Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00726/08.0BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/29/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL.
NULIDADE DA SENTENÇA.
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO.
NOTIFICAÇÃO DAS LIQUIDAÇÕES.
Sumário:I) No que concerne à nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.
II) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (actual art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
III) As formalidades procedimentais previstas na lei são essenciais, apenas se degradando em não essenciais se, apesar delas, for atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição, de modo que, perante os elementos presentes nos autos, não pode entender-se que tenha sido atingida a finalidade visada com a exigência de identificação da pessoa a quem é entregue a carta, o que significa que não pode entender-se demonstrado que tenha havido uma notificação válida, sendo que se impunha à AT a prova de que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, além de que tem de se valorar processualmente a favor do Recorrido a dúvida que se depara nestes autos sobre se a carta enviada chegou ao seu conhecimento, o que se reconduz que tudo se passe, para efeitos deste processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido.
IV) Nas situações em que a notificação do acto de liquidação nunca ocorreu ou, pelo menos, não ocorreu antes da instauração da execução fiscal, está-se perante uma situação de ineficácia do acto de liquidação, que constitui fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
V) Nas situações em que a notificação do acto de liquidação ocorreu, mas se verifica que essa notificação foi realizada já depois de decorrido o prazo de caducidade do direito de liquidação, está-se perante um fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
VIII) A partir daqui, em função do desenho da lide, não se colocando em crise o exposto quanto à aplicação do art. 45º da LGT, temos que na situação em análise, porque estão em causa dívidas relativas ao IVA dos exercícios de 2002 e 2003, a notificação das respectivas liquidações devia ter sido validamente efectuada ao oponente até 31/12/2006 e 31/12/2007, respectivamente, de modo que, tal como se assinala na decisão recorrida, visto que a notificação da liquidação não foi válida e eficazmente efectuada ao oponente no prazo de quatro anos, prazo de caducidade ao caso aplicável, é inequívoco que se verifica o fundamento da falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, previsto na alínea e) do n.º 1 do artº 204.º do C.P.P.T..*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 12-10-2011, que julgou procedente a pretensão deduzida por J…, contribuinte fiscal n.º 1…, residente na Rua…, Água Longa, na presente instância de OPOSIÇÃO, relacionada com o processo de execução fiscal (PEF) n.º 1880-2005/01003658 e apensos, contra si instaurado por dívidas de IVA dos períodos de 2002 e 2003 e respectivos juros compensatórios.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 378-385), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a oposição deduzida ao processo de execução fiscal (PEF) nº 1880200501003658 e apensos, salientando na motivação da fundamentação de facto que as notificações das liquidações na origem das dívidas exequendas foram realizadas irregularmente, por falta de anotação do número do bilhete de identidade ou de documento oficial da pessoa que recebeu a notificação, nos termos do art. 39º, nº4, do CPPT.
B. Refere assim a douta sentença recorrida, nessa motivação, que cabia então à Fazenda Pública alegar e provar que apesar dessa irregularidade as notificações tinham chegado ao conhecimento do oponente, e que a falta desta prova tinha de ser valorada contra a Fazenda Pública, segundo o art. 342º do CC, ocorrendo inexigibilidade da dívida exequenda.
C. No caso em apreço, embora não conste dos competentes avisos de recepção o número do bilhete de identidade ou de outro documento oficial do autor da assinatura neles aposta que se encontrava no domicílio fiscal do notificando, esta omissão não tem, no caso concreto, a relevância que a douta sentença recorrida lhe atribui, porque a identidade da subscritora encontra-se determinada nos autos.
D. Com efeito, o próprio oponente assinala, em consequência da prova produzida e em sede de alegações nos termos dos art.s 120º e 211º do CPPT (cfr. ponto 28. daquela peça), que todos os avisos de recepção das notificações da Administração Tributária foram assinados pela mãe do oponente.
E. Deste modo, entende a Fazenda Pública, que embora não fosse cumprida a formalidade procedimental prevista na lei, esta degradou-se em não essencial, porque mostra-se cumprido o requisito de identificação do terceiro que subscreveu o aviso de recepção ao tempo presente no domicílio fiscal do notificando, devem as notificações em causa reputar-se validamente efectuadas e operar a presunção de que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.
F. Tem sido orientação jurisprudencial do STA, observa Jorge Lopes de Sousa, na 6ª edição do seu CPPT Anotado e Comentado, em nota 5 ao art. 39º, que as formalidades processuais são meio para garantir objectivos e não finalidades em si mesmas e que, por isso, a sua preterição na notificação apenas afectarão a validade desta se não se comprovar que ela foi efectivamente realizada – cfr. acórdão do STA de 08.09.2010, proc. 0437/10, citado por aquele Autor.
G. Como tal, não obstante as formalidades procedimentais previstas não terem sido plenamente cumpridas, foi preenchida a exigência formal legal de identificação do terceiro, aliás suprida pelo oponente, atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição, designadamente para que opere a presunção estabelecida na parte final do nº3 do art. 39º do CPPT.
H. A falta de anotação nos competentes avisos de recepção da identificação do terceiro que os subscreve aquando da efectivação pelos serviços postais não deve ter-se por requisito absoluto ou condição sine qua non para a eficácia da notificação de acto tributário, mesmo porque a sua falta não tem como poder ser imputada à Administração Tributária, sendo exterior e ulterior à sua actuação.
I. Note-se que o STA também já decidiu, acerca da aplicação do nº 3 do art. 39º do CPPT, que, assinado o aviso de recepção por um familiar do destinatário presente no domicílio deste, presume-se que a notificação lhe foi apresentada atempadamente – acórdão do STA de 05.12.2007, proc. 0769/07.
J. A irregularidade que a douta sentença recorrida atribui às notificações efectuadas deve ter-se, assim, por sanada ou suprida em face do reconhecimento, manifestado pelo próprio oponente, da identidade da pessoa que assinou as ditas notificações, o que tem por efeito tornar plenamente oponível o encargo colocado pelo art. 39º, nº 4, do CPPT, de afastar a presunção de entrega da notificação ao destinatário ali estabelecida.
K. Daí que, e sempre ressalvando o elevado respeito tido pela Fazenda Pública pelo Douto Tribunal a quo, ao contrário do que expende a sentença recorrida, não se impunha à Fazenda Pública o ónus de alegar e provar que as notificações tinham chegado ao conhecimento do oponente, nos termos do art. 342º do CC, antes aproveitando a Fazenda da presunção estabelecida em seu favor, conforme o art. 350º do CC.
L. Impunha-se ao oponente, por seu turno, o ónus de alegar e por isso provar que as notificações das liquidações na origem da dívida exequenda todavia não chegaram ao seu poder, ilidindo a presunção de tal recebimento, aliás de acordo com a norma geral em tal matéria do art. 342º do Código Civil.
