Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01059/07.5BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/30/2017
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Mário Rebelo
Descritores:AVALIAÇÃO INDIRETA VS AVALIAÇÃO DIRETA
Sumário:1. A avaliação directa é o método de apuramento legal da matéria tributável preferencial (art. 81º/1 e 85º LGT).
2. A avaliação indireta só pode aplicar-se nos casos e condições expressamente previstos na lei.
3. Mesmo que esteja verificada a situação fática descrita na alínea d) do art. 88º LGT, não pode a AT lançar mão da avaliação indireta sem previamente demonstrar que a anomalia ou incorreção inviabiliza o apuramento da matéria tributável e que só através de indícios, presunções ou outros elementos que a administração tributária disponha (art. 83º/2 LGT) o pode fazer.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:A...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

O EXMO. REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA inconformado com a sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Coimbra que julgou procedente a impugnação deduzida por A... contra a liquidação de IRS relativa a 2003 dela interpôs recurso terminando as alegações com a seguintes conclusões:

1- A liquidação impugnada resultou de correcções efectuadas em acção de inspecção, com recurso a métodos indirectos, por incremento patrimonial injustificado (alínea d) do n.° 1 do artigo 9o CIRS), em face do acréscimo de património resultante da aquisição de um imóvel pelo preço de € 125.000,00, desconhecendo-se a existência de rendimentos que justifiquem tal aquisição
2 - Tendo sido convidada para prestar os esclarecimentos necessários (oficio n.° 2019, de 26/Fev/2007, junto ao PA).a impugnante não respondeu, comportamento que repetiu quando convidada a participar no procedimento inspectivo (cfr. oficio n.°2896, de 19/Mar/2007).
3 – O Relatório da Inspecção que fundamenta a liquidação, menciona expressamente que as correcções em causa assentaram no disposto na alínea d) do n.° 1 do artigo 9o do CIRS, fundamentação de direito que consta expressamente do último parágrafo do ponto 4 do mesmo Relatório, onde se diz: "Estão assim reunidos os pressupostos de tributação por métodos indirectos, por aplicação do art 9o n.° 1 ai. d) do CIRS e art°s 87°al b) e 88°al d) da Lei Geral Tributária”.
4 - O Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” julgou totalmente procedente a impugnação referida à liquidação de IRS de 2003, no valor global de 50.350,64 euros, nos autos acima identificados, considerando “… que o que está em factualmente em causa é a existência na esfera jurídica da jmpugnante de um bem imóvel de valor superior a 100.000,00€, sem que aquela apresente qualquer rendimento que justifique a respetiva aquisição (que seria quanto muito e eventualmente, a previsão normativa da alínea f) do n.° 1 do art.c 87.° da LGT). … erro de direito, diga-se, não é inócuo, desde logo porque a eventual aplicação desta última norma conduziria a distinto enquadramento jurídico em virtude da remissão contida no n.° 2 do art.º 87.° da LGT para o regime dos n.°s 3 e 5 do art.º 89.°-A da LGT”
4- Nos termos da alínea b) do art. 87.° da LGT, a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, pode resultar, nomeadamente, das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável – (artigo 88.º, d) da LGT)” Existência de (…) factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.
5- Pressupostos que aqui se traduziram nos seguintes factos, comprovadamente verificados – falta de declaração de rendimentos e evidenciação de capacidade contributiva resultante de acréscimo patrimonial não justificado (aquisição de imóvel).
6 – Ou seja, a liquidação em causa teve como fundamento o facto de o incremento patrimonial evidenciado pelo poder aquisitivo não ter sido declarado em imposto sobre o rendimento e a interessada não ter explicado, nem comprovado a origem desse poder aquisitivo.
7 - A AT utilizou, tanto o critério previsto na alínea d) (No caso concreto, foi usado pela AF o valor utilizado sem recurso ao crédito na aquisição da fracção, declarado na escritura pública), como o da alínea i) do n.° 1 do art. 90° da LGT.
8 - A AT cumpriu as exigências legais para que à situação de facto fossem aplicáveis métodos indirectos para quantificar a matéria tributável, nos termos do artº 90º da LGT, não tendo incorrido em qualquer erro na aplicação do direito.
9 - Também de acordo com o entendimento do Acórdão do STA, proferido no processo nº 0407/12, em 19.11.2014:
O critério usado pela AT na quantificação da matéria tributável por métodos indiciários tem de revelar-se adequado e racionalmente justificado – um modo adequado de aproximação à realidade –, mas não pode ser atacado com o fundamento de que outro ou outros se revelariam mais ajustados, pois não pode perder-se de vista que a quantificação por presunção é imputável exclusivamente ao contribuinte, que se queria ser tributado pelo lucro real, deveria ter cumprido com as obrigações que sobre ele recaíam.
10- Face à prova produzida e à legislação aplicável, é nossa opinião, com todo o respeito que é devido, que a conclusão da sentença recorrida deveria ter sido manter em vigor a liquidação e o imposto apurado, correspondente ao montante da matéria colectável apurada de acordo com os factos e a legislação que lhe pode ser aplicada.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente a impugnação, mantendo vigente na ordem jurídica a liquidação do imposto correspondente à matéria colectável considerada correctamente apurada, assim se fazendo,
JUSTIÇA


