na prova testemunhal, mas também no documento número 13, junto com a douta petição inicial. Pelo que a Recorrente acrescenta que esse documento é inidóneo para o provar porque nem sequer diz respeito à “O...”.

Do exposto decorre que a Recorrente deu cumprimento ao comando legal constante do artigo 690.º-A do Código de Processo Civil. Sendo, por conseguinte, legal o recurso neste segmento.

Quanto ao mérito do recurso, julgamos pertinente analisar primeiro os factos dados como provados sob os números 29.º e 40.º porque, relativamente a estes, não se descortina onde foram alegados.

Sendo que, como resulta do disposto no artigo 264.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o juiz só pode fundar a decisão nos factos essenciais alegados pelas partes, sem prejuízo da consideração oficiosa de factos instrumentais e de factos complementares (estes nas circunstâncias a que alude o seu n.º 3). Dispositivo também aplicável no contencioso tributário como resulta dos artigos 99.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária e 13.º, n.º 1, parte final, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Ou seja, o princípio da investigação ou inquisitório reconduz-se, no processo judicial tributário, à atividade probatória, estando os poderes de investigação do juiz delimitados externamente pelos factos concretamente alegados nos articulados. Donde decorre que a M.mª Juiz, a quo não poderia, em princípio, inserir nos factos provados matéria factual que não tivesse sido oportunamente alegada.

Não se reconhece, por outro lado, natureza instrumental aos factos contidos nos referidos números 29.º e 40.º, seja porque não se entrevê nexo algum com algum facto essencial concretamente alegado, seja porque só faria sentido inserir ali o teor factual nele contido no pressuposto da sua essencialidade para a demonstração da indispensabilidade do custo contabilizado e não aceite pela administração tributária.

Não tendo tais factos sido oportunamente alegados e não estando invocada nem podendo ser reconhecida a sua instrumentalidade e/ou complementaridade face a factos essenciais oportunamente alegados, a inserção nos factos provados do contido naqueles nºs 29.º e 40.º é, por isso, ilegal.

Tem-se entendido que, nos casos – como o dos autos – em que o tribunal recorrido insere nos factos provados matéria não alegada e de que não poderia oficiosamente conhecer, o tribunal de recurso deve oficiosamente considerar não escrita a resposta à matéria de facto correspondente. Solução que, não tendo expressão direta na lei, pode ser extraída do artigo 646.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, dado o notório paralelismo da situação ali regulada (neste sentido ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in «Recursos em Processo Civil - Novo Regime», segunda edição, rev. e act., pág. 292).

Razão porque decide este tribunal de recurso, desde já, considerar não escritos os pontos 29.º e 40.º dos factos dados como provados.

4.3. Analisemos agora os demais pontos da matéria de facto que a Recorrente considera incorretamente julgados (os constantes dos números 10.º, 39.º e 41.º).

O seu teor foi, respetivamente, extraído do alegado nos artigos 20.º, 49.º e 38.º, todos da douta petição inicial.

No primeiro (o artigo 20.º da douta petição inicial), a ali Impugnante alegava que, «para fazer face a uma situação financeira difícil», se viu obrigada a abdicar da sua participação na concessão da Auto-Estrada do Oeste.

No entanto, a ali Impugnante (ora Recorrida) nunca ali explicou o que entendia por «situação financeira difícil» nem o procurou demonstrar através de dados factuais concretos e devidamente circunstanciados, os únicos que poderiam ser objeto de prova, designadamente de prova testemunhal.

Bem poderiam as testemunhas ter opinado ou especulado sobre a situação financeira da empresa sem que, alguma vez o tribunal recorrido pudesse concluir que era à situação financeira por elas descrita que a Impugnante pretendia aludir. Pela simples razão de que não se sabe verdadeiramente – nem se poderia saber – a que situação financeira pretendia a ora Recorrida verdadeiramente aludir.

No segundo (o artigo 49.º da douta petição inicial), a ali Impugnante alegava que a cessão dos suprimentos nas duas sociedades ocorreu no âmbito de um negócio global «fundamental para obter um encaixe financeiro que desesperadamente necessitava para poder manter-se em actividade».

No entanto, a ali Impugnante (ora Recorrida) nunca ali explicou porque necessitava desse encaixe financeiro para se poder manter em atividade. Teria sido porque necessitava de matéria-prima para produzir (o quê?) e não tinha valores em tesouraria nem crédito nos bancos para a adquirir? Teria sido porque havia dívidas vencidas e não pagas e já tivessem sido penhorados os meios de produção pelos seus credores? Teria sido porque a sua atividade dependia da sua apresentação a concurso numa outra obra e necessitava de orientar todos os meios financeiros para o preparar? Teria sido porque os seus trabalhadores anunciaram greve por tempo indeterminado até que lhes fossem pagos os ordenados que, porventura, tivessem em atraso? O tribunal não sabe, porque nunca foi alegado. E o que quer que as testemunhas pudessem ter dito sobre esta matéria jamais lhe poderia, por isso, aproveitar.

Do exposto decorre que o teor do alegado encerra, nesta parte, meras conclusões que a Recorrida nunca contextualizou e que nunca poderiam, por isso, ter sido objeto de prova – designadamente testemunhal. E o que quer que as testemunhas tivessem concretizado a este respeito nunca poderia aproveitar à Recorrida, por falta de alegação de factos concretos com que o seu teor pudesse ser confrontado.

E, assim sendo, as respostas correspondentes (as constantes dos números 10.º e 39.º) também se devem ter por não escritas, agora por encerrarem matéria de natureza conclusiva.

No terceiro (o artigo 38.º da douta petição inicial), a ali Impugnante alegava que o preço realizado na cessão dos suprimentos «foi calculado com base numa avaliação técnica efetuada pelo Banco BPI que tomou em consideração, entre outros factores, a taxa obtida num negócio semelhante realizado em data anterior».

Tratava-se, no entanto, do preço realizado pela cessão de suprimentos efetuados à “Auto-Estradas do A...”, como resulta da inserção contextual daquele artigo 38.º no conteúdo do alegado nos artigos 34.º a 38.º, todos daquele douto articulado, bem como do documento para que remete aquele artigo 38.º (documento n.º 13, inserto a fls. 271/272 dos autos)

Sucede que o ponto 41.º dos factos dados como provados não tem o mesmo âmbito contextual: tal como se encontra ali inserido, também abrange o preço que os compradores aceitaram pela aquisição dos suprimentos relativos à “O...”, o que a própria Recorrida nunca chegou a alegar (nem, se bem vemos, poderia ter alegado).

Assim sendo, estamos – nesta parte – perante uma resposta de conteúdo excessivo que, para ser expurgada de tal vício, terá que ser delimitada nos seguintes termos:

41º. O preço pela cessão de suprimentos realizados na “Auto-Estradas do A...” foi calculado com base no valor de transação fixado de acordo com o teor do documento de fls. 271 a fls. 272, que aqui se dá por reproduzido.

4.4. Por ter sido oportunamente alegado pela Impugnante (ora Recorrida) nos artigos 2.º a 8.º da douta petição inicial e se encontrar documentalmente provado nos autos (conforme documentos para que se remete no lugar próprio), ao abrigo do disposto no artigo 712.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aditam-se aos factos provados os seguintes:

42º. Em 2005, a Impugnante foi alvo de uma ação de inspeção tributária relativa ao exercício de 2002 em resultado da qual foi elaborado, em 2006.02.23, o relatório de que se junta cópia de fls. 22 a fls. 34 dos autos e a fls. 25 e seguintes do processo administrativo em apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos e de onde, além do mais, consta o seguinte:

«5- Outros – Q07 C225

O sujeito passivo não acresceu o valor de 11.059.296,64 €, referentes a encargos não aceites como custo fiscal e respeitantes a: (…)

b) cedência/anulação de suprimentos, no valor de 2.885.854,77 €, registado na conta 69.4 – Perdas em Imobilizado.

Notificado o sujeito passivo para justificar a diferença entre o saldo dos valores registados nas contas 69.4 e 79.4 (7.759.966,93 €) e o saldo das mais-valias contabilísticas constante do Q07 C225 (10.421.362,64 €), o mesmo informou (anexo 10) que a divergência verificada resulta da alienação de suprimentos detidos pela empresa na “Auto-Estradas do A...”. Concluímos também que os referidos suprimentos haviam sido registados numa conta do activo (conta 41 – Investimentos Financeiros) pelo valor 6.117.801,40 €, tendo agora sido cedidos/anulados pelo valor de 3.231.946,63 € e que a diferença no montante de 2.885.854,77 € foi registada numa conta de custos (69.4), como se de uma menos-valia contabilística se tratasse. De referir que este procedimento do sujeito passivo não foi coerente com o adoptado no preenchimento do mapa modelo 31, pois nesse mapa não incluiu a perda verificada nem a mesma foi acrescida do lucro tributável.

De salientar ainda que um contrato de suprimento pressupõe que o sócio/acionista empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade. Acontece que o sujeito passivo não foi reembolsado do valor total dos suprimentos efectuados, pelo que a diferença, no montante de 2.885.854,77 €, registada numa conta de custos extraordinários não poderá ser aceite como custo fiscal, nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, por não ser considerada como comprovadamente indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

(…)

7- Reduções de provisões tributadas- Q07C228

O sujeito passivo não deduziu ao lucro tributável de IRC o montante de 2. 637.852,94 €, referente a provisões que haviam sido tributadas em exercícios anteriores nos termos do art.º 34.º do CIRC e respeitantes a:

a) Valor deduzido indevidamente no campo 228 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, no montante de 1.623.607,00 €, referente à dedução para efeitos fiscais de provisões para depreciação de existências, tributadas nos termos do art.º 34.º do CIRC.

De acordo com o disposto nos artigos 17.º e 115.º, ambos do Código do IRC (CIRC), a contabilidade deverá estar organizada de acordo com a normalização contabilística, consignada no Decreto-Lei n.º 410/89, de 21 de Novembro, que aprovou o Plano Oficial de Contabilidade (POC), o qual se encontra arquitectado na base de princípios contabilísticos expressamente previstos no seu capítulo 4, designadamente o princípio da especialização dos exercícios.

Face à importância que reveste a determinação do lucro tributável para cálculo do IRC o n.º 1 do artigo 18.º do CIRC impõe a observância do citado princípio, pelo que, em consequência e reproduzindo a definição que no POC é dada “as operações realizadas num exercício afectam os respectivos resultados, independentemente do seu recebimento ou pagamento”.

Valendo aquele princípio para os casos em que os custos são contabilizados num exercício mas em que a despesa efectiva só é suportada noutro, e para os casos em que o ganho, ainda que contabilizado num exercício só é, de facto, recebido noutro, por via da regra, num e noutro caso, nos exercícios imediatos, pode no entanto acontecer que por erros ou omissões se venham a conhecer proveitos ou custos de exercícios anteriores e que não foram objecto de adequada revelação contabilística nos exercícios a que respeitam.

É o tratamento destes proveitos ou custos que está definido no n.º 2 do artigo 18.º do CIRC no sentido de que serão imputáveis ao exercício corrente se na data do encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputados eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidos.

No entanto, a contabilização das provisões não configura situações imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas face ao artigo 18.º n.º 2 do CIRC, pelo que não só a sua constituição/reforço se deve concretizar no exercício em que se verifica o risco, como também a relevância fiscal como proveito das provisões a que se referem as alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e das provisões que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos no mesmo artigo 34.º, se consideram proveitos do respectivo exercício (vidé n.º 2 do artigo 34.º do CIRC – anterior n.º 2 do artigo 33.º).

Assim sendo, tendo a anulação da provisão para depreciação do terreno – constituída e reforçada nos exercícios de 1995 e 1996 pelos montantes respectivamente de 1.246.994,74 € e 376.612,26 € - sido correctamente contabilizada pelo sujeito passivo como proveito fiscal do exercício de 1998 pelo montante de 1.623.607,00 €, a reversão fiscal como proveito deste valor face à situação de dupla tributação relacionada com o acréscimo pela administração tributária em exercícios anteriores de idêntico valor deverá ser reflectida, não num exercício à escolha do sujeito passivo em clara violação do princípio da especialização dos exercícios regulado no artigo 18.º n.º 1 do CIRC, mas sim no exercício em que se verificou essa dupla tributação, “in casu” exercício de 1998.

Por conseguinte, o referido valor de 1.623.607,00 € deverá ser deduzido ao resultado líquido de IRC do exercício de 1998 e não ao resultado líquido do exercício de 2002 por não respeitar a este exercício; pelo que deverá o sujeito passivo utilizar os meios impugnatórios previstos na legislação tributária, “máxime” o artigo 78.º da Lei Geral Tributária, solicitando a reversão fiscal no exercício de 1998, o montante de 1.623.607,00 € referente a uma provisão constituída/reforçada em exercícios anteriores, está também implicitamente a proceder a uma classificação que tem efeitos fiscais, cuja reversão/anulação desse proveito terá que ser reflectida no mesmo exercício, porquanto, a qualificação atribuída em termos contabilísticos tem o significado de um comportamento declarativo da empresa, que produz efeitos, nos termos e com os limites de qualquer outra declaração tributária. (…)


DIREITO DE AUDIÇÃO

Notificamos o sujeito passivo para exercer o direito de audição no prazo de 10 dias, nos termos do art.º 60º da Lei Geral Tributária e art.º 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.

Dentro do prazo estipulado o sujeito passivo solicitou a prorrogação do prazo para exercer o direito de audição, tendo o mesmo sido aceite e comunicado ao contribuinte, dilatando assim, o prazo acima referido, para 15 dias.

Antes do fim do prazo estipulado veio a empresa exercer o direito de audição relativamente às seguintes situações, tendo concordado com as restantes correcções projectadas:

(…)

ii) Ponto A–5, alínea b) do projecto de correcções: Custos não aceites como custo fiscal referentes a cedência/anulação de suprimentos – 2. 885.854,77 €

No exercício do direito de audição o sujeito passivo, em relação a este item, vem referir que “os suprimentos, no valor de 2.885.854,77 € a que se referem capítulo 5.b) do projecto de correcções, são suprimentos que a Requerente estava obrigada a efectuar no âmbito do Project finance que levou à constituição da sociedade “Auto-Estradas do A... – Concessões Rodoviárias de Portugal, S.A.”(…)”.

Em relação a esta argumentação, importa referir que, o valor de 2.885.854,77 € diz respeito à diferença entre o total de suprimentos que haviam sido registados na conta 41- Investimentos Financeiros (6.117.801,40 €) e, o valor da cedência/anulação no total de 3.231.946,63 €.

De salientar ainda que a existência de um contrato promessa de compra e venda (acções) e de cessão (suprimentos), onde é estipulado um valor para a cedência dos suprimentos (3.231.946,63€) inferior ao contabilizado (6.117.801,40 €), não implica a aceitação como custo fiscal, antes assumindo uma liberalidade da empresa ao qual a Administração Fiscal é alheia.

Face ao exposto, e, considerando que o sujeito passivo não apresentou novos elementos, afigura-se-nos de manter a correcção proposta.

iii) Ponto A-7, projecto de correcções: Reduções de provisões tributadas – 1.623.607,00 €

Face ao alegado nos artigos 36.º a 59.º da exposição apresentada ao abrigo do direito de audição reafirma-se que a existência de uma situação de dupla tributação em sede de IRC do exercício de 1998, em resultado da reposição e consequente tributação da provisão já tributada nos exercícios de 1995 e 1996 em virtude da sua não consideração como custo aquando da respectiva constituição ou reforço nesses exercícios, deverá ser revertida ou corrigida no exercício em que contabilística e fiscalmente a mesma ocorreu, ou seja, no exercício de 1998.

Mantêm-se assim os fundamentos de facto e de direito conducentes ao acréscimo ao resultado líquido de IRC do exercício de 2002 no valor de 1 623 607,00 €, deduzido indevidamente no campo 228 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC do exercício de 2002 a título de provisões tributadas, e que por razões de economia processual nos dispensamos de transcrever novamente.

Acresce ainda referir que não está em causa na correcção em apreço a legalidade da dedução fiscal no exercício de 1998 do valor de 1 623 607,00 €, tal como aliás a administração tributária já reconheceu através de Despacho de 28 de Junho de 2005 do Exmo. Sr. Subdirector-Geral, apenas não é admissível contabilística e fiscalmente a dedução pelo sujeito passivo ao resultado líquido do IRC de 2002 desse valor como forma de ultrapassar a devida revisão oficiosa da liquidação de IRC do exercício de 1998.

Por último, reafirma-se também que a opção pela dedução no exercício de 2002 do valor da provisão em causa não pode corresponder ao exercício em que o sujeito passivo “tomou conhecimento que o Fisco não a havia reconhecido para efeitos fiscais”, nos termos alegados no artigo 57.º da referida exposição, porquanto a não aceitação como custo da provisão para depreciação do terreno constituída/reforçada nos exercícios de 1995 e 1996 ocorreu respectivamente em 20.07.99 e 13.07.99 com a notificação ao sujeito passivo das liquidações adicionais relativas ao IRC destes exercícios.

Quanto à pretenção do sujeito passivo formulada no artigo 59.º da exposição apresentada ao abrigo do direito de audição no sentido de a revisão “ser realizada o mais rapidamente possível, num prazo não superior à data do relatório final de inspecção” a mesma não poderá ser atendida, dado a estabilização definitiva dos efeitos do acto tributário a emitir por referência ao IRC do exercício de 2002 e ao acréscimo ao resultado líquido de IRC do mesmo exercício do valor de 1 623 607,00 € só ocorrer após os prazos da sua reclamação, impugnação judicial, de revisão e de recurso contencioso estarem esgotados.

Não obstante, caso o sujeito passivo, após a emissão do acto tributário de liquidação adicional referente ao IRC do exercício de 2002 não conteste a correcção ao lucro tributável em causa – invocando este facto no pedido de revisão do acto tributário a apresentar junto da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 2 da LGT –a reversão fiscal a favor do sujeito passivo no valor de 1 623 607,00 € a concretizar em sede de IRC do exercício de 1998 será objecto de análise e decisão no âmbito do referido procedimento tributário de revisão oficiosa.».

43º. Sobre as conclusões do relatório de fiscalização a que alude o n.º anterior incidiu despacho de concordância do Senhor Diretor dos Serviços de Inspeção Tributária de 2006.02.07 [Cfr. canto superior direito do documento de fls. 25 do processo administrativo em apenso];

44º. Em resultado das correções propostas no relatório a que aludem os números anteriores foi efetuada em 2006.03.13 a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas do exercício de 2002, à qual foi atribuído o n.º 2006 8310004131 e de que resultou o valor a pagar de € 3.313.757,20, sendo € 326.132,90 de juros compensatórios, cfr. documento de fls. 18 a 20 dos autos e de fls. 21 do processo administrativo em apenso;

4.5. Por ter sido oportunamente alegado pela Impugnante (ora Recorrida) no articulado superveniente de fls. 281 a fls. 287 dos autos e se encontrar documentalmente provado nos autos (conforme documentos para que se remete no lugar próprio), ao abrigo do disposto no artigo 712.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aditam-se aos factos provados os seguintes:

45º. Em 2006.05.19, a Impugnante fez entrar na Direção dos Serviços de Prevenção e Inspeção Tributária o pedido de revisão oficiosa da liquidação de imposto dobre o rendimento das pessoas coletivas do exercício de 1998, pedindo a sua anulação parcial e o reembolso do imposto, com juros indemnizatórios, nos termos e com os fundamentos constantes do documento de fls. 288 a fls. 296, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos;

46º. Sobre o pedido de revisão a que alude o n.º anterior incidiu, em 2006.08.31, a informação de que se junta cópia de fls. 298 a fls. 308 dos autos, que aqui se dá também por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos e de onde, além do mais, consta o seguinte:

«CONCLUSÃO

Face aos fundamentos explanados na presente informação e tendo em conta o objecto do pedido de revisão oficiosa da matéria tributável de IRC do exercício de 1998, a pretensão formulada neste é de deferir parcialmente nos termos que a seguir se discriminam:

a) De acordo como exposto nos pontos 7 a 24 da presente informação é de proceder à efectivação da reversão do efeitos fiscal a favor do sujeito passivo consubstanciado na tributação em duplicado do montante de € 1 623 607,00, a concretizar através da dedução ao resultado líquido de IRC do exercício de 1998 daquele valor correspondente à reposição de uma provisão para depreciação de um lote de terreno já tributada em sede do mesmo imposto nos exercícios de 1995 e 1996.

b) De acordo com o exposto nos pontos 25 a 33 da presente informação não é de proceder, por inexistência de normativo legal que o permita, ao processamento e pagamento de quaisquer juros indemnizatórios ao sujeito passivo.

Isto é o que se me oferece dizer sobre o assunto»

47º. A informação a que alude o número anterior mereceu despacho de concordância do Senhor Diretor dos Serviços datado de 2006.09.07 [Cfr. canto superior direito do documento de fls. 298 dos autos];

48º. Da decisão do pedido de revisão a que aludem os números anteriores foi a aqui Impugnante notificada por carta registada com aviso de receção [documento de fls. 297 dos autos];

5. Fundamentação de Direito

5.1. Vem o presente recurso interposto de sentença proferida nos autos de impugnação judicial, que, julgando procedente a presente impugnação judicial, anulou «as liquidações em causa, com as legais consequências».

Entre os fundamentos do recurso encontra-se a «nulidade por excesso de pronúncia», na medida em que o tribunal recorrido não poderia determinar a anulação “das liquidações em causa”, mas apenas nos montantes objeto do pedido.

O conhecimento das nulidades da sentença tem precedência lógica sobre as demais questões, uma vez que as nulidades que invalidem a sentença impedem o conhecimento do seu mérito, na parte anulada. E a precedência lógica das questões determina a ordem do conhecimento dos fundamentos do recurso, atento o disposto no artigo 660.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 713.º, n.º 2, do mesmo Código, ambos aqui aplicáveis subsidiariamente.

Entrando, por isso e desde já, na apreciação do seu mérito, diremos que a questão suscitada pela Recorrente não se enquadra nas nulidades por excesso de pronúncia, mas na «condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido», a que alude a alínea e) do n.º 1 do artigo 668.º, do Código de Processo Civil. Com efeito, se a impugnação abrange apenas uma liquidação e a sentença anula liquidações (no plural), tudo indica que está a exorbitar do pedido de anulação dessa liquidação e a conhecer da validade de outra liquidação. Do mesmo modo, se o impugnante pede apenas a anulação parcial dessa liquidação e a sentença anula, sem mais e na totalidade, essa liquidação, tudo indica também que está a exorbitar desse pedido.

O excesso de pronúncia ocorre em situações diversas que são aquelas em que o tribunal, para atender ao pedido formulado, conhece de questões que não devia conhecer – alínea d) do n.º 1 daquele artigo 668.º do Código de Processo Civil.

Vale a pena referir, porém, que quando o tribunal recorrido, na parte decisória da sentença, anula liquidações (no plural) e os seus fundamentos só contém a referência a uma liquidação (como é o caso) a nulidade nem sequer estaria em o tribunal conhecer da legalidade de liquidação que não devia conhecer, mas no facto de não se perceber a que liquidação pretendia aludir (para além daquela que se encontra devidamente identificada). O que pode gerar obscuridade da decisão na parte correspondente.

Entendemos, porém, que a decisão não é obscura, nesta parte, e que a M.mª Juiz a quo não pretendeu verdadeiramente aludir a mais do que uma liquidação. O que se passou foi outra coisa: no momento em que lavrou a decisão, a M.mª Juiz, por lapso manifesto, considerou que havia uma liquidação do imposto e outra de juros compensatórios e anulou as duas. É o que decorre do penúltimo parágrafo que antecede a decisão: «de igual modo, como consequência do deferimento do pedido de revisão a que se alude a fls. 281 a 287, deve ser anulada a liquidação dos juros compensatórios» (sublinhado nosso).

Deve, por isso, entender-se que, quando o tribunal recorrido determinou a anulação das liquidações em causa, o que pretendeu verdadeiramente foi anular a única liquidação em causa, quer na parte referente ao imposto, quer na parte referente aos juros compensatórios.

Persiste, no entanto, a questão de saber se houve condenação em quantidade superior ao pedido, quanto a essa (única) liquidação. Isto é, importa ainda saber se ao anular (totalmente) a liquidação a M.mª Juiz a quo exorbitou do pedido.

A resposta é, mais uma vez, negativa. Porque no pedido a final formulado, a Recorrida não pediu a anulação parcial dessa liquidação, mas a sua anulação total e a substituição por outra.

É claro que, no entendimento que julgamos pacífico, as invalidades parciais de que padeça uma liquidação não importam a sua anulação integral, para ser substituída por outra liquidação que não padeça do vício de que apenas uma sua parte padecia. Porque, os atos de liquidação são naturalmente divisíveis (sobre esta matéria, ver JORGE LOPES DE SOUSA, «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», II volume, Áreas Editora 2011, pág. 342). Se está em causa apenas uma parte da liquidação, suportada em fundamento autónomo, a parte restante deve ser aproveitada.

No entanto, quando, o juiz deve apenas deferir a anulação parcial e, correspondendo ao pedido expressamente formulado, anula integralmente a liquidação, não temos sequer condenação em quantidade superior ao pedido: temos erro de julgamento.

Mas como o tribunal de recurso não está condicionado pelo enquadramento que a Recorrente faça dos vícios da sentença, é precisamente o erro de julgamento que este tribunal deve reconhecer desde já, nessa parte.

Com efeito, decorre do artigo 7.º da douta petição inicial que a Recorrida só pretendeu verdadeiramente impugnar a correção no montante de € 2.885.854,77. Quanto aos juros, só estavam em causa os emergentes de outra correção, no montante de € 1.623.607,00. Juros que contabilizou em € 56.846,47, cfr. alegado no artigo 24.º do seu articulado superveniente, a fls. 286 dos autos. E se, com tal fundamento, pede a anulação integral, o pedido é manifestamente improcedente, na parte não abrangida por essas correções.

Em suma, o recurso merece parcial provimento, nesta parte e com esta fundamentação, devendo a final ser revogada a sentença recorrida na parte em que deferiu a pretensão da Recorrida à anulação da liquidação, mesmo na parte suportada em fundamentos de correções não impugnados.

5.2. Estamos, por isso, reconduzidos à parte da liquidação impugnada que deriva da não admissão, como custo fiscal, nas menos-valias verificadas na cedência de suprimentos, no valor de € 2.885.854,77 e da liquidação de juros compensatórios sobre o montante de € 1.623.607,00, a que se reportam, respetivamente, os pontos 5-b) e 7-a) do relatório de fiscalização em anexo.

Em ambos os casos, o tribunal recorrido deu razão à ora Recorrida. E a Recorrente não se conforma com o assim decidido, por entender que o tribunal incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito aos factos.

Analisemos, por ora, a primeira destas correções.

Considera, ademais, a Recorrente que o tribunal recorrido errou ao concluir que valor correspondente à diferença entre o valor dos suprimentos efetuados e o valor porque os mesmos foram cedidos era um custo dedutível para efeitos fiscais. Porque a cessão de suprimentos pura e simples, sem qualquer contrapartida, é uma liberalidade, que não pode ser aceite para efeitos fiscais por não constituir um custo indispensável para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Resulta, com efeito, da douta sentença recorrida que o tribunal de primeira instância concluiu que a menos-valia verificada na cessão de suprimentos foi indispensável para a realização de proveitos, quer porque se encontrava enquadrada num negócio global, necessário à realização de uma mais-valia na alienação das participações sociais da “O...” e da “Autoestradas do A...”, quer porque esse negócio se revelou indispensável para a sobrevivência da Recorrida, permitindo injetar capital na empresa.

A questão fundamental que se coloca neste âmbito é a de saber se, em concreto, tendo em conta a factualidade dada como provada supra, se pode concluir que a menos-valia verificada na cessão de suprimentos foi indispensável para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. E se, em consequência, se pode concluir que é um custo dedutível para efeitos fiscais.

Afigura-se-nos, porém, que se encontra a montante desta discussão uma outra questão, que é de saber se a cessão de suprimentos por valor inferior àquele por que foram realizados, constituiu, no caso, uma liberalidade.

É que, se atendermos aos fundamentos da correção efetuada pela administração tributária, verificamos que os serviços de inspeção tributária qualificaram o negócio em causa como uma liberalidade traduzida na renúncia ao recebimento do valor de parte de suprimentos realizados nas sociedades “O...” e “Autoestradas do A...” (perdão parcial de dívida).

E a questão se saber se a renúncia parcial aos suprimentos constitui uma liberalidade na parte correspondente é distinta da questão de saber se foi indispensável para a obtenção de proveitos e da manutenção da fonte produtora. Porque o que aqui está em causa não é ainda a de saber se o custo correspondente é dedutível, mas a de saber se é um custo para efeitos do imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas.

Ora, é seguro que a liberalidade não é reconhecida como um custo para efeitos desde imposto – artigo 24.º, n.º 1, alínea a), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (redação então em vigor). E a razão fundamental parece ser esta: a liberalidade cabe, normalmente, nas regras de incidência de outro imposto, ao tempo o imposto sobre as sucessões e doações (cfr. o artigo 4.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações). E se a o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não reconhece os incrementos patrimoniais sujeitos a imposto sobre as sucessões e doações [alínea c) do seu artigo 21.º], também não deve reconhecer as diminuições patrimoniais correspondentes, verificadas na esfera patrimonial de quem renuncia ao crédito respetivo.

Não se concede, todavia, que a cessão de suprimentos acordada no contrato-promessa a que alude o ponto 13.º dos factos provados supra deva ser enquadrada como uma liberalidade. De um lado, porque resulta do documento a que se alude naquele facto que não foi um negócio gratuito. De outro lado, porque se extrai da factualidade dada como assente que não foi realizado com espírito de liberalidade.

A renúncia a parte do valor dos suprimentos já realizados pela Recorrida, acordada no contrato-promessa a que alude o ponto 13.º dos factos provados supra, não foi um negócio gratuito porque, de acordo com o disposto na alínea w) da cláusula 1.ª desse contrato, teve um preço: a Recorrida ficou desobrigada de efetuar os suprimentos a realizar em 30 de Dezembro de 2002 (e cuja realização teria, por isso, sido já deliberada em Conselho de Administração) – vd. § único do artigo 4.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações.

A renúncia a parte do valor dos mesmos suprimentos não foi efetuada com espírito de liberalidade porque não se tratou de um ato de vontade unilateral do renunciante, com o intuito de beneficiar outrem. O que resulta impressivamente dos autos é que tal ato foi inserido num processo negocial complexo que envolveu cedências de parte a parte com vista à salvaguarda dos interesses próprios de cada contraente.

Poderia contrapor-se (e a administração tributária nunca o fez) que o negócio bilateral oneroso que envolveu a cessão de suprimentos e a alienação de participações sociais na “O...” e na “Autoestradas do A...” encobriu alguma liberalidade (que as partes simularam, total ou parcialmente, um negócio oneroso para encobrir um negócio gratuito). O que não se pode é extrair do teor das suas declarações que era um negócio unilateral, e gratuito, com o objetivo de realizar de alguma liberalidade.

Não se acompanha, por isso, a conclusão “D” do recurso. Que, como se alcança do ponto 21.º das doutas alegações respetivas, teve subjacente um pressuposto que não consideramos demonstrado: o de que se tratou de uma cessão de suprimentos pura e simples, sem qualquer contrapartida.

De salientar, de qualquer modo, que o ponto 33.º dos factos provados, não impugnado pela Recorrente em via de recurso (e que, por isso, não faz parte do seu objeto), confirma a conclusão a que aqui chegamos: a cessão de suprimentos e a alienação de participações sociais foram, por vontade dos contraentes, inseridas numa contrapartida global, constituíram um «preço global acordado».

No sentido de que a renúncia a uma parte de um crédito não constitui ipso facto uma liberalidade, devendo ser enquadradas as circunstâncias concretas que a determinaram, pode ver-se Tomás Maria Cantista de Castro Tavares, in «Da Relação da Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal Na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos», C.T.F. n.º 396, pág. 151. Na jurisprudência, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Março de 1992 (Proc. n.º 14 025), publicado em redação integral no Boletim do Ministério de Justiça, n.º 415, pág. 375.

Assim, e em conclusão, à questão acima formulada respondemos que a renúncia ao recebimento de parte do valor dos suprimentos que, nos termos acordados, integre a contrapartida no negócio de alienação de participações social e uma das parcelas do valor subjacente ao cálculo do preço correspondente não constitui uma liberalidade.

5.3. Assente, por isso, que a cessão de suprimentos não constitui in casu uma liberalidade e que não há razão, por aí, para que não seja reconhecida como um custo para efeitos imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas, fica a questão de saber se esse custo é dedutível.

Entende que não a Recorrente porque não lhe esteve associado qualquer ganho ou proveito sujeito a imposto nem foi comprovadamente indispensável à manutenção da fonte produtora (cfr. conclusão “F” do recurso).

Valerá a pena, como ponto prévio, aludir sumariamente aos requisitos legais da dedutibilidade dos custos para efeitos fiscais, que emanam do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. São eles: [1.º] a própria existência de um custo, ou seja, de um gasto económico (o que poderemos designar de requisito material); [2.º] a comprovação do custo (o que poderemos designar de requisito formal); [3.º] a indispensabilidade do custo (que optamos por denominar, na falta de melhor, por requisito causal); [4.º] a relevância fiscal do custo (o que poderemos designar de requisito normativo).

Do primeiro resulta que só podem ser deduzidos os custos que a empresa efectivamente suporta, concorrendo para o seu empobrecimento económico. Está intimamente conexionado com o princípio da tributação do rendimento real.

Do segundo resulta que só podem ser deduzidos custos que a empresa possa comprovar mediante o cumprimento das suas obrigações acessórias de escrituração e documentação. Alguma doutrina alude a este propósito de um princípio da documentação, que emana dos artigos 32.º do Código Comercial e 98.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e que visa, basicamente assegurar a verificabilidade externa do custo (vd. José Luis Saldanha Sanches, in «A Quantificação da Obrigação Tributária», pág. 242).

Do terceiro resulta que só podem ser deduzidos custos que apresentem relação com a obtenção dos proveitos ou com a realização do escopo societário. Havendo quem lhe encontre relação com o princípio da especialidade do fim consagrado nos artigos 160.º do Código Civil e 6.º do Código das Sociedades Comerciais (vd. Tomás Maria Cantista de Castro Tavares, ob. cit., pág. 136).

Do quarto resulta que só podem ser deduzidos custos cuja dedutibilidade não esteja vedada por expressa previsão legal. A alusão a esta exigência – de conteúdo negativo – justifica-se porque a nossa lei adoptou o modelo de dependência parcial entre o balanço fiscal e o balanço contabilístico, que (por razões diversas – combate à evasão fiscal, razões técnicas e outras) veda ou limita a dedutibilidade, para efeitos fiscais, de muitos custos ou perdas relevados pelas regras contabilísticas, por razões diversas (combate à evasão fiscal, razões técnicas e outras). A maioria destas limitações resulta, segundo alguma doutrina, de um compromisso entre o princípio da capacidade contributiva e o princípio da legalidade fiscal, na sua vertente positiva de princípio da determinabilidade da lei, de que decorre a desconsideração fiscal de réditos dificilmente mensuráveis ou sindicáveis (vd. António Mouta Portugal in «A Dedutibilidade de Custos em IRC: Reflexos Sobre Custos Incorridos em Actividades Isentas e Não Tributadas», C.T.F. n.º 401, págs. 75/76).

No caso, a administração tributária nunca pôs em causa a existência do custo. Aliás, reconhece-se expressamente no ponto 19.º das doutas alegações de recurso que a realização do negócio nos termos acordados nunca foi posta em causa pela administração tributária.

A administração tributária também nunca pôs em causa que esse custo se encontra escriturado e documentado. Não é a falta de registo nem a de suporte documental desse custo – de que dependesse verificabilidade externa da sua ocorrência – que determinou a correção em causa.

O que a administração tributária, desde sempre, pôs em causa foi a indispensabilidade do custo. Porque, se o contrato de suprimento dá direito ao recebimento do total emprestado e a Recorrida não foi reembolsada do total do valor desses suprimentos, a renúncia ao valor da diferença não poderá ter conexão com a realização de proveitos ou com a manutenção da fonte produtora.

E é a este raciocínio que a Recorrente vem dar ênfase nas doutas alegações de recurso, ao observar, em tom exclamatório: «como se explica que a Impugnante tenha alienado a sua participação com prejuízo? Qual foi o seu ganho com a operação? Porque não cedê-los a uma sociedade de “Factoring” ao invés de os vender por apenas € 1?? Onde está a prova da indispensabilidade de tal medida!» (artigos 35.º, 36.º 57.º e 58.º das doutas alegações de recurso).

A este respeito, importa salientar que a cedência dos suprimentos por valor inferior àquele por que foram efetuados (na “O...” foram efetuados suprimentos pelo valor de € 1.674.394,68, cedidos pelo valor de € 1; na “Autoestradas do A...” foram efetuados suprimentos no valor de € 4.443.406,75, cedidos pelo valor de € 3.231.946,63) não significa de per si que a menos-valia consequente de € 2.885.854,77, não tivesse sido indispensável para a realização dos proveitos ou da manutenção da fonte produtora.

Porque uma operação com prejuízo pode ser a necessária e a adequada para aceder ulteriormente a um lucro maior ou para impedir a realização e maiores prejuízos. O juízo sobre a indispensabilidade do custo baseado apenas no seu resultado direto corre, por isso, sérios riscos de ser excessivamente simplista ou até absolutamente errado.

O que sucede é que, quando a determinada operação é realizada com prejuízo, pode ser menos aparente a conexão com os correspondentes proveitos ou com a manutenção da fonte produtora e pode aumentar, por isso, o dever de colaboração do sujeito passivo com a administração tributária, fazendo-se recair sobre aquele o ónus de explicitar ou aprofundar as razões que determinaram a decisão empresarial, quando tal lhe for solicitado no decurso do procedimento inspetivo (José Luis Saldanha Sanches fala a este propósito num «ónus de prova em sentido material» - in «Manual de Direito Fiscal», 3.ª edição, pág. 388).

Assim sendo, não seria pelo facto de o contrato de suprimento dar direito ao recebimento do valor emprestado e a Recorrida ter recebido valor inferior que a administração tributária ficava imediatamente habilitada a rejeitar a dedutibilidade para efeitos fiscais do custo correspondente. Importaria também que averiguasse se a natureza da operação ou os respetivos documentos de suporte davam indicações sobre as decisões de gestão subjacentes e os respetivos fundamentos e era possível, por aí, estabelecer alguma conexão com os objetivos estatutários. E, em caso negativo, importaria que a administração tributária demonstrasse ter suscitado a colaboração do sujeito passivo no decurso do procedimento e que a reação deste ou o conteúdo das explicações fornecidas eram insuficientes para estabelecer aquela conexão.

No caso, os documentos a que a administração tributária teve acesso no decurso do procedimento inspetivo demonstram que a cessão dos suprimentos foi enquadrada numa operação de venda de participações sociais em duas sociedades constituídas para o exercício da atividade estatutária da Recorrida, pelo que a o juízo sobre a dedutibilidade do custo emergente deveria ter, ao menos no seu ponto de partida, o mesmo enquadramento. Ao considerar a operação de cedência da dos suprimentos desligada da operação e alienação das participações sociais nas duas sociedades, a administração tributária procedeu, a nosso ver, a um notório enviesamento da realidade que ressalta de tal documentação, em que a Recorrente agora persiste.

Questão que não é de somenos porque a alienação das participações sociais deu origem a uma mais-valia de € 10.069.512,18, que cobre quase quatro vezes a menos-valia de € 2.885.854,77 verificada na cessão de suprimentos. O que significa que, no seu cômputo global, a operação não aparenta ter dado prejuízo.

E ainda que tivesse dado prejuízo, tal não chegaria, como vimos, para concluir sem mais que o custo correspondente não foi indispensável. Importaria que a administração tributária tivesse convocado a Recorrida a prestar esclarecimentos sobre as razões que a determinaram e formulasse o seu juízo sobre a indispensabilidade do custo a partir do conteúdo desses esclarecimentos ou do comportamento mais ou menos colaborante da Recorrida.

Ora, o que resulta do relatório da fiscalização não é que a Recorrida tivesse sido chamada a colaborar com os serviços de inspeção tributária no sentido de aferia a indispensabilidade desse custo. Aqueles serviços limitaram-se a convoca-la para justificar a origem da diferença entre o saldo em duas contas, o que tem mais a ver com a aferição da própria natureza e da origem desse custo do que com as razões que o determinaram. E a pronúncia sobre a audição prévia neste capítulo denuncia que a administração tributária nunca se deu a tal trabalho por entender que um custo desta natureza nunca poderia ser admitido (por – na sua asserção, constituir uma liberalidade; no que também não se concede pelas razões mencionadas no ponto anterior).

Quanto ao outro argumento utilizado pela Recorrente (o de que a Recorrida poderia ter cedido os suprimentos a uma sociedade de Factoring), entendemos que não um argumento válido, porque assenta em juízos de oportunidade sobre as decisões económicas da gestão da empresa. Na prática, o que a Recorrente vem dizer ao tribunal é que haviam melhores opções de gestão do que aquelas que foram adotadas, e esta argumentação tem subjacente um critério de indispensabilidade diverso do que emana do artigo 23.º citado.

Como refere Tomás Tavares, ob. cit., págs. 134/135, não é à administração tributária, mas aos sócios ou accionistas, que compete sindicar a oportunidade das decisões empresariais. Àquela compete apenas formular um juízo externo, de tipo cognoscitivo, sobre a provável inserção dessas decisões no seu escopo lucrativo, com referência ao momento em que foram tomadas (ainda que houvesse outras que, hipoteticamente e num juízo formulado a posteriori, importassem melhores resultados).

De todo o exposto decorre que a administração tributária incorreu neste particular num o erro sobre a suficiência dos elementos factuais obtidos para concluir pela não dedutibilidade do custo com tal fundamento. Mas também num erro de direito sobre o próprio conceito de indispensabilidade que emana daquele dispositivo legal.

Pelo que o recurso não pode merecer provimento nesta parte.

5.4. Resta-nos conhecer do outro fundamento do recurso: o erro na aplicação do direito aos factos, na parte em que se concluiu que, como consequência do deferimento do pedido de revisão da matéria tributável a que aludiu a Recorrida no seu articulado superveniente, deveria ser anulada a liquidação dos juros compensatórios no valor de € 56.846,47.

Alega a Recorrente que do deferimento do pedido de revisão não resulta a ilegalidade da correção subjacente, relativa ao exercício de 2002 e que os juros compensatórios são devidos pelo retardamento da entrega do imposto correspondente à importância que indevidamente foi deduzida nesse exercício.

Adiantamos desde já que a Recorrente tem razão nesta parte.

São requisitos do direito a juros compensatórios a coberto do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária: (1.º) que ocorra um facto traduzido no retardamento da liquidação do imposto devido; (2.º) que esse facto seja imputável objetivamente ao sujeito passivo (designadamente por lhe ser imputado o dever de praticar o ato omitido ou de omitir o ato praticado que deu origem ao retardamento da liquidação); (3.º) que esse facto lhe seja também subjetivamente imputável, a título de culpa; (4.º) que desse facto resulte um dano traduzido no prejuízo resultante; (5.º) que o comportamento do sujeito passivo seja condição adequada do retardamento da liquidação.

Resulta dos autos que a liquidação de juros compensatórios que por aqui foi posta em causa tem origem na correção à matéria coletável do exercício de 2002 a que alude o ponto “7” do relatório de inspeção tributária e que transcrevemos no ponto 42.º dos factos provados, aditado no ponto 3.4. supra. Dali se extrai que a referida correção diz respeito ao montante de € 1.623.607,00, que foi deduzido ao resultado líquido do exercício de 2002 de forma a compensar a dupla tributação do proveito correspondente em anos anteriores.

Com efeito, a Recorrida, tendo verificado que a provisão desse valor constituída em 1995 e reforçada em 1996 não foi aceite pela administração tributária, deparou-se com uma situação de dupla tributação, porque tinha ela própria considerado como proveito o valor correspondente no exercício de 1998 ao abrigo do artigo 34.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. Sendo que, se o custo não poderia ser aceite, também não tinha que assumir o proveito correspondente.

Para reverter essa situação de dupla tributação, a Recorrida decidiu contabilizar um custo nesse valor no exercício de 2002, o que veio a ser considerado indevido pela administração tributária, por entender que a reversão das situações de dupla tributação não pode ser efetuada num exercício à escolha do sujeito passivo mas no exercício em que se verificou essa dupla tributação, in casu o exercício de 1998.

Ora, deste quadro factual se extrai que a liquidação de juros compensatórios correspondentes tem origem no atraso da liquidação do imposto devido no exercício de 2002, já que, ao deduzir o montante de € 1.623.607,00, a Recorrida obteve um valor tributável inferior ao devido nesse exercício, com reflexo no valor auto-liquidado, que só foi regularizado em liquidação adicional da iniciativa da administração tributária.

A Recorrida não contestou a legalidade dessa correção nem tão pouco que não possa escolher a seu critério o exercício que mais lhe convém para proceder a reversão da dupla tributação. Pelo que não pode agora enjeitar a natureza ilícita do seu comportamento, com referência a esse exercício.

De nada lhe vale vir agora dizer que a «anulação da provisão em causa (…) resulta de uma divergência de critérios e de uma diferente interpretação legal a nível da imputação temporal de custos e proveitos». O que interessa para o caso é que, no entendimento da administração tributária (que a Recorrida decidiu não contestar e que, por isso, não pode ser aqui discutido), tal comportamento era ilegal.

Também não se aceita que o seu comportamento não lhe possa ser culposamente imputado. Não foi invocado que a decisão corrigir a situação de dupla tributação não resultou de sua iniciativa, ou que constituiu a resposta a alguma instrução da administração tributária, ou que não soubesse nem devesse saber que não poderia unilateralmente proceder à anulação dos efeitos de uma dupla tributação ocorrida num outro exercício.

Nesta parte, de resto, o que a Recorrida veio dizer foi que a culpa não lhe pode ser assacada porque a administração tributária reconheceu a dupla tributação. Só que a administração tributária reconheceu a dupla tributação no exercício de 1998 e não que daí derivasse o direito de constituir, em 2002, uma provisão que «anulasse» essa dupla tributação. Pelo que tal reconhecimento não iliba a Recorrida das responsabilidades que lhe devam ser imputadas em 2002.

Contrapunha a Recorrida que, ao negar-se a anulação da liquidação de juros compensatórios se viola o direito a uma tutela judicial efetiva (artigo 23.º do douto articulado superveniente). Mas sem razão, porque o direito à tutela efetiva não se confunde com o direito ao deferimento da pretensão que se visa tutelar. Sendo que nos presentes autos foi concedido o direito de discutir a legalidade dos juros compensatórios, ainda que – por decisão que este tribunal agora toma – para indeferir essa pretensão.

Assim e porque também se não põe em causa que o comportamento da Recorrida causou dano à administração tributária e estão, por isso, reunidos todos os requisitos do direito a juros compensatórios, resta a este tribunal de recurso conceder provimento ao recurso, nesta parte e, em consequência revogar a decisão recorrida correspondente.

6. Conclusões

6.1. Quando o tribunal de primeira instância, deferindo integralmente a pretensão do impugnante, anula a parte da liquidação impugnada que não está suportada nas correções cujos fundamentos são impugnados, não ocorre a nulidade por excesso de pronúncia, mas erro de julgamento.

6.2. A menos-valia resultante de cessão de suprimentos por valor inferior àquele em que foram efetuados e que constituam uma liberalidade não é reconhecida como um custo para efeitos de I.R.C. – artigo 24.º, n.º 1, alínea a), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas;

6.3. Mas a cessão de suprimentos por valor inferior àquele por que os mesmos foram efetuados e que, nos termos acordados, integre a contrapartida no negócio de alienação de participações social e uma das parcelas do valor subjacente ao cálculo do preço correspondente, não é uma liberalidade.

6.4. A menos-valia resultante de cessão de suprimentos por valor inferior àquele em que foram efetuados e que não seja uma liberalidade só constitui um custo dedutível para efeitos fiscais se, além do mais, se revelar indispensável para à realização de proveitos ou a manutenção da fonte produtora – artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas;

6.5. No juízo a formular sobre a indispensabilidade desse custo, não compete à administração tributária avaliar a bondade ou a oportunidade da decisão de gestão que determinou a cessão dos suprimentos por valor inferior ao real, mas apenas formular um juízo externo, de tipo cognoscitivo, sobre a provável inserção dessas decisões no seu escopo lucrativo, com referência ao momento em que foram tomadas e às circunstâncias do negócio global em que foram inseridas;

6.6. É ilegal e deve ser anulada a parte da liquidação adicional resultante da não admissão do custo correspondente à menos-valia contabilizada na cessão de suprimentos por valor inferior àquele por que os mesmos foram efetuados, se dos seus fundamentos resulta que não levou em conta nem a relação entre o negócio subjacente e o escopo societário nem indagou e avaliou as circunstâncias que o determinaram.

6.7. São devidos juros compensatórios pelo retardamento da liquidação de imposto determinado pela dedução, por iniciativa do sujeito passivo, de determinado valor, se esta vier a ser julgada ilegal pela administração tributária, por violação do princípio da especialização dos exercícios, em decisão por aquele não impugnada, e ainda que tal dedução tenha sido efetuada para reverter uma situação de dupla tributação verificada em exercício anterior.

7. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder parcial provimento ao presente recurso e, em consequência:

a) Revogar a decisão recorrida na parte em que anulou a parte da liquidação impugnada que não está suportada nas correções cujos fundamentos são impugnados;

b) Revogar a decisão recorrida que anulou a parte da liquidação dos juros compensatórios no valor de 56.846,47 (cinquenta e seis mil oitocentos e quarenta e seis euros e quarenta e sete cêntimos).

Em substituição, julgar improcedente essa parte da impugnação.

No mais, confirmar o decidido em primeira instância.

Custas pela Recorrente e pela Recorrida na proporção do decaimento, fixando-se em um terço o decaimento da primeira e em dois terços o decaimento da segunda.

Porto, 13 de Setembro de 2013

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves

Ass. Pedro Marques