M. A este propósito a Fazenda Pública põe objecção ao facto vertido na alínea H) da fundamentação da sentença recorrida, porque, enunciando que o oponente não recebeu as cartas relativas às notificações das liquidações referidas que não chegaram ao seu poder, não assenta, de modo especificado, este facto (ou conclusão de facto) em outros factos instrumentais decorrentes do depoimento das testemunhas ouvidas, afirmando apenas que estas “declararam de forma convincente que as referidas notificações das liquidações não chegaram ao poder do oponente”.
N. A douta sentença recorrida não indica, a este respeito, qual ou quais os precisos trechos ou declarações dos depoimentos das testemunhas que permitiram ao julgador chegar a tal conclusão, por isso não permitindo aferir da análise crítica das provas a que o tribunal procedeu e controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado.
O. Ora, porque da douta sentença não se fez constar o teor do depoimento prestado por certa testemunha, ou a indicação do momento do registo fonográfico da sua audição que revelasse o conteúdo do testemunho erigido como importante à decisão, explicando porque um depoimento com tal conteúdo tenha determinado a convicção do M.mo Juiz a quo na questão central em análise, a douta sentença falha na exposição da motivação de facto que instruiu a decisão tomada.
P. Da decisão judicial recorrida, ademais, e sempre ressalvando o respeito devido, não se retira de modo a fundamentar adequadamente a decisão, justificação factual bastante da razão do convencimento derivado da prova produzida no processo, relacionada com a prova testemunhal produzida.
Q. Posto isto, ressalta da motivação da matéria de facto dada como provada pelo douto Tribunal a quo que este não analisou criticamente as provas em que se baseou nem especificou os fundamentos que foram decisivos para formar a sua convicção, falta que acarreta deficiência no valor intrínseco ou substancial de convencimento da bondade da decisão, numa perspectiva tanto factual como jurídica.
R. O mesmo é dizer, salvo melhor opinião, e sempre com o máximo respeito, que a douta sentença recorrida padece de erro no julgamento da matéria de facto, porquanto o sentido e alcance da decisão não tem base bastante nos factos enunciados e sustentados na prova produzida nos autos, infirmando o sentido decisório da sentença em causa.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.”

O recorrido J… apresentou contra-alegações (cfr. fls. 399-406), tendo concluído da seguinte forma:
“(…)
I - Apresenta o ora recorrido as suas alegações no âmbito do recurso interposto pelo Digníssimo representante da Fazenda Pública.
II - A Douta sentença recorrida julgou, e bem, procedente a oposição deduzida no processo de execução fiscal nº 1880-2005/01003658 e apensos instaurados contra o oponente, ora recorrido, por dívidas de IVA dos períodos de 2002 e 2003 e respectivos juros compensatórios.
III - A Douta sentença recorrida fundamenta a sua convicção no facto de as notificações das liquidações terem sido realizadas irregularmente, e que cabia à administração fiscal alegar e provar que de facto apesar dessa irregularidade as notificações das liquidações tinham chegado ao conhecimento do oponente, ora recorrido.
IV - As supra referidas notificações foram remetidas por carta registada com aviso de recepção enviadas em nome de J… e para a morada designada por “A…, 4780 Agua Longa”.
V - Mais refere a Douta sentença recorrida que quem assinou os avisos de recepção foi A…, irmã do oponente, que não residia na casa do oponente e conforme ficou provado pelas testemunhas, à data encontrava-se já incompatibilizada e de relações cortadas com o oponente e sua família.
VI - Resulta também da Douta sentença recorrida que os avisos de recepção, apesar de assinados, não têm anotado o número do bilhete de identidade ou de outro documento oficial da pessoa que recebeu as notificações (art° 39°, n°4 do CPPT),
VII - Pelo que não tendo sido dado cumprimento a este requisito - que é a identificação da pessoa que assina, com a anotação do número de um seu documento de identificação, a notificação é considerada irregular e invalida, não se mostrando desta forma realizada a identificação do terceiro.
VIII - Ora, considerou, o tribunal a quo, e bem, no parco entendimento do ora recorrido, de que a falta de notificação da liquidação, enquanto elemento integrante da eficácia externa da mesma, é fundamento de oposição, art° 204°, n°1, alínea e) do CPPT, pois não colide com a apreciação da legalidade da própria liquidação.
IX - A notificação que obste à caducidade terá de ser uma notificação válida, isto porque ao abrigo do art° 36°, n°1 do CPPT, os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.
X - Assim, apesar da notificação não afectar a existência e validade da liquidação, é todavia condição da sua eficácia, o que vale por dizer que a liquidação só é exigível se for notificada, tudo como decorre dos arts. 77°, n°6 da LGT e 268°, n°3 da CRP.
XI - Também e como decorre do artigo 163° do CPPT, as dívidas sujeitas a execução fiscal serão certas, liquidas e exigíveis e ao credor só é conferido o direito de exigir judicialmente o cumprimento e executar o património do devedor, quando a obrigação não tenha sido voluntariamente cumprida (art° 817° do CC), pelo que a dívida só poderia ser exigida após a constituição do devedor em mora e na qual aquele só se constituiria depois da notificação nos sobreditos termos, a qual não foi efectuada.
As referidas notificações foram realizadas irregularmente, tudo se passando como se elas não tivessem ocorrido, isto é, que houvesse falta de notificação.
XII - Deste modo, sendo a notificação o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa (art° 35º, n°1 do CPPT), o que significa que para a mesma se tornar perfeita é necessário não só a expedição da carta mas, essencialmente, que tal carta seja recebida pelo destinatário, que chegue ao seu conhecimento, cabia à administração tributária provar que apesar disso, as notificações chegaram ao poder do oponente.
XIII - Contudo, a administração tributária também não fez essa prova, porquanto não se provou que as referidas notificações foram entregues ao oponente, ora recorrido.
XIV - Logo, o oponente, ora recorrido não pode considerar-se notificado da liquidação das dívidas exequendas.
XV - Acresce, que a presunção da notificação das liquidações impugnadas, estabelecida no o 39º, n° 3 do CPPT, também foi ilidida pelo oponente, ora recorrido, que provou que as notificações que lhe foram remetidas não chegaram ao seu conhecimento, nem quem as recebeu, se de facto as recebeu, lhas entregou.
XVI - Assim, estabelece o art° 45°, n°1 da Lei Geral Tributária que “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos quando a lei não fixar outro”.
XVII - Atento o facto de a notificação da liquidação não ter sido válida e eficazmente efectuada ao oponente, ora recorrido, no prazo de quatro anos, prazo de caducidade ao caso aplicável, procede o fundamento do art° 204°, n° 1, alínea e), do CPPT, ocorrendo a inexigibilidade da dívida exequenda.
XVIII - Mais refere a Douta sentença recorrida que sendo a notificação o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ( art° 35°, n° 1 do CPPT), o que significa que para a mesma se tomar perfeita é necessário não só a expedição da carta, mas essencialmente, que tal carta seja recebida pelo destinatário, que chegue ao seu conhecimento.
XIX - Assim, refere a Douta sentença recorrido, e bem, que impunha-se à Administração Fiscal o ónus de alegar e provar que as notificações tinham chegado ao conhecimento do oponente, ora recorrido, (art° 342° do CC), ou seja, que foi atingido o fim por ela (notificação ) visado de transmitir aos destinatários o teor da liquidação.
XX - Não enferma a Douta Sentença recorrida de qualquer nulidade.
XXI - Encontra-se a mesma devidamente fundamentada e motivada, especificando os factos provados, quais os elementos de prova ( documental e testemunhal) em que se alicerçou a convicção do Tribunal a quo para proferir decisão nos termos em que o fez;
XXII - Não existe em termos legais quaisquer ónus que impenda sobre o Meritíssimo juiz do tribunal a quo no sentido de promover a transcrição dos depoimentos das testemunhas que considerou para dar ou não como provada a matéria de facto que consta da Douta Sentença recorrida;
XXIII - Aliás se o recurso tiver por objecto matéria de facto, o recorrente tem de especificar quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, quais os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
XXIV - Pelo que deverá confirmar-se a Douta Sentença recorrida, nos precisos termos em que a mesma foi proferida.
Nestes termos, não merece pois qualquer censura a sentença recorrida, donde na esteira do entendimento sancionado em P instância, deve a oposição ser julgada procedente e, em consequência extinta a execução contra o oponente, ora recorrido.”

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 447 a 448 dos autos, no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas nos autos envolvem a nulidade da sentença por falta de fundamentação, o erro no julgamento da matéria de facto e a matéria da notificação ou não das liquidações que deram causa à dívida exequenda.
3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) O oponente encontra-se inscrito no cadastro do IVA desde 31/12/2001, pelo exercício da actividade de “Comércio por grosso não especializado CAE 046900 (fls. 158).
B) Em 9/11/2004 e 23/11/2004, foram enviadas liquidações adicionais dos anos 2002 e 2003 para o Oponente, com o n.º 04342999, n.º 04356577, n.º 04343000 e n.º 04356582, as quais foram recebidas, respectivamente, em 22/11/2004, 29/11/2004, 19/11/2004 e 29/11/2004, por M… (fls. 158, 171 e 172).
C) As liquidações n.ºs 04356573, 04356574, 4356575, 4356576, 04356578, 04356579, 04356580 e 04356581, referente a juros compensatórios dos anos de 2002 e 2003, foram enviadas para o oponente em 23/11/2004 e foram recebidas em 29/11/2004, por M… (fls. 158, 173 a 176).
D) As notificações das liquidações referidas em B) e C) foram remetidas por carta registada com aviso de recepção enviadas em nome de “J…” e para a morada designada por ”Á…, 4780 Água Longa” (fls. 171 a 176).
E) Nos avisos de recepção dessas notificações não foi anotado o número do bilhete de identidade ou de outro documento oficial da pessoa que recebeu a notificação (fls. 171 a 176).
F) Até 26/7/2007, o oponente tinha domicílio fiscal na seguinte morada ”Á…, 4780 Água Longa”, data em que alterou o domicílio fiscal para “Rua…, 4825-111 Agua Longa” (fls. 294).
G) Os serviços de inspecção tributária no relatório da inspecção e nas notificações realizadas ao oponente identificavam-no com a residência sita na “Rua…, 4825-111 Agua Longa” (fls. 103 e seguintes).
H) O oponente não recebeu as cartas relativas às notificações das liquidações referidas em B) e C), que não chegaram ao seu poder (testemunhas).
I) Em 4/2/2005, foi instaurada contra J… a execução fiscal n.º 1880200501003658 e o apenso em 6/3/2005, por dívidas de IVA, dos anos de 2002 e 2003, no montante de 108.374,91 € (fls. 158).
J) Em 14/10/2008, o oponente foi citado, por carta registada com aviso de recepção, na pessoa de B…, da instauração contra si do processo de execução fiscal referido em I) (fls. 177, 180 e 181).
K) A presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Santo Tirso em 14/11/2008 (carimbo aposto na PI, a fls. 3).
3.1 – Motivação.
A convicção do Tribunal resultou da análise dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados e da prova testemunhal produzida, designadamente, do depoimento das testemunhas J…, J… e M…, que pelas razões de ciência apresentadas – a primeira foi técnico oficial de contas da empresa, a segunda fazia troca de serviços com o Oponente desde 1979 e a terceira é a esposa do Oponente possuindo um conhecimento directo dos factos – bem como a credibilidade das suas declarações, permitiu ao Tribunal formar a sua convicção, uma vez que declararam de forma convincente que as referidas notificações das liquidações não chegaram ao poder do oponente.
Relativamente à alínea H) cumpre salientar que além do oponente elidido a presunção da entrega da carta das notificações, com o depoimento prestado pelas testemunhas, acresce que as notificações foram realizadas irregularmente, por falta de anotação do número do bilhete de identidade ou de documento oficial da pessoa que recebeu a notificação, pelo que cabia então à Fazenda Pública alegar e provar que apesar dessa irregularidade as notificações tinham chegado ao conhecimento do oponente (art. 342.º, n.º 1, do CC). Neste caso, a falta de prova, como é o caso dos autos, tem de ser valorada contra a Fazenda Pública, motivo pelo qual também se julgou provado este facto.
A restante matéria alegada pelo oponente e pela Fazenda Pública não foi julgada provada ou não provada porque são factos conclusivos, irrelevantes para a decisão ou alegação de direito.”
3.2 DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, está cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto.
Com efeito, embora não o dizendo expressamente, a Recorrente, com especial incidência no teor da al. H) do probatório, a douta sentença recorrida não indica, a este respeito, qual ou quais os precisos trechos ou declarações dos depoimentos das testemunhas que permitiram ao julgador chegar a tal conclusão, por isso não permitindo aferir da análise crítica das provas a que o tribunal procedeu e controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado e porque da douta sentença não se fez constar o teor do depoimento prestado por certa testemunha, ou a indicação do momento do registo fonográfico da sua audição que revelasse o conteúdo do testemunho erigido como importante à decisão, explicando porque um depoimento com tal conteúdo tenha determinado a convicção do M.mo Juiz a quo na questão central em análise, a douta sentença falha na exposição da motivação de facto que instruiu a decisão tomada, sendo que da decisão judicial recorrida, ademais, e sempre ressalvando o respeito devido, não se retira de modo a fundamentar adequadamente a decisão, justificação factual bastante da razão do convencimento derivado da prova produzida no processo, relacionada com a prova testemunhal produzida, acrescentando ainda que ressalta da motivação da matéria de facto dada como provada pelo douto Tribunal a quo que este não analisou criticamente as provas em que se baseou nem especificou os fundamentos que foram decisivos para formar a sua convicção, falta que acarreta deficiência no valor intrínseco ou substancial de convencimento da bondade da decisão, numa perspectiva tanto factual como jurídica.
Relativamente ao núcleo essencial desta arguição, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação - Ac. do S.T.A. de 16-11-2011, Proc. nº 0802/10, www.dgsi.pt - , sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Porém, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Por outro lado, quanto à nulidade decorrente da falta de exame crítico das provas, é sabido que nos termos do disposto nos arts. 123º nº 2 do CPPT e 659º nº 3 do C. Proc. Civil, na elaboração da decisão final o julgador está vinculado a elencar discriminadamente, a factualidade demonstrada da não provada, fundamentando porque veio a tomar o sentido decisório final, seja no que concerne ao julgamento da matéria de direito, seja, como é axiomático e evidente, no que diz respeito ao julgamento da matéria de facto, na medida em que aquele mais não será do que subsunção desta última ao enquadramento jurídico tido por relevante e aplicável.
Nesta sequência, cumpre notar que o vício em apreço, em qualquer das vertentes apontada, apenas ocorre quando haja ausência total de fundamentos, sendo que, é ponto assente que na sentença posta em crise foi analisada a prova produzida, nomeadamente a prova testemunhal, pois consignou-se que “A convicção do Tribunal resultou da análise dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados e da prova testemunhal produzida, designadamente, do depoimento das testemunhas J…, J… e M…, que pelas razões de ciência apresentadas – a primeira foi técnico oficial de contas da empresa, a segunda fazia troca de serviços com o Oponente desde 1979 e a terceira é a esposa do Oponente possuindo um conhecimento directo dos factos - bem como a credibilidade das suas declarações, permitiu ao Tribunal formar a sua convicção, uma vez que declararam de forma convincente que as referidas notificações das liquidações não chegaram ao poder do oponente.
Relativamente à alínea H) cumpre salientar que além do oponente elidido a presunção da entrega da carta das notificações, com o depoimento prestado pelas testemunhas, acresce que as notificações foram realizadas irregularmente, por falta de anotação do número do bilhete de identidade ou de documento oficial da pessoa que recebeu a notificação, pelo que cabia então à Fazenda Pública alegar e provar que apesar dessa irregularidade as notificações tinham chegado ao conhecimento do oponente (art. 342.º, n.º 1, do CC). Neste caso, a falta de prova, como é o caso dos autos, tem de ser valorada contra a Fazenda Pública, motivo pelo qual também se julgou provado este facto.
A restante matéria alegada pelo oponente e pela Fazenda Pública não foi julgada provada ou não provada porque são factos conclusivos, irrelevantes para a decisão ou alegação de direito.”.
Presente o exposto, e considerando os termos da decisão recorrida, é manifesto que a configurada nulidade não pode ser atendida na medida em que foram fixados os factos descritos no probatório relacionados com a problemática em causa, procedendo-se depois à análise das questões apontadas nos autos, o que significa que, nesta matéria, se exteriorizam as razões de facto e de direito que fundamentam a decisão, de modo que, a matéria apontada pela Recorrente terá de ser enquadrada no âmbito do erro na valoração crítica dessas mesmas provas, o que nos remete para o eventual erro de julgamento quanto à matéria de facto.
Quanto a este elemento, crê-se pertinente apontar que com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e pelo DL n.º 180/96, de 25.09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 685.º-B do CPC (actual art. 640º), porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 685º-B nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 685º-B do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC (art. 662º), incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC (actual art. 607º), sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição, o que significa que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do CPC).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Ora, como já ficou claro, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que a Recorrente, “in casu”, não cumpre com o referido ónus, pois que, embora tenha feito alusão à prova, nomeadamente, testemunhal, o certo é que não cumpre o ónus especificado da concreta indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e nem os concretos meios probatórios constantes dos autos na gravação realizada que impunham decisão diversa sobre os mesmos, o que obsta a que este Tribunal proceda ao reexame de tal matéria de facto.
Com efeito, a Recorrente inverteu os dados da questão, procurando tratar a matéria a montante, questionando os termos em que o Tribunal recorrido deu como provada a matéria vertida na al. H) do probatório.
Pois bem, em termos de motivação, o Tribunal aludiu à “prova testemunhal produzida, designadamente, do depoimento das testemunhas J…, J… e M…, que pelas razões de ciência apresentadas – a primeira foi técnico oficial de contas da empresa, a segunda fazia troca de serviços com o Oponente desde 1979 e a terceira é a esposa do Oponente possuindo um conhecimento directo dos factos - bem como a credibilidade das suas declarações, permitiu ao Tribunal formar a sua convicção, uma vez que declararam de forma convincente que as referidas notificações das liquidações não chegaram ao poder do oponente.”.
Neste ponto, o Tribunal identificou as testemunhas em apreço, aludiu à respectiva razão de ciência e conferiu credibilidade ao exposto na parte em que as mesmas “declararam de forma convincente que as referidas notificações das liquidações não chegaram ao poder do oponente”, fundamentando de forma clara a opção assumida em termos de probatório.
Com este pano de fundo, cabia à Recorrente desmontar o exposto na decisão recorrida, colocando em crise o exposto pelo Tribunal recorrido, quer por referência à razão de ciência apontada, quer em relação ao exposto nos respectivos depoimentos por forma a afastar a apreciação feita pelo Tribunal recorrido.
Tal depende de o Recorrente especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Como vimos, a Recorrente não deu cumprimento aos ditames da lei, procurando fazer incidir tal ónus sobre a decisão recorrida, quando era a ela que lhe cabia evidenciar o erro eventualmente cometido pelo Tribunal ao nível do julgamento da matéria de facto.
Assim sendo, e nesta altura, tendo presente que a alegação da Recorrente não comporta elementos que permitam colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que o Tribunal recorrido não deixou de ponderar os elementos disponíveis - documentos presentes nos autos e depoimentos -, de modo que, e como ficou exposto, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção, o que tal acarreta é que o julgamento da matéria de facto levado a cabo pela decisão recorrida, se tenha de ter por inalterado, sendo, pois, à sua luz que caberá indagar se o julgamento de direito consequente, no que diz respeita à matéria em crise.

A partir daqui, cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos e que se prende com a questão da notificação ou não das liquidações que deram causa à dívida exequenda.

Para julgar a presente oposição procedente, a sentença recorrida considerou que:
“…
Segundo dispõe o n.° 1 do art. 36° do CPPT, os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.
Tratando-se de actos de liquidação de impostos, a notificação fica validamente realizada, nos termos do art. 38.º, n.° 1, do CPPT, se efectuada por carta registada com aviso de recepção, dado que tem por objecto actos susceptíveis de alterarem a situação tributária do contribuinte.
Resulta da matéria de facto provada (alíneas B) e C) dos factos provados) que a administração fiscal enviou ao oponente as liquidações adicionais de IVA dos anos de 2002 e 2003, bem como as liquidações dos respectivos juros compensatórios, através de carta registada com aviso de recepção, que foram recebidas, conforme consta da assinatura aposta nos avisos de recepção, por M….
A notificação do acto de liquidação cumpre a dupla finalidade de anunciar a obrigatoriedade da realização do pagamento do imposto apurado e de propiciar o exercício do direito de recurso contencioso, reconhecido, quer na lei fundamental, quer na lei ordinária.
O oponente ataca o acto tributário em causa por o mesmo não lhe ter sido notificado, arguindo assim a inexigibilidade como a consequência jurídica de tal falta de notificação.
Conforme doutrina pacífica, a dívida diz-se exigível quando se verifique a falta de cumprimento voluntário da obrigação, falta que, evidentemente, só vem a verificar-se depois do respectivo vencimento, resultando a falta de cumprimento, nas obrigações sem prazo certo, da interpelação do devedor para o efeito (art. 805.°, n.°1, do CC) que, no caso, se deveria efectuar por via de notificação.
A notificação não afecta a existência e a validade da liquidação mas é condição da sua eficácia, o que vale por dizer que a liquidação só é exigível se for notificada, tudo como decorre do disposto nos arts. 77.°, n.° 6, da Lei Geral Tributária (LGT) e 268.°, n.º 3, da Constituição (CRP).
Nos termos do art. 39.°, n.° 3, do CPPT, entrado em vigor em 1/1/2000 (art. 4.° do Decreto-Lei n.° 433/99, de 26/10, diploma que aprovou o CPPT) “Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário".
Como decorre do art. 163° do CPPT, as dívidas sujeitas a execução fiscal serão certas, líquidas e exigíveis e ao credor só é conferido o direito de exigir judicialmente o cumprimento e executar o património do devedor, quando a obrigação não tenha sido voluntariamente cumprida (art. 817.° do CC), pelo que a dívida só poderia ser exigida após a constituição do devedor em mora e na qual aquele só se constituiria depois da notificação nos sobreditos termos, a qual não foi efectuada.
Era à administração tributária que competia o ónus da prova da realização da notificação na forma legal das liquidações que constituem a dívida exequenda (art. 342.º, n.° 1, do CC) e para isso juntou cópia dos registos e avisos de recepção assinados por terceiro (M…). Era sobre a administração tributária que recaía o ónus de provar que a liquidação foi validamente notificada dentro do prazo de caducidade.
Todavia, resulta da matéria de facto provada que nos respectivos avisos de recepção não foi anotado o número do bilhete de identidade ou de documento oficial da pessoa que recebeu as notificações (art. 39.º, n.º 4, do CPPT).
Se não foi dada satisfação a esse requisito da notificação que é a identificação da pessoa que assina, com anotação do número de um seu documento de identificação, a notificação é irregular e inválida, se não se demonstrar, por qualquer meio, que a carta chegou efectivamente aos seus destinatários. Na verdade, como vem sendo jurisprudência do STA, as formalidades procedimentais previstas na lei são essenciais, apenas se degradando em não essenciais se, apesar delas, for atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição.
Não se cumprindo todas as formalidades da notificação e não se provando, que apesar de elas não terem sido cumpridas, foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a notificação, esta é inválida. Neste caso, sendo sobre a administração tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (art. 342º, nº 1, do CC), designadamente que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir aos destinatários o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor dos destinatários da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido – Ac. do STA, de 6.10.2005, processo nº 500/05 Código de Procedimento e Processo Tributário, Jorge Lopes de Sousa, Areal Editora, Volume I, 6.ª Edição 2011, pág. 384..
As referidas notificações foram realizadas irregularmente, tudo se passando como elas não tivessem ocorrido, isto é, que houvesse falta de notificação.
Neste caso, sendo a notificação o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa (art. 35.°, n.° 1, do CPPT), o que significa que para a mesma se tornar perfeita é necessário não só a expedição da carta mas, essencialmente, que tal carta seja recebida pelo destinatário, que chegue ao seu conhecimento, cabia à administração tributária provar que apesar disso, as notificações chegaram ao poder do oponente.
Contudo, a administração tributária também não fez essa prova, porquanto não se provou que as referidas notificações foram entregues ao oponente.
Logo, o oponente não pode considerar-se notificado da liquidação das dívidas exequendas.
Acresce, que a presunção da notificação das liquidações impugnadas, estabelecida no n.º 3 do art. 39.º do CPPT, também foi ilidida pelo oponente, que provou que as notificações que lhe foram remetidas não chegaram ao seu conhecimento.
Por isso, o oponente não pode considerar-se notificado das liquidações adicionais de IVA e das liquidações dos respectivos juros compensatórios, tendo somente tomado conhecimento da instauração do processo de execução fiscal em 14/10/2008.
Assim, estabelece o art. 45.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que «o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro».
No caso sub judice, porque estão em causa dívidas relativas ao IVA dos exercícios de 2002 e 2003, a notificação das respectivas liquidações devia ter sido validamente efectuada ao oponente até 31/12/2006 e 31/12/2007, respectivamente.
Visto que a notificação da liquidação não foi válida e eficazmente efectuada ao oponente no prazo de quatro anos, prazo de caducidade ao caso aplicável, procede o fundamento do art. 204.º, n.º 1, alínea e), do CPPT, ocorrendo a inexigibilidade da dívida exequenda. ...”.

Nas suas conclusões, a Recorrente aponta que no caso em apreço, embora não conste dos competentes avisos de recepção o número do bilhete de identidade ou de outro documento oficial do autor da assinatura neles aposta que se encontrava no domicílio fiscal do notificando, esta omissão não tem, no caso concreto, a relevância que a douta sentença recorrida lhe atribui, porque a identidade da subscritora encontra-se determinada nos autos, pois o próprio oponente assinala, em consequência da prova produzida e em sede de alegações nos termos dos art.s 120º e 211º do CPPT (cfr. ponto 28. daquela peça), que todos os avisos de recepção das notificações da Administração Tributária foram assinados pela mãe do oponente.
Deste modo, entende a Fazenda Pública, que embora não fosse cumprida a formalidade procedimental prevista na lei, esta degradou-se em não essencial, porque mostra-se cumprido o requisito de identificação do terceiro que subscreveu o aviso de recepção ao tempo presente no domicílio fiscal do notificando, devem as notificações em causa reputar-se validamente efectuadas e operar a presunção de que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.
Tem sido orientação jurisprudencial do STA, observa Jorge Lopes de Sousa, na 6ª edição do seu CPPT Anotado e Comentado, em nota 5 ao art. 39º, que as formalidades processuais são meio para garantir objectivos e não finalidades em si mesmas e que, por isso, a sua preterição na notificação apenas afectarão a validade desta se não se comprovar que ela foi efectivamente realizada – cfr. acórdão do STA de 08.09.2010, proc. 0437/10, citado por aquele Autor.
Como tal, não obstante as formalidades procedimentais previstas não terem sido plenamente cumpridas, foi preenchida a exigência formal legal de identificação do terceiro, aliás suprida pelo oponente, atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição, designadamente para que opere a presunção estabelecida na parte final do nº3 do art. 39º do CPPT.
A falta de anotação nos competentes avisos de recepção da identificação do terceiro que os subscreve aquando da efectivação pelos serviços postais não deve ter-se por requisito absoluto ou condição sine qua non para a eficácia da notificação de acto tributário, mesmo porque a sua falta não tem como poder ser imputada à Administração Tributária, sendo exterior e ulterior à sua actuação.
Note-se que o STA também já decidiu, acerca da aplicação do nº 3 do art. 39º do CPPT, que, assinado o aviso de recepção por um familiar do destinatário presente no domicílio deste, presume-se que a notificação lhe foi apresentada atempadamente – acórdão do STA de 05.12.2007, proc. 0769/07.
A irregularidade que a douta sentença recorrida atribui às notificações efectuadas deve ter-se, assim, por sanada ou suprida em face do reconhecimento, manifestado pelo próprio oponente, da identidade da pessoa que assinou as ditas notificações, o que tem por efeito tornar plenamente oponível o encargo colocado pelo art. 39º, nº 4, do CPPT, de afastar a presunção de entrega da notificação ao destinatário ali estabelecida.
Daí que, e sempre ressalvando o elevado respeito tido pela Fazenda Pública pelo Douto Tribunal a quo, ao contrário do que expende a sentença recorrida, não se impunha à Fazenda Pública o ónus de alegar e provar que as notificações tinham chegado ao conhecimento do oponente, nos termos do art. 342º do CC, antes aproveitando a Fazenda da presunção estabelecida em seu favor, conforme o art. 350º do CC.
Impunha-se ao oponente, por seu turno, o ónus de alegar e por isso provar que as notificações das liquidações na origem da dívida exequenda todavia não chegaram ao seu poder, ilidindo a presunção de tal recebimento, aliás de acordo com a norma geral em tal matéria do art. 342º do Código Civil.

Que dizer?
Neste domínio, o probatório informa que:
B) Em 9/11/2004 e 23/11/2004, foram enviadas liquidações adicionais dos anos 2002 e 2003 para o Oponente, com o n.º 04342999, n.º 04356577, n.º 04343000 e n.º 04356582, as quais foram recebidas, respectivamente, em 22/11/2004, 29/11/2004, 19/11/2004 e 29/11/2004, por M… (fls. 158, 171 e 172).
C) As liquidações n.ºs 04356573, 04356574, 4356575, 4356576, 04356578, 04356579, 04356580 e 04356581, referente a juros compensatórios dos anos de 2002 e 2003, foram enviadas para o oponente em 23/11/2004 e foram recebidas em 29/11/2004, por M… (fls. 158, 173 a 176).
D) As notificações das liquidações referidas em B) e C) foram remetidas por carta registada com aviso de recepção enviadas em nome de “J…” e para a morada designada por ”Á…, 4780 Água Longa” (fls. 171 a 176).
E) Nos avisos de recepção dessas notificações não foi anotado o número do bilhete de identidade ou de outro documento oficial da pessoa que recebeu a notificação (fls. 171 a 176).
F) Até 26/7/2007, o oponente tinha domicílio fiscal na seguinte morada ”Á…, 4780 Água Longa”, data em que alterou o domicílio fiscal para “Rua…, 4825-111 Agua Longa” (fls. 294).
G) Os serviços de inspecção tributária no relatório da inspecção e nas notificações realizadas ao oponente identificavam-no com a residência sita na “Rua…, 4825-111 Agua Longa” (fls. 103 e seguintes).
H) O oponente não recebeu as cartas relativas às notificações das liquidações referidas em B) e C), que não chegaram ao seu poder (testemunhas).

Como já ficou dito nos autos, as notificações que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção ( nº 1 do artigo 38º do CPPT ).
Havendo aviso de recepção, como é o caso, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário, sendo que o distribuidor do serviço postal procederá à notificação das pessoas referidas por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial (números 3 e 4 do artigo 39.º do CPPT).
No caso em apreço, procedeu-se à tentativa de notificação da ora Recorrido por carta registada com aviso de recepção, o que significa que se impõe aplicar as regras relativas à perfeição das notificações previstas no artigo 39º do CPPT.
Pois bem, considerando os elementos destacados do probatório, é sabido que os avisos de recepção em apreço não contêm o número do bilhete de identidade ou de outro documento oficial da autora da assinatura nele aposta.
Se não foi dada satisfação a esse requisito da notificação esta é irregular e inválida, se não se demonstrar, por qualquer meio, que a carta chegou efectivamente ao seu destinatário.
Na verdade, em função do exposto no Ac. do S.T.A. de 08-09-2010, Proc. nº 0437/10, www.dgsi.pt, “como vem sendo jurisprudência do STA, as formalidades procedimentais previstas na lei são essenciais, apenas se degradando em não essenciais se, apesar delas, for atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição.” ( no mesmo sentido o Cons. Jorge de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª edição, 2011, pág. 384 ).
Assim sendo, e perante os elementos presentes nos autos, não pode entender-se que tenha sido atingida a finalidade visada com a exigência de identificação da pessoa a quem é entregue a carta, o que significa que não pode entender-se demonstrado que tenha havido uma notificação válida, sendo que se impunha à AT a prova de que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação, além de que tem de se valorar processualmente a favor do Recorrido a dúvida que se depara nestes autos sobre se a carta enviada chegou ao seu conhecimento, o que se reconduz que tudo se passe, para efeitos deste processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido.
Em todo o caso, e abstraindo do que fica exposto e como que consumindo o alcance da argumentação desenhada pela Recorrente, o ora Recorrido logrou provar nos autos que não recebeu as cartas relativas às notificações das liquidações referidas em B) e C), que não chegaram ao seu poder, situação que ultrapassa em toda a linha a realidade apontada pela Recorrente, impondo-se acompanhar a decisão recorrida quando conclui que “o oponente não pode considerar-se notificado da liquidação das dívidas exequendas”.

Com este pano de fundo, e para cabal enquadramento da matéria em apreço, importa ter presente o exposto no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 18-09-2013, Proc. nº 0578/13, www.dgsi,pt, onde se ponderou que «Antes do CPPT, o regime da caducidade do direito de liquidação estava previsto no art. 33º do CPT, em que se estabelece que «o direito à liquidação de impostos e outras prestações tributárias caduca se a liquidação não for notificada ao contribuinte no prazo de cinco anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que ocorreu o facto tributário ou, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu».
Em termos lógicos, sendo a notificação da liquidação um acto posterior e exterior a esta, destinado a assegurar a sua eficácia (arts. 64.º, nº 1, do CPT), a sua falta, bem como as suas deficiências ou ilegalidades, deveriam afectar apenas a sua eficácia e não a validade do acto notificado.
Aliás, o entendimento sempre adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo, em geral, era o de que o acto de notificação de um acto tributário é um acto exterior e posterior a este e os vícios que afectem a notificação, podendo determinar a ineficácia do acto notificado, são insusceptíveis de produzir invalidade do acto notificado, por não terem a ver com o próprio acto nem com os seus pressupostos (Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA:
- de 13-4-83 (do Pleno, publicado AD, n.º 262, página 1205);
- de 6-7-88, recursos n.ºs 5608 e 5630, CTF n.º 352, páginas 368 e 562;
- de 28-9-88, recurso n.º 5631, CTF n.º 352, página 575;
- de 26-11-88, recurso n.º 4905, CTF n.º 353, página 230;
- de 3-5-89, recurso n.º 5472, AP-DR 15-5-91, página 522,
- de 12-7-89, recurso n.º 10428, AP-DR de 28-2-92, página 924;
- de 9-10-91, recurso n.º 13540, AP-DR de 20-1-94, página 440;
- de 2-3-9-92, recurso n.º 13713, AP-DR de 30-6-95, página 2237;
- de 14-10-92, recurso 14070, AP-DR de 9-10-95, página 2521; e
- de 2-12-93, recurso n.º 14471, AP-DR de 20-5-96, página 4152;
- de 3-5-2000, recurso n.º 22608.).
Porém, na vigência do CPT, a jurisprudência foi-se formando no sentido de que, nas situações em que a liquidação havia sido efectuada dentro do prazo de caducidade, mas a notificação ocorrera depois desse prazo, a legalidade da liquidação era afectada pela falta ou irregularidade da notificação, que era um requisito de validade da própria liquidação, entendida não em sentido estrito, como o acto que fixa o tributo, mas em sentido lato, como processo de liquidação, integrado por um conjunto de actos conexionados com tal fixação e sua imposição ao destinatário. Neste contexto, a notificação do acto de liquidação era um requisito necessário para não ocorrer a caducidade do direito de liquidar e, por isso, a sua falta afectava a legalidade do processo de liquidação, globalmente considerado.
Por isso se entendia que o vício da liquidação, em sentido lato, constituído pela não notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, podia apenas ser suscitado em impugnação judicial, que é o meio processual adequado para apreciar a validade de actos de liquidação, e não em oposição à execução fiscal, que está vocacionada, embora com excepções, para apreciar a existência de fundamentos de inexigibilidade da obrigação tributária liquidada.
No entanto, este entendimento não obstava a que, se uma execução fiscal fosse instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação da dívida exequenda, o contribuinte pudesse opor-se, invocando como fundamento a ineficácia daquele acto, pois a sua eficácia dependia da notificação (art. 64º do CPT) e sem notificação a dívida era inexigível.
Na verdade, as situações de falta de notificação antes da execução, afectando a exigibilidade da dívida exequenda e não se enquadrando em qualquer das alíneas anteriores, constituem fundamento de execução fiscal como, sempre entendeu este Supremo Tribunal Administrativo, face às normas dos arts. 176º, alínea g), do CPCI e 286º, nº 1, alínea h) do CPT, a que corresponde actualmente o art. 204º, n.º 1, alínea i), do CPPT. (Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA:
- de 16-11-1994, recurso n.º 18059, AP-DR de 20-1-97, página 2585;
- de 5-4-1995, recurso n.º 18445, AP-DR de 14-8-97, página 1015;
- de 22-5-1996, recurso n.º 20342, AP-DR de 18-5-98, 1768
- de 26-6-96, recurso n.º 18427, AP-DR de 18-5-98, página 2182;
- de 23-10-1996, recurso n.º 20783, AP-DR de 28-12-98, página 3060;
- de 13-11-1996, recurso n.º 20787, AP-DR de 28-12-98, página 3440;
- de 27-11-1996, recurso n.º 20692, CTF n.º 385, página 364, e no AP-DR de 28-12-98, página 3617;
- de 5-3-97, recurso n.º 21304, AP-DR de 14-5-99, página 760,
- de 19-3-97, recurso n.º 21120, AP-DR de 14-5-99, página 802;
- de 21-5-1997, recurso n.º 21605, AP-DR de 9-10-2000, 1563;
- de 11-3-1998, recurso n.º 22207, AP-DR de 8-11-2001, página 885;
- de 7-10-1998, recurso n.º 22349, AP-DR de 21-1-2002, página 2727;
- de 10-2-1999, recurso n.º 22290, CTF n.º 394, página 322, e no BMJ n.º 484, página 199;
- de 3-3-1999, recurso n.º 22902;
- de 9-3-2000, recurso n.º 23699, AP-DR de 21-11-2002, página 845;
- de 24-10-2001, recurso n.º 26430, AP-DR de 13-10-2003, página 2436;
- de 20-2-2002, recurso n.º 26291, AP-DR de 16-2-2004, página 561;
- de 6-10-2005, recurso n.º 500/05.)
O art. 45º da LGT manteve o essencial do mesmo regime de caducidade do direito de liquidação ao estabelecer que «o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro».
Porém, o CPPT veio introduzir na alínea e) do seu art. 204º um novo fundamento de oposição à execução fiscal, não previsto no art. 286º do CPT, que é a «falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade».
Esta fórmula é ambígua, pois tanto pode ser interpretada:
- como reportando-se a situações em que, antes da execução, ocorreu uma notificação, mas ela foi efectuada fora do prazo de caducidade do direito de liquidação;
- como a situações em que não ocorreu qualquer notificação e a execução foi instaurada dentro desse prazo de caducidade;
- como a todas as situações em não foi efectuada uma notificação da liquidação dentro prazo de caducidade, por isso, tanto aquelas em que execução foi instaurada antes do termo do prazo de caducidade, como aquelas em que a execução foi instaurada depois deste termo.
A introdução do fundamento previsto na alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT, a par da manutenção de todos os fundamentos de oposição previstos anteriormente no art. 286º, corresponde, forçosamente, a uma intenção legislativa de aumentar os fundamentos de oposição, pois, como é óbvio, se se pretendesse que fossem os mesmos admitidos no CPT, reproduzir-se-iam os aí admitidos em vez de aditar um novo fundamento.
Assim, constatando-se que o CPPT mantém, na alínea i) do nº 1 do art. 204º, o fundamento de oposição previsto na alínea h) do nº 1 do art. 286º do CPT, que abrangia todas as situações em que a execução fiscal fosse instaurada sem prévia notificação, conclui-se com segurança que a alínea e), ao aumentar os fundamentos, não se reporta a situações em que a execução fiscal foi instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação da dívida exequenda.
Na verdade, em todas as situações em que a execução fiscal foi instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação, este acto é ineficaz e, por isso, não produz efeitos em relação aos seus destinatários (arts. 77º, nº 6, da LGT e 36º, nº 1, do CPPT), não podendo com base nesse exigir-se coercivamente o pagamento da dívida liquidada.
Todas estas situações em que não houve qualquer notificação da liquidação, antes da instauração da execução fiscal enquadravam-se na alínea h) do nº 1 do art. 286º, pois abrangem-se aí «quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título».
E, actualmente, à face do CPPT, todas estas situações em que não houve qualquer notificação, são susceptíveis de enquadramento na alínea i) do n.º 1 do art. 204º, que tem teor idêntico àquela alínea h) do nº 1 do art. 286º do CPT, se não for de entender que a situação se enquadre noutra das alíneas do mesmo número, designadamente na nova alínea e).
De qualquer modo, seja na alínea i), seja na alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT, tem de concluir-se com segurança que em todos os casos em que não foi efectuada uma notificação da liquidação antes da instauração da execução está-se perante uma situação de ineficácia do acto que é fundamento de oposição à execução fiscal.
Para retirar esta conclusão é absolutamente irrelevante que o acto de liquidação tenha ou não sido praticado dentro do prazo de caducidade, pois para a eficácia da liquidação o que importa é a notificação, e, naturalmente, a eventualidade de o acto de liquidação ser ilegal, por ter sido praticado depois do prazo de caducidade, não o torna eficaz sem notificação.
6 - Assim, estando fora do âmbito daquela alínea e) as situações em que não ocorreu notificação, o sentido da expressão «falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade» é, necessariamente, o de referenciar situações em que ocorreu notificação, mas esta foi efectuada fora do prazo de caducidade.
Isto é, com o CPPT repôs-se a coerência do sistema global de meios de defesa dos contribuintes em matéria tributária, ao tornar a notificação intempestiva da liquidação fundamento de inexigibilidade da obrigação tributária em vez de ilegalidade da liquidação notificada.
Na verdade, à face do novo regime, a notificação intempestiva não constitui ilegalidade do acto notificado, à semelhança do que sucede em relação à generalidade de todos os outros actos administrativos e tributários; esse vício do acto de notificação (intempestividade) afecta-o apenas a ele próprio e não ao acto notificado, retirando-lhe a potencialidade de produzir os efeitos que produziria se não enfermasse dessa ilegalidade, que era o de atribuir eficácia ao acto notificado.
Assim, é agora claro que tanto a falta de notificação como a falta de uma notificação tempestiva afectam a eficácia do acto de liquidação e não a sua validade, pelo que é na oposição que devem ser invocadas tanto a inexistência de qualquer notificação como a intempestividade da notificação que tenha sido efectuada.
Este regime é, globalmente, mais coerente do que o sustentado pela referida jurisprudência na vigência do CPT, pois a notificação de qualquer acto é um acto autónomo e posterior ao acto notificado e, por isso, é duvidosa a razoabilidade do entendimento que se na vigência do CPT se adoptava, no sentido de a falta ou vício da notificação afectar a validade do acto de liquidação, acto este que já estava praticado e permanecia como estava independentemente da notificação.
De qualquer forma, mesmo que se entenda, na esteira da jurisprudência anterior, que a intempestividade da notificação é vício do acto de liquidação e contende com a sua legalidade, o que resulta da alínea e) é que essa ilegalidade, como sucede com outras, pode ser apreciada no processo de execução fiscal. (Apesar de, em princípio, a execução fiscal não se destinar a apreciar a legalidade da dívida exequenda, esta apreciação pode fazer-se em vários casos, enquadráveis nas alíneas a), g) e h).))
Para além disso, a interpretação que mais linearmente decorre do texto da alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT é, na falta de qualquer elemento textual que suporte uma interpretação restritiva, a de que a oposição pode sempre ter por fundamento «a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade» e não apenas quando a execução foi instaurada antes de este prazo se completar. Por isso, num domínio de processos contenciosos em que é dada abertura ampla à possibilidade de intervenção autónoma dos particulares sem representação através de advogado (Apenas é obrigatória a constituição de advogado, na 1.ª instância, quando o valor da causa exceda o décuplo da alçada dos tribunais tributários (art. 6.º, n.º 1, deste Código), é de presumir que um legislador que sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nº 3, do CC), ao elaborar uma norma que se reporta à intervenção primária dos particulares no processo, não deixaria de expressar mais claramente o seu pensamento se entendesse que a norma deveria ter a interpretação fortemente restritiva que consubstanciaria na sua aplicação apenas a casos em que a execução fosse instaurada ainda dentro do prazo de caducidade e sem prévia notificação.
Conclui-se assim que, quer se entenda que a apreciação da intempestividade da notificação da liquidação contende com a eficácia do acto notificado quer se entenda que constitui juízo sobre a sua legalidade, essa intempestividade é fundamento de oposição à execução fiscal. Independentemente de, se for considerado fundamento de ilegalidade do acto de liquidação, poder também ser invocada em impugnação judicial. É, aliás, o que sucede com as outras situações em que pode ser apreciada a legalidade do acto de liquidação em oposição à execução fiscal, designadamente as enquadráveis nas alíneas a) e g) do nº 1 do art. 204º, que tanto podem ser invocadas em impugnação judicial como em oposição à execução fiscal [nas situações referidas na alínea h) por definição, a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda apenas pode ser apreciada na oposição à execução fiscal]. …”.
A partir daqui, e com os elementos presentes nos autos, não se colocando em crise o exposto quanto à aplicação do art. 45º da LGT, temos que na situação em análise, porque estão em causa dívidas relativas ao IVA dos exercícios de 2002 e 2003, a notificação das respectivas liquidações devia ter sido validamente efectuada ao oponente até 31/12/2006 e 31/12/2007, respectivamente, de modo que, tal como se assinala na decisão recorrida, visto que a notificação da liquidação não foi válida e eficazmente efectuada ao oponente no prazo de quatro anos, prazo de caducidade ao caso aplicável, é inequívoco que se verifica o fundamento da falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, previsto na alínea e) do n.º 1 do artº 204.º do C.P.P.T..
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 29 de Maio de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Mário Rebelo

Ass. Irene Neves