Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00145/14.0BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/15/2019
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:SUBSÍDIO DE DESEMPREGO; FACTOS NEGATIVOS; RECUSA DE PROPOSTA DE EMPREGO; PROVA TESTEMUNHAL
Sumário:
1 – A prova de que o trabalhador desempregado recusou proposta de emprego não pode resultar de prova meramente circunstancial, decorrente de contacto telefónico no qual o trabalhador afirmou que padeceria de problemas de saúde, e sem que expressamente tenha recusado a proposta apresentada.
2 - A acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur»
3 - o subsídio de desemprego visa proteger os trabalhadores (e as suas famílias) na situação de desemprego, através da concessão de prestações pecuniárias (mensais) substitutivas dos rendimentos da atividade profissional perdidos. Trata-se, por conseguinte, de uma prestação pecuniária continuada que perdura no tempo, e que se mantém enquanto se verificarem os pressupostos que o legitimam, e pelo período de concessão legalmente previsto.
4 – Não é sustentável afirmar que o facto do Recorrente “somente ter produziu uma testemunha” quanto ao facto por si alegado de que não recusou a oferta de emprego, denotará a insuficiente prova, pois que tal pressuporia uma ideia inaceitável de acordo com a qual uma prova só seria relevante e consistente se viesse corroborada por um conjunto de testemunhas, sendo que na situação em análise estamos em presença de um contacto telefónico bilateral, situação face à qual, por natureza, não deverá haver um leque alargado de testemunhas. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:LAE
Recorrido 1:Instituto de Emprego e Formação Profissional IP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença recorrida
Julgar procedente a acção
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
LAE, no âmbito da Ação Administrativa Especial que intentou contra o Instituto de Emprego e Formação Profissional IP, tendente à anulação do despacho proferido na Delegação Regional do Norte, em 6 de Novembro de 2013, que determinou a cessação do pagamento do subsidio de desemprego, mais peticionando a condenação do referido Instituto a restabelecer a inscrição do Autor como candidato a emprego no Centro de Emprego de Torre de Moncorvo, inconformado com a Sentença proferida em 21 de maio de 2018, através da qual foi julgada improcedente a Ação, veio interpor recurso jurisdicional do mesmo, proferido em primeira instância e em coletivo, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.
Formula o aqui Recorrente nas suas alegações de recurso, apresentadas em 28 de junho de 2018, as seguintes conclusões:
1ª) Determina o nº 1 do art. 342º do Código Civil que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito. Por seu lado,
A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele que contra quem a invocação é feita (cfr. nº 2 do art. 342º do Código Civil).
Conforme foi entendimento de Antunes Varela (RLJ, 116º- 342) «este art. não impõe a prova dos factos integradores da causa de pedir, mas sim dos factos constitutivos do direito (por ele) alegados.».
) A presente ação destina-se ao restabelecimento de direitos violados (art.37º nº2 al. d e alínea j) do nº 2 do art. 2º Do Código de Processo nos Tribunais Administrativos). Ora,
Conforme foi entendimento do Acórdão do STJ, de 08/06/2000:CJ/STJ, 2000, 2º-262) «I- A ação de condenação pressupõe a violação de um direito….II- nas ações de condenação é ao réu que incumbe alegar e provar a não violação do direito invocado por incumprimento da obrigação a que se encontra vinculado».
Perante isto,
3ª) Ao A./recorrente incumbia provar a sua qualidade de inscrito no Fundo de Desemprego na data dos factos, a anulação da sua candidatura a emprego do A. pela R. e os prejuízos por si sofridos, nomeadamente os montantes que deixou de receber a título de subsídio de desemprego- O que logrou fazer (cfr. factos 1, 2, 3, 12, e 13 dados por provados).
4ª) Por sua vez, à R. cabia fazer a prova de que o A. recusou, injustificadamente, a proposta de emprego efetuada pela Dr.ª SL da empresa « METT Lda.», o que determinou a anulação da candidatura a emprego do A./recorrente- O que a mesma R. não logrou fazer, como se passará a demonstrar.
5ª) Ainda que o Tribunal assim não entenda, o que só por hipótese meramente académica se concebe, sempre se dirá que o Tribunal a quo deveria ter entendido que a natural dificuldade da prova de factos negativos torna aconselhável menores exigências quanto à prova dos mesmos factos.
Sem prescindir do alegado,
6ª) Ao contrário do douto entendimento do Tribunal a quo, o A./Recorrente não tinha que impugnar quaisquer documentos, até porque da sua versão dos factos, porque antagónica com a versão da R./Recorrida, e em oposição com o teor dos mesmos documentos, terá de se considerar os mesmos como impugnados quanto à veracidade do que neles se encontra escrito, nos termos do disposto no art. 490º nº2 do CPC. Posto isto,
7ª) Não tendo os documentos em causa sido emitidos pelo próprio A./recorrente, com exceção do documento de fls. 06 do processo administrativo junto aos autos, deveriam os mesmos ter sido complementados com prova testemunhal.
Neste preciso sentido, veja-se o Ac. do STJ de 12/07/2011 (2ª Secção, Relator Tavares de Paiva), publicado em www.dgsi.pt, e cujo sumário se encontra transcrito na motivação supra expendida. Ora,
8ª) Da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, não resulta demonstrado (muito pelo contrário) que o teor da alegada mensagem de correio eletrónico junta a fls. 03 dos autos corresponda à verdade, ou seja, que o A./recorrente tenha recusado qualquer proposta de emprego, uma vez que as testemunhas supra identificadas e inquiridas em audiência de julgamento de 20/03/2018 não corroboraram o seu teor!! Com efeito,
9ª) A testemunha MCE, no seu depoimento prestado em audiência de julgamento de 20/03/2018 (gravado em sistema informático, com inicio ás 00:01.39 e fim ás 00.15.00), declarou que assistiu á conversa telefónica havida entre o A. e a Dr. S.....:
“(0:05:09) Testemunha: Portanto, foi há 4 anos, eu ia a entrar e ele estava ao telefone com uma senhora do Porto, de uma empresa de recrutamento, não sei muito bem o nome da senhora. Ele é que sabe. E só lhe ouvi dizer que sim, que ele queria trabalhar e que a experiência dele era como servente. (0:05:32)
Mandatário do A.: Era de uma empresa de recrutamento?
Testemunha: Sim, foi o que ouvi. Uma empresa de recrutamento do Porto.
Mandatário do A.: Pronto. Ele disse o quê? Qual era a experiência que ele tinha?
Testemunha: Como servente. Cinco anos na barragem do BS.
Mandatário do A.: Ele disse-lhe isso?
Testemunha: Sim, senhor Dr.
Mandatário do A.: Ele referiu alguma coisa como tendo sido também sinaleiro?
Testemunha: Tenho a impressão que sim, que ele de vez em quando também fazia isso de sinaleiro. (0:06:07)
Mandatário A.: Sim, mas isso é o que a senhora sabe. Mas tem noção se ele também referiu isso na chamada telefónica?
Testemunha. Referiu, referiu.
Mandatário do A.: E portanto, ele disse que estava interessado, como é que ele disse?
Testemunha: Sim, que estava interessado em trabalhar.
Mandatário do A.: Sabe se lhe foi perguntado se ele tinha algum problema de saúde?
Testemunha. Ele pediu por 2 ou 3 vezes para ela falar mais alto, porque ele andava com muitos problemas nos ouvidos. Tinha otite, tinha ido ao médico.
Mandatário do A.: Ele só pedia para ela falar mais alto.
Testemunha: Para ela falar mais alto.
Mandatário do A.: O nome SL diz-lhe alguma coisa?
Testemunha: Sim, acho que sim, que era esse nome. S...... (0:07:30) Já foi há muitos anos, mas…
Mandatário do A.: Mas tem essa impressão?
Testemunha: ainda tenho essa noção do nome.´(0:07:37)
Mandatário do A.: Olhe, sabe o que aconteceu depois? Sabe se lhe foi retirado.
Testemunha: Sim, foi-lhe retirado.
Mandatário do A.: O quê?
Testemunha: O subsídio de desemprego.
Mandatário do A.. E ele ficou espantado? Achou normal? O que é que ele…?
Testemunha: Não achou normal, pois não. Porque nunca chegou a saber porque é que foi. Porque ele não negou o trabalho.
Mandatário do A.: Não negou trabalho, a senhora disso tem certeza?
Testemunha: Absoluta, senhor Dr. (0:08:11).

(0:12:14) Juiz: e além da barragem do BS, onde é que ele trabalhou mais?
Testemunha: Trabalhou em vários sítios, sempre como servente da construção civil.
Juiz: E sempre grandes empresas ou para pequenas empresas? Grandes obras? Pequenas obras?
Testemunha: Sim. Trabalhou em mais sítios, pequenas obras.
Juiz: Particulares? Ou obras públicas?
Testemunha: Não. Obras públicas não. Só obras particulares.
Juiz: E arranjava trabalho, assim por empreitada, ou estava empregado nalguma empresa?
Testemunha: Nunca esteve empregado em nenhuma empresa, era contratado por outros pedreiros. (0:13:12)
Juiz: Olhe, o sue irmão padecia de alguns problemas físicos?
Testemunha: Sim, bastante. Falta de ouvido. Ás vezes com depressão e falta de vista, Sr. Dr., não vê.
Juiz: Não vê? Usa óculos?
Testemunha: Não tem dinheiro para eles, Sr. Doutor.
Juiz: E a Segurança Social não comparticipa?
Testemunha: Pois, com certeza que não. (0:13:49)
….
(0:13:56) Juiz: Nem a falta de audição, nem a falta de visão foram diagnosticados?
Testemunha: A falta de audição já foi visto por um médico de família, várias vezes. Agora, a falta de vista, ainda não teve dinheiro para ir a um especialista. (0:14:07)
Juiz: E tem comprovativo de falta de, o médico alguma vez passou relatório ou algum atestado da falta de audição que fosse junto ao Centro de Emprego?
Testemunha: Com certeza não. (0:14:31)”.
Juiz: Olhe, sabe como é que terminou a conversa? O que é que a senhora que estava ao telefone com o seu irmão lhe disse? Não escutou nada da conversa, da parte dela?
Ouvia apenas a conversa…
Testemunha: Ouvia apenas a conversa do meu irmão.
Juiz: Ok. Muito bem. Portanto, não estava em alta voz? Não estava nada?
Testemunha: Nada, Sr. Dr. Não estava em alta voz. (0:14:54)
Juiz: Muito bem. (0:15:00)”.
10ª) Desde já se diga que a argumentação do Tribunal a quo para não considerar este testemunho não pode, no modesto entender do A./recorrente e salvo melhor opinião, ter acolhimento. Com efeito,
11ª) O A. não era obrigado a produzir mais do que uma testemunha dos factos, e podia o A. até nem ter produzido nenhuma, porquanto não era a si que competia provar a não recusa de oferta de emprego, mas sim à R. provar que o mesmo recusou a oferta.
12º) Conforme declarado pela mesma MCE, a conversa entre o A. e a Dr.ª S..... foi via telefónica e não foi em sistema de alta voz. Sendo assim, é das regras da normalidade e experiência comum que a MCE apenas tenha ouvido o que o A. dizia e não o que a Dr.ª S..... dizia. Falha assim igualmente a argumentação do Tribunal a quo de que a MC prestou um depoimento inseguro, inconstante e inconsistente porque revelou ter ouvido somente metade da conversa («ou seja, aquilo que o seu irmão referia, sem escutar o que dizia o interlocutor»).
E note-se que, conforme análise do depoimento gravado da testemunha SL infra, a mesma não coloca em causa o depoimento da testemunha MCE, uma vez que a testemunha S..... nem sequer se recorda da conversa com o A.!!
13ª) Mais refere o Tribunal a quo que o seu depoimento «não se revelou seguro nem preciso relativamente á ocupação profissional do A., o que se verificou ainda relativamente à circunstância de o A. padecer de problemas de saúde, equivocando-se a testemunha nas respostas que prestou ao Tribunal quando questionada do porquê de nunca terem sido comunicados e comprovados perante o centro de Emprego ou sequer diagnosticados pelo médico de família.
Mais uma vez, não assiste razão ao Tribunal a quo. As respostas da testemunha demonstram inequivocamente o contrário. Vejamos.
Á questão da ocupação profissional do A., a testemunha respondeu “servente, cinco anos na Barragem do BS”, bem como que também exerceu funções de “sinaleiro” (cfr. depoimento supra, de minutos 0:05:09 a 0:06:07, que se dá aqui por reproduzido). A ocupação profissional do A. declarada por esta testemunha bate certo com os tão “badalados” documentos juntos aos autos, pelo que se não vislumbra, com o devido respeito e salvo melhor opinião, onde está a falta de segurança e de precisão desta testemunha. A testemunha inclusive declara os anos precisos que o A./Recorrente trabalhou como servente na Barragem do BS!
E não corresponde à verdade que a testemunha se tenha equivocado nas respostas que prestou ao tribunal quando questionada do porquê de nunca terem sido comunicados e comprovados perante o centro do emprego ou sequer diagnosticado pelo médico de família. Aliás, O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo nem sequer perguntou á testemunha o “porquê”, mas apenas se tinham sido comunicados e comprovados (cfr. depoimento gravado da mesma testemunha e supra transcrito de minutos (0:13:56) a (0:14:31), para o qual se remete)”.
14ª) O facto de o A./recorrente não ter apresentado justificativo médico de incapacidade para o exercício da profissão de servente da construção civil junto do Serviço de Emprego de Torre de Moncorvo (facto que veio a ser dado por provado em 11 dos factos provados na douta sentença recorrida), é inócuo para a boa decisão da causa, uma vez que a anulação da candidatura a emprego do A. teve por base a alegada recusa injustificada de oferta de emprego, com base na alegada informação constante do e-mail junto a fls. 3/10 do processo administrativo junto aos presentes autos, da qual consta apenas que o A. «recusou, explicando que não possui experiência como servente, trabalhou muitos anos na barragem mas como sinaleiro.», não se invocando assim no aludido mail qualquer problema de saúde do A. para a alegada recusa;
15ª) A testemunha SMMM (Linhares) não confirmou o teor da conversa alegadamente havida entre a mesma e o A./recorrente, nem sequer se recorda de ter enviado o supra referido e-mail ou do teor do mesmo, não o confirmando. Vejamos o seu depoimento prestado em audiência de julgamento de 20/03/2018 (gravado em sistema informático SITAF e com início ás 00.21.26 e fim ás 00.29.01):
“(0:25:48) Mandatário da R.: Então muito bom dia Dr.ª SV. Olhe, referiu então que dos registos de pessoal não consta o nome do autor desta ação, LAE. Não se lembra de em alguma altura ter contactado, ou ter sido contactada telefonicamente por ele?
Testemunha: É assim, no âmbito das minhas funções, eu entrevisto centenas de pessoas anualmente. Como deve calcular é muito complicado lembrar-me do nome e do rosto (impercetível)(0:26:28)
Mandatário da R.: Então não tem ideia de ….
Testemunha: Não. (0:26:39)

(0:27:25) Mandatário da R.: Pronto, uma vez que não se lembra do diálogo que terá mantido com o recorrente. Obrigado. Não desejo mais nada (0:27:31)
(0:28:06) Juiz: Olhe, tem ideia se no dia 11/10/2013 enviou um e-mail para o Instituto do Emprego para Torre de Moncorvo, para o Serviço de Emprego de Torre de Moncorvo, acerca deste caso. Antes de ir para o Tribunal, procurou informar?
Testemunha: Eu não consigo encontrar esse mail, mas é provável que sim, que tenha enviado, normalmente damos conhecimento ao Centro de Emprego sobre quem fica selecionado ou quem não ficou. (0:28:41)”.
16ª) Por fim, a testemunha PACA, no seu depoimento em audiência de julgamento de 20/03/2018 (gravado em sistema informático SITAF, com inicio ás 00:29:02 e fim ás 00:59:28), ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, prestou um depoimento em nada seguro, consciencioso ou ponderado, mudando constantemente a versão dos factos, com uma memória seletiva e parcial:- entre outros, declarou que não assistiu à conversa entre o A. e a Dr. SV, começa por declarar que apenas recebeu o mail e notificou o A. para se pronunciar sobre o mail, para só muito mais tarde declarar que falou com a testemunha SV antes da mesma enviar o mail; no entanto não se recorda do conteúdo específico do mail junto aos autos a fls. 3, não se recorda sequer da conversa entre a própria testemunha e o A./recorrente, nem tem certeza se teve uma conversa com o mesmo posteriormente ao mail, para depois já dizer que o A. não lhe relatou qualquer incapacidade; e mais declarou que o procedimento normal é ser o Instituto de Emprego a fazer o contacto inicial com os candidatos a emprego e depois efetuar o reencaminhamento dos mesmos à empresa, com uma carta encaminhamento. Vejamos o seu depoimento:
“(0:34:10) Mandatário da R.: Em relação a essa questão, em Outubro de 2013, o Sr. L..... deslocou-se ao serviço de emprego. Sabe a que propósito é que ele lá se deslocou?
Testemunha: Não Sr. Dr. 2013 já é bastante tempo. Especificamente ao que foi, não. Não posso precisar (0.34.39)

(0:36:24) Mandatário da R. : Isso é o procedimento habitual?
Testemunha: Não é habitual. Habitual é nós contactarmos os candidatos, eles vêm ao Instituto e depois nós fazemos o reencaminhamento dos mesmos á empresa, com uma carta de encaminhamento. (0:36:38)

(0:41:19) enviou uma carta ao Instituto de Emprego.
Mandatário da R.: E o Instituto aceitou os fundamentos da recusa?
Testemunha: Não. (0:41:30)

(0:41:49)Testemunha: É assim, eu não tenho presente tudo o que se passou naquela altura, não é? Não consigo precisar exatamente o que foi escrito na carta do Sr. L...... Mas com certeza, Sr. Dr., peço desculpa acrescentar, com certeza que os fundamentos invocados pelo Sr. L..... iam, até porque o DL 220/2006 é aquilo que nos obriga a proceder em conformidade com os subsidiados. (0:42:22)

(0:43:17) Mandatário do A.: muito bom dia, Dª P…... Não se recorda então qual era o conteúdo do mail?
Testemunha: O conteúdo do mail?
Mandatário do A.: Sim.
Testemunha: O conteúdo do mail era a empresa a comunicar ao Instituto, os candidatos com quem contactou, os que tinham ficado e os que não.
Mandatário do A.: mas os motivos porque é que ele não tinha ficado?
Testemunha: Dizendo que o Sr. L..... se recusou. Especificamente, textualmente, o motivo não posso. (0:43:50)

(0:45:25)Mandatário do A.: E então, perante estas duas versões, não procuraram falar com a Dr.ª S....., para ela explicar qual tinha sido, afinal, o teor da conversa? Temos duas versões, está a perceber?
Testemunha: Pois, compreendo aquilo que me diz, mas a empresa, na figura da Dr.ª S....., pede-nos, solicita ao Serviço de Emprego serventes para a barragem e o Sr. L..... está inscrito no Serviço de Emprego como tendo, até última profissão, servente. (0:46:00)
Portanto, eu entendo de que o perfil que a entidade pretende vai ao encontro do perfil.
Mandatário do A.: Certo. E o candidato responde que efetivamente foi esse o teor da conversa com ela. Porque os vossos serviços não assistiram. O que o Sr. Juiz já lhe perguntou, isto foi uma coisa nova. Foi um modus operandi novo, não é? Portanto, não assistiram e sem terem qualquer comprovativo que efetivamente qual era a versão verdadeira, quer dizer, não tentaram apurar, pedir explicações também à Dr.ª S.....? (0:46:37)
Testemunha: Fizemos a notificação ao Sr. L..... para ele se pronunciar.
Mandatário do A.: E ele pronunciou-se, a dizer qual tinha sido o teor da conversa. Porque é que optaram pela versão telegráfica, aliás, da Dr.ª S.....?
Testemunha: O Instituto não optou pela versão da Dr.ª S....., verificámos que a Dr.ª S..... nos tinha dito que havia uma recusa porque não era servente. Entretanto nós no ficheiro temos conhecimento e através da declaração que tinha sido despedido da parte do Instituto, da entidade onde estava, também tinha sido servente. (0:47:13)
Mandatário do A.: E ele próprio vos confirma que a conversa com a Dr.ª S....., na conversa, ele referiu que tinha experiência apenas como servente. É esta a minha questão.
Testemunha: Sim, Sr. Dr., mas se tem experiência como servente, nós o convocamos para servente, se a Sr.ª Dr.ª, a entidade.
Mandatário do A.: Eu pergunto, poderia na conversa telefónica haver um lapso, a Dr.ª S..... não ter entendido, estamos a falar ao telefone, não é?
Pode não ter entendido bem, porque é que não pediram mais informações á Dr.ª S.....?
Testemunha: Dr. Eu em pessoa do Instituto contactei a Dr.ª S..... para lhe perguntar o que é que tinha acontecido com os candidatos, inclusive nós fazemos sempre esse acompanhamento para ver se é preciso apresentar mais candidatos, se não é. Se a entidade está satisfeita, e no teor dessa conversa é que me diz que os candidatos que ficam, que recusam e que não recusam. Nós procedemos em conformidade. E solicitei-lhe que colocasse por escrito o que me disse telefonicamente. E ela fez isso. (0:48:23) (nota do A./recorrente: contradição com o anteriormente declarado, pois é a 1ª vez que a testemunha declara que contactou com a Dr. S...... Anteriormente e perguntada se pediu explicações á Dr.ª S....., apenas declarou que se limitou a notificar o trabalhador para se pronunciar).

(0:50:37) Mandatário do A.: posteriormente, o que a senhora sabe é que tem um mail a dizer que ele recusou. Ele a si não lhe recusou. (0:50:48) A Senhora ouviu dizer que ele recusava? (0:50:49)
Testemunha: eu não posso ler a carta?
Mandatário do A.: Eu já lhe li.
Testemunha: Agora não sei. Não sei se o Sr. L..... acaba por dizer se recusa ou não. É assim, neste momento já foi em 2013. (0:51:11)

(0:51:40) Mandatário do A.: Foi por telefone ou foi presencialmente que falou com ele (0:51:44)
Testemunha: O Sr. L..... acabou por ir ao Instituto.(0:51:47)

(0:52:24) Mandatário do A.: Portanto, o Sr. L....., em momento nenhum, a si, lhe diz que recusa a oferta ou que recusou. (0:52:34). O que respondeu foi que tinha formação como servente.
Testemunha: era isso que a entidade precisava, era serventes. (0:52:42)
Mandatário do A.: Pronto. E ele está-lhe a dizer que sim, foi isso que ele referiu. Portanto, em momento algum, perante os vossos serviços, foi referido pelo candidato que recusava. (0:52:52)
(0:52:58) Mandatário do A.: A minha última pergunta era se realmente o Sr. L..... se tinha mostrado recetivo quando falou consigo?
Testemunha: Mostrou, mostrou, isto na primeira abordagem. (0:53:07)

(0:54:41) O Sr. L..... dirigiu-se ao serviço, foi novamente falar, possivelmente comigo.

(0:55:53) Aliás, o Sr. L..... quando esteve pelo menos na minha presença, não me falou nessa incapacidade. (0:56:02) (Nota do A.: Se esta testemunha nem se recorda se o A. foi mesmo falar consigo, como pode afirmar que o mesmo não lhe falou em nenhuma incapacidade?!! Depoimento contraditório nesta parte)

(0:56:57) Juiz: Portanto, é relevante o facto de ele ter sido feito telefonicamente entre a entidade que oferece emprego e o trabalhador do próprio emprego. Telefonicamente seria igual se fosse presencialmente?
Testemunha: Não. Presencialmente, a entidade, a grande maioria das vezes desloca-se ao Instituto, nós disponibilizamos a dita sala para fazer as entrevistas e se há alguma questão, nós somos logo chamados a interferir. (0:57:30)”.
17ª) Do depoimento desta testemunha também decorre que segundo a interpretação da R., o A. não tinha direito a defender-se mediante negação da alegada recusa. O mesmo apenas podia alegar que não tinha capacidade para desempenhar a função ou apresentar baixa médica. Mas negar uma alegada recusa, que a R., através dos seus responsáveis não presenciou diretamente, já não podia fazer!
18ª) De todo o exposto decorre que a R./recorrida não quis efetivamente ouvir a versão e as razões e argumentos do A./Recorrente, no sentido de que não correspondia à verdade que o mesmo tivesse recusado a proposta de emprego e de que os pressupostos para a manutenção do subsídio de desemprego se mantinham, não lhe concedendo assim um verdadeiro exercício do direito à defesa e ao contraditório.
19ª) Daí ter o A./recorrente alegado, e bem, em sede de petição inicial que o despacho proferido pela R./recorrida em 06/11/2013, com comunicação ao A. da decisão de anulação de inscrição do mesmo no centro de emprego de Torre de Moncorvo, com fundamento em recusa de aceitação de emprego conveniente- objeto dos autos- violou igualmente os princípios que informam o relacionamento da Administração com os particulares, nomeadamente da boa-fé (ART.º 6º-ACPA), cooperação (ART 7º CPA), justiça, proteção dos interesses dos cidadãos, e da proporcionalidade (Art. 5º/2 CPA) e ainda os princípios plasmados na CRP - 13º (igualdade) e 63º (direito a segurança social e solidariedade).
Não assiste assim igualmente razão ao tribunal a quo no entendimento de que a invocação daqueles princípios pelo A./recorrente «é meramente conclusiva e destituída de uma alegação circunstanciada dos mesmos…»;
20ª) In casu, na perspetiva do recorrente, a motivação e a convicção formada pelo Tribunal a quo contraria as regras da experiência, da lógica, sendo censurável o facto 8, que foi considerado provado e que não deveria ter sido considerado provado. Bem como errou o Tribunal a quo quanto ao facto que foi considerado não provado («O A. não recusou a oferta de emprego»), uma vez que deveria ter sido considerado por não provado que «O A. recusou a oferta de emprego», ou, assim não se entendendo, deveria ter sido dado por provado que «o A. não recusou a oferta de emprego».
Mais se impunha, quer por acordo das partes, quer através da análise conjugada dos meios de prova dos autos, (prova testemunhal e documental, nos termos já supra explanados), que o Tribunal a quo tivesse dado por provada a matéria alegada pelo A./recorrente nos nºs 2, 3, 7º, 11º, 13 e 14º da P.I.;
21ª) Ao contrário do que aconteceu in casu, o juiz não pode deixar-se fascinar por uma tese ou uma versão, deve evitar convicções apriorísticas que levam a visões lacunares e unilaterais dos acontecimentos, deve fazer a apreciação da prova segundo as regras do entendimento correto e normal, isto é, tem de avaliar as provas, não arbitrariamente ou caprichosamente, mas em harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada.
22ª) Por todo o exposto, a douta sentença recorrida violou, por erro de interpretação, o disposto no art. 342º do C.C. (regime imperativo sobre ónus de prova, não respeitado pelo tribunal a quo), e o disposto no art. 607º nº4 e 5 do CPC (pelas razões expostas nas conclusões, e porquanto não avaliou ou apreciou das provas com uma visão prudente face á normalidade dos fenómenos; os quais deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido já supra exposto em sede de alegações de recurso!!
23ª) Por todo o exposto, a douta sentença recorrida, para além dos princípios referidos em 18ª das conclusões, violou igualmente, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 3º, 6º, 7º, 13º, 41º, 47º al. b) e 49º nº1 al. a) do DL 220/2006 de 03 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo DL 72/2010, de 18 de Junho e pelo DL 64/2012 de 15 de Março (na medida em que não existiu recusa, muito menos injustificada de emprego conveniente por parte do aqui A./recorrente), bem como violou o disposto no arts. 490º nº2 do CPC ( o qual deveria ter sido interpretado no sentido apontados nos pontos 1ª a 4ª e 6ª e 7ª das conclusões de recurso).
Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue a ação procedente por provada, e declare procedente(s) o(s) pedido(s) formulado(s) pelo A./recorrente,
Com o que farão V.EX.as, Venerandos Desembargadores, a costumada JUSTIÇA!!”
*
Em 11 de julho de 2018 foi proferido Despacho de admissão do Recurso Jurisdicional.
O aqui Recorrido/IEFP IP veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 18 de setembro de 2018, nas quais concluiu:
1. Contrariamente ao alegado pelo Recorrente, bem andou a douta Sentença recorrida ao considerar não provado que «o autor não recusou a oferta de emprego;
2. Resulta da prova documental, constante do processo administrativo Instrutor que o Recorrente recusou emprego conveniente;
3. Com esta recusa, deixou de ser desempregado involuntário;
4. O que determinou a anulação da sua inscrição para emprego no Serviço de Emprego de Torre de Moncorvo e, consequentemente, a cessação de pagamento das prestações do subsídio de desemprego, por parte da Segurança Social;
5. O Recorrente não impugnou os documentos juntos pelo Recorrido com a sua Contestação;
6. Não se antolha como pode resultar do n.º 2 do artigo 490.º do CPC o alegado pelo Recorrente de que não tinha que impugnar tais factos, já que se mostravam antagónicos com aqueles que por si foram alegados;
7. Efetivamente, o artigo 490.º do CPC está integrado no capítulo V, com a epígrafe “Inspeção judicial” do Título V, com a epígrafe “Da instrução do processo” do Livro II, sob a epígrafe “Do processo em geral”;
8. Não estamos perante prova por inspeção;
9. Nos termos do n.º 1 do artigo 444.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, “a impugnação da letra ou assinatura do documento particular ou da exatidão da reprodução mecânica, (...) e a declaração de que não se sabe se a letra ou a assinatura do documento particular é verdadeira devem ser feitas no prazo de 10 dias contados da apresentação do documento, se a parte a ela estiver presente, ou da notificação da junção, no caso contrário.” E o n.º 2 do mesmo artigo estatui que, “se, porém, respeitarem a documento junto com articulado que não seja o último, devem ser feitas no articulado seguinte e, se se referirem a documento junto com a alegação do recorrente, são feitas dentro do prazo facultado para a alegação do recorrido;
10. O Recorrente nem sequer na audiência de discussão e julgamento impugnou o documento a que alude nas suas doutas alegações de recurso;
11. Mal se compreende o argumento do Recorrente segundo o qual se um documento não é emitido pelo Recorrente, deve ser complementado por prova testemunhal;
12. O certo é que resulta, quer da prova documental não impugnada pelo Recorrente, quer da prova testemunhal produzida, que o Recorrente recusou aquele emprego em concreto, alegando problemas de saúde, nos planos auditivo e visual, que não logrou sequer esboçar provar.;
13. Quer o correio eletrónico da Dr.ª SL, quer a carta escrita pelo Recorrente, demonstram categoricamente essa recusa daquela oferta de emprego concreta; De facto,
14. se o Recorrente, como afirma na sua carta de 25 de outubro, dirigida ao Serviço de Emprego de Torre de Moncorvo, respondeu à Dr.ª SL que “(...) era apenas servente e não tinha exercido qualquer especialidade nessa área (construção civil) e além disso, que, de momento me encontrava e encontro, com algumas debilidades físicas, nomeadamente a visão e audição”, é evidente que outra conclusão não poderia ser extraída pela Dr.ª SL que não fosse a da recusa daquela oferta de emprego em concreto;
15. Quanto à alegação de que a testemunha SL não se lembra do email ou do Recorrente, é muito natural, é da experiência comum que com tantas pessoas a contratar e com um elevado volume de e-mails enviados a testemunha não se recorde;
16. Ficou, pois, provado que o Recorrente recusou emprego conveniente, colocando-se na posição de desempregado voluntário, violando, com esta conduta a alínea a) do n.º 1 do artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro;
17. A atuação do Serviço de Emprego de Torre de Moncorvo não violou nenhum dos princípios e direitos invocados pelo Recorrente;
18. O Recorrente não concretizou em que medida o ato impugnado violou os princípios e direitos que invoca;
19. Efetivamente, se fosse possível, com a simples invocação, genérica, abstrata e evasiva, da violação de princípios e direitos, lograr vencimento numa demanda, bastaria construir um catálogo com princípios e direitos e optar, em cada situação, por aqueles que melhor se ajustavam às pretensões de quem os invocava.
Nestes termos, e pelo muito que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, mui doutamente suprirão, deverá a douta Sentença recorrida ser mantida na íntegra, fazendo-se, assim, a costumada JUSTIÇA!”
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 19 de outubro de 2018, nada veio dizer, requerer ou Promover.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, designadamente verificando a suscitada insuficiente ponderação da prova testemunhal, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada e não Provada:
Factos Provados:
1. O A., LAE, requereu a atribuição de subsídio de desemprego no dia 02/04/2012, o que lhe foi deferido em 03/04/2012 (cf. documento extraído do SIGAE, junto aos presentes autos com a contestação);
2. Em Outubro de 2013 o A. encontrava-se inscrito para emprego no Serviço de Emprego de Torre de Moncorvo com a profissão de servente da construção civil (cf. documentos de fls. 07, 08 e 09 do processo administrativo junto aos presentes autos);
3. O A. tinha experiência profissional na área da construção civil, tendo trabalhado como “servente da construção civil” na obra de construção da barragem do BS (cf. documentos de fls. 06, 07, 08 e 09 do processo administrativo junto aos presentes autos);
4. O A. foi informado da existência de uma oferta de emprego na área da construção civil para a barragem do BS (admitido por acordo – cf. art.os 4º da petição inicial e 17º da contestação);
5. A oferta de emprego destinava-se ao preenchimento de um posto de trabalho de “servente da construção civil” na obra de construção da barragem do BS (admitido por acordo – cf. art.os 4º da petição inicial e 8º e 17º da contestação);
6. Sem esperar o contacto da empresa «METT, S.A.», o A. contactou-a diretamente (admitido por acordo – cf. art.os 6º da petição inicial e 18º da contestação);
7. O A. conversou telefonicamente com a Dr.ª SL da empresa «METT, S.A.» (admitido por acordo – cf. art.os 9º da petição inicial e 19º da contestação);
8. Em 11/10/2013, por mensagem de correio eletrónico, a empresa de trabalho temporário, na pessoa da Dr.ª SL, informou o Serviço de Emprego de Torre de Moncorvo que o Autor “recusou, explicando que não possui experiência como servente, trabalhou muitos anos na barragem mas como sinaleiro” (cf. documento de fls. 03 do processo administrativo junto aos presentes autos);
9. Posteriormente, o A. deslocou-se ao Serviço de Emprego de Torre de Moncorvo, tendo sido atendido pela funcionária PAA (admitido por acordo – cf. art.os 10º e 12 da petição inicial e 21º e 22º da contestação);
10. Em 25/10/2013 deu entrada no Serviço de Emprego de Torre de Moncorvo um requerimento do A. com, além do mais, o seguinte teor:
“(…) Assim sendo na semana de 14 a 18 de Outubro fui contactado, via telefone pelos profissionais do Centro de Emprego de Torre de Moncorvo, que me indicaram um n.º de telefone (22 03 22 616) a fim de entrar em contacto para responder a uma possível proposta de emprego, o que fiz de imediato.
Fui atendido pela Sra. Dra. S..... da METT, a qual me questionou sobre a minha formação profissional na área da construção civil. Respondi que era apenas servente e não tinha exercido qualquer especialidade nessa área (construção civil) e além disso, que, de momento me encontrava e encontro, com algumas debilidades físicas, nomeadamente a visão e audição.
Perante esta resposta foi-me dito pela Sra. Dra. S....., que iria contactar o Serviço de Emprego de Torre de Moncorvo, para relatar a informação por mim prestada.
(…)”
(cf. documento de fls. 06 do processo administrativo junto aos presentes autos);
11. O A. nunca apresentou qualquer justificativo médico de incapacidade para o exercício da profissão de “servente da construção civil”, junto do Serviço de Emprego de Torre de Moncorvo;
12. Em 15/11/2013 foi proferido despacho pela Diretora-adjunta do Centro de Emprego e Formação Profissional de Vila Real que determinou a anulação da candidatura a emprego do A., por atuação injustificada, e a comunicação dessa atuação aos serviços de segurança social para efeitos de cessação do direito às prestações de desemprego (cf. documento de fls. 01 do processo administrativo junto aos presentes autos);
13. O despacho referido no ponto anterior foi notificado ao A. por ofício datado de 06/11/2013 e expedido por correio registado (cf. documento de fls. 10 do processo administrativo junto aos presentes autos).
Factos Não Provados:
§ O A. não recusou a oferta de emprego.”
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IV – Do Direito
Analisemos pois o recurso interposto.
No que aqui releva, discorreu-se na decisão de 1ª instância:
“O Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro estabelece o quadro legal da reparação do desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, sem prejuízo do disposto em instrumento internacional aplicável – cf. art.º 1º, n.º 1.
Essa reparação da situação de desemprego realiza-se através de medidas passivas e ativas, podendo, ainda, incluir medidas excecionais e transitórias – cf. art.º 1º, n.º 2.
Para efeitos deste diploma o desemprego consiste em “toda a situação decorrente da perda involuntária de emprego do beneficiário com capacidade e disponibilidade para o trabalho, inscrito para emprego no centro de emprego” - cf. art.º 2º, n.º 1.
As referidas medidas passivas são (a) o subsídio de desemprego; e (b) o subsídio social de desemprego inicial ou subsequente ao subsídio de desemprego - cf. art.º 3º.
E as medidas ativas são, entre outras, (a) o pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego com vista à criação do próprio emprego; (b) a possibilidade de acumular subsídio de desemprego parcial com trabalho por conta de outrem a tempo parcial ou com atividade profissional independente; (d) a manutenção das prestações de desemprego durante exercício de atividade ocupacional; e ainda (e) outras medidas de política ativa de emprego não mencionadas nas alíneas anteriores desde que promovam a melhoria dos níveis de empregabilidade e a reinserção no mercado de trabalho de beneficiários das prestações de desemprego a definir por legislação própria – cf. art.º 4º.
Segundo o art.º 6º deste Decreto-Lei n.º 220/2006, o subsídio de desemprego visa (a) compensar os beneficiários da falta de retribuição resultante de desemprego ou de redução por aceitação de trabalho a tempo parcial; e (b) promover a criação de emprego, através, designadamente, do pagamento por uma só vez das prestações de desemprego com vista à criação do próprio emprego.
E tais prestações são o subsídio de desemprego, o subsídio social de desemprego e o subsídio de desemprego parcial – cf. art.º 7º.
De acordo com o disposto no art.º 41º, na redação à data aplicável, durante o período de concessão das prestações de desemprego, constitui dever dos beneficiários: (a) aceitar emprego conveniente; (b) aceitar trabalho socialmente necessário; (c) aceitar formação profissional; (d) aceitar outras medidas ativas de emprego em vigor não previstas nas alíneas anteriores desde que ajustadas ao perfil dos beneficiários; (e) procurar ativamente emprego pelos seus próprios meios e efetuar a sua demonstração perante o centro de emprego; (f) cumprir o dever de apresentação quinzenal e efetuar a sua demonstração perante o centro de emprego; e (g) sujeitar-se a medidas de avaliação, acompanhamento e controlo, nomeadamente comparecer nas datas e nos locais que lhes forem determinados pelo centro de emprego.
Considera-se emprego conveniente aquele que, cumulativamente: (a) respeite as retribuições mínimas e demais condições estabelecidas na lei geral ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável; (b) consista no exercício de funções ou tarefas suscetíveis de poderem ser desempenhadas pelo trabalhador, considerando, nomeadamente, as suas aptidões físicas, habilitações escolares, formação profissional, competências e experiências profissionais, ainda que se situem em sector de atividade ou profissão distinta da ocupação anterior ao momento do desemprego; (c) garanta uma retribuição ilíquida igual ou superior ao valor da prestação de desemprego, acrescido de 10 %, se a oferta de emprego ocorrer durante os primeiros 12 meses de concessão de prestações de desemprego, ou igual ou superior ao valor da prestação de desemprego, se aquela oferta ocorrer no decurso ou após o 13.º mês; (d) assegure que o valor das despesas de transporte entre a residência e o local de trabalho cumpra uma das seguintes condições: (i) não seja superior a 10% da retribuição mensal ilíquida a auferir; (ii) não ultrapasse as despesas de deslocação no emprego imediatamente anterior desde que a retribuição da oferta de emprego seja igual ou superior à auferida no emprego imediatamente anterior; (iii) o empregador suporte as despesas com a deslocação entre a residência e o local de trabalho ou assegure gratuitamente o meio de transporte; (e) garanta que o tempo médio de deslocação entre a residência e o local de trabalho proposto: (i) não exceda 25% do horário de trabalho, salvo nas situações em que o beneficiário tenha filhos menores ou dependentes a cargo, em que a percentagem é reduzida para 20%; (ii) excedendo 25% do horário de trabalho da oferta de emprego, não seja superior ao tempo de deslocação no emprego imediatamente anterior – cf. art.º 13º.
Sendo que, por força do disposto no art.º 49º, n.º 1, alínea a), constitui motivo de anulação da inscrição no centro de emprego a recusa injustificada de emprego conveniente, por tal se reputar como incumprimento dos deveres do beneficiário para com o centro de emprego – cf. art.º 47º, alínea b).
No caso vertente resulta demonstrado que o A., perante uma oferta de emprego adequada à sua experiência profissional, recusou a mesma sem apresentação de justificação.
Repare-se que, em momento algum, seja do procedimento administrativo, seja dos presentes autos de processo judicial, foi alegado pelo A. que a oferta de emprego em causa não fosse conveniente.
Aliás, aquilo que o A. alegou no procedimento é que não havia recusado tal oferta – o que não logrou demonstrar –, referindo que aludiu a problemas de saúde no contacto telefónico que estabeleceu com a empresa responsável pelo recrutamento destinado ao preenchimento do posto de trabalho a que respeitava a oferta de emprego em causa.
Todavia, tais problemas de saúde não foram comunicados nem comprovados perante o centro de emprego, tal como determinava o art.º 45º do Decreto-Lei n.º 220/2006.
Pelo que, em face da recusa comunicada pela empresa de recrutamento e da ausência de justificação para aquela recusa por banda do A., bem andou a Administração ao anular a inscrição do A. no centro de emprego.
Conclui-se, portanto, que os pressupostos fácticos em que se sustentou a decisão administrativa ora impugnada efetivamente se verificaram, inexistindo qualquer erro na ponderação da matéria de facto que se apresentava perante o R., assim como que foi cumprida a legalidade, mormente o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 49º do Decreto-Lei n.º 220/2006.
Improcedem, dessa forma, os invocados vícios.
E outra não pode ser a resposta deste Tribunal relativamente ao invocado vício de violação de lei por ofensa dos princípios da boa-fé, da cooperação, da justiça, da proteção dos interesses dos cidadãos, da proporcionalidade, da igualdade e do direito à segurança social e solidariedade, porquanto tais vícios não se destinam a conferir proteção a atuações ou situações jurídicas marginais ao direito e, por conseguinte, ilegais.
Ademais, a invocação daqueles princípios feita pelo A. é meramente conclusiva e destituída de uma alegação circunstanciada dos mesmos que permita ao Tribunal compreender as concretas razões pelas quais o A. considera que tais princípios se apresentam violados pela atuação administrativa aqui em escrutínio.
Repare-se que os princípios invocados pelo A. impõem, além do mais, a elaboração de juízos de comparabilidade de situações jurídicas que não se compadecem com uma alegação totalmente despida de concretização fáctico-jurídica.
Pelo que, a mera invocação de princípios destinada simplesmente a pedir a anulação de um ato administrativo, sem concretizar em que medida esse ato fere os alegados princípios determina, de igual forma, a sua necessária e inevitável improcedência.
Considerando a total improcedência do pedido anulatório deduzido pelo A., mantendo-se a validade do ato impugnado, assoma como totalmente improcedente, pelas mesmas e já identificadas razões, o pedido condenatório também por ele formulado.
Deve, assim, a presente ação administrativa especial ser julgada totalmente improcedente, por não se verificar demonstrada a ocorrência de qualquer dos vícios invocados pelo A. relativamente ao ato impugnado.
Pela solução dada ao pedido anulatório, resulta também como totalmente improcedente o pedido condenatório formulado pelo A..”
Vejamos:
Importa recordar que o Tribunal a quo deu por não provado que «o autor não recusou a oferta de emprego», o que por natureza constitui um facto negativo.
Dos elementos de prova disponíveis resulta não se mostrar incontroverso que assim seja.
Aliás, é o próprio Recorrido quem nas suas contra-alegações de Recurso, afirma que “de facto, se o Recorrente respondeu à Dr.ª SL que “(...) era apenas servente e não tinha exercido qualquer especialidade nessa área (construção civil) e além disso, que, de momento me encontrava e encontro, com algumas debilidades físicas, nomeadamente a visão e audição”, é evidente que outra conclusão não poderia ser extraída pela Dr.ª SL que não fosse a da recusa daquela oferta de emprego em concreto.”
Em qualquer caso, é legítimo que o trabalhador desempregado aquando do contacto por parte da entidade empregadora possa aludir a quaisquer debilidades de saúde que possam condicionar a sua atividade funcional.
Esse facto não permite, no entanto, concluir que o eventual futuro empregador possa tirar como ilação imediata que houve uma recusa na aceitação do emprego proposto.
Não é de excluir, aliás, a possibilidade da entidade empregadora, perante a alusão a debilidades físicas, por parte do candidato, ter interesse em não o admitir, imputando a responsabilidade desse facto ao mesmo.
Efetivamente a prova de que o trabalhador injustificadamente, recusou a proposta de emprego efetuada por SL da empresa «METT, Lda.», o que determinou a anulação da candidatura a emprego do aqui Recorrente, é meramente circunstancial, assente na mera suposição e presunção de que a indicação de que padeceria de problemas de saúde, implicava necessariamente a recusa do lugar proposto.
A questão é tanto mais relevante quanto é certo que estamos em presença de prova de factos negativos, com as condicionantes que tal determina, ainda que não seja pelo facto de estarmos perante um “facto negativo” que se inverte o ónus da prova (Ac. STJ nº 07A4705 de 07-02-2008), sendo que “a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur» (Ac. STA nº 0327/08 de 17-12-2008).
Assim, e em função da prova produzida, quer testemunhal quer documental, e tal como supra se sugeriu, não é claro que o Recorrente tenha recusado a controvertida proposta de emprego.
Acrescidamente, o facto afirmado pelo Tribunal a quo, segundo o qual o Recorrente “somente produziu uma testemunha” quanto ao facto por si alegado de que não recusou a oferta de emprego, tem subjacente subliminarmente uma ideia inaceitável de acordo com a qual uma prova só é aceitável e consistente se vier corroborada por várias testemunhas, sendo que na situação em análise estamos em presença de um contacto telefónico bilateral, situação em que, por natureza, não deverá haver um leque alargado de testemunhas.
Não é igualmente despiciente o facto da “entrevista de emprego” do trabalhador ter sido feita telefonicamente e não presencialmente como será o habitual, o que desde logo é suscetível de gerar mal-entendidos, como poderá ter sido o caso.
Em face de tudo quanto se discorreu supra entende-se dever retirar da matéria dada como não provada, o referido facto negativo, “o A. não recusou a oferta de emprego”, por não haver elementos de prova, documental e/ou testemunhal que o permitam corroborar de forma decisiva, convertendo-se o mesmo em facto positivo, a saber:
Facto Não Provado:
“Recusou-se o Autor a aceitar a oferta de emprego”.
Efetivamente, de toda a prova disponível, não é possível afirmar incontroversa e irrefutavelmente que o trabalhador aqui Recorrente tenha conscientemente recusado a oferta de emprego que telefonicamente lhe foi transmitida.
Antecipa-se desde já que se não considera que o descrito facto não provado possa estar em contradição com o Facto Provado 8, na medida em que este mais do que assentar numa convicção dada como provada, se limita a reproduzir o teor de uma comunicação escrita, por via de correio eletrónico.
Como se afirmou no Acórdão deste TCAN nº 02031/09.6BEPRT de 14/06/2013, “o subsídio de desemprego visa proteger os trabalhadores (e as suas famílias) na situação de desemprego, através da concessão de prestações pecuniárias (mensais) substitutivas dos rendimentos da atividade profissional perdidos. Trata-se, por conseguinte, de uma prestação pecuniária continuada que perdura no tempo, e que se mantém enquanto se verificarem os pressupostos que o legitimam, e pelo período de concessão legalmente previsto”.
No caso, não se mostrando manifesto que da entrevista telefónica realizada com o aqui Recorrente tenha resultado de forma patente, insofismável e incontornável que o trabalhador tenha manifestado qualquer recusa expressa de aceitação do posto de trabalho que lhe foi apresentado, importará concluir que se não mostram preenchidos os pressupostos que determinaram a decisão que foi objeto de impugnação.
Assim, impor-se-á revogar a decisão recorrida, por não se reconhecer que o aqui Recorrente tenha expressa e conscientemente recusado injustificadamente o posto de trabalho que lhe foi apresentado, como foi admitido naquela decisão.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, conceder provimento ao Recurso interposto, revogando-se a Sentença Recorrida, mais se julgando procedente a Ação.
Custas pelo Recorrido.
Porto, 15 de fevereiro de 2019
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. Nuno Coutinho
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa