Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01822/13.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/28/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DE ACTOS ADMINISTRATIVOS
Sumário:I- O Tribunal recorrido explicitou, de forma clara e sustentada, os fundamentos que inviabilizam a concessão da tutela pretendida;
I.1- por isso, a sentença concluiu pelo indeferimento do pedido do Requerente;
I.2- e, face ao juízo a adoptar nesta sede (cautelar), que será sempre um juízo indiciário, de verosimilhança e de probabilidade, sob pena de se estar a entrar no domínio da apreciação de mérito, ele mostra-se assertivo, face aos elementos insertos nos autos;
I.3- por outro lado, o apelo aos preceitos constitucionais não passa de uma via desesperada de barrar uma iniciativa legislativa, emanada do poder legitimado para adoptar medidas de racionalidade dos serviços, nomeadamente, numa conjuntura difícil como aquela que o país enfrenta.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:STAL-Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local
Recorrido 1:Município de Vila Nova de Famalicão
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
STAL - Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local e Regional propôs contra o Município de Vila Nova de Famalicão, ambos já melhor identificados, providência cautelar tendente a obter a suspensão da eficácia “do despacho do Senhor Presidente da Câmara do Município de Vila Nova de Famalicão, datado de 27-11-2013”, que procedeu à alteração do período normal de trabalho para 8 horas diárias e 40 horas semanais, nos termos da Lei 68/2013, de 29 de Agosto.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi indeferida a providência solicitada.
Desta decisão vem interposto recurso.
Em alegação o Requerente concluiu o seguinte:
A)- vem este recurso interposto da aliás sentença que indeferiu a presente providência cautelar conservatória com o fundamento de não se verificarem os requisitos para o seu decretamento, quer os requisitos previstos na al. a) quer os da al. b) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA;
B)- salvo melhor opinião, afigura-se que a sentença recorrida não fez a melhor interpretação e aplicação das referidas determinações legais;
C)- está em causa a suspensão da eficácia do despacho do Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, datado de 27 de Novembro de 2013, elaborado ao abrigo da Lei 68/2013, de 29 de Agosto, nomeadamente ao abrigo do disposto dos arts. 2º e 10º da mesma lei, despacho esse que procedeu à alteração do período normal do horário de trabalho de 35 horas semanais e 7 horas diárias para 40 horas semanais e 8 horas diárias;
D)- pelas razões jurídicas expostas em 5 da alegação, sufragadas pelos Exmºs. Senhores Conselheiros do Tribunal Constitucional, que aqui se dão por reproduzidas, a norma do artº. 2.º, interpretada com a do artº. 10.º, da Lei nº 68/2013, de 29 de Agosto, é inconstitucional por violação, além do mais, do direito à contratação colectiva reconhecido pelo artº. 56.º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa;
E)- esta conclusão é, como refere o Exmº. Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro (cfr. ponto 5.1 supra), a que encontra mais consistente suporte nos factores objectivos de interpretação das leis;
F)- o acto administrativo impugnado, cuja suspensão da eficácia é requerida, tendo sido proferido em cumprimento daquelas normas inconstitucionais, é claramente ilegal, não podendo ser mantida a sua execução;
G)- face ao referido nas conclusões D e F, é legítimo considerar-se, à luz da melhor interpretação jurídica, que é evidente a procedência da pretensão a formular na acção administrativa especial do acto administrativo em causa, com vista à anulação desse mesmo acto;
H)- nestas circunstâncias, legitima-se e impõe-se o decretamento da providência requerida, ao abrigo da al. a) do nº 1 do artº. 120.º do CPTA;
I)- quando assim se não entenda, deve a providência requerida ser decretada ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 daquele artº. 120.º;
J)- com efeito, o autor alegou os prejuízos de difícil reparação – alguns deles de impossível reparação – referidos em 7.2 supra e que aqui se dão por reproduzidos, sofridos e a sofrer pelos associados do Requerente com a execução do despacho impugnado;
K)- tais factos, que consubstanciam os aludidos prejuízos, ou decorrem da lei ou são factos notórios, cuja prova é dispensada nos termos do artº. 412.º do C.P.C.;
L)- os prejuízos decorrentes da execução do acto impugnado sofridos pelos associados do Requerente no âmbito da sua vida familiar e pessoal, por terem acontecido e continuarem a acontecer são irreparáveis, o que traduz uma situação de facto consumado (e não apenas do seu receio);
M)- esta situação impõe também o decretamento da providência requerida com dispensa dos prejuízos de difícil reparação, nos termos da citada al. b) do nº 1 do artº 120.º do CPTA;
N)- julgando, como julgou, a decisão recorrida, salvo o merecido respeito, não fez correcta interpretação e aplicação dos artºs. 56.º, n.º 3 da CRP, 412.º do C.P.C. e 120º., n.º 1, als. a) e b) do CPTA, devendo ser revogada e ser decretada a providência cautelar requerida de suspensão da eficácia do acto administrativo impugnado e atrás referido na conclusão C.
Dado o exposto deve ser revogada a sentença recorrida e ser decretada a providência cautelar requerida de suspensão da eficácia do acto administrativo impugnado e atrás referido na conclusão C.
ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA.
Não foi oferecida contra-alegação.
O MP, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso. Socorreu-se para tal da argumentação que aqui se deixa em resumo:
“(….)
II. 3. Ora, revertendo para o caso sub judice, diremos que, considerando, por um lado, a factualidade que se mostra fixada, na decisão judicial in crisis e, por outro, a análise efectuada pelo tribunal a quo às disposições legais convocadas para a solução do pleito, temos, para nós, que se mostra verificado o fumus malus iuris.
Assim, pese embora o M.mo Juiz de Direito a quo, nos termos vazados na douta sentença sob censura, que nos dispensamos hic et nunc de reproduzir, se socorra da al. b) do citado normativo para concluir pela legalidade do acto impugnado, pelo contrário, na nossa perspectiva, resulta evidente, a um exame necessariamente apriorístico, a inverificação dos vícios que lhe foram imputadas no requerimento inicial, sem prejuízo do facto da respectiva existência demandar uma análise aprofundada da situação, a qual deverá ser reservada para os autos principais.
A ser assim, nesta sede cautelar, merece aplauso a douta sentença em crise, quando julga inverificado o requisito da aparência do bom direito, sem embargo, como é óbvio, de uma mais detalhada análise - com que se não compagina esta instância cautelar - a efectuar na sede própria, justamente o processo principal.
Destarte, no nosso modesto entendimento, seja mediante o recurso à al. a) [para o qual propendemos], seja por aplicação da al. b) do n.º 1 do aludido artigo 120.º [na tese perfilhada pelo tribunal a quo], imperioso se torna concluir pela inverificação in casu do requisito do fumus boni iuris.
Nesta conformidade, não merece reparo a douta sentença recorrida, razão pela qual deverá improceder o presente recurso jurisdicional, pelo menos quanto a este segmento.
II. 4. Do acima exposto, resulta que o Recorrente não logrou derrubar a ilação que o tribunal a quo extraiu da factualidade apurada, quanto à inexistência do requisito do fumus non malus iuris exigido pela al. b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.
A ser assim, como de facto é, soçobrando a argumentação do Recorrente quanto à por ele alegada verificação da aparência do bom direito, não nos deteremos na apreciação do outro requisito de que depende a concessão das providências cautelares, que consiste no chamado periculum in mora.
Na verdade, face à necessária cumulatividade desses requisitos, a douta sentença do tribunal a quo nem sequer se debruçou sobre a sua eventual verificação no caso sub judice.
A acrescer, ainda que, por hipótese de raciocínio, este Venerando TCA Norte viesse a concluir e a decidir pela ocorrência dos dois requisitos exigidos pela al. b) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, cumpre-nos enfatizar que o Recorrente não curou de explicitar e demonstrar a integração da situação na norma do n.º 2 do mencionado preceito.
Ora, não sofre dúvidas que a presente providência apenas poderá ser adoptada se se mostrar preenchido o outro requisito cumulativo, assente numa ponderação de todos os interesses em presença (públicos e/ou privados), consagrado na referida norma do n.º 2 do aludido artigo 120.º, do CPTA.
Assim sendo, face ao juízo emitido pelo tribunal a quo, juízo esse que o Recorrente não logrou contrariar ou infirmar, impõe-se, na nossa óptica, concluir pela total falta de fundamento do presente recurso jurisdicional.
X
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
1) Em 27 de Setembro de 2013, o Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão proferiu o seguinte despacho (doc. 1 junto com o requerimento inicial):

2) O Requerimento inicial deu entrada, via correio electrónico, em 14 de Novembro de 2013.
DE DIREITO
É objecto de recurso a sentença proferida pelo TAF de Braga que indeferiu a providência de suspensão da eficácia do acto administrativo com fundamento na não verificação dos pressupostos de concessão das providências cautelares.
O Recorrente assaca ao julgado erro de direito por incorrecta interpretação e aplicação dos artºs 56º/3 da CRP, 412º do CPC e 120º/1/a) e b) do CPTA.
Cremos que não lhe assiste razão.
Antes, porém, deixa-se aqui parcialmente transcrito o discurso jurídico fundamentador da decisão em crise:
“(…..)
A questão que cumpre enfrentar reconduz-se, portanto, a analisar se se mostram preenchidos os pressupostos legais que permitem o decretamento da providência cautelar que vem peticionada pelo Requerente.
O pedido cautelar apresentado pelo Requerente estriba-se, numa primeira linha, na alegação de uma eventual procedência manifesta da pretensão a formular do processo principal, apelando-se, portanto, à verificação do requisito previsto na alínea a), do art.º 120º, n.º1, do CPTA.
À luz deste normativo, as providências cautelares são adoptadas “quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente”.
Nestas situações, se resultar evidente que o requerente da providência tem razão, então a providência deve ser decretada independentemente de se analisar se existe prova do receio do facto consumado ou da difícil reparação do dano e independentemente dos prejuízos que a concessão possa causar aos interessados públicos e dos particulares.
Nesta medida, o âmbito de aplicação da sobredita alínea a) do n.º 1 do art.º 120º do C.P.T.A., apresenta-se como verdadeiramente derrogatório do regime geral comum, sendo aplicável apenas em situações excepcionais, quando se afigure evidente ao julgador que a pretensão formulada ou a formular no processo principal irá ser julgada procedente (sobre a natureza do critério em analise, veja-se Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, Maio de 2010, Almedina, Coimbra, págs. 795 e 796).
Para estes efeitos, com se refere no Acórdão do STA, de 13.02.2007 (Proc. n.º 047555A, disponível para consulta em www.dgsi.pt/jsta) “… essa evidência de procedência do processo principal deve, naturalmente, poder ser facilmente constatada pela simples leitura da petição, ou resultar, de forma inequívoca e, portanto, sem qualquer esforço exegético, de qualquer documento junto ao processo…”.
Dentro deste quadro de compreensão, que servirá de verdadeiro referencial na aferição da verificação, ou não, do preenchimento do requisito previsto na alínea a) do art.º 120º, n.º1, do C.P.T.A., é momento de regressar à concretude dos presentes autos, tendo em vista dirimir a questão suscitada.
O Requerente, funda a pretensa ilegalidade do acto administrativo impugnado, e aqui suspendendo, não propriamente em vícios formais ou materiais próprios e autónomos do acto sob escrutínio, mas antes na sua invalidade, por assim dizer, derivada da possível inconstitucionalidade das normas jurídicas constantes da Lei n.º 68/2013, das quais resultou a alteração do horário normal da jornada semanal de trabalho, das 35 horas paras as 40 horas.
Ora, tais invalidades não se apresentam perante o julgador como manifestas ou evidentes, e posto que o eventual juízo de (in)constitucionalidade dos normativos postos em crise implicar exigir ao aplicador do direito todo um esforço exegético, em ordem à prévia fixação do referente constitucional das normas e princípios constitucionais que irão servir de parâmetro do juízo a formular.
Daí que, ao contrário do que sustenta o Requerente, não se pode afirmar que a pretensão a formular nos autos principais pelo Requerente se apresente, por si mesma, de uma procedência que se afirme evidente e que justifique, sem mais, o imediato decretamento da medida cautelar que aqui vem pedida.
Assim, não se mostra preenchido o requisito previsto no art.º 120º, n.º1, alínea a), do CPTA.
Restará, então, aferir da verificação dos pressupostos (cumulativos) previsto na alínea b), do mesmo preceito legal, para a adopção de uma providência cautelar conservatória ou antecipatória é, desde logo, necessário que “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação” para os interesses do Requerente, impondo-se ainda que “não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular” no processo principal “ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito.
Atenta a cumulatividade dos requisitos, começar-se-á, por razões de economia, pela análise deste último dos requisitos, e posto se considerar que para a sua apreciação não poderá deixar se atender à pronúncia do recente Acórdão do Tribunal Constitucional (cfr. Acórdão n.º 794/2013, de 21.11.2013, disponível para consulta em www.tribunalconstitucional.pt e recentemente publicado no Diário da República, 2.ª série — N.º 245 — 18 de Dezembro de 2013), prolatado já após a propositura do presente processo cautelar.
Neste Acórdão, o Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se no âmbito da fiscalização sucessiva abstracta da constitucionalidade dos artigos 2º, 3º, 4º, 10º e 11º da Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto, dos quais resultou a alteração da jornada normal semanal de trabalho para 40 horas para os trabalhadores em funções públicas, pronunciou-se pela não inconstitucionalidade dos identificados preceitos legais, não acolhendo a tese que serve de causa de pedir ao aqui Requerente, consubstanciada na alegação de que os identificados normativos violariam o direito a um limite máximo da jornada de trabalho, previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea d), da Constituição, o comando constitucional que obriga o Estado a fixar, a nível nacional, os limites da duração do trabalho, previsto no artigo 59º, n.º 2, alínea b), da Constituição, os princípios constitucionais da igualdade, da protecção da confiança e da proporcionalidade, próprios do Estado de Direito, plasmados nos artigos 2º, 13º, n.º 1, 18º, n.º 2, 266.º; n.º 2, e 272.º, n.º 2, todos da Constituição.
Este juízo de não inconstitucionalidade afirmado no Acórdão 794/2013, não pode, naturalmente, deixar de ter repercussões no presente cautelar, não propriamente numa perspectiva de inutilidade/impossibilidade da lide, por o objecto da causa se mostrar intocado dentro do universo dos efeitos jurídicos passíveis de serem produzidos na causa principal, mas antes em sede de (in)verificação dos pressupostos do decretamento da providência.
Com efeito, fazendo o Autor assentar a ilegalidade do acto suspendendo na inconstitucionalidade dos normativos da Lei n.º 68/2013, dos quais resultou a alteração do período normal de trabalho paras as 40 horas, o juízo de não inconstitucionalidade proferido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão citado, no qual se analisaram também os fundamentos de inconstitucionalidade aqui invocados pelo Requerente, faz com que se afigure ser manifesta a ausência de fundamento da pretensão a formular nos autos principais, circunstância que obsta a que se possa ter como preenchido o requisito do fumus non malus iuris, previsto na parte final do art.º 120º, n.º1, alínea b), do CPTA.
Destarte, não se mostrando preenchido este requisito, impõe-se concluir – e sem mais, atenta a cumulatividade dos requisitos legais – pela improcedência do pedido cautelar formulado pelo Requerente, o que aqui se decide.”
X
É inequívoco que estamos perante uma providência cautelar conservatória, que está intimamente ligada aos autos principais, sendo nestes que a pretensão do requerente irá ser analisada e decidida com a profundidade necessária, tratando-se, em sede cautelar, apenas de assegurar a utilidade da sentença que aí venha a ser proferida mediante a adopção de medidas urgentes baseadas necessariamente numa apreciação sumária e perfunctória do caso.
Daí que ao julgador de um processo cautelar em que é solicitada uma providência conservatória se imponha que proceda a uma apreciação sucinta e sumária das ilegalidades apontadas pelo requerente cautelar ao acto impugnado ou a impugnar com o objectivo de constatar se ocorre a sua manifesta ilegalidade, não lhe competindo analisar e apurar com exaustão se as ilegalidades imputadas ao acto impugnado ocorrem ou não.
Assim e quanto à al. a) do nº 1 do artº 120º do CPTA, o que há a fazer é apreciar se elas são flagrantes, ostensivas, evidentes, como a este respeito, escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos A. F. Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005/ 603; no mesmo sentido Fernanda Maçãs, em As Medidas Cautelares, Reforma do Contencioso Administrativo - O Debate Universitário, vol. I/ 462 e ac. do STA de 16/03/2006, rec. 0141/06, entre outros.
E neste tipo de situações (de ilegalidades evidentes) o seu decretamento é quase automático na medida em que assenta em requisitos objectivos, baseando-se num critério de evidência, que incorpora, em simultâneo, a salvaguarda do interesse público (sob a forma do princípio da legalidade - a Administração não deve praticar tais actos -) e a tutela dos interesses privados (o particular tem direito a que a sua situação seja legalmente apreciada e conformada).
Já quanto à alínea b) do citado normativo, permite-se que a providência cautelar conservatória seja concedida caso haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (
periculum in mora) e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao conhecimento de mérito (fumus non malus juris).
Nesta análise, o requisito do
fumus non malus iuris -alínea b) - não é tão exigente como na alínea a), não impondo um juízo de certeza sobre o bom ou mau direito, sendo suficiente a formulação de um juízo de aparência do bom direito.
E através do requisito do
periculum in mora, pretendeu-se impedir que durante a pendência da acção principal a situação de facto se altere e se consolide de forma a que a sentença nela proferida, sendo favorável, se esvazie de eficácia prática.
Ou seja, se se verificarem os demais requisitos para a concessão da providência cautelar, a mesma terá de ser concedida, como refere Aroso de Almeida, em O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4ª ed./299/300 “
desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade - é este o sentido a atribuir à expressão facto consumado”.
Igualmente deverá ser concedida sempre que se preveja esta impossibilidade de reintegração devido à demora do processo principal, quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso da providência ser recusada e isto, quer porque, a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque, pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar, total ou parcialmente.
Daí que, como observa Vieira de Andrade, em Justiça Administrativa, 8ª ed./348 “
o julgador deverá fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dele deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”.
A prova, ainda que sumária, quer do fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado, quer da produção de prejuízos de difícil reparação, pertencem naturalmente ao requerente da providência - artº 342º/1 do Código Civil.
Na hipótese sub judice o Tribunal afastou a aplicação ao caso da alínea a) do citado artº 120º, isto é, considerou que, de modo algum, se pode apelidar de manifestamente ilegal o acto impugnado ou a impugnar no processo principal.
Da leitura desta peça processual decorre que o senhor Juiz fundamentou, concisa, mas suficientemente, o seu entendimento jurídico, de modo a concluir pela não verificação do requisito do
fumus boni iuris, cuja existência era absolutamente essencial ao deferimento da requerida providência, bem como do periculum in mora, ou seja, pela inexistência de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado. Alicerçou-se na posição que obteve vencimento no Tribunal Constitucional, no ac. que abordou a temática vertente.
Relativamente à produção de prejuízos de difícil reparação, o Requerente limitou-se a afirmar que os seus associados, decidindo as suas vidas no pressuposto de um determinado horário de trabalho, ficarão agora privados de uma maior disponibilidade para angariar outros proventos, o que potencia um substancial aumento de encargos com a assistência aos filhos em creches e estabelecimentos similares.
As referidas alegações, para a consecução do fim visado careciam de específica individualização, com a demonstração dos prejuízos e a prova de fundado receio de ocorrência do efeito de facto consumado, em cada caso concreto, o que não sucedeu. Basta atentar na factualidade levada ao probatório e ora não questionada.
Como também já salientámos noutros acórdãos que versaram sobre esta matéria e citando a 1ª instância, “não resulta que o Requerente haja sequer alegado de forma concreta quais os danos que cada um dos seus representados sofreria com a manutenção do acto suspendendo. Tendo optado por uma alegação genérica de “afectação dos planos de vida” desconhece o Tribunal quais os representados que têm filhos, ou não; quais os representados que têm de prestar cuidados de assistência a familiares, ou não; quais os representados que exercem outras funções fora do horário de trabalho, ou não; e quais aqueles representados que não se enquadram em qualquer destas situações.” - acs. deste TCAN nos procs. 716/13.1BECBR, 833/13.8BEAVR e 914/13.8BEAVR, aquele de 28/02/2014 e estes de 14/03/2014.
Por outro lado, o apelo aos preceitos constitucionais também não passa de uma via desesperada de barrar uma iniciativa legislativa, emanada do poder legitimado para adoptar medidas de racionalidade dos serviços, mormente numa conjuntura difícil como aquela que o país enfrenta.
Dito de outro modo, o Tribunal a quo explicitou, de forma clara e sustentada, os fundamentos que inviabilizam a concessão da tutela cautelar.
Em suma:
- os requisitos para o decretamento de uma providência cautelar são, em termos muito simplistas, os seguintes - artº 120º do CPTA: que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); que não seja manifesta a falta de fundamentação da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito (fumus boni juris); que da ponderação dos interesses públicos e privados em presença decorra que os danos resultantes da concessão da providência não se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências (proporcionalidade e adequação da providência);
- a verificação destes requisitos tem que ser cumulativa;
- o
fumus boni juris pode ter uma formulação positiva e uma formulação negativa. Na formulação positiva é preciso acreditar na probabilidade de êxito do recurso principal. Tem de se verificar uma aparência de que o recorrente ostenta, de facto, o direito que considera lesado pela actuação administrativa; na formulação negativa basta que o recurso principal não apareça à primeira vista desprovido de fundamento;
-a alínea b) do nº 1 do artº 120º do CPTA satisfaz-se, no que a este segmento importa, com uma formulação negativa, nos termos da qual basta que «não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular» pelo requerente no processo principal «ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito» para que uma providência conservatória possa ser concedida. Consagra-se, deste modo, o que já foi qualificado como um
fumus non malus iuris: não é necessário um prejuízo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal, basta que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a falta do preenchimento de pressupostos dos quais dependa a própria obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa;
- ocorre uma situação de facto consumado prevista no artº 120º/1/b) do CPTA quando, a não ser deferida a providência, o estado de coisas que a acção quer influenciar fique inutilizada
ex ante;
- por seu turno, danos de difícil reparação são aqueles cuja reintegração no planos dos factos se perspectiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente;

- a sentença recorrida decidiu pelo indeferimento do pedido cautelar deduzido pelo Requerente;
- e, face ao juízo a adoptar nesta sede cautelar, que terá sempre de ser um juízo indiciário, de verosimilhança e de probabilidade, sob pena de se estar a entrar no domínio da apreciação de mérito, ele mostra-se assertivo, face aos elementos ínsitos nos autos.
Improcedem, pois, as conclusões da alegação.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Sem custas, por delas estar isento o Recorrente.
Notifique e D.N.
Porto, 28/03/2014
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: João Sousa
Ass.: Maria do Céu Neves