Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00305/07.0BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/14/2020
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:AUDIÊNCIA PRÉVIA; INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS; JUNÇÃO DE DOCUMENTOS.
Sumário:1 -A audiência prévia tem por escopo a participação dos contribuintes nas decisões que lhes dizem respeito, permitindo-lhes que se pronunciem, incidindo essa pronúncia sobre todas as matérias de facto e de direito que no procedimento estejam em causa. Por isso, mesmo que o contribuinte tenha já sido ouvido no procedimento, se justifica uma segunda audiência sempre que haja factos novos, sobre os quais ainda não tenha tido oportunidade de se manifestar, quer esses factos possam ser-lhe favoráveis, quer desfavoráveis. Se a AT após a audição prévia partiu dos valores declarados pelo contribuinte, a realização de nova audição prévia no caso em concreto redundaria num acto inútil, proibido, aliás, pelo art. 57º da LGT.

2 – Se no recurso o Recorrente limita-se a dizer que deveria ser ouvida a prova testemunhal ou a requerer a junção de notificações, sem contudo indicar o que pretendia provar com a inquirição das testemunhas ou com a junção das notificações, deixando este Tribunal sem elementos para a final decidir sobre o bem ou mal decidido da dispensa da prova, ou sobre a necessidade ou não da sua produção e junção de notificações, tal argumentação mostra-se votada ao insucesso. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:H.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

H., devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 11/09/2009, que negou provimento à impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRS e juros compensatórios do ano de 2003 no montante global de €72.417,55.---

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. SITAF)

A entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu o parecer no sentido de se negar provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos dos Exm.ºs Senhores Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.---
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em saber (i) se a sentença incorreu em omissão de pronúncia ao não se pronunciar sobre a não concretização do contrato de permuta e sobre a preterição de formalidade legal, art.s 60º da LGT e 60º do RCPIT, assente na questão de administração tributária alterar o projecto de decisão, nas conclusões, do valor dos custos ou encargos, assente na parte proporcional, para a totalidade; (ii) se incorre em erro de julgamento no que concerne à inexistência de facto tributário; (iii) se padece de vício de contradição ao admitir como valor de aquisição o valor da alienação, no apuramento do custo do terreno; (iv) se a prova testemunhal devia ter sido ouvida e se devia ter sido junto aos autos a prova documental das notificações dos art.s 77º da LGT e 62º do RCPIT.
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3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. SITAF)

ADITAMENTO OFICIOSO À MATÉRIA DE FACTO:

Ao abrigo do artigo art.º 662.º, nº 1 do Código do Processo Civil (CPC), e por se mostrar essencial, adita-se à factualidade apurada o seguinte ponto:

5. Após a audição prévia ao projecto do relatório inspectivo a que se alude no ponto 1 da factualidade, a AT decidiu que “Relativamente ao valor de aquisição e uma vez que não se procedeu à discriminação de valores, do prédio remanescente e da área destacada, e como, nos termos da circular 14/75, o método da proporção poderá distorcer a realidade, para efeitos do valor de aquisição vamos considerar a totalidade do valor de aquisição do prédio Rustico 20-B. Desta forma o valor de aquisição a considerar é de 6.983,17€. Por o resultado desta alteração ser favorável ao sujeito passivo, não se faz nova notificação do projecto de correcções.” (cfr. fls. 10 do PA anexo ao processo físico).
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4- JULGAMENTO DE DIREITO

Há que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
Está em causa a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela em 11/09/2009, que julgou improcedente a impugnação deduzida pelo ora Recorrente, que visava a liquidação adicional de IRS do ano de 2003.
A liquidação impugnada teve a sua génese numa acção inspectiva levada a efeito ao Recorrente e onde se apurou que o sujeito passivo, relativamente ao exercício de 2003, alienou o artigo urbano 2048 da freguesia e concelho do (...), na altura omisso à matriz, pelo valor de €349.160,00, conforme escritura de permuta realizada em 18/09/2003, sem que tenha apresentado o Anexo G da declaração de rendimentos relativa àquele ano.
A sentença do tribunal a quo considerou a impugnação improcedente em todas as vertentes atacadas pelo impugnante.
Inconformado o Recorrente invoca a (i) nulidade da sentença por omissão de pronúncia, uma vez que não foi concretizada qualquer permuta, mas a sentença não se pronuncia sobre esse aspecto, indica que por não ter sido concretizada a permuta ocorre vício de violação de lei, nomeadamente do artigo 10º, nº 1 do CIRS; (ii) nulidade por não se ter pronunciado sobre a preterição de uma formalidade legal, que consubstancia na falta de audição à alteração no projecto de decisão do relatório inspectivo, do valor dos custos ou encargos, em manifesta violação dos artigos 60º da LGT e 60º do RCPIT; (iii) que a sentença está em vício de contradição, porquanto admite como valor de aquisição, o valor da permuta (alienação) de €349.160,00, violando o art. 46º do CIRS; (iv) que a prova testemunhal devia ter sido ouvida e que devia ter sido junta aos autos a prova documental das notificações do art. 77º da LGT e 62º do RCPIT.
Comecemos, então, pelas alegadas nulidades da sentença, quer por omissão de pronúncia relativamente à concretização ou não da permuta, quer por omissão de pronúncia sobre a preterição de formalidade legal que o Recorrente consubstancia na falta de audição à alteração no projecto de decisão do relatório inspectivo, do valor dos custos ou encargos, em manifesta violação dos artigos 60º da LGT e 60º do RCPIT.
Como resulta do disposto no artigo 125º, nº 1 do CPPT [e outrossim no artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC], constitui causa de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.
Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz pelo artigo 608º, nº 2 do CPC, em que se estabelece que o juiz deve resolver todas as questões suscitadas pelas partes, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Constitui entendimento pacífico e reiterado da nossa jurisprudência que só se verifica esta nulidade quando existe a violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões que deva apreciar [existindo acentuado consenso no entendimento de que não devem confundir-se questões a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes: a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido - entre muitos, acórdãos do STA 10/9/2008, Processo 0812/07 e do STJ, de 19/2/2004 Processo 04B036].
Ora, analisada a decisão sob recurso, aquela sob a égide de “inexistência de facto tributário” pronuncia-se sobre a concretização ou não da permuta nos seguintes moldes: “Alega o impugnante que a permuta em causa jamais se concretizou, pelo que não se apurou a “alienação onerosa de direito reais sobre imóveis” constante do art. 10º, nº 1 do CIRS. (…) como se pode constatar do facto provado nº 3, a permuta ocorreu em 18/09/2003, comprovando-se, assim, a situação real e concreta que a lei pretende atingir – facto tributário – pelo que improcede o pedido quanto esta causa de pedir”.
Relembre-se que o ponto 3 da factualidade refere-se especificamente à realização de uma escritura pública de permuta celebrada em 18/09/2003, entre o impugnante e a sociedade M., Imobiliária, SA, onde claramente se estipulava que o impugnante entregava o prédio urbano inscrito na matriz sob o art. 2048 da freguesia de (...) e recebia, em troca, quatro fracções autónomas, designadas pelas letras V, W, S e Z, de um prédio a edificar pela dita sociedade, atribuindo-se à permuta o valor de €349.160,00.
Ora, não podemos assentir com o Recorrente quando defende que o tribunal a quo não se pronunciou sobre a não concretização do contrato de permuta, pois resulta de forma muito evidente que aquele Tribunal considerou que a permuta ocorreu, suportando-se, para tanto, na escritura pública celebrada entre o impugnante e a sociedade M., matéria que levou à factualidade dada como provada e que não foi posta em crise pelo Recorrente.
Improcede, assim, a arguida nulidade.
Pugna o Recorrente pela nulidade por omissão de pronúncia consubstancia na falta de audição à alteração ao projecto de decisão do relatório inspectivo, do valor dos custos ou encargos, em manifesta violação dos artigos 60º da LGT e 60º do RCPIT.
O MMº Juiz do tribunal a quo sustentou que esta especifica questão se mostrou “prejudicada pela solução dada quanto à violação da lei por preterição de formalidades legais ao artigo 46º do CIRS – uma vez que a liquidação se efectuou com base na declaração do contribuinte (facto 4 e art. 60º, nº 2, al. a) da LGT)” .
Vejamos antes do mais o que dizem os preceitos legais invocados.
Dispõe o art. 60º da LGT sob a epigrafe “Principio da participação” que “A participação dos contribuintes na formação das decisões que que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou ato administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2 – É dispensada a audição:
a) No caso da liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;
b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito
3 – Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
(…)
Já o art. 60º do RCPIT reza da seguinte maneira:
Artigo 60.º
Audição prévia
1 - Concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação.
2 - A notificação deve fixar um prazo entre 15 e 25 dias para a entidade inspeccionada se pronunciar sobre o referido projecto de conclusões, devendo o prazo no caso de incluir a aplicação da cláusula geral antiabuso constante do nº 2 do artigo 38º da lei Geral Tributária, ser de 30 dias.
3 - A entidade inspeccionada pode pronunciar-se por escrito ou oralmente, sendo neste caso as suas declarações reduzidas a termo.
4 - No prazo de 10 dias após a prestação das declarações referidas no número anterior, será elaborado o relatório definitivo.”.
In casu resulta do probatório (ponto 5) que após a realização da audição prévia a Administração Tributária considerou, nos termos da Circular nº 14/75, o valor da aquisição do prédio rústico 20-B, considerando como valor de aquisição o montante de €6.982,17€ (relativo aos 28.218m2 que compunham o prédio rústico) em detrimento do montante 832,74€ inicialmente considerado (correspondente aos 3.365m2 desanexados, que deram origem ao prédio urbano 2048).
Mais resulta que a AT decidiu não fazer nova notificação para efeitos de audição prévia, dispensando-a, por o resultado da alteração ser favorável ao contribuinte.
É certo que na sentença recorrida não alcançamos de forma expressa a apreciação da alegada violação do art. 60º da LGT e 60º do RCPIT nos moldes enunciados pelo Recorrente, todavia, em despacho de sustentação da nulidade o MMº Juiz veio esclarecer que na perspectiva da sentença recorrida não ocorreu omissão de pronúncia, e como tal a aventada nulidade, uma vez que a apreciação desta questão ficou prejudicada atenta a solução dada quanto à violação da lei por preterição de formalidades legais ao art. 46º do CIRS – uma vez que a liquidação se efectuou com base na declaração do contribuinte.
Assim, atenta a solução jurídica perfilhada na sentença não ocorreu a alegada nulidade, uma vez que o conhecimento daquela questão ficou prejudicado.
No entanto, sempre podemos adiantar que a alegada violação do direito de audição nunca ocorreria, pois a AT para apurar o montante do imposto partiu dos valores declarados pelo contribuinte, ou seja, o valor declarado de aquisição do prédio rústico (6.982,17€ - por ser este o mais favorável ao contribuinte) e do valor declarado para o terreno para construção (349.160,00€), tudo como resulta do disposto no art. 46º, nº 1 do CIRS.
A audiência prévia tem por escopo a participação dos contribuintes nas decisões que lhes dizem respeito, permitindo-lhes que se pronunciem, incidindo essa pronúncia sobre todas as matérias de facto e de direito que no procedimento estejam em causa. Por isso, mesmo que o contribuinte tenha já sido ouvido no procedimento, se justifica uma segunda audiência sempre que haja factos novos, sobre os quais ainda não tenha tido oportunidade de se manifestar, quer esses factos possam ser-lhe favoráveis, quer desfavoráveis.
Porém, no caso dos autos o que sucede é que a AT após a audição prévia partiu dos valores declarados pelo contribuinte, pelo que realizar nova audição prévia no caso em concreto redundaria num acto inútil, proibido, aliás, pelo art. 57º da LGT.
Destarte, improcede o recurso nestas conclusões.
Prossegue o Recorrente alegando que a sentença está em vício de contradição, porquanto admite como valor de aquisição, o valor da permuta (alienação) de €349.160,00, violando o art. 46º do CIRS.
Acerca desta matéria a sentença recorrida discorre da seguinte forma “Dispõe o nº 1 do artigo aqui citado que se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação de sisa. Como do facto provado nº 4 se retira o valor que serviu para efeitos de liquidação de sisa foi aquele que as partes declararam, ou seja, 349.190,00€. Improcede o pedido quanto a esta causa de pedir”.
Da factualidade dada como assente não resulta dúvida de que o Recorrente alienou (permutou) o artigo 2048 urbano da freguesia do (...) pelo valor de €349.160,00, pois esse é o valor que foi declarado pelo Recorrente na escritura de permuta que foi celebrada em 18/09/2003 no Cartório Notarial do (...), sendo também esse o valor que consta do termo de sisa nº 2437/289/2003 e que originou o pagamento de sisa no montante de €8.105,50 (cfr. ponto 3 e 4 da factualidade).
Assim, não podemos aqui assentir com o Recorrente, porquanto o valor da aquisição resulta claramente dos documentos supra mencionados, sendo que a escritura foi subscrita pelo Recorrente.
Por fim, o Recorrente alega que a prova testemunhal devia ter sido ouvida e que devia ter sido junta aos autos a prova documental das notificações do art. 77º da LGT e 62º do RCPIT.
No que tange à prova testemunhal, o Juiz por despacho de fls. 44 dos autos considerou que os autos possuíam já os elementos indispensáveis para o conhecimento do pedido, indeferindo a prova testemunhal.
No presente recurso o Recorrente limita-se a dizer que deveria ser ouvida a prova testemunhal sem contudo indicar o que pretendia com ela provar, deixando este Tribunal sem elementos para a final decidir sobre o bem ou mal decidido da dispensa da prova, ou sobre a necessidade ou não da sua produção, pelo que tal argumentação mostra-se votada ao insucesso.
O mesmo se diga quanto à requerida junção aos autos das notificações do art. 77º da LGT e 62º do RCPIT, que o Recorrente peticiona sem que indique com que intuito.
Face ao que antecede, improcedem todas as conclusões do recurso, estando o mesmo votado ao insucesso.
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V – DECISÃO

Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida, ainda que com a presente fundamentação.

Custas a cargo do Recorrente.
Poeto, 2020-07-14

Maria Celeste Oliveira
Cláudia Almeida
Paulo Moura