CONTRA ALEGAÇÕES.
A recorrida contra alegou, requereu ampliação do recurso, e concluiu:
1. Consta da douta sentença recorrida o seguinte: “ Ora, recorde-se que na situação em apreço se invoca a aplicação dos arts. 87°, al. b) e 88°, al. d) da Lei Geral Tributária, só que a invocação não se enquadra na possibilidade prevista na al. b) do art.° 87° da LGT, uma vez que o que está em factualmente em causa é a existência na esfera jurídica da impugnante de um bem imóvel de valor superior a €100.000.00, sem que aquela apresente qualquer rendimento que justifique a respectiva aquisição (que seria quando muito e eventualmente a previsão normativa da alínea f) do n.° 1 do art.° 87° da LGT.
No entanto, este erro de direito, diga-se, não é inócuo, desde logo porque a eventual aplicação desta última norma conduziria a distinto enquadramento jurídico em virtude da remissão contida no n.° 2 do art.° 87° da LGT para o regime dos n.°s 3 e 5 do art.° 89°-A da L.GT.
2. Os argumentos avançados em sede de recurso não são minimamente aptos a contraditar tal juízo, razão pela qual não deve aquele ser provido.
3. O critério utilizado não é um critério e afronta mesmo os princípios eleitos pelo legislador pela balizar os limites internos e externos de toda a actividade da AT.
4. Não é isso que o legislador quer nem tal critério se conforma ao princípio da igualdade, proporcionalidade e justiça, segundo os quais todos devem ser tratados de forma igual e segundo as suas condições concretas em determinado período espácio/temporal.
5. A AT ao lançar mão daquele critério para determinar a quantum exacto do rendimento tributável deixou por explicar devidamente, como lhe competia, tal quantificação. Tal critério não permite, por si só, justificar o procedimento da AT, precisamente porque se trata de um critério que se funda na dúvida e na incerteza, ou seja, trata-se de um não critério precisamente porque não encontra a sua justificação em razões legais ou de lógica.
6. Sendo um critério obscuro e contraditório, em si mesmo considerado, impediu que a AT praticasse o acto tributário de forma fundamentada como se lhe impunha.
7. A declaração da doação entregue à AT goza da presunção de veracidade, pois não se enquadra nos casos em que a lei a exclui.
8. Ao aceitar a participação da doação, liquidando o imposto, juros e coima, a AT está a aceitar explicitamente a declaração da impugnante, pelo que, era a si que incumbia provar que aquela não correspondia à verdade e, nesse caso, anular o acto de liquidação e restituir à impugnante o que foi pago, o que não fez.
9. Está no mínimo criada uma dúvida fundada sobre a existência e a quantificação dos factos tributários relevados pelo Fisco, que não pode deixar de ser valorada contra a AT, face ao disposto no art.° 100º do CPPT.
Termos em que deve o recurso improceder com as legais consequências e, sendo caso disso tomar-se conhecimento da ampliação do recurso e julgar-se procedente a impugnação judicial.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.


II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar procedente a impugnação por verificação do vício de violação de lei invocado pela Impugnante.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
A – Por determinação dos serviços da Impugnada, foi a Impugnante sujeita a inspeção interna (cf. doc. fls. 5 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
B – Por ofício dos serviços da Impugnada, datado de 26.02.2007, foi a Impugnante notificada para “[… ] informar/demonstrar fundamentadamente qual a proveniência dos rendimentos que serviram para a aquisição [… ]” da fração autónoma designada pela letra «M» do art.º urbano nº 1.. da freguesia de Santo António dos Olivais, adquirida pelo valor de € 125.000,00, sem recurso a crédito (cf. doc . fls. 1 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
C – Em documento intitulado «Projecto de Correcções (Conforme art.s 60º da LGT e 60º do RCPIT», datado de 19.03.2007, extrai-se que:
“[… ]
II – 2. Motivo, Âmbito e Incidência Temporal
Pelo facto da sujeito passivo ter adquirido uma fracção autónoma para habitação em 23 de Dezembro de 2003 pelo valor de € 125.000,00 ser recurso ao crédito, e, sem que a mesma tenha declarado ter auferido qualquer rendimento para efeitos fiscais, foi a mesma notificada pelo ofício nº 2019 de 26/2/2007 para no prazo de 15 (quinze) dias informar/justificar fundadamente qual a proveniência dos rendimentos que serviram para a aquisição da referida fracção autónoma.
Porque decorrido o prazo da notificação sem que fosse apresentada qualquer justificação, foi aberta a ordem de serviço interna OI200700606 para o exercício de 2003 que agora cumpre informar.
II – 3. Outras situações
A sujeito passivo em análise nasceu aos 29/11/1982 e até 2005 não existe qualquer declaração de rendimentos de IRS apresentada nem no nosso sistema informático consta que a mesma tenha exercido qualquer actividade ou obtido qualquer rendimento.
É solteira não fazendo parte do seu agregado familiar qualquer dependente.
[… ]
IV. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos.
[… ]
Desta sorte e por falta de justificação fundamentada, consideramos a origem dos rendimentos de € 125.000,00 (valor utilizado na aquisição da fracção autónoma a que fizemos referência), não justificados.
Assim, estamos em presença de factos concretamente identificados através dos quais está patente uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada com acréscimos patrimoniais não justificados e perante a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.
Desta forma estão reunidos os pressupostos de tributação por métodos indirectos, por aplicação do artº 9º n.º 1 al. d) do CIRS e artºs 87º al. b) e 88.º al. d) da Lei Geral Tributária.
V. Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos Em presença da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável é necessário recorrer aos métodos indirectos para o seu apuramento.
V.1 – IRS
Para tanto, iremos utilizar como critério para a sua determinação, o valor total utilizado sem recurso ao crédito (€ 125.000,00) na aquisição da fracção “M” do artº 1… da freguesia de Santo António dos Olivais.
Dessa forma e por desconhecimento da origem daquele valor, iremos considerar que o mesmo se enquadra como rendimento sujeito a tributação pela categoria G – como acréscimos patrimoniais não justificados -, conforme se encontra previsto na al. d) n.º 1 do artº 9º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
[… ]”
(cf. doc. fls. 8 a 13 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
D – No documento referido na alínea anterior foi aposto despacho de concordância por parte da Sra. Chefe de Divisão dos Serviços de IT (cf. docs. fls. 8 a 13 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
E – Do relatório e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores foi dado conhecimento à Impugnante e ao seu Advogado por ofícios dos serviços da Impugnada, tendo sido aquela notificada para exercer o “direito de audição” (cf. docs. fls. 6 a 7 e 14 a 15 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
F – Em 17.04.2006 foi elaborado pelos serviços da Impugnada o «Relatório/Conclusões (conforme art.º do RCPIT)», do qual se extrai:
“[… ]
II – 2. Motivo, Âmbito e Incidência Temporal
Pelo facto da sujeito passivo ter adquirido uma fracção autónoma para habitação em 23 de Dezembro de 2003 pelo valor de € 125.000,00 ser recurso ao crédito, e, sem que a mesma tenha declarado ter auferido qualquer rendimento para efeitos fiscais, foi a mesma notificada pelo ofício nº 2019 de 26/2/2007 para no prazo de 15 (quinze) dias informar/justificar fundadamente qual a proveniência dos rendimentos que serviram para a aquisição da referida fracção autónoma.
Porque decorrido o prazo da notificação sem que fosse apresentada qualquer justificação, foi aberta a ordem de serviço interna OI200700606 para o exercício de 2003 que agora cumpre informar.
II – 3. Outras situações
A sujeito passivo em análise nasceu aos 29/11/1982 e até 2005 não existe qualquer declaração de rendimentos de IRS apresentada nem no nosso sistema informático consta que a mesma tenha exercido qualquer actividade ou obtido qualquer rendimento.
É solteira não fazendo parte do seu agregado familiar qualquer dependente.
[… ]
IV. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos.
[… ]
Desta sorte e por falta de justificação fundamentada, consideramos a origem dos rendimentos de € 125.000,00 (valor utilizado na aquisição da fracção autónoma a que fizemos referência), não justificados.
Assim, estamos em presença de factos concretamente identificados através dos quais está patente uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada com acréscimos patrimoniais não justificados e perante a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.
Desta forma estão reunidos os pressupostos de tributação por métodos indirectos, por aplicação do artº 9º n.º 1 al. d) do CIRS e artºs 87º al. b) e 88.º al. d) da Lei Geral Tributária.
V. Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos Em presença da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável é necessário recorrer aos métodos indirectos para o seu apuramento.
V.1 – IRS
Para tanto, iremos utilizar como critério para a sua determinação, o valor total utilizado sem recurso ao c rédito (€ 125.000,00) na aquisição da fracção “M” do artº 1… da freguesia de Santo António dos Olivais.
Dessa forma e por desconhecimento da origem daquele valor, iremos considerar que o mesmo se enquadra como rendimento sujeito a tributação pela categoria G – como acréscimos patrimoniais não justificados -, conforme se encontra previsto na al. d) n.º 1 do artº 9º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
[… ]”
(cf. doc. fls. 16 a 21 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
G – No relatório referido na alínea anterior foi aposto em 21.09.2006, despacho de concordância por parte do Sr. Diretor de Finanças Adjunto (cf. doc . fls. 16 a 21 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
H – Do relatório e do despacho referidos nas duas alíneas anteriores foi dado conhecimento à Impugnante e ao seu Advogado por ofícios da Impugnada (cf. docs. fls. 22 a 24 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
I – Em 29.05.2007 a Impugnante, através do seu Advogado, apresentou uma exposição escrita dirigida ao Sr. Diretor de Finanças de Coimbra que designou como «Pedido de Revisão» (cf. doc. fls. 27 a 38 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
J – Na sequência da exposição escrita referida na alínea anterior foi aberto procedimento de revisão em sede de IRS do ano de 2003 (cf. docs. a fls. 25 a 60 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
K – No procedimento referido na alínea anterior foi proferido despacho pelo Sr. Diretor de Finanças, datado de 23.07.2007, no qual se concluiu que: “[… ] E pelas razões expostas, porque racionalmente fundamentadas, aderimos à aplicação dos critério proposto no relatório de Inspecção Tributária na determinação da matéria tributável – cujos cálculos e fundamentos aqui damos por integralmente reproduzidos e com os quais concordamos – bem como a posição do perito da administração, o que vale por não aceitarmos, por não provados, o excesso de quantificação da matéria tributável, e logo, a pretensão do contribuinte, confirmando que se encontram reunidas as condições para avaliação indirecta da matéria tributável, dado existirem acréscimos patrimoniais não justificados, aplicando-se os pressupostos de tributação por métodos indirectos, por aplicação do artº 9º n.º 1 al. d) do CIRS e artºs 87º al. b) da LGT.
Pelo que
Mantenho os valores inicialmente fixados para efeitos de I.R.S., sendo o rendimento global líquido no total de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros) para o ano de 2003 […]” (cf. doc. a fls. 51 a 57 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
L – Do despacho referido na alínea anterior foi dado conhecimento ao Advogado da Impugnante (cf. docs. a fls. 58 a 60 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
M – Foram elaborados pelos serviços da Impugnada os documentos de correção únicos referentes ao IRS do ano de 2003 da ora Impugnante (cf. docs. a fls. 61 a 75 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
N – Os serviços da Impugnada procederam à liquidação adicional de IRS da Impugnante referente ao ano de 2003 e respetivos juros (cf. docs. a fls. 20 a 21 dos autos que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
O – Em 10.12.2007, a Impugnante procedeu ao pagamento do imposto sobre sucessões e doações e respetivos juros por doação no montante de € 125.000,00 que recebeu de José… e Maria… ocorrida em 09.12.2003 (cf. doc. a fls. 22 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
*
A convicção do Tribunal assentou nos documentos juntos pelas partes aos autos e que não foram objecto de qualquer forma de impugnação, assim como naqueles que constam do respectivo processo administrativo (PA).
Não ficaram demonstrados com interesse para a decisão a proferir, os demais factos alegados pelas partes nos respectivos articulados juntos ao presente processo.

IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Impugnante foi sujeita a fiscalização com início em 15/3/2007, terminada em 19/3/2007 motivada pelo facto de ter adquirido uma fração autónoma para habitação em 23 de dezembro de 2003 pelo valor de € 125.000,00 sem recurso a crédito e sem que a mesma tenha declarado ter auferido qualquer rendimento para efeitos fiscais. Por ofício de 26/2/2007 foi notificada para informar/justificar qual a proveniência dos rendimentos que serviram para a aquisição da fração, mas decorrido o prazo fixado (15 dias), nada disse.
Por falta de justificação fundamentada, a AT considerou não justificados a origem daqueles rendimentos. E considerou estar “... em presença de factos concretamente identificados através dos quais está patente uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada com acréscimos patrimoniais não justificados e perante a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável. Desta forma, estão reunidos os pressupostos de tributação por métodos indiretos, por aplicação do art. 9º n.º 1 al. d) do CIRS e art.sº 87º al. b) e 88º al. d) da Lei Geral Tributária”.

Requereu revisão da matéria tributável no âmbito da qual foram realizadas duas reuniões entre os peritos mas não foi alcançado acordo, pelo que o Exmo. Diretor de Finanças lavrou despacho mantendo o valor inicialmente fixado - 125.000,00€.
A contribuinte impugnou a liquidação alegando entre o mais, que as normas legais eleitas pelo Sr. Perito para a tributação por métodos indiretos são inadequadas face à situação de facto ocorrida e que há erro nos pressupostos de direito e de facto para a avaliação indireta, já que o valor necessário para a compra do imóvel foi uma doação do seu avô.
Houve erro também por não se ter aplicado o elenco taxativo previsto no art. 90º LGT.
Não se fundamentam as razões porque se optou pelo critério constante do Relatório em detrimento de outros, nomeadamente os previstos no art. 90º LGT, e além disso não foi observado o dever de fundamentação, também quanto à liquidação de juros compensatórios.

O MMº juiz decidiu que “...na situação em apreço se invoca a aplicação dos “[… ] artºs 87º al. b) e 88.º al. d) da Lei Geral Tributária [… ]”, só que invocação não se enquadra na possibilidade prevista na alínea b) do art.º 87.º da LGT, uma vez que o que está em factualmente em causa é a existência na esfera jurídica da Impugnante de um bem imóvel de valor superior a € 100.000,00, sem que aquela apresente qualquer rendimento que justifique a respetiva aquisição (que seria, quanto muito e eventualmente, a previsão normativa da alínea f) do n.º 1 do art.º 87.º da LGT). No entanto, este erro de direito, diga-se, não é inócuo, desde logo porque a eventual aplicação desta última norma conduziria a distinto enquadramento jurídico em virtude da remissão contida no n.º 2 do art.º 87.º da LGT para o regime dos n.ºs 3 e 5 do art.º 89.º-A da LGT.
Por isso, verifica-se o apontado erro de direito, ou se preferirmos, o vício de violação de lei invocado pela Impugnante” e julgou procedente a impugnação.

A AT discorda do decidido com base em duas linhas argumentativas:
1º Existência dos pressupostos para avaliação indireta que decorrem da falta de declaração de rendimentos e evidenciação de capacidade contributiva resultante de acréscimo patrimonial não justificado (Conclusões 4 a 6);
2º Foi utilizado o critério legal previsto na alínea d) do art. 88º LGT e alínea i) do n.º 1 do art.º 90º LGT (Conclusões 7º a 10º);

A sentença não se pronunciou (pelo menos expressamente) sobre a verificação dos pressupostos para a avaliação indireta, embora tenha enunciado a questão. Decidiu que “...a situação em apreço não se enquadrava na possibilidade prevista na alínea b) do art. 87º da LGT uma vez que o que está factualmente em causa é a existência na esfera jurídica da impugnante de um imóvel de valor superior a € 100.000,00, sem que aquela apresente qualquer rendimento que justifique a respetiva aquisição....”.

Ora, à parte o facto de a liquidação não ter por base “...a existência na esfera jurídica da impugnante de um imóvel de valor superior a € 100.000,00...”, mas sim a utilização de um valor de € 125.000,00 cuja proveniência se não justificou, devemos notar que em 2003 a redação dos artigos 87º e 89-A da LGT eram diferentes das que hoje conhecemos.

O Art. 87º da LGT na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro dizia o seguinte:

1. A avaliação indirecta só pode efetuar-se em caso de:
a) Regime simplificado de tributação, nos casos e condições previstos na lei;
b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica referidos na presente lei.
d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A;

e) Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos de início de actividade, em que a contagem deste prazo se faz do termo do terceiro ano, ou em três anos durante um período de cinco.

(A alínea f), acrescentada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro) tinha o seguinte conteúdo: Existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.

Por seu turno, o art.º 89º-A da LGT na redação dada pelo mesmo diploma dispunha que:

1 - Há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n.º 4 ou quando declare rendimentos que mostrem uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela.

2 - Na aplicação da tabela prevista no n.º 4 tomam-se em consideração:

a) Os bens adquiridos no ano em causa ou nos três anos anteriores pelo sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar;

b) Os bens de que frua no ano em causa o sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar, adquiridos, nesse ano ou nos três anos anteriores, por sociedade na qual detenham, directa ou indirectamente, participação maioritária, ou por entidade sediada em território de fiscalidade privilegiada ou cujo regime não permita identificar o titular respectivo. 



3- Verificadas as situações previstas no n.º 1 deste artigo, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas , nomeadamente herança ou doação, rendimentos que não esteja obrigado declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito.

4 -Quando o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, quando não existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90º que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o rendimento padrão apurado nos termos da tabela seguinte:

Manifestações de fortunaRendimento padrão
1.
Imóveis de valor de aquisição igual ou superior a 50.000 contos20% do valor de aquisição.
2.
Automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a 10.000 contos e motociclos de valor igual ou superior a 2.000 contos.50% do valor no ano de matrícula

com o abatimento de 20%

por cada um dos anos seguintes.

3
Barcos de recreio de valor igual ou superior a 5.000 contosValor no ano de registo

com o abatimento de 20%

por cada um dos anos seguintes.

4
Aeronaves de TurismoValor no ano de registo com o
abatimento de 20% por

cada um dos anos seguintes.

5 - A decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante deste artigo é da exclusiva competência do director-geral dos Impostos, ou seu substituto legal, sem possibilidade de delegação

6 - Da decisão de avaliação da matéria colectável pelo método indirecto constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributário, com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente, não sendo aplicável o procedimento constante dos artigos 91.º e seguintes.

7 - Ao recurso referido no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, a tramitação prevista no artigo 146-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

8 - Para a aplicação dos n.ºs 3 a 4 da tabela, atende-se ao valor médio de mercado, considerando, sempre que exista, o indicado pelas associações dos sectores em causa.


Dos preceitos em análise imediatamente se retira que na redação vigente em 2003 o art. 87º da LGT não continha nenhuma norma idêntica, ou mesmo compatível, com o conteúdo da atual alínea f) (a redação atualmente em vigor foi-lhe dada pela Lei n.º 94/2009, de 1 de setembro), pelo que a decisão do MMº juiz baseada na desaplicação desta norma não pode, evidentemente, manter-se.

E o artigo 89º-A da LGT também não parece aplicável. A única situação que aparentemente poderia ser subsumível a este preceito seria a relativa à aquisição de imóveis mencionada no n.º 1 da tabela 4. Mas tal só relevaria, para efeitos deste preceito, se a aquisição fosse superior a 50.000 contos, ou seja, 250.000 Euros.
Não é esse o caso dos autos, porque o imóvel foi adquirido por € 125.000.

Por conseguinte, devemos retomar os fundamentos de direito invocados na fundamentação da liquidação, expressos no relatório e que são as alíneas b) do artigo 87º e d) do artigo 88º da LGT em conjugação com o art.º 9º/1-d) do CIRS, todos na redação vigente em 2003.

O art. 87º da LGT especifica os casos em que pode haver lugar à avaliação indireta. A sua alínea b) tinha em 2003 a mesma redação que tem agora:
“Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”

Por sua vez, o art.º 88º da LGT dispunha que
“A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável
a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada”.

Se a contribuinte não declarou quaisquer rendimentos, então a disponibilização dos 125.000 Euros patenteia uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.

Mas não basta a manifestação de capacidade contributiva superior à declarada para proceder à avaliação indireta. É necessário ainda que esteja inviabilizado o apuramento da matéria tributável, isto é, que não seja possível a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação (art. 83º/1 LGT), ou como diz o proémio do art. 88º da LGT, “A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável”.

Quer dizer, mesmo que esteja verificada a situação fática descrita na alínea d) do art. 88º LGT, não pode a AT lançar mão da avaliação indireta sem previamente demonstrar que a anomalia ou incorreção inviabiliza o apuramento da matéria tributável e que só através de indícios, presunções ou outros elementos que a administração tributária disponha (art. 83º/2 LGT) o pode fazer.

Com efeito, como determina a lei, a avaliação directa, é o método de apuramento legal preferencial (art. 81º/1 e 85º LGT). A avaliação indireta só pode aplicar-se nos casos e condições expressamente previstos na lei, que o mesmo é dizer, quando seja impossível a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável (art. 87º-b) LGT) Ac. do TCAS n.º 04397/10 de 03-07-2012 Relator: JOAQUIM CONDESSO
Sumário: 3. O recurso aos métodos indirectos só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.artº.81, nº.1, da L.G.Tributária)..

Mas a AT não esclarece as razões pelas quais está inviabilizado o apuramento directo da matéria tributável, como lhe impõem os n.º 4 do art. 77º e n.º 3 do art. 74º, ambos da LGT, limitando-se a dizer que está “...perante a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável...”, acrescentando mais à frente, na mesma linha de raciocínio, que “Em presença da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável é necessário recorrer aos métodos indiretos para o seu apuramento”.

Mas porque é que está inviabilizado o apuramento directo da matéria tributável?

Como vemos da operação enunciada, a AT não recorreu a quaisquer presunções para efectuar o apuramento matéria colectável, limitando-se a tributar pelas regras da alínea d) do art.º 9º do CIRS a quantia disponibilizada na aquisição do imóvel.

É certo que esta alínea d) do art. 9º do CIRS (redação de 2003) refere-se a acréscimos patrimoniais não justificados, determinados nos termos dos artigos 87º, 88º ou 89º-A da Lei Geral Tributária, mas daí não resulta uma “ampliação” dos pressupostos para a avaliação indireta.

Poder-se-ia defender que todo e qualquer acréscimo patrimonial não justificado corresponde a uma forma de avaliação indireta. Mas sendo essa a razão, a AT deveria dizê-lo. Se entende que a regra da tributação residual pela categoria “G” constitui uma presunção e daí decorre a avaliação indireta, deveria dizê-lo também e não simplesmente invocar a fórmula legal assumindo estar perante a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.

Não tendo a AT enunciado outros fundamentos para lançar mão da avaliação indireta, é forçoso concluir que os invocados não constituem pressupostos para a avaliação indireta o que torna ilegal a liquidação impugnada, ficando prejudicado a ampliação do recurso pedida em contra alegações.


V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e com outros fundamentos, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela AT.
Porto, 30 de março de 2017.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira