Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00109/19.7BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/26/2019
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA. “PERICULUM IN MORA”
Sumário:
I – O “periculum in mora” que poderá justificar a concessão de providência cautelar tem de encontrar sustento em factos concretos que gerem um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:TGPSI, S.A.
Recorrido 1:APDL – Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo, S.A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte:

TGPSI, S.A. (Rua Eng.º J…, 5000-586 Vila Real) interpõe recurso jurisdicional de sentença proferida pelo TAF de Mirandela, em processo cautelar intentado contra APDL – Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo, S.A. (Av.ª da Liberdade, 4450-718 Leça da Palmeira), que indeferiu a peticionada providência (“suspender-se os efeitos da notificação sindicada, assim como autorizar o requerente a continuar a utilizar o cais, ou adoptar-se outra providência que o Tribunal considere mais adequada, tudo com as devidas e legais consequências”).
A recorrente, sob o que designou de conclusões, lista o seguinte:
DO PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO DO RECURSO
1. A verdade, e reforçando o que acima já foi explanado, no caso de a Requerente ter que cumprir com a ordem de “remoção de todos os equipamentos e construções no local deixando o lugar livre e limpo de todos os detritos bem como áreas circundantes”, isto implicará um grave prejuízo e dano económico.
2. Além de se puder vir a constituir uma situação de facto que, salvo melhor entendimento, se configura ilegal, acrescem ainda duas implicações nefastas decorrentes da não suspensão, enquanto não se decide a questão de fundo, em primeiro lugar os custo em que terá que incorrer a Requerente para proceder à remoção do cais.
3. Pese embora o facto de uma parte deste ser uma estrutura relativamente amovível, outros componentes apenas sendo “destruídos” é que se conseguirão remover, implicando necessariamente empresas com maquinaria e competência especifica para levar a cabo esse fim;
4. Em segundo, e mais grave, os danos para os clientes da Requerente, que procuram a Quinta porque esta oferece condições de excelência para desfrutar de todas as potencialidades do rio Douro e que desta forma deixarão de ver na Requerente um destino que as satisfaça, e em decorrência disso, os lucros e benefícios económicos que a Requerente deixará de auferir, podendo colocando-a numa situação de dificuldade.
5. Ora, tendo em conta o objecto social da Requerente e visando esta o lucro, esta decisão, a ser cumprida, ataca e afecta de forma extremamente negativa aquele que, objectivamente, é o seu próprio fim.
6. Ainda, umbilicalmente ligado ao acima referido, os danos para a reputação da Requerida, que a custo de muito trabalho e anos de prestação de serviços de excelência podem vir num ápice por água a baixo.
7. O que vale por dizer que causará à Requerente prejuízos graves e irreparáveis (nem sequer de difícil reparação), colocando-a numa posição muito difícil, designadamente perante os seus clientes, redundando esta condição num claro e inegável efeito financeiro nefasto.
8. Acresce, ainda, como consequência imediata, a inutilidade da decisão a proferir.
9. E no caso de o julgador cautelar não ter chegado a equacionar essa ponderação de interesses e danos, isso apenas significará que foi prejudicada a própria lógica jurídica cautelar, consagrada pelo legislador, portanto, a necessidade de a ela proceder.
10. Nesse sentido, temos de partir do pressuposto de que haveria grave prejuízo para o interesse privado se não ficar suspensa a douta decisão recorrida.
11. Valendo e reiterando-se aqui estes considerandos importa, pois, sem necessidade de outros desenvolvimentos, requerer que seja atribuído ao presente recurso jurisdicional o efeito suspensivo, até decisão final no processo principal.
12. Nestes termos, porque está em tempo, possui legitimidade para o efeito e decisão é passível de recurso, requer a V. Exa. que se digne admitir o presente recurso, que é de apelação, a subir nos próprios autos e de imediato, ao qual deverá ser atribuído efeito suspensivo.
ENQUADRAMENTO E OBJECTO DO RECURSO
13. A Requerente intentou o sobredito procedimento cautelar contra a Requerida, pedindo a suspensão de eficácia da notificação com referência Of_2710/2018 datada de 11.12.2018, assim como requerendo autorização para prosseguir a ocupação/utilização de área do domínio público hídrico.
14. Notificação esta que vem obrigar o Requerente a “proceder à remoção de todos os equipamentos e construções instalados no local deixando o lugar livre e limpo de todos os detritos bem como as áreas circundantes”.
15. Para o efeito sustenta, em resumo, que a referida ordem contraria as mais basilares regras do Direito, nomeadamente, por impor ao Requerente o cumprimento baseado num alegado parecer do qual este nunca teve conhecimento, não se encontrando sequer assinado, e além disso, se fundamentar num plano de Ordenamento que, como regulamento administrativo que é, vem impor, de forma ilegal, efeitos retroactivos.
16. No fundo, esta ordem vem contrariar o que está estabelecido desde há várias décadas e que sempre foi usado pela Requerente no escrupuloso cumprimento das regras, nomeadamente, no que respeita ao pedido das competentes licenças e pagamento das correspondentes taxas.
17. O que agora se discute, e toda esta problemática, não tem que ver com qualquer comportamento ou incumprimento por parte da Requerente, isso na verdade nunca aconteceu, este, tem apenas e só que ver com o conhecimento, completamente extemporâneo, de um parecer ferido de nulidade, do qual a Requerida apenas agora teve conhecimento, e que, nunca contrariando o que a Requerente expõe no seu requerimento inicial, vem, de forma cega e sem considerar todas as implicações que este terá, impor um comportamento à Requerente sem que a situação de facto tenha sofrido qualquer alteração nos últimos anos.
18. Acresce ainda o facto de a Requerida não ter impugnado ou contrariado os fundamentos aduzidos pela Requerente no requerimento inicial.
19. Antes pelo contrário, a Requerida, contestando, acaba por confirmar toda a factualidade exposto ao longo do Requerimento inicial da Requerente.
20. No fundo a Requerida limita-se a “cumprir ordens”, sem no entanto fundamentar a sua tomada de posição.
21. Acontece que como acima fundamentamos devidamente, estamos perante um acto nulo, não podendo este produzir qualquer efeito na esfera jurídica de quem quer que seja.
22. Ora, o acto nulo é totalmente ineficaz do ponto de vista jurídico, não vinculando ninguém.
23. Em conformidade com o Supremo Tribunal Administrativo a assinatura do autor do acto é um elemento essencial do acto administrativo, cuja falta acarreta a respectiva nulidade.
24. Desta forma, o alegado parecer da Agência Portuguesa do Ambiente, que apareceu de forma completamente inesperada e que serve de fundamento à ordem de remoção do cais levada a cabo pela Requerida, por não se encontrar assinado pelo seu autor, além de outras irregularidades, está ferido de nulidade, não podendo produzir os efeitos jurídicos que a Requerida lhe quer dar, e que o Tribunal a quo, salvo melhor entendimento, ignorou.
25. O nº 5 do artigo 120º do CPTA, impõe o ónus da alegação de que a eventual adopção de uma providência cautelar prejudicaria o interesse público.
26. Este preceito é um afloramento do ónus alegatório, relativo aos factos impeditivos do direito, que resulta artigo 333º nº do Código Civil.
27. No caso concreto a Requerida nunca cumpre este ónus a que está adstrita, desta forma, e tendo em conta o entendimento de Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha na obra supra citada (pp. 985) “Na ausência de alegação, o tribunal tem por isso, de considerar não verificado o prejuízo para o interesse público, não podendo suscitar oficiosamente quaisquer considerações que permitam pôr em relevo a existência desse prejuízo, para o efeito de recusar a adopção da providência, a menos que se trate de factos públicos e notórios, que, enquanto tais, não carecem de alegação”
28. Tendo sido notificada da douta sentença que julgou a providência cautelar improcedente e absolveu a Requerida do pedido cautelar de suspensão da eficácia do acto, a Requerente, entende que não foi feito o correcto julgamento do procedimento cautelar intentado.
29. Inconformada vem contra ele interpor RECURSO para o Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, que é ordinário e com efeito suspensivo – artigos 140º, 142, nº 1º e 143º nº 1 do CPTA e artigo 37º, al. a) do ETAF.
DA VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS
DAS NULIDADES PROCESSUAIS
POR UM LADO,
30. A Recorrente efectivamente foi surpreendida com a decisão de indeferimento do procedimento cautelar, ainda pra mais na medida em que o Tribunal não considerou os documentos juntos com o requerimento inicial nem sequer ouviu as testemunhas arroladas, o que permitiria, necessariamente, uma percepção mais evidente do que está no fundo em discussão.
31. Recusou o Tribunal relevar os factos alegados pela Recorrente nos artigos 3º a 27º e 45º a 56º a 65 todos do articulado inicial alegou factos quanto ao periculum in mora.
32. Bem como não foram relevados os respectivos meios de prova requeridos pela Requerente no seu articulado: as 2 testemunhas e os documentos juntos no articulado inicial.
33. Acontece que, embora tenha sido requerida prova pela Recorrente, a mesma, pese embora não tenha sido indeferida, não foi produzida, o que constitui uma nulidade que aqui se requer, porque esta posição está igualmente em causa
34. Nulidade essa ora arguida para os devidos efeitos legais nos termos dos art.ºs 3.º e 195.º e ss. do CPC em conjugação com o art.º 118.º, do CPTA, quanto ao despacho de indeferimento de prova requerida contido apenas na sentença.
POR OUTRO LADO,
35. A douta sentença contém o despacho de indeferimento da prova sem que tenha permitido o exercício do contraditório pela Requerente.
36. Este princípio do contraditório tem vindo a ser sufragado pelo Tribunal Constitucional, onde se defende que “o processo de um Estado de Direito (processo civil incluído) tem, assim, de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no art.º 20.º, n.º 1, da Constituição”
37. Trata-se assim de uma violação do Princípio do Contraditório (artigo 3º do CPC) – e que a jurisprudência constitucional tem considerado ínsito no direito fundamental de acesso aos tribunais previsto no artigo 20º da CRP. – e da Igualdade das Partes – na medida em que o Tribunal “a quo” conheceu da causa 2 Cfr., a este respeito, Acórdão do Tribunal Constitucional, publicado no BMJ 366º, p. 234 sem audição prévia da Recorrente das Excepções invocadas nas quais baseou a sua decisão
38. Mas, em qualquer caso, sempre a inobservância do contraditório deve constar de despacho fundamentado 205º, nº 1 da CRP, sendo que a inobservância do contraditório sem apoio em despacho, legitima a arguição de nulidade que ora, também, se requer.
39. Considera, assim, a Recorrente que mal andou o Tribunal ao proferir aquela sentença sem o ter feito na fase de saneamento e com audição prévia da Recorrente, e ao tê-lo feito praticou uma nulidade processual por violação do contraditório.
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
40. Convém neste momento fazer referência ao requerimento feito aos autos pela Requerente após ter sido notificada da contestação da Requerida
41. Alega a Requerente no sobredito requerimento, nomeadamente, “a Requerida em momento alegar que advirá algum inconveniente para o interesse público com a procedência da presente providência cautelar..”
42. “A Requerida vem ainda juntar documentos que, por não estarem assinados, não se lhes deve ser reconhecido qualquer valor probatório para a discussão da presente acção.”
43. “…o documento nº 5, é a própria Requerida no artigo 12º da sua oposição aos presentes autos que refere que o referido “Relatório” ou “Parecer” nem sequer havia sido revelado e não se encontra assinado.”
44. “pelo que se impugna expressamente o documento nº 5 da oposição, porque nem sequer está assinado, não tendo assim qualquer valor probatório e de veracidade,”
45. Ora, perante estas questões levantadas pela requerente o Tribunal a quo não tomou qualquer posição ou sequer se debruçou sobre as mesmas.
46. Como decorre do artigo 615º do Código de Processo Civil (CPC) aplicável por força do artigo 1º do CPTA, as sentenças dos Tribunais Administrativos são passiveis de arguição de nulidades, fundada em qualquer dos motivos previstos na sobredita disposição legal do CPC.
47. Como ensina Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Ed. 1984, 143), “o que importa é que o Tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão”
48. Dai que ocorra nulidade por omissão de pronuncia quando o tribunal não conheça de questões que devesse apreciar, e não também quando omita o tratamento de razões ou argumentos esgrimidos pelas partes (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 027/12, de 25.07.2012).
49. Salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo, devia ter se pronunciado acerca das questões levantadas pela Requerente, não o fazendo incorreu numa omissão de pronúncia, ferindo a douta sentença de nulidade que desde já se invoca.
DO ÓNUS DA PROVA
50. No que respeita ao ónus da prova, a regra estabelecida é a de que “quem alega deve provar” fazendo recair sobre os interessados o ónus de prova dos factos que interessam à sustentação da sua posição.
51. Contudo, o dever de prova na instrução do procedimento recai sobre o órgão administrativo competente, sendo esse aliás o entendimento do STA
52. “só em principio incumbe ao interessado a prova dos factos constitutivos do direito ou do interesse invocados…, porquanto cabe à administração um papel dinâmico na recolha dos elementos relevantes” (Acórdão de 18.11.88 in AD STA, 323.)
53. Voltando ao caso sub judice, se por um lado entende o Tribunal a quo que a Requerente não faz a devida prova, já este não se pronuncia em nenhum momento no que diz respeito ao ónus a que a Requerida estava incumbida.
54. Tratando-se de um procedimento administrativo que afecta directamente os direitos da Requerente, este tem que estar devidamente fundamentado e constituído.
55. Tendo em conta que grande parte da prova são documentos emitidos por entidades públicas, devem estas entidades fundamentar as suas tomadas de decisões e não simplesmente remeter para documentos.
56. No fundo existe aqui uma inversão do ónus da prova, que o Tribunal na sua douta sentença, não entendeu considerar.
Além disso,
57. Entende o Tribunal a quo que a Requerente não faz a devida prova dos factos que alega, no entanto, e salvo melhor entendimento configurando uma próprio contradição, dispensa a prova testemunhal, não se pronuncia acerca da documentação junta aos autos ou sequer quanto a muitas das questões suscitadas pela Requerente.
58. A Requerente ao longo do seu requerimento inicial aborda várias irregularidades e nulidades do procedimento administrativo, que desembocou no acto administrativo, e que na verdade constituem a pedra de toque do referido procedimento cautelar intentado, sem que o Tribunal teça qualquer consideração.
59. Se em conformidade com o artigo 116º “Cabe aos interessados provar os factos que tenham alegado..” essa possibilidade tem que ser efectiva, tem que ser real.
60. Não pode o Tribunal considerar que “Atentos os documentos juntos aos autos, considero que tais elementos de prova permitem o apuramento de todos os factos relevantes para a prolação da decisão” e mais tarde, entendendo que a Requerente não faz prova do que alega, não se pronunciar sobre os documentos, dispensar prova testemunhal e nem sequer sobre as nulidades invocadas no requerimento inicial.
61. Além de que, pese embora devidamente expostos no procedimento cautelar, os danos são efectivamente evidentes, não podendo a Requerente concordar com o entendimento do Tribunal a quo.
62. [omissis]
DA VERIFICAÇÃO DO REQUISITO DO ARTIGO 120.º DO CPTA
63. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida nos referenciados autos que julgou improcedente a providência cautelar requerida para suspender a eficácia do notificação com referência Of_2710/2018 datada de 11.12.2018, assim como requerer autorização para prosseguir a ocupação/utilização de área do domínio público hídrico.
64. Efetivamente, só deste modo é que será possível sustar os efeitos perversos e absolutamente prejudiciais, os quais já foram perfeitamente demonstrados e só assim através da requerida providência cautelar, se evitarão os danos económicos, nomeadamente no que diz respeito a lucros cessantes, que advirão para a Requerente.
65. Assim sendo, conforme resulta do disposto no artigo 112.º, n.º 1 do CPTA, quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos Tribunais Administrativos, pode solicitar a adoção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo. Resulta assim legitimado a Requerente a pedir o decretamento da presente providência cautelar, como única forma adequada de obstar à efetivação de prejuízos de difícil reparação.
66. Acontece que o Tribunal julgou a providência cautelar improcedente não concretizou os factos em que sustenta o prejuízo e, assim sendo, que faltou o primeiro dos requisitos da adopção de providências cautelares antecipatórias, o periculum in mora.
67. Ora, a douta sentença recorrida não pode merecer acolhimento, porquanto padece da nulidade prevista no art.º 615.º, nº 1, al. d) do CPC, aplicável, ex vi do art.º 140.º do CPTA.
68. Com efeito a Requerente nos artigos 3º a 27º e 45º a 56º e todos do articulado inicia alegou factos quanto ao periculum in mora, relatando o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e, para tanto, para além da prova documental, arrolou como testemunhas:
69. Com efeito a Requerente também se propunha a fazer prova dos factos através da prova testemunhal dos factos alegados nos artigos 3º a 27º e 45º a 56º todos do articulado inicial alegou factos quanto ao periculum in mora e para isso arrolou, in fine, 2 testemunhas.
70. A prova documental também não foi relevada pela douta sentença.
71. Tanto a prova documental como a prova testemunhal oferecidas pela Requerente versavam sobre a factualidade aduzida que mais não corresponde senão à demonstração da ocorrência do periculum in mora acaso a Requerida accione a garantia bancária identificada nos presentes autos.
72. O periculum in mora, no caso sub judice, e como acima já foi feita referência, advêm dos prejuízos económicos e reputacionais que, tendo em conta o objecto social da Requerente, e tendo esta como objectivo o lucro certamente serão ocorrerão caso se veja privada do cais e de todas as sua potencialidades.
73. Tendo em conta que se trata de uma Quinta à beira do rio Douro, a privação da referida estrutura de acostagem, reduz largamente toda a potencialidade e mais valias da Requerente.
74. Sendo que, para tanto, tais factos do prejuízo de difícil reparação foram devidamente alegados concretamente pela Requerente conforme supra exposto, que também cumpriria o ónus de prova, caso fosse relevada a prova documental e produzida a prova testemunhal, designadamente, a sua concreta estrutura de custos e proveitos, dos quais o Tribunal possa extrair a conclusão de que o accionamento das garantias poderá abalar de forma irremediável a viabilidade económica da Requerente.
75. Ao tribunal é lícito considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, bem como os factos daí resultantes que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e também os factos notórios e aqueles de que tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções, como dispõe o n.º 2 do art.º 5.º do CPC, o que não fez o Tribunal a quo.
76. Em suma, foram alegados pela Requerente factos capazes de fundar o justo receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar no processo principal. E, neste panorama, seria totalmente útil produzir a prova testemunhal.
77. Atento o disposto no art.º 364.º do Cód. Civil, para prova do articulado pela Requerente dos factos conducentes à demonstração do prejuízo não é exigível prova documental, sendo este, nesse caso, um meio de prova tão relevante como qualquer outro.
78. Impunha-se, por isso, ao Tribunal a quo que abrisse um período de produção de prova, em cumprimento do disposto no nº 3 do artigo 118º do CPTA, o que não fez, incorrendo também em erro de julgamento.
79. De resto a Requerida na sua oposição não impugnou ou de qualquer forma contrariou valida e suficientemente a demonstração do periculum in mora invocado pela Requerente, nem sequer os respectivos factos do articulado inicial da Requerente.
80. Impunha-se, assim, ao Tribunal dar por confessada a mesma factualidade, e, consequentemente, por preenchido o requisito do periculum in mora.
81. Assim, o Tribunal a quo, ao considerar que o alegado pela Recorrida não constitui uma alegação genérica e não concretizada com factos, confunde factos com provas.
82. Pelo que, face ao exposto até aqui, a douta sentença recorrida faz errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 120.º, n.º 1, do CPTA, pois nem sequer era imposta à Requerente, para a verificação do periculum in mora, a certeza da verificação do prejuízo, para que aponta a douta sentença recorrida.
83. Donde se conclui que a sentença está afectada na sua validade jurídica por omissão de pronúncia e erro de julgamento, verificando-se a arguida nulidade.
84. Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, por nulidade da sentença, substituindo-se esta por outra que aprecie todas as questões formuladas em 1.ª instância, eliminando-se, deste modo, a nulidade arguida conforme o art.º 615.º do CPC.
85. E ordenado o prosseguimento dos mesmos, com a produção de prova requerida e o conhecimento dos demais pressupostos considerados prejudicados pelo tribunal a quo necessários ao decretamento da requerida providência, nos termos dos nºs 2 e 3 do art.º 149.º do CPTA, e decretada, a final, a requerida providência cautelar.
*
A recorrida não apresentou contra-alegações.
*
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
*
Estando legalmente dispensados vistos, cumpre decidir.
*
O efeito do recurso.
A recorrente, em requerimento de interposição do recurso, confrontou, também, o tribunal “a quo” com o mesmo pedido de atribuição de efeito suspensivo que veio a reiterar no próprio recurso a esta instância dirigido.
Efeito suspensivo, ao invés do devolutivo que nessa instância se acabou por fixar, assim:
«(…)
Nas suas alegações, a Requerente pede a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, alegando, para tanto, que “o indeferimento do sobredito procedimento cautelar acarretará graves prejuízos” para si, “prejuízos esses que terão reflexo não apenas em termos económico e financeiros mas também de imagem para os seus clientes”, “colocando-a numa posição de vulnerabilidade, podendo, eventualmente, redundar numa situação irrecuperável”.
Regular e validamente notificada, a Requerida, ora Recorrida, não contra-alegou, nem emitiu qualquer pronúncia acerca da invocada nulidade processual.
Vejamos, portanto, antes do mais, o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso.
De acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 143º do CPTA, os recursos das decisões respeitantes a processos cautelares e respectivos incidentes são meramente devolutivos, contrariando, assim, a regra geral prevista no n.º 1 do mesmo artigo, que determina o efeito suspensivo dos recursos ordinários no contencioso administrativo.
Para as situações abrangidas pelo efeito-regra do recurso, o legislador consagrou, no n.º 3 do art.º 143º do CPTA, a possibilidade de ser requerida, no requerimento de interposição de recurso, a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso quando a suspensão dos efeitos da decisão seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos.
E como suporte do regime deste regime de excepção previsto no n.º 3, no n.º 4 daquele mesmo artigo o legislador previu a possibilidade do tribunal, quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa causar danos, determinar a adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos ou impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos.
Contudo, no n.º 5 do art.º 143º do CPTA, o legislador estabeleceu um limite à excepção do efeito-regra, determinando que a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos.
Ora, do bloco normativo acabado de expor resulta que as possibilidades de alteração ao efeito do recurso determinado pela lei encontram-se apenas previstas para o caso dos recursos ordinários do contencioso administrativo submetidos ao efeito-regra do recurso, ou seja, sujeitos a efeito suspensivo.
Quanto aos demais, previstos no n.º 2 do CPTA, o legislador não consagra qualquer possibilidade de alteração do efeito do recurso legalmente tipificado. E tal é assim porque se trata de um regime maduramente pensado e ponderado pelo legislador, que não pode ser desaplicado.
Como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, “as previsões dos n.ºs 4 e 5 pressupõem que tenha sido requerida a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso, nos termos do n.º 3. Não são, por isso, aplicáveis às situações de efeito devolutivo por determinação da lei, que diretamente decorrem do disposto no n.º 2, sem dependência de requerimento, e não são, por isso, passíveis de decisão de atribuição ou recusa por parte do juiz. Por outro lado, a lei não prevê a possibilidade, nos casos em que o recurso tem efeito meramente devolutivo, nos termos do n.º 2, de ser requerida ao juiz a substituição desse efeito por um efeito suspensivo. A solução explica-se porque a atribuição do efeito meramente devolutivo ao recurso, nos casos previstos no n.º 2, é justificada, como foi explicado na nota precedente, pelas razões de especial urgência que estão na base da utilização dos meios processuais em causa (intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, tutela cautelar e antecipação do julgamento de mérito no âmbito do processo cautelar), e, no que refere às decisões respeitantes a processos cautelares, também pelo facto de o juiz já ter procedido, no âmbito desses processos, à ponderação de interesses de que os n.ºs 4 e 5 do presente artigo fazem depender a decisão do juiz de alterar os efeitos do recurso” in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2017, pág. 1103. No mesmo sentido, veja-se JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, in “A Justiça Administrativa. Lições”, 15ª edição, Almedina, 2016, pp. 414 e 415.
E como, de forma lapidar, já considerou o Tribunal Central Administrativo Norte, no seu Acórdão de 18.06.2009 (proc. n.º 01411/08.9BEBRG-A): “Há que ter em consideração, desde logo, que o nº3 [do artigo 143º] não se aplica, pura e simplesmente, às decisões respeitantes à adopção de providências cautelares, já que tem como seu pressuposto apenas a regra do efeito suspensivo consagrada no nº1. A letra da lei, aqui, não permite qualquer outra leitura [artigo 9º nº2 do CC].
Relativamente aos números 4 e 5 do artigo 143º do CPTA, importa ter presente, primo, que o julgador cautelar, para deferir ou indeferir a providência, já terá procedido à ponderação de interesses e danos que subjaz à adopção quer das medidas lenitivas [nº4] quer da recusa do efeito meramente devolutivo [nº5], e nada justifica a sua repetição. E no caso de o julgador cautelar não ter chegado a equacionar essa ponderação de interesses e danos, isso apenas significará que foi a própria lógica jurídica cautelar, consagrada pelo legislador, a arredar, naquele caso concreto, quer por inexistência do indispensável fumus bonus, quer por inverificação de periculum in mora, a necessidade de a ela proceder.
Se o julgador cautelar considerou ser de proteger a posição do requerente contra a morosidade do processo principal, concedendo a providência pretendida, a atribuição de efeito suspensivo ao recurso jurisdicional dessa decisão judicial acabaria por inutilizar o objectivo da tutela cautelar, prolongando no tempo uma situação desvantajosa para o requerente.
Sentido jurisprudencial confirmado pelo Acórdão, do mesmo Tribunal, de 16.09.2011 (proc. n.º 00973/11.8BEPRT).
Por conseguinte, não há lugar, no âmbito dos recursos interpostos de decisões respeitantes a processos cautelares a alteração do efeito do recurso.
Mas ainda que assim não fosse, importa notar que, tal como ocorreu com a invocação do periculum in mora no requerimento cautelar, a Recorrente limita-se a invocar vaga, superficial e genericamente a existência de prejuízos com a manutenção do efeito meramente devolutivo do recurso. Com efeito, em momento algum a Recorrente densifica e concretiza quais os prejuízos que alega poder vir a sofrer com a possibilidade de execução do acto suspendendo na pendência do recurso, em que medida os mesmos poderão afectar a sua actividade enquanto sociedade comercial e de que forma tais prejuízos serão irreversíveis no curto espaço de tempo que decorrerá até à prolação de decisão por banda do Tribunal ad quem.
Ademais, sequer se vislumbra em que medida a discussão judicial de uma questão meramente administrativa que respeita à utilização de um cais (sem que se perspective como provável a intenção de a Recorrida executar o acto administrativo na pendência do recurso jurisdicional) pode vir a afectar a imagem da Recorrente perante os seus clientes, pois que se assim fosse todas as questões discutidas em juízo poderiam afectar a imagem dos particulares que se relacionam com a Administração e que se vejam necessitados de recorrer aos tribunais para as dirimir, o que não se mostra minimamente razoável.
Destarte, por tudo quanto fica exposto, indefiro o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto nos presentes autos pela Requerente.
Assim, por ser tempestivo, legal e interposto por quem tem legitimidade, admito o recurso interposto pela Requerente para o Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, o qual terá subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo, tudo nos termos do disposto nos art.os 143º, n.º 2, alínea b), 144º, n.º 2, 145º e 147º, n.º 1 do CPTA.
(…)»
Basta a posição de princípio, que é também a nossa.
Já na original redacção do CPTA se consolidou que «De acordo com o disposto no artigo 143.º, n.º 2, do CPTA, os recursos interpostos das decisões que concedam ou recusem a adopção das providências cautelares requeridas têm efeito meramente devolutivo.» (Ac. do STA, de 30-10-2014, proc. n.º 0681/14); posição repetidamente afirmada (cfr. Acs. do STA: de 17-09-2015, Pleno, proc. n.º 0622/15; de 03-12-2015, proc. nº 0550/15; de 13-10-2016, proc. n.º 0865/16); que continua actual.
Pelo que se mantém o efeito devolutivo já fixado.
*
Os factos, que na decisão recorrida se dão como provados:
1. À Requerente foi atribuído, em 30/11/2012, o Alvará de licença n.º 058-PF/2012, relativo ao uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico em C..., Alijó, válido até 30/11/2013 e tendo por objecto a instalação de um cais (cf. documento n.º 02 junto aos autos com o requerimento inicial);
2. À Requerente foi atribuído, em 30/03/2015, o Alvará de licença n.º 038-2015/PF, relativo ao uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico em C..., Alijó, pelo prazo de um ano e tendo por objecto a instalação e utilização, em regime de exclusividade, de um cais (cf. documento n.º 01 junto aos autos com a oposição);
3. À Requerente foi atribuído, em 11/03/2016, o Alvará de licença n.º TURH_0069/2016, relativo ao uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico em C..., Alijó, válido de 01/04/2016 a 30/03/2017 e tendo por objecto a instalação de um cais de acostagem (cf. documento n.º 02 junto aos autos com a oposição);
4. À Requerente foi atribuído, em 13/04/2018, o Alvará de licença n.º TURH_0052/2018, relativo ao uso privativo de uma parcela de domínio público hídrico em C..., Alijó, válido de 01/04/2018 a 31/03/2019 e tendo por objecto a instalação de um cais de acostagem (cf. documento n.º 03 junto aos autos com a oposição);
5. Por ofício datado de 18/11/2013 a Administração da Região Hidrográfica do Norte comunicou à Requerida o seguinte:
“Relativamente ao assunto em epígrafe [Pedido de parecer sobre o projeto de reparação e alteração do cais da Quinta de M... Local: Quinta de M..., no lugar C..., concelho de Alijó], comunica-se a V. Ex.ª que, na sequência de um pedido de parecer solicitado por essa Instituição, através do ofício nº 007/2011-IPTM-DEC, de 07-01-2011, esta ARH pronunciou-se, em devido tempo, desfavoravelmente sobre um projeto para instalação de “Cais particular em M...” para o mesmo local, através do nosso ofício nº 6546, de 05-05-2011, tendo-se informado então que para o local da pretensão não estava prevista a instalação de um cais, de acordo com planta de ordenamento do Plano das Albufeiras da Régua e do Carrapatelo (POARC), e que o projeto em causa não era passível de merecer parecer favorável, por se ter verificado que a pretensão não tinha enquadramento no POARC, nomeadamente, no disposto no artigo 27º.
Tendo em conta que a legislação que inviabilizou a instalação de um cais no local ainda está em vigor, comunica-se a V. Exª que, no âmbito dos recursos hídricos, o projeto de reparação e alteração do cais, submetido a apreciação, não é igualmente passível de merecer parecer favorável.” (cf. documento n.º 05 junto aos autos com a oposição);
6. No passado mês de Dezembro a Requerente foi notificada do ofício com referência Of_2710/2018, datado de 11/12/2018, expedido pela Requerida, com o seguinte teor:
“Tendo em atenção o parecer desfavorável, que se anexa, da Agência Portuguesa do Ambiente sobre o Vosso projeto de reparação e alteração do cais da Quinta do M..., apresentado ao IPTM a 14/10/2013, e do qual só agora a APDL teve conhecimento na sequência da ação de inspeção “Avaliação do Cumprimento do Plano de Ordenamento das Albufeiras da Régua e do Carrapatelo – Albufeira da Régua” realizada pelo IGAMAOT, vimos por este meio notificar V. Exas que o Alvará de Licença TURH_0052/2018 se extingue no seu término – 31/03/2019 – pelo que, conforme estabelecido na sua cláusula 7.ª, deverão proceder à remoção de todos os equipamentos e construções instalados no local deixando o lugar livre e limpo de todos os detritos bem como as áreas circundantes” (cf. documento n.º 01 junto aos autos com o requerimento inicial).
*
O mérito da apelação
Numa prévia ponderação, o tribunal “a quo” definiu que:
«(…)
Atentos os documentos juntos aos autos, considero que tais elementos de prova permitem o apuramento de todos os factos relevantes para a prolação de decisão.
Por conseguinte, estando em causa matéria exclusivamente de direito e não existindo matéria de facto controvertida sobre a qual deva ser produzida prova adicional, a realização de diligências de prova consubstanciaria a prática de actos meramente dilatórios e inúteis, tendo desde logo em atenção que estamos em presença de autos de processo cautelar que, pela sua urgência, exigem e pressupõem uma análise meramente sumária e a prolação de uma decisão célere.
Assim, ao abrigo do disposto no art.º 118º, n.os 3 e 5 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), dispenso a produção da prova testemunhal.
(…)»
Depois de mencionar doutrina e jurisprudência em aporte à conclusão de que “o ónus geral de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida cabe ao requerente”, o tribunal “a quo” fundamentou que:
«(…)
No caso vertente, alega a Requerente que com a utilização do cais “tem um benefício económico que, apesar de difícil contabilização, é indesmentível” e que o não decretamento das presentes providências causará um prejuízo dificilmente reparável, decorrente da “remoção de todos os equipamentos e construções instalados no local”, o que a fará incorrer em “avultadas despesas”.
Mais alega que tal remoção “implicará um inevitável prejuízo, quer em termos financeiros quer ao nível da sua reputação”.
Ora, analisada a parca alegação feita pela Requerente, outra conclusão não pode este Tribunal retirar senão a de que não se encontram minimamente alegados, de forma concreta e circunstanciada, os factos que entende consubstanciarem o receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação.
Atente-se que a Requerente alude genericamente ao facto de o referido cais lhe proporcionar um “benefício económico” e que a remoção dos equipamentos e construções instalados no local a fará incorrer em “avultadas despesas”.
Mas não indica qual o seu objecto social, qual a actividade a que se dedica, qual a utilização que faz do cais em questão, qual a importância e relevância do mesmo para a sua actividade, de que forma a indisponibilidade do mesmo afecta a sua actividade ou a fará sofrer perdas financeiras (se é que as mesmas poderão ocorrer) ou quais os concretos benefícios económicos que retira da utilização do cais.
Ora, nada disto vem alegado, desconhecendo o Tribunal qual a finalidade do cais e qual a utilização lhe é dada pela Requerente, assim como também não vem alegado todo o contexto económico-financeiro da Requerente no sentido de apurar se a execução do acto suspendendo e o não decretamento das providências requeridas causará efectivamente prejuízos de difícil reparação ou se levará à constituição de uma situação de facto consumado ao ponto de a eventual procedência da acção principal se revelar inútil para a satisfação da pretensão da Requerente e da sua necessidade de tutela judicial.
Repare-se que nem para uma apreciação meramente hipotética (mas que ainda assim se revelaria insuficiente para o decretamento das providências requeridas) o Tribunal dispõe de elementos para formular um juízo sobre o critério do periculum in mora, tal é a escassez de factos alegados pela Requerente.
Nenhum facto é alegado relativamente à situação financeira da Requerente ou sequer relativamente à sua actividade.
E nenhuma concretização relativamente aos custos da remoção dos equipamentos e construções instalados no local é feita pela Requerente, cingindo-se a uma mera articulação de juízos conclusivos, sem qualquer factualidade subjacente que pudesse permitir a mais pequena e breve incursão por parte do Tribunal no raciocínio que trilha para alegar o periculum in mora da tutela cautelar que pretende.
Como é unanimemente referido pela jurisprudência, incumbe ao requerente da providência alegar factos concretos aptos ao preenchimento dos requisitos substanciais de que depende o deferimento da providência cautelar, nos termos do artigo 120º do CPTA. É, pois, obrigação do requerente da providência alegar factos e situações concretas da vida, em face das quais se mostre que a decisão administrativa controvertida, prejudica de imediato e irremediavelmente a sua posição jurídica. Ou seja, exige-se ao requerente da providência que alegue factos concretos e circunstanciados, na medida em que sobre ele impende o ónus de alegar e de provar factos concretos e relevantes que permitam ao Tribunal concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação.
Olhando criticamente para a alegação que a Requerente, nesta parte, traz a juízo, é não apenas evidente como manifesta a insuficiência alegatória no que concerne ao periculum.
Com efeito, analisando o risco que invoca, o Tribunal não consegue sequer perspectivar em que medida a cessação de utilização privativa do domínio público hídrico em C..., Alijó, concretamente do cais sito à Quinta de M..., bem como a necessária e consequente remoção dos equipamentos e construções instalados no local provocará à Requerente problemas imediatos, inevitáveis e de difícil reparação ao nível da sua actividade (e já nem nos referimos à tesouraria, porquanto nada vem alegado quanto à mesma) pois que não vem demonstrada, nem em momento algum é feita sequer uma mera alusão às condições actuais de actividade e de laboração da Requerente.
Ainda que a Requerente refira que terá que suportar “avultadas despesas” com a remoção de todos os equipamentos e construções instalados no local, certo é que nada vem alegado relativamente a esses custos, nem de que forma a execução do acto administrativo suspendendo terá implicações na sua tesouraria ou se o retorno à situação anterior será ainda possível futuramente em caso de procedência da acção principal. Factualidade que seria deveras relevante para apreciar o periculum in mora relativamente à execução do acto suspendendo por referência à situação actual da Requerente.
Posto isto, não se refira que o facto de o Tribunal ter decidido dispensar a produção de prova testemunhal coarctou a possibilidade de a Requerente concretizar esses danos e esse receio, pois que a prova testemunhal não se destina a colmatar o défice alegatório. Como se sabe, a prova testemunhal incide sobre factos. E não havendo factos alegados nos autos que integrem a alegação do periculum, nada haveria sequer a demonstrar. Circunstância que sibi imputet.
Além disso, como se deixou referido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14/02/2014 (proc. n.º 02035/11.9BEBRG-A), “1. Na providência cautelar, compete ao juiz, perante cada caso concreto e perante a solução que a situação concreta se lhe perspetiva, aferir da necessidade ou não de produzir prova, nomeadamente testemunhal – nº 3 do art. 118º do CPTA. 2. A não inquirição das testemunhas oferecidas não constitui omissão de um ato que a lei prescreva, sendo que a lei não prescreve que deve haver sempre a inquirição das testemunhas, antes permite ao julgador aferir da sua necessidade”.
Por conseguinte, fica o Tribunal sem perceber, por falta de uma alegação, concreta, circunstanciada e densificada, quais as concretas e precisas condições de exercício da actividade da Requerente que poderão ser afectadas de forma irreversível ou em que medida a não suspensão do acto e a não autorização provisória de utilização do cais poderão constituir uma situação de facto consumado.
E como já decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 30/10/2014 (proc. n.º 0681/14), “A concessão das providências cautelares, no tocante ao requisito do periculum in mora exigido pelo artigo 120º nº 1 al. b) e c) do CPTA, assenta nos factos alegados pelas partes. Uma alegação insuficiente e meramente “conclusiva” não é adequada para a averiguação do preenchimento de tal requisito”.
Assim, nada mais resta ao Tribunal senão do que dar como não verificado, in casu, o requisito do periculum in mora (art.º 120º, n.º 1, primeira parte do CPTA).
Sendo os requisitos de decretamento de providências cautelares cumulativos, basta a improcedência de um deles para que a pretensão cautelar não possa ser provida, ficando, assim, prejudicada a análise do requisito do fumus boni iuris, atinente à probabilidade da procedência da pretensão formulada em sede de acção principal, nos termos do disposto no art.º 608º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art.º 1º do CPTA.
Fica também prejudicada, ao abrigo do mesmo preceito, a realização do juízo de ponderação de interesses previsto no n.º 2 do art.º 120º do CPTA, uma vez que tal ponderação apenas releva nas situações em que se verifiquem os requisitos para o decretamento das providências previstos no n.º 1 daquele preceito, o que não sucede in casu.
(…)»
→ Nulidades.
Não há qualquer nulidade na não determinação de produção de prova.
Conforme se escreve no Ac. deste TCAN, de 02-02-2018, proc. n.º 02546/16.0BELSB, “não impõe a lei a obrigatoriedade de produção de prova (testemunhal ou outra) – no caso a inquirição obrigatória da formalidade inquirição de testemunhas – conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção face aos factos e ao direito invocados.
Pelo que, a contestada omissão de decisão sobre provas requeridas no RI, mormente testemunhal e a dispensa dessas diligências de prova não consubstancia a nulidade processual prevista no artigo 195.º do CPC.
”.
Cfr. Ac. deste TCAN, de 03-05-2019, proc. n.º 453/18.0BEMDL:
I – A mera circunstância de ter sido requerida pelas partes, em sede de processo cautelar, a produção de prova testemunhal, não implica que necessariamente o Tribunal a quo esteja adstrito à realização da respetiva diligência de inquirição de testemunhas, como claramente decorre do disposto no artigo 118º nº 1 do CPTA.
II – Apenas cumpre ao juiz cautelar levar a cabo as diligências de prova relativamente a factos concretos que se mostrem controvertidos, designadamente por terem si alvo de impugnação na oposição, e dentro desses os que importem para a decisão da causa em conformidade com os critérios decisórios insertos no artigo 120º do CPTA.
Como não há qualquer violação do contraditório, estando os contornos do caso fora de cogitação que permita imputar que o tribunal com a dispensa de produção de prova tenha dado triunfo a qualquer matéria exceptiva sem oportunidade de rebate e indevidamente fora de saneamento.
Como não há omissão de pronúncia, como a recorrente imputa (de 40 a 49 das suas conclusões de recurso); ao tribunal não se lhe exige que responda a todos e a cada um dos argumentos ou pormenores da versão que lhe é apresentada pelo recorrente, mas tão só que responda às questões reputadas fundamentais para a decisão; a própria arguente não consegue identificar quais sejam essas “as questões levantadas pela Requerente”; "A nulidade por omissão de pronúncia pressupõe que o tribunal não julgou uma questão que devia apreciar; não basta que não tenha considerado um argumento ou um elemento (nomeadamente probatório) que o recorrente entenda ser relevante." (Ac. do STJ, de 01-03-2012, proc. n.º 353/2000.E1.S1,).
→ De fundo.
O tribunal “a quo” equacionou bem que “o ónus geral de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida cabe ao requerente”.
Cfr. Ac. do STA, de 07-12-2017, proc. n.º 0956/17:
I - O requisito do “periculum in mora” encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que quando venha a ser proferida uma decisão no processo principal a mesma já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal à situação jurídica e pretensão objecto do litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil mercê da constituição de uma situação de facto consumado, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de prejuízos ou danos dificilmente reparáveis.
II - Impende sobre o requerente cautelar o ónus geral de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida, nomeadamente o relativo ao “periculum in mora” [cfr. artºs. 342.º do CC, 114.º, n.º 3, al. g), 118.º e 120.º do CPTA, 365.º, n.º 1, do CPC/2013].
A sua motivação navega por estas águas.
Não advindo préstimo a um erro de julgamento as observações da recorrente quanto à aquisição e ónus do procedimento, e suas irregularidades e nulidades, que antes respeitariam a um fumus boni iuris, julgado prejudicado.
Do que o tribunal tratou foi do periculum in mora.
E bem julgou.
«A alegação e prova da existência do periculum in mora incumbe ao requerente da providência cautelar, não podendo a falta de alegação de factos concretos suscetíveis de o demonstrar ser suprida através de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, por corresponder ao incumprimento de um ónus que incumbe em exclusivo ao requerente; nem havendo lugar, nesse caso, à determinação de um período de produção de prova, por o mesmo se revelar inútil ou desprovido de objeto» (Acórdão de 04-03-2016 deste TCAN, Proc. 00728/15.0BEVIS).
Como se escreve em Ac. deste TCAN, de 09-06-2017, proc. nº 01060/16.8BEAVR, «incumbe ao requerente da providência o ónus de alegar e provar a matéria de facto integradora do periculum in mora (através de factos ou circunstâncias suficientemente determinadas que, segundo um juízo de normalidade e pelas regras de experiência comum, abarquem a situação de perigo justificativa da concessão da medida pretendida)».
E, efectivamente, a alegação da autora não vem provida de factos concretos que configurem o “periculum”, na vertente discutida de prejuízos de difícil reparação para os interesses da requerente.
Não se reconhece tal virtude na alegação para que remete, extractando-se da p. i. (inexistem artºs. 64º e 65º):
«(…)
I DOS FACTOS
1. No passado mês de Dezembro o aqui Requerente foi notificado por parte da APDL- Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo, S.A. (APDL) relativamente ao assunto “Ocupação/ utilização de área do domínio público hídrico- Quinta do M..., concelho de Alijó” (documento 1).
2. Esta notificação vem obrigar o Requerente a “proceder à remoção de todos os equipamentos de todos os equipamentos e construções instalados no local deixando o lugar livre e limpo de todos os detritos bem como as áreas circundantes”.
3. Ora, esta inesperada ordem apanhou o Requerente completamente de surpresa, efectivamente, nada em algum momento de relação com a entidade licenciadora, indiciaria uma notificação com este tipo de conteúdo.
4. É facto assente que o autor tem mantido o seu cais devidamente licenciado (cfr. documento 2).
5. Quer o IPTM- Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, I.P., quer mais recentemente a APDL, sempre emitiram o competente alvará de licença, nunca tendo sido levantado qualquer entrave quer durante o procedimento de atribuição quer decorrente de fiscalizações posteriores.
6. Durante todos estes anos de licenciamento o requerente sempre cumpriu escrupulosamente as imposições decorrentes do alvará, pagando as respectivas taxas, não existindo ao dia de hoje, qualquer irregularidade que as entidades fiscalizadoras possam apontar.
7. Objectivamente isso nunca aconteceu, durante todos os anos em que foram emitidas licenças, nenhuma infracção ou incumprimento foi apontada ao Requerente.
8. Ora, é no cumprimento de todo este procedimento e no respeito pela lei, que o aqui Requerente tem vindo a solicitar as competentes licenças.
9. Sendo estas emitidas pelas entidades responsáveis, nunca tendo sido rejeitadas na medida em que, não há, nem nunca houve, tendo em conta todo o quadro normativo que regula estes licenciamentos, motivos para que assim não acontecesse.
10. Contrariando as legitimas expectativas do Requerente e contrariando, como acima se expos, o que vem sendo prática há já longos anos, vem desta feita a APDL anunciar a extinção do alvará de licenciamento.
11. A pedra de toque desta inopinada decisão, é um alegado “parecer”, surgido não se sabe bem de onde, e em total desrespeito pelas regras do procedimento e processo administrativo, que a APDL junta à sua notificação.
12. Este documento, alegado parecer da APA, “datado” de 2013, surge passado praticamente seis anos sem que o Requerente tivesse alguma vez tido conhecimento dele, nem a APDL, entidade licenciadora, e que sempre emitiu as competentes licenças sem levantar qualquer problema, demonstra como e porquê só agora teve conhecimento deste parecer.
13. Além disso, não se entende, como é que um documento que ninguém sabe muito bem de onde veio e como é que aparece aqui agora, contrariando escandalosamente as mais elementares regras do procedimento administrativo, pode ter a importância que a APDL lhe parece querer dar.
14. O documento junto à notificação contraria os mais básicos direitos dos administrados, imagine-se agora, que após anos de licenciamentos em que tudo tem decorrido dentro da normalidade e sem nunca ter sido apontada qualquer infracção ao Requerente, aparece um documento, que vem colocar em causa anos de relações entidades públicas e privadas.
15. Insista-se, tal documento nunca foi notificado a aqui Requerente, nem tão pouco a requerida demonstra tal facto
16. No referido parecer, sustenta-se que não está previsto naquele local, nenhum cais, ora, desde pelo menos o século XIX que naquele preciso local existe um cais que permitia, e ainda permite, aos habitantes daquela região atravessar para a outra margem do rio Douro, aliás, há naquela zona um caminho desde a freguesia de C... até ao cais de M... intitulado “caminho do porto/cais”.
17. Este caminho servia não só as pessoas que trabalhavam na Quinta de M... e necessitavam de se descolocar para a outra margem, onde existe a Quinta da Vila Velha, mas também as que residiam em C.../Alijó (freguesia a cerca de 3 km do cais), existem variadíssimas pessoas que poderão categoricamente confirmar de viva voz os factos aqui descritos,
18. Alvitra-se ainda que o referido documento que o cais aqui em causa não se encontra previsto no POARC
19. Sucede que, tal hipótese, a ser verdade, ignoraria a existência um cais de pedra, muito anterior a 2002, ano em que foi publicado o regulamento do POARC.
20. Quer isto dizer, mesmo que a teoria do POARC, vertida no sobredito documento - reconhecidamente ineficaz- viria naquela tese a ser tão somente a alteração de uma situação pré existente
21. Desta feita, importa salientar que, o que na verdade aconteceu foi o facto do POARC vir alterar uma situação pré existente.
22. Em consequência do que vem sendo dito até aqui, o supra mencionado “parecer” viria, sem se perceber como e com que fundamento legal, impor ao Requerente um óbice
23. Além de nunca ter sido notificado deste documento anexo pela APDL, o Requerente não consegue, salvo sempre melhor opinião, depreender deste a obrigação que a APDL lhe quer imputar.
24. Não é apreensível do referido documento qualquer justificação para a decisão que aqui se ataca, na verdade, nada mudou entre 2012 e 2019.
26. Do referido documento, alegadamente da APA, não estando assinado, nem contendo qualquer elemento que demonstre a sua eficácia, não resultam os efeitos que a APDL lhe quer dar, não podendo na verdade, um acto eivado de ilegalidades e irregularidades produzir qualquer efeito
27. Mal andariam as entidades públicas se pudessem, como protecção em documentos aparecidos de surpresa e que ninguém teve conhecimento, de um momento para o outro por em causa anos de relação com os cidadãos, invalidar e expressamente requer e se solicita ao Tribunal que expressamente reconhece.
(…)
ii) Quanto ao periculum in mora
45. O periculum in mora consiste no fundado receio de que quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada à situação jurídica envolvida no litigio.
46. Seja porque, a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja, porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
47. Atenta a sua essência e finalidade, o recurso às providências cautelares apenas se afigura justificado quando o requerente invoque fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado, tornando inútil uma eventual sentença favorável, proferida em sede principal nos termos do disposto no nº 3 do artigo 120º do CPTA.
48. Ora, no caso da presente providência, uma sentença favorável que venha a ser proferida no processo principal será insuficiente para acautelar os interesses do requerente, uma vez que se verificam prejuízos dificilmente reparáveis, decorrentes da mora inerente à acção principal.
Senão vejamos.
49. Com a utilização do cais, o requerente tem um beneficio económico que, apesar de difícil contabilização, é indesmentível.
50. Na hipótese da notificação aqui em crise não ser suspensa de forma imediata, esta situação implicará um prejuízo de difícil reparação
51. Na verdade, até o final deste mês o requerente terá que proceder à remoção de todos os equipamentos e construções instalados no local, incorrendo dessa forma em avultadas despesas.
52. Ora tendo em conta os factos acima descritos, esta remoção implicará um inevitável prejuízo, quer em termos financeiros quer ao nível da sua reputação.
53. Destarte, essa falta de utilização causará prejuízos irreparáveis, não ressarcíveis (mesmo que venha a ser dada razão na acção principal ao requerente só nessa data será reembolsado do prejuízo causado).
54. A acrescer a isto, o cumprimento da notificação importará a assunção da “inexistência” do CAIS, como decorre do POARC (e que supra fizemos questão de refutar) podendo vir-se a revelar irreparável.
55. No fundo a notificação que aqui se ataca, vem dar cumprimento a um regulamento ilegal, suportada num parecer que contraria as mais elementares regras do procedimento e do processo administrativo, além de desrespeitar os direitos dos administrado.
iii) Da ponderação dos interesses em presença
56. Finalmente, a suspensão da eficácia do despacho não é lesiva na perspetiva do interesse público, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 120º do CPTA.
57. O que se discute na presente acção é “simplesmente” a localização de um cais num local especifico e que o regulamento POARC não previu.
58. Desta factualidade e da eventual procedência da presente providência não decorrerá nenhum prejuízo para o interesse público.
59. Aliás, em momento algum quer na notificação quer no parecer da APA, se faz referência a qualquer dano causado pela presença do cais que tenha motivado a decisão de não prolongar o alvará.
60. Apesar de a não consagração no POARC do cais ser uma questão de grande importância e que poderá trazer graves prejuízos para o requerente, a notificação da APDL que aqui se ataca, vem no fundo dar cumprimento a uma formalidade.
61. Mesmo no que concerne aos próprios objectivos do regulamento POARC, que supra se referiu, a existência do cais aqui em discussão em nada conflitua com estes, antes pelo contrário, o cais vem dar cumprimento ao desenvolvimento sustentável pretendido assim como promover novas possibilidades de desenvolvimento, “uso público e aproveitamento de recursos através de uma abordagem integrada das potencialidades e limitações do meio…”.
62. A ponderação global dos interesses em presença resulta, portanto, no sentido da procedência da providência.
63. Verificando-se desta feita os requisitos para que seja dado provimento à providência, o que se requer.
(…)».
Afirma a requerente que “Tanto a prova documental como a prova testemunhal oferecidas pela Requerente versavam sobre a factualidade aduzida que mais não corresponde senão à demonstração da ocorrência do periculum in mora acaso a Requerida accione a garantia bancária identificada nos presentes autos”.
Mas não se identifica na factualidade aduzida qualquer relato sobre o accionamento de uma qualquer garantia! Desprovendo de préstimo tanto prova documental como prova testemunhal atinente.
E antes o que se pode ver é que a alegação não perspectiva prejuízos dificilmente reparáveis para os interesses da requerente; tudo fica por uma larga indefinição, não cabendo ao tribunal suprir a alegação que lhe caberia, nem inverter e preencher esse vazio com a prova.
Recorda-se Ac. deste TCAN, de 28-04-2017, proc. nº 00480/16.2BEBRG-A:
«(…)
Não cabe dúvida de que, nos termos do artigo 114º/1/g) do CPTA incumbe ao requerente da providência o ónus de “especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido” o que significa, em termos de fundamentação de facto e na questão em apreço, a necessidade da alegação dos factos concretos capazes de consubstanciar a situação de “periculum in mora” invocada, segundo o “guião” paradigmaticamente definido no acórdão deste TCAN de 17-04-2015, Proc. 02410/13.4BEPRT, 1ª Secção - Contencioso Administrativo, em cujo sumário se pode ler:
«I - A concessão das providências cautelares, no tocante ao requisito do periculum in mora exigido pelo artigo 120º, nº 1, alíneas b) e c), do CPTA, assenta nos factos alegados pelas partes. Uma alegação insuficiente e meramente “conclusiva”, porque desprovida dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, não é adequada para a averiguação do preenchimento de tal requisito.
II - Cabe ao requerente alegar factos concretos que permitam ao julgador apreciar e eventualmente concluir pela existência de uma situação de carência económica relevante para preenchimento do requisito do periculum in mora previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA (…)
III - Se ao tribunal é lícito considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, bem como os factos daí resultantes que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e também os factos notórios e aqueles de que tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções, como dispõe o nº 2 do artigo 5º do CPC, já vedado lhe é erigir ele próprio uma causa de pedir, quanto aos factos essenciais, mediante inquirição de testemunhas sobre matéria meramente conclusiva e afirmações de ordem tabelar por referência à facti species da respectiva norma legal: Sairia violado gravemente o princípio da imparcialidade do juiz.» [sublinhado nosso]
(…)».
Igualmente no Ac. deste TCAN, de 14-07-2017, proc. n.º 00063/17.0BEPNF se recorda:
Cabe, pois, ao Requerente o ónus do oferecimento de prova sumária dos requisitos de que depende a suspensão, incluindo dos factos que integram o requisito do periculum in mora. E cabe ao Requerido fazer a prova, sumária, dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Requerente bem como a matéria de impugnação - artºs 342º/2 do CC e 487º e 516º, estes do CPC.
O tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo, os factos notórios ou de conhecimento geral - artºs 264º, 514º e 664º/2ª parte, do CPC.
Estas asserções não foram postas em causa pelo CPC de 2015 que, no seu nº 1, consagra o princípio do dispositivo, em relação aos factos essenciais que constituem a causa de pedir, e, no seu nº 2, à sombra do princípio da aquisição, permite ao julgador que tome em consideração os factos instrumentais e, outrossim, os que constituam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado, desde que tais factos resultem da instrução da causa. Mas essa possibilidade está sempre condicionada pela prévia alegação desses factos essenciais e, obviamente, pela necessidade da sua atendibilidade e ponderação pelo julgador, o que equivale a dizer, pela sua relevância para a decisão a proferir.
(…)
Ora, de harmonia com os princípios do dispositivo e da autorresponsabilização das partes, contemplados no artigo 5º/1 do CPC, não se impõe ao julgador qualquer dever de colmatar as deficiências da alegação dos factos essenciais à procedência das pretensões das partes.
E mais recentemente, em Ac. de 28-09-2018, proc. n.º 01713/17.3BEPRT:
«-cabe ao Requerente da providência o ónus do oferecimento de prova sumária dos requisitos de que depende a suspensão e cabe ao Requerido fazer a prova, (também necessariamente sumária), dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Requerente bem como a matéria de impugnação - artºs 342º/2 do CC, 487º e 516º do CPC;
-o tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo, os factos notórios ou de conhecimento geral - artºs 264º, 514º e 664º/2ª parte, do CPC;
-estas asserções não foram postas em causa pelo CPC de 2015 que, no seu nº 1, consagra o princípio do dispositivo, em relação aos factos essenciais que constituem a causa de pedir, e, no seu nº 2, à sombra do princípio da aquisição, permite ao julgador que tome em consideração os factos instrumentais e, outrossim, os que constituam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado, desde que tais factos resultem da instrução da causa; mas essa possibilidade está sempre condicionada pela prévia alegação desses factos essenciais e, obviamente, pela necessidade da sua atendibilidade e ponderação pelo julgador, o que equivale a dizer, pela sua relevância para a decisão a proferir;».
Assim, e sendo ainda certo que “Os requisitos previstos na lei para a concessão da suspensão da eficácia do acto (artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2015) são cumulativos, pelo que basta não se verificar um para se julgar o pedido improcedente, com prejuízo do conhecimento dos demais” (Ac. deste TCAN, de 13-01-2017, proc. nº 01378/16.0BEPRT), resulta confirmação do decidido.
E “não se trata assim de uma qualquer omissão de pronúncia; é que é apodítico que se qualquer um dos três requisitos de decisão não se encontrar observado, a tutela cautelar não será decretada” (Ac. deste TCAN, de 28-09-2018, proc. n.º 01713/17.3BEPRT).
***
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente.
Porto, 26 de Julho de 2019.
Ass. Luís Migueis Garcia
Ass. Frederico Branco
Ass. Conceição Silvestre