Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01525/08.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/20/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Carlos de Castro Fernandes
Descritores:RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO; ESTATUTO FISCAL COOPERATIVO; VENDA DE ATIVOS E DE EXISTÊNCIAS; VENDA DE QUOTAS LEITEIRAS
Sumário:I – Ao recorrente que apresente recurso incidente sobre a matéria de facto, cabe cumprir os ónus processuais previstos no art.º 640.º do novo CPC, sob pena de rejeição do mesmo.

II – Quanto às cooperativas agrícolas o regime regra de tributação em sede de IRC é o da isenção nos termos do EFC (Estatuto Fiscal Cooperativo). Assim, o regime de tributação do resultado ou determinados resultados daquele tipo de cooperativas configura uma exceção, sendo que esta última, ou seja, a possibilidade de tributação, se encontra circunscrita às situações enquadráveis no n.º 3 do art.º 7.º do EFC.

III – Enquadra-se na situação de exceção de tributação, as operações feitas por uma cooperativa com terceiros não cooperantes e de cujo resultado não emerja uma conexão com o escopo social daquela.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A. - União das Cooperativas E Outra
Recorrido 1:Fazenda Pública E Outra
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso movido pela FP e de improcedência do recurso movido pela A. União das Cooperativas.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I – A Representação da Fazenda Pública - RFP (primeira Recorrente) e a A. - União das Cooperativas (segunda Recorrente), vieram interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual se julgou parcialmente procedente a impugnação que esta última intentou contra a decisão de indeferimento das reclamações que apresentou contra as liquidações adicionais de IRC referentes aos anos de 2002 e 2003, assim como contra estas últimas e as correspetivas liquidações de juros compensatórios.

No presente recurso, a primeira Recorrente (RFP) formula as seguintes conclusões:

A - Vem o presente recurso interposto contra a sentença proferida nos presentes autos que julgou a impugnação parcialmente procedente e, em consequência anulou parcialmente as liquidações de IRC, referentes ao exercício de 2002 e 2003, bem como as decisões que negaram provimento às reclamações graciosas, na parte em que procedem às seguintes correções à matéria coletável: acréscimo do lucro tributável do exercício de 2002 e 2003, nos montantes de 27.876,24 € e 29.690,28 €, referente à consideração serviços de transporte prestados pela impugnante à L. e acréscimo do lucro tributável do exercício de 2002, do montante de 19.649,93 €, referente à consideração dos resultados da compra e posterior cedência de quotas leiteiras, aqui impugnada.
B - A Fazenda Pública não se conforma com o decidido, pois entende que a douta sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, nomeadamente do artigo 7º, nº 3 e artigo 13º, nº 1 do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC) e artigo 4º do Estatuto publicado no Diário da República, III série, nº 8, de 10/01/1986.
C - No que concerne ao objeto social a atividade principal desenvolvida pela impugnante, integra-se na indústria de leite e derivados, à qual corresponde o CAE – 15510 e encontra-se enquadrada no regime geral de tributação em sede de IRC e para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade mensal.
D - Da conjugação do nº 3 do artigo 7º e do nº 1 do artigo 13º do citado EFC, à data dos factos, resulta que as cooperativas agrícolas estão isentas de IRC, com exceção dos resultados provenientes de operações com terceiros, de atividades alheias aos fins cooperativos e dos abrangidos pela tributação do lucro consolidado.
E - A impugnante efetuou celebrou em 1/09/2000 um contrato com a L. no qual se compromete a transportar o leite recolhido na área afeta ao núcleo de C…. diretamente para as instalações industriais da L. sita em ……e na área afeta ao núcleo de …….a para as instalações industriais da L. sitas em …… ou …., e ainda quando solicitado transportar o leite entre as unidades industriais da L. sitas em…., …., …. , ….e …, mediante o pagamento, pela L., de 2$00 e 1$50 por litro de leite transportado respetivamente no caso do transporte de leite efetuado na área afeta ao núcleo de …. diretamente para as instalações industriais da L. sita em … na área afeta ao núcleo de …para as instalações industriais da L. sitas em …. ou …. [cláusula 6ª a), b) e c) do contrato]
F - De acordo com a cláusula 10ª , nº 1 do citado contrato “O valor do transporte não será integrado na factura do leite transportado sendo facturado em separado e pago nas condições em vigor para o fornecimento de leite”
G - Como consta da cláusula 13ª do citado contrato, este verte a vontade contratual das partes envolvidas – impugnante e L..
H - A impugnante registou na conta 7251 – Transportes de Comercialização, os seguintes montantes: em 2002 - setor sujeito € 606.187,28 e isento € 282.348,88 e em 2003 – setor sujeito € 791.977,42 e setor isento 261.148,51 €, suportado esse registo por faturas, com IVA à taxa normal, mencionado no respetivo histórico o transporte de leite efetuado pela impugnante entre as unidades industriais da L..
I - A prestação a um terceiro, não cooperante, L., de serviços de transporte, como tal reconhecidos, quer contratualmente, quer na ata da Direção da impugnante, não pode ser considerada como integrante da industria de leite e derivados que constitui a atividade da cooperativa pois caso tais serviços estivessem integrados na atividade da cooperativa não se justificaria a celebração de um contrato regulando de forma especifica, os serviços de transporte efetuados a um terceiro, nomeadamente o preço, mas assistir-se-ia, ao correspondente reflexo no preço do produto.
J - Os proveitos em causa, obtidos em 2002 e 2003, não resultando da atividade normal da impugnante, mas de serviços prestados a um terceiro, devem ser afetos ao setor sujeito ao regime geral.
K - A impugnante afetou ao setor isento de IRC, no ano de 2002, o valor de € 451.509,58 registado na conta 7111122 – Outras Mercadorias, relativo a cedência a associados de quotas leiteiras e, o valor de 408.569,55, tendo sido o mesmo registado na conta 31201 – Compra de Mercadorias – Mercado Interno, respeitante à aquisição das quotas leiteiras com vista à cedência a associados, o que originou, nesse ano, um resultado liquido da impugnante, positivamente influenciado pelo montante de € 42.940,03 (€ 451.509,58 - € 408.569,55), em resultado da compra e posterior cedência de quotas leiteiras e que não contribuiu
para o cálculo do imposto a pagar pela cooperativa, pois foi afeto ao setor isento de IRC.
L - A impugnante é uma cooperativa agrícola que se rege pelos estatutos publicados no Diário da República, III série, nº …de 10/01/…, e sucessivas alterações sendo que das diversas alíneas do artigo 4º do estatuto, não se vislumbra em nenhuma delas que a compra e cedência de quotas leiteiras, com realização de proveitos para a cooperativa, seja uma das funções da impugnante.
M - A aquisição e posterior cedência de quotas leiteiras não faz parte do objeto social da impugnante, pelo que os proveitos que daí resultem são resultantes de atividade alheia aos seus fins cooperativos e como tal têm de ser tributados no regime geral do IRC.
N - À factualidade dada como provada no douto decisório devem ser aditados os seguintes pontos:
17.“O contrato celebrado entre a impugnante e a L. em 1/9/2000 configura um verdadeiro contrato de transporte/prestação de serviços de transporte que foge ao objeto social da impugnante e cujos valores recebidos foram faturados em separado, ou seja, não integrados na fatura do leite vendido e afetados ao setor isento, quando deveriam ter sido afetos ao setor sujeito a IRC”.
18. “A impugnante registou na conta 7251 – Transportes de Comercialização, os montantes aqui em apreço (em 2002 – setor sujeito € 606.187,28 e isento € 282.348,88 e em 2003 – setor sujeito € 791.977,42 e setor isento 261.148,51 €), suportado esse registo por faturas, com IVA à taxa normal, mencionado no respetivo histórico o transporte de leite efetuado pela impugnante entre as unidades industriais da L.”
19. “A prestação a um terceiro, não cooperante, a L., de serviços de transporte, como tal reconhecidos, quer contratualmente, quer na ata da Direção da impugnante, não pode ser considerada como integrante da industria de leite e derivados que constitui a atividade da cooperativa”.
20. “Desta forma, os proveitos em causa, obtidos em 2002 e 2003, não resultando da atividade normal da impugnante, mas de serviços prestados a um terceiro, devem ser afetos ao setor sujeito ao regime geral”.
21. “A impugnante registou na conta 31201- Compra de Mercadorias – Mercado Interno o montante de € 408.569,55 e na conta 7111122 – Outras Mercadorias o montante de € 451.509,58 relativo a compra e posterior cedência a associados de quotas leiteiras, tendo sido apurado um resultado liquido de € 42.940,03.”
22. “A aquisição e posterior cedência de quotas leiteiras não faz parte do objeto social da impugnante, pelo que os proveitos que daí resultem são resultantes de atividade alheia aos seus fins cooperativos e como tal têm de ser tributados no regime geral do IRC”
O - O Tribunal a quo não pode valorizar a prova testemunhal, como valorizou, para provar factualidade, quando existe prova documental nos autos com cariz contrário, ou seja, a contabilidade da impugnante, que nos termos do disposto no artigo 75º da LGT se presume verdadeira e de boa-fé, bem como o contrato celebrado com a L. em 1/09/2000 e a ata da Direção.
P - Afigura-se à Fazenda Pública que as liquidações impugnadas não padecem de qualquer vício ou deficiência determinante da sua anulação parcial.

Termina a Recorrente pedindo que seja julgado procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, considerando-se a impugnação improcedente.

A Recorrida, apresentou contra-alegações nelas concluindo que:
1. Vêm as presentes Alegações apresentadas no âmbito do recurso interposto pela Fazenda Pública da Sentença proferida no processo n.º 1525/08.5BEPRT, U.O. 4 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado pela Impugnante, a ora Alegante, que ai pugnava pela anulação dos actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e Juros Compensatórios, referentes aos anos de 2002 e 2003 no montante global de 54.260,72 Euros.
2. Pretexta a Fazenda Pública que não se conforma com a douta decisão julgou parcialmente procedente a Impugnação Judicial, por considerar que houve "(...) erro de julgamento de facto e de direito, nomeadamente do artigo 70, no 3 e artigo 130, no 1 do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC) e artigo 40 do Estatuto publicado no Diário da República, III série, nº …, de 10/01/… (...)".
3. Concretizando, entende a Fazenda Pública que "Caso tais serviços estivessem integrados na atividade da cooperativa não se justificaria a celebração de um contrato regulando de forma especifica, os serviços de transporte efetuados a um terceiro, nomeadamente o preço, mas assistir-se-ia, ao correspondente reflexo no preço do produto",
4. Pelo que "Desta forma, os proveitos em causa, obtidos em 2002 e 2003, não resultando da atividade normal da impugnante, mas de serviços prestados a um terceiro, devem ser afetos ao setor sujeito ao regime geral."
5. Discorda ainda a Fazenda Pública da Sentença proferida pelo Tribunal a quo quando sustenta que "a aquisição e posterior cedência de quotas leiteiras não faz parte do seu objecto social, pelo que os proveitos que dai resultem não resultantes da atividade alheia aos seus fins cooperativos e como tal têm de ser tributados no regime geral do IRC."
6. Entende a Fazenda Pública que o tribunal a quo "não pode desvalorizar o vertido na prova documental face ao depoimento prestado pelas testemunhas, quando estas contrariam o vertido nos documentos juntos aos autos, no caso concreto os seus registos contabilísticos e o contrato celebrado".
7. Ora, salvo o devido respeito, falece razão à recorrente, ficcionando uma realidade que os autos não consentem, nem tem qualquer fundamento legal ou factual, como demonstraremos.
8. Em suma, em face das alegações da Fazenda Pública, a primeira questão que se coloca é precisamente saber se a sentença a quo enferma de erro no julgamento da matéria de facto, na medida em que aquela nas suas conclusões refere que, em relação aos factos provados e não provados, de acordo com a prova produzida e constante dos autos deveriam ter sido outros os factos dados como provados.

ISTO POSTO,
9. O erro no julgamento da matéria de facto ocorre “(...) quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto."
10. O erro de julgamento de facto ocorre, assim, quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida.

» PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DE PROVA
11. O erro deve ser demonstrado pela Fazenda Pública, enquanto recorrente, através do exercício de um duplo ónus. Isto é, exige-se que delimite o âmbito do recurso indicando claramente os segmentos da decisão que considera padecerem desse erro e por outro, que fundamente as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa.
12. É precisamente esta leitura que o que resulta do artigo 640º, n.º 1 do CPC, sob pena de o Tribunal vir a rejeitar o recurso da matéria de facto.
13. Em face quanto vem de se expender, atendendo a que a Fazenda Pública não especifica criticamente os concretos meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa o recurso não pode deixar de improceder na parte em que impugna a decisão da matéria de facto por manifesta falta de cumprimento do ónus previsto n.º 1, do artigo 640º do CPC.
14. A Fazenda Pública ao não invocar a favor da tese que sustenta, qualquer excerto dos depoimentos [nos exactos termos que lhe era exigível] das testemunhas mas um mera indicação que o "Tribunal a quo não pode valorizar a prova testemunhal, como valorizou, para provar factualidade, quando existe prova documental nos autos com cariz contrário, ou seja, a contabilidade da impugnante, que nos termos do disposto no artigo 75º da LGT se presume verdadeira e de boa-fé, bem como o contrato celebrado com a L. em 1/09/2000 e a ata da Direção" para, assim, sem indicar qualquer testemunha e/ou testemunho afirmar de forma vaga e insustentada que a prova produzida não legitima a decisão recorrida,
15. O que determina tout court a rejeição imediata do recurso quanto à matéria de facto e consequente não conhecimento do mesmo quanto à mesma.
16. Por outras palavras, no caso presente, o Ilustre Representante da Fazenda Pública a apenas afirmar que o "Tribunal a quo não pode valorizar a prova testemunhal, como valorizou, para provar factualidade, quando existe prova documental nos autos com cariz contrário, ou seja, a contabilidade da impugnante" é claramente insuficiente para que se possa dar como cumprido o ónus de impugnação que impendia sobre a mesma.
17. O incumprimento de tal ónus impõe, portanto, a imediata rejeição do recurso na parte atinente à impugnação da matéria de facto.

ADICIONALMENTE,
18. É certo que a lei permite a alteração da decisão sobre a matéria de facto, (nalguns casos mesmo oficiosamente), mas não pode ela basear-se na mera discordância sobre a valoração da prova alegada por uma das partes.
19. Nas alegações de que ora se recorre a Fazenda Pública limita-se a desconsiderar por completo a prova testemunhal produzida por entender que a mesma é contrária à prova documental- contabilidade da ora Alegante - constante nos autos.
20. Não aponta quaisquer outros motivos factuais, que não os factos apurados em sede de inspecção tributária, susceptíveis de imporem decisão diversa quanto aos factos dados como provados e não provados.
21. Acresce que, ao tentar desconsiderar totalmente a prova produzida (testemunhal) alegando - de forma infundada - que a mesma é contraria à contabilidade da impugnante, ora alegante, ainda que de forma vaga e não convincente, a Fazenda Pública ignorou os depoimentos prestados na sua totalidade. e, mais ignorou a imediação e a oralidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas.
22. Sublinhe-se que as testemunhas que determinaram a convicção do julgador foram ouvidas em audiência contraditória, prestaram o seu depoimento de forma esclarecida perante o Tribunal e submeteram-se ao contra-interrogatório da Fazenda Pública, bem como a esclarecimentos feitos por iniciativa do Tribunal a quo nunca tendo sido considerado o respectivo depoimento como contraditório face ao teor da prova documental constante dos autos, da contabilidade da Alegante.
23. Pelo que não pode igualmente ser desprezada, nem ignorada, a convicção do julgador na posição que assumiu relativamente à matéria de facto e à sua veracidade no contexto global da prova produzida, dado que a convicção de quem decide é formada, também, pelo contacto directo com as testemunhas, em face da oralidade e imediação que orientam a tomada de posição sobre a matéria.
24. - Assim, a alegação da Fazenda Pública de que a sentença incorreu em erro de julgamento por entender que a prova testemunhal produzida era contraditória face ao contrato celebrado em 2000 e à contabilidade da impugnante [ora Alegante] devendo por isso ser desconsiderada, limita-se a uma mera importação dos factos apurados em sede de inspecção tributária, desconsiderando por completo os factos demonstrados e comprovados em sede de Audiência Contraditória pretendendo afastar de forma enlevada a sua idoneidade.
25. E como literal e facilmente resulta das alegações da Fazenda Pública, a razão da discordância prende-se com o facto de a matéria dada como provada pelo Tribunal a quo também ter resultado da prova testemunhal produzida em sede de audiência.
26. Ou seja, o Representante da Fazenda Pública, insurge-se quanto aos factos dados como provados pelo Tribunal recorrido não por questionar a credibilidade dos testemunhos prestados mas apenas porque o foram também com base na prova testemunhal. 27. Esquece, contudo, a Fazenda Pública que o Mmo. Juiz perante quem foi produzida a prova testemunhal em escrutínio valorou a mesma de forma a dar como provada que "os serviços prestados a um terceiro, e considerando que a revisão do preço em causa se encontra afiliada aos fins cooperativos da Impugnante e na actividade de industria de leite e derivados, resulta cabalmente o erro de quantificação e na qualificação da matéria colectável" e que "eventuais proveitos resultantes da aquisição e cedência de quotas leiteiras se insere no âmbito dos fins estatutários desenvolvidos pela Impugnante" dando, assim, e em consequência, provimento parcial à impugnação da ora Recorrida.
28. Pelo que, não se compreende como nos presentes autos a Fazenda Pública realça que "o Tribunal a quo não pode valorizar a prova testemunhal, como valorizou, para provar factualidade, quando existe prova documental nos autos com cariz contrário" como factor determinante para a verificação de uma impossibilidade de valoração dos depoimentos nos termos em que foi feita pelo Tribunal a quo olvidando porventura que vigorando o principio da oralidade e da imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
29. Nestes termos resulta claro e inequívoca a falta de coerência das alegações de recurso da Fazenda Pública apenas relevando os factos que sejam benéficos para a tese sufragada com o intuito único de demonstrar - de forma forçada e pouco clara - a existência de um erro de julgamento quanto à matéria de facto.
30. Pois bem, neste contexto e com o propósito de alterar a matéria de facto, caberia à Fazenda Pública apontar concretamente as verdadeiras razões, depoimentos ou documentos carreados para o processo de impugnação, que verdadeiramente impusessem uma decisão diversa daquela que o Tribunal a quo perfilhou, indicando passagens dos depoimentos, ou quaisquer outros factos juridicamente relevantes, que possam determinar a alteração da matéria de facto e não uma mera referência a documentos considerados e valorados pelo Tribunal a quo.
31. Assim, com o devido respeito, que é todo, a argumentação da tese de recurso é frágil e ignora aspectos fundamentais da prova produzida, pelo que não pode colher o sentido da decisão proposta pela Fazenda Pública.

» QUANTO À AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
32.No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorrecta avaliação da prova produzida, cabe ao Tribunal ad quem reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que os elementos probatórios constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) TODA a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
33. Ora, tratando-se de selecionar matéria de facto, nada obsta a que o próprio Tribunal de Recurso (TCAN), com funções nesta área, adquira para o sector da matéria de facto provada aquilo que de pertinente para o enquadramento jurídico decorra dos factos alegados e da documentação apresentada nos autos e que não tenha sido selecionado na fase da condensação - o que claramente não se verifica nos presentes autos.
34. - Quer isto dizer que, in casu, se a situação se reconduzisse, e não entendemos que assim seja, a reapreciar a matéria de facto, concretamente factos que tendo sido oportunamente alegados, não foram objecto de decisão, poderia este Tribunal de recurso usar da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 736º do CPC e fazer constar dos factos provados a alegada pretensão da Fazenda Pública.
35. Porém, como decorre das conclusões da alegação do recurso, não é disso que se trata, pois que, em momento algum, a Fazenda Pública aponta à sentença qualquer erro no julgamento da matéria de facto que importe a reapreciação da mesma.
36. Ou seja, em momento algum, neste recurso, a Fazenda Pública pede que se reaprecie a matéria de facto, por errado julgamento da mesma, quer por terem sido dados como provados factos que o não estão, quer por não terem sido incluídos nos factos provados factos que estão demonstrados ou mesmo por terem sido retiradas incorrectas conclusões de toda a matéria de facto provada.
37. A Fazenda Publica desconsidera pura e simplesmente os factos que foram objecto de apreciação e análise critica pelo Tribunal a quo pretendendo que APENAS sejam dados como provados as interpretações conclusivas dos documentos constantes nos autos assacando, assim, de forma ostensiva um pseudo erro de julgamento de facto e de direito ao Tribunal a quo que não tem qualquer fundamento legal.

NESTE ENQUADRAMENTO
38. Em rigor, confrontando a motivação da decisão, percebe-se que a Alegante logrou comprovar de forma clara e inequívoca que quer os serviços de transporte prestados pela Alegante à L. quer os resultados da compra e posterior cedência de quotas leiteiras se inserem no âmbito dos seus fins estatutários.

PELO QUE,
39. é convicção do Alegante que a decisão proferida pelo Tribunal a quo se revela justa e adequada, na medida em que julga impugnação parcialmente procedente e em consequência se pronuncia pela anulação parcial das liquidações.
40. Pelo que é convicção do Alegante que a decisão proferida pelo Tribunal a quo se revela justa e adequada, na medida em que julga impugnação parcialmente procedente e em consequência se pronuncia pela anulação parcial das liquidações.
41. Em face do que fica dito, a decisão em Recurso não merece qualquer reparo, devendo manter-se na Ordem Jurídica.

Termina a segunda Recorrente pedindo que seja confirmada a sentença recorrida.

Por sua vez a segunda Apelante apresentou recurso independente contra a sentença proferida nestes autos, concluindo que:
A) Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida no processo n.º
1525/08.5BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, U.O. 4, que julgou parcialmente improcedente o pedido formulado pelo sujeito passivo, que aí pugnava pela anulação dos actos de liquidação adicional em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativos aos períodos de tributação de 2002 e 2003
B) De acordo com a fundamentação que se extrai da decisão proferida pelo Tribunal a quo, a improcedência parcial da impugnação encontra-se ancorada na circunstância de a Impugnante não ter logrado, por um lado, provar que a operação de alienação onerosa de existência e activos do imobilizado corpóreo em apreço se inseriu nalgum fim estatutário de forma a poder beneficiar da exclusão de incidência tributária de que beneficiam as cooperativas nos termos do EFC e por outro lado, comprovar que as correcções à matéria colectável realizadas pela AT constituem o valor de realização das referidas operações sendo-lhes assim aplicável o regime de apuramento de mais-valias e reinvestimento das mais valias apuradas previstos nos artigos 43º e 45º do Código do IRC.
C) O Tribunal a quo ao deixar-se conduzir pela teia ardilosamente urdida pela inspecção tributária, entrou em contradição, dando como assente matéria para a qual não foi produzida qualquer prova em sede de Audiência Contraditória.
D) O princípio da “livre apreciação da prova” não permite a mera arbitrariedade. Funda-se em factores variados, como sejam: a lógica, a experiência, a contradição, a imprecisão, a indefinição, a independência, a razão de ciência, cujos significados nos dispensamos de explanar, face à evidência que dos vocábulos transparece.
E) As conclusões extraídas do exame e leitura do RIT, não são confirmadas por qualquer outro elemento de prova e a forma como o relatório de conclusões de acção inspectiva se encontra redigido e elaborado não permite que dele se retire com a segurança necessária que os proveitos com a alienação das existências e bens do imobilizado não têm conexão directa com o fim estatutário da ora recorrente.
F) Após análise e ponderação da prova testemunhal e documental (cfr. registos das gravações áudio em uso no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto), dúvidas não subsistem de que é possível concluir que os proveitos da alienação de existências e bens imobilizados sub judice constituem resultado proveniente de operação com terceiro [que assume um papel meramente instrumental] conexo com os fins cooperativos da Recorrente, requerendo-se a reapreciação da prova gravada e da prova documental (art. 640º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do CPC ex vie art. 2º, al. e) do CPPT -
cfr. Acta: Os depoimentos encontram-se gravados em CD, em formato Digital).
G) Em resultado da análise da prova documental e testemunhal não poderá deixar de considerar como provado que o sujeito passivo demonstrou e provou na medida em que lhe era exigido que os referidos proveitos não são alheios aos seus fins estatutários.
H) Aliás, tal factualidade resulta inequívoca dos documentos constantes na contabilidade da Recorrente e cujo teor [natureza proveitos e montantes] a AT em momento algum questionou e impugnou.
I) Cotejando a prova documental com os depoimentos prestados em sede de Audiência Contraditória resulta a demonstração inequívoca que o proveito da alienação das existências e dos bens do imobilizado beneficiam da exclusão da tributação prevista no EFC. O que que evidencia o erro em que incorreu o Tribunal a quo ao ignorar os factos que cabalmente demonstravam a natureza das operações e ao não relevar tout court o depoimento quanto a esta matéria da testemunha arrolada pela Recorrente – A. – que no entender do próprio Tribunal a quo prestou um depoimento “com isenção e distanciamento”.
SEM PRESCINDIR
J) O tribunal a quo vem ainda entender que as liquidações não padecem de qualquer ilegalidade porquanto as mesmas não violam o disposto nos artigos 43º e 45º do Código do IRC.
K) E isto porque “compulsada a alegação contida no artigo 189º a Impugnante invoca que alienou bens do activo imobilizado no valor de 90.490,68€ ao passo que no artigo 194º sustenta a ilegalidade da correcção por não ter sido sujeito a imposto o valor total das mais-valias realizadas no valor de 90.490,68€” (...) pelo que “Não é revelado ainda como já visto se o valor indicado pela impugnante se reporta ao valor de aquisição ou ao valor da mais-valias.”
L) Ora, tal conclusão do Tribunal a quo mostra-se de todo incompreensível e isto porque, se por um lado dos factos dados como provados resulta de forma inequívoca que o que esta em causa é o valor de venda, o valor de realização – tal facto em momento algum é sequer colocado em causa pela AT –,
M) Não pode o Tribunal a quo, por outro lado, escudando-se num mero lapso de escrita da Recorrente alegar a existência de uma confusão omitindo, com base desta, um dever de pronuncia quanto à questão controvertida, de fundo, que lhe é colocada.
N) Ou seja, é claro e facilmente perceptível que o valor indicado pela ora recorrente – 90.490,68€ - constitui o valor de realização como aliás decorre do ponto 12 dos factos dados como assentes.
O) Considerando que estamos perante o valor de realização é claro e evidente que estando apenas sujeito a tributação o saldo positivo entre as mais e menos valias realizadas num determinado exercício apenas este será considerado para efeitos de determinação do lucro tributável.
P) Acresce que, considerando que nos termos do artigo 45º do Código do IRC (em vigor à data) em caso de reinvestimento apenas será considerada 50% da mais-valia para efeitos de apuramento do lucro tributável.
Q) Nesta medida também por esta razão a sentença de que ora se recorre padece de erro de julgamento pois fez um errado enquadramento da situação factual – que curiosamente deu como provada – e, consequentemente, um errado enquadramento jurídico dos factos por violação dos artigos 43º a 45º do Código do IRC.
R) Neste contexto, deverá reconhecer-se que a sentença a quo também in casu procedeu a uma incorrecta aplicação do direito à factualidade apurada.
FACE AO EXPOSTO
S) Incorrendo em erro de julgamento, impõe-se a sua revogação por via da procedência da presente impetrância de recurso, dando-se como não provados as conclusões vertidas nos factos constantes nas alíneas C) e D) dos pontos 11 e 12 nos termos expostos supra da matéria assente.
T) Concluindo-se pela cabal demonstrabilidade dos factos alegados nos artigos 156º a 166º e 189º, 190º, 193º a 196º da PI.
U) Ao contrário de quanto é referido pelo Tribunal a quo a AT não procurou recolher elementos necessários à obtenção da verdade material junto do contribuinte, conforme se refere, apenas baseando a sua fundamentação nos indícios recolhidos no âmbito do processo de inspectivo, e recolhidos de declarações com terceiros, desacompanhadas de outras diligências que as pudessem confirmar.
V) Ao contrário de quanto é referido pelo Tribunal a quo, a AT, no exercício da sua actividade de controlo, não recolheu indícios, que à luz das normas de experiência e da normalidade do acontecer, permitam sustentar que a AT cumpriu o ónus da prova quer sobre si impende, enquanto pressupostos que legitimam as correcções à matéria tributável.
W) A sentença a quo procedeu a uma incorrecta aplicação do direito à factualidade apurada, violando o disposto no artigo 99º do CPPT e no artigo 13º do EFC,
X) e caso assim não se entenda sempre estará em causa a violação dos artigos 43º e 45º ambos do Código do IRC.
Termina a segunda Recorrente peticionando que seja revogada a sentença recorrida.
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O distinto Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal elaborou parecer no sentido da procedência parcial do recurso movido pela RFP e de improcedência do recurso movido pela A. União das Cooperativas (segunda Recorrente) – cf. fls. 416 e segs. dos autos – paginação do SITAF.
*
Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
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II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância:
1. A Impugnante é uma cooperativa agrícola que se rege pelos estatutos publicados no Diário da República, III série, n.º…, de 10/01/…, e sucessivas alterações, no qual se extrai com relevância o seguinte:
“Artigo 4.º
A União tem por fim defender os interesses comuns das cooperativas agrupadas, desenvolver o espírito de cooperação e solidariedade das mesmas e, no sector leiteiro, exercer uma acção supletiva e ou complementar das actividades técnicas e económicas daquelas.
Propõe-se, nomeadamente:
a) organizar, executar, disciplinar e administrar os serviços do primeiro escalão do ciclo económico do leite nas áreas sociais das cooperativas agrupadas e nas restantes em que, legal e ou contratualmente, tais funções lhe competirem;
b) instalar e administrar centros de concentração e centros de tratamento de leite;
c) promover e realizar o abastecimento de leite e produtos lácteos à cidade do Porto, e restantes centros de consumo situados na sua área social, podendo o destes últimos ser executado pelas cooperativas agrupadas, dentro das respectivas circunscrições, quando isso for resolvido em assembleia geral;
d) promover e realizar a venda dos mesmos produtos em todo o restante território nacional ou no estrangeiro;
e) instalar, manter e explorar oficinas tecnológicas, laboratórios, armazéns e outros estabelecimentos para preparação, tratamento, transformação, acondicionamento, selecção, classificação e venda de leite e lacticínios, e ainda oficinas para montagem ou reparação das instalações, dos veículos, dos maquinismos e do restante material da União;
f) Auxiliar as cooperativas agrupadas a vulgarizar entre os produtores de leite as práticas de melhoramento de animais, sua selecção, métodos de alimentação racional e técnicas de maneio e alojamento;
g) Promover a utilização dos meios aconselháveis para aumentar e melhorar a produção do leite e providenciar no sentido da sua melhor valorização e aproveitamento;
h) Estudar as questões económicas relativas ao leite, desde a produção ao consumo;
i) Ajudar a resolver todos os assuntos de interesse comum das cooperativas agrupadas e auxiliar estas financeiramente, através da reserva comum, segundo as possibilidades desta;
j) Coordenar a nível regional as acções das cooperativas agrupadas, relativamente às entidades públicas, instituições de crédito, previdência, laborais, de seguro e instituições análogas;
l) Arbitrar, de acordo com os princípios cooperativos, os conflitos que surjam entre as cooperativas agrupadas;
m) Representar os interesses comuns das cooperativas agrupadas em juízo e fora dele.
§ único. Para a realização dos seus fins pode a União:
1 – Celebrar com quaisquer entidades os contratos julgados necessários, relacionados com a sua actividade, incluindo os respeitantes à contratação de empréstimos.
2 – Adquirir, construir, apropriar ou arrendar terrenos, edifícios, ou outras dependências necessárias, para sede, delegações, instalações de recepção, concentração, tratamento e industrialização de leite, oficinas, armazéns e outros fins”.
- Cfr. Doc. n.º 1 da PI, constante a fls. 31 a 36 do processo físico.
2. Em 27/12/1996, foi celebrado um contrato mediante o qual a A. UCRL, a L. UCRL e a P. CRL obrigaram-se a entregar à L., a título de venda, todo o leite em
natureza que recolhem dos produtores seus associados e esta obrigou-se a comprar àquelas, pelo mesmo preço, todo o leite em natureza que recebem dos referidos produtores associados - Cfr. Facto admitido por acordo; pg. 15 do Relatório de inspecção constante do processo inspectivo.
3. Nos termos da cláusula 10.º, n.º 4 do contrato referido no ponto anterior, o preço era fixado à porta da fábrica, sendo da responsabilidade da vendedora o seu transporte, mais se tendo acordado um acréscimo de valor entre as partes para compensar o transporte de leite para fábrica situada fora da área social da empresa vendedora - Cfr. Facto admitido por acordo; pg. 15 do relatório de inspecção constante do processo inspectivo.
4. Até ao ano de 2000, a Impugnante recolhia através do núcleo de …. o leite dos seus cooperantes nos Concelhos de …., …, …, …, …, e …. e descarregava-o nos tanques da fábrica da "L." instalada em …, para posterior tratamento e comercialização - prova testemunhal.
5. Até ao ano de 2000, a Impugnante recolhia o leite dos cooperantes com sede ou domicílio nos concelhos de ….., …., …., …, …, …, …., …, …., …., …., …, …, … em …. e algumas freguesias do concelho de … e descarregava-o nos tanques da fábrica da "L." instalada em …, para posterior tratamento e comercialização - prova testemunhal.
6. Em 2000, a "L." encerrou as fábricas sitas em … e de …. e decidiu transportar o leite recolhido nas áreas afectas aos núcleos de … e… para as suas unidades industriais sitas, respectivamente, em …., …. e … - prova testemunhal.
7. Nessa sequência, por escrito datado de 01/09/2000, em que foram intervenientes, como primeiro outorgante, a Impugnante e como 2.º outorgante a L. , S.A., foi celebrado um contrato, no qual consta, com relevo, as seguintes cláusulas cujo teor se transcrevem:
“1.ª
A primeira outorgante desenvolve as suas actividades sociais na área da produção, recolha e comercialização de leite junto dos seus associados.
2.ª
A segunda outorgante dedica-se à indústria e comercialização de leite.
3.ª
A primeira outorgante procede à recolha do leite produzido pelos seus associados em localidades dos concelhos de …, …..,…., …., …., ….. e …, sob orientação e responsabilidade do seu núcleo sito em …...
4.ª
Procede igualmente à recolha do leite produzido pelos seus associados em localidades nos concelhos de L, A, CB, MC, F, R, P, P, PF, VR, F, V, G (freguesia de C), e algumas freguesias do concelho de ST, sob orientação e responsabilidade do seu núcleo de L.
5.ª
A segunda outorgante decidiu:
a) cessar a actividade das suas unidades industriais de C e L e o transporte de todo o leite depositado nessas concentrações para as suas unidades industriais sitas, respectivamente, em MC, OA e LB;
b) Acordar com a primeira outorgante, em regime de exclusividade, o transporte do leite que era destinado às unidades encerradas (C e L) para as unidades industriais de destino, MC, OA e LB;
6.ª
Tendo em vista o referido na cláusula anterior a primeira outorgante compromete-se a:
a) transportar o leite recolhido na área afecta ao núcleo de C directamente para as instalações industriais de segunda outorgante sita em MC;
b) transportar o leite recolhido na área afecta ao núcleo de L para as instalações industriais da segunda outorgante sitas em OA ou LB;
c) transportar, quando solicitado, leite entre as unidades industriais da segunda outorgante sitas em VC, LB, MC, T e OA.
7.ª
A segunda outorgante, por seu lado, obriga-se a:
a) pagar a quantia de 2$00 (dois escudos) por litro de leite transportado como contrapartida do estipulado na alínea a) da cláusula anterior;
b) pagar a quantia de 1$50 (um escudo e cinquenta centavos) por litro de leite transportado como contrapartida do estipulado na alínea b) da cláusula anterior;
c) pagar a quantia de 160$00 (cento e sessenta escudos) por KM percorrido como contrapartida do estipulado na alínea c) da cláusula anterior, independentemente da taxa de ocupação da cisterna, cabendo a esta a responsabilidade pela gestão da ocupação das cargas.
(…)
9.ª
O presente contrato é valido por um período de três anos, com início no dia 1 de Novembro do corrente ano, considerando-se prorrogado por períodos de um ano, se não for denunciado, pelas partes por carta registada com a antecedência mínima de 90 dias relativamente ao termo do prazo em curso.
10.ª
1 – O valor do transporte não será integrado na factura do leite transportado sendo facturado em separado e pagos nas condições em vigor para o fornecimento de leite.
2 – Ambas as partes acordam em que o preço do transporte do leite seja actualizado no mês de Janeiro de cada ano, conforme o último índice de inflação anual publicado até à data do Instituto Nacional de Estatística”.
- Cfr. Fls. 98 a 101 do processo de reclamação graciosa; prova testemunhal.
8. Em consequência da colocação do leite à disposição da "L." nas novas instalações por ela indicadas, a Impugnante incorreu em custos acrescidos relacionados com mão-de-obra, transporte, horas extraordinárias com motoristas, combustível dos veículos que procedem ao transporte e manutenção dos mesmos - prova testemunhal.
9. Na sequência das ordens de Serviço n.ºs OI 200500506, de 31/10/2005 e 200500507, de 31/10/2005, a Impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva externa de âmbito geral, referente aos exercícios de 2002 e 2003 - Cfr. Pg. 5 do Relatório de inspecção junto ao processo de inspecção tributária.
10. Em 27/10/2006, na sequência da acção inspectiva tributária, foi a Impugnante notificada para, querendo, pronunciar-se sobre o teor do projecto de relatório de inspecção, não tendo exercido o direito de audiência prévia - Cfr. Pg. 41 do Relatório de acção inspectiva junto ao processo de inspecção tributária.
11. Em 09/11/2006, foi elaborado relatório final de inspecção, nos termos do qual se determinou a correcção da matéria colectável, em sede de IRC, relativa aos exercícios de 2002 e 2003, por correcções aritméticas, nos seguintes montantes, conforme consta no relatório de inspecção que se passará a transcrever:
“Exercício de 2002
3.1.1 IRC
3.1.1.1 – Proveitos incorrectamente afectos ao regime de isenção de IRC
A-) Contrato de transporte com a L.
Propõe-se o acréscimo ao lucro tributável do exercício de 2002, do montante de 27.876,24€, ao abrigo do n.º 3 do art.º 7.º e do n.º 1 do 13.º do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), em virtude de se referir a serviços de transporte prestados à L., conduzindo a resultados provenientes de operações com terceiros e alheias aos fins cooperativos.
(…)
C) Cedência de quotas leiteiras
Propõe-se o acréscimo ao lucro tributável do exercício de 2002, do montante de 19.649,93€, ao abrigo do n.º 3 do art. 7.º e do n.º 1 do 13.º do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), em virtude de se referir a resultados de compra e posterior cedência de quotas leiteiras, conduzindo a resultados provenientes de operações alheias aos fins cooperativos.
(…)
Exercício de 2003
3.1.1 IRC
3.1.1.1 – Proveitos incorrectamente afectos ao regime de isenção de IRC
A-) Contrato de transporte com a L.
Propõe-se o acréscimo ao lucro tributável do exercício de 2003, do montante de 29.690,28€, ao abrigo do n.º 3 do art.º 7.º e do n.º 1 do 13.º do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), em virtude de se referir a serviços de transporte prestados à L., conduzindo a resultados provenientes de operações com terceiros e alheias aos fins cooperativos.
(…)
C) Alienação de existências e de imobilizado à A.
Propõe-se o acréscimo ao lucro tributável do exercício de 2003, do montante de 86.301,77€, ao abrigo do n.º 3 do art.º 7.º e do n.º 1 do 13.º do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), em virtude de se referir a alienação de existências e de imobilizado à A. Comercial, conduzindo a resultados provenientes de operações com terceiros e alheias aos fins cooperativos.
D) Alienação de bens não imobilizados
Propõe-se o acréscimo ao lucro tributável do exercício de 2003, do montante de 4.188,91€, ao abrigo do n.º 3 do art.º 7.º e do n.º 1 do 13.º do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), em virtude de se referir a alienação de bens não imobilizados, conduzindo a resultados provenientes de operações alheias aos fins cooperativos”.
12. Consta do relatório final elaborado pelos serviços de inspecção tributária, o qual se tem reproduzido para todos os legais efeitos e do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:
“III - 1 - Exercício de 2002 III - 1.1 - IRC III - 1.1.1 - Proveitos indevidamente afectos ao regime de isenção de IRC A-) Contrato de transporte com a L. Na sequência de contrato celebrado em 6/7/95, as sociedades A. UCRL, L. UCRL e P. CRL, iniciaram o processo de concentração e unificação das suas actividades e estruturas de transformação industrial e de distribuição e comercialização na L., o qual foi concretizado a partir de 1/1/1996, no caso das actividades de distribuição e comercialização e a partir de 1/1/97, no caso das actividades industriais, passando a L. a desenvolver as mesmas actividades anteriormente detidas por aquelas sociedades. Em 27/12/96, as mesmas sociedades celebraram um contrato mediante o qual a A. UCRL, a L. UCRL e a P. CRL se obrigaram a entregar a L., a título de venda, todo o leite em natureza que recolhem dos produtores seus associados e esta se obrigou a comprar aquelas, pelo mesmo preço, todo o leite em natureza que recebem dos referidos produtores associados. Nos termos do n° 4 da cláusula 10.ª do mesmo contrato, o preço foi fixado a porta da fábrica, sendo de conta da vendedora o seu transporte, devendo porém ser pago um acréscimo de valor a acordar entre as partes para compensar o transporte de leite para fábrica situada fora da área social da empresa vendedora. Em 1/9/2000, a A. UCRL e a L. celebraram um contrato de transporte, em regime de exclusividade, na sequência da decisão da L. de encerrar as suas unidades industriais de C.. e L.. de proceder ao transporte de todo o leite depositado nessas concentrações para as suas unidades industriais sitas em MC, OA e LB, mediante o qual a A. passou a proceder ao transporte do leite que era destinado as unidades encerradas para as referidas unidades industriais da L., ao abrigo do previsto nas alíneas a-) e b-) da clausula 5.ª do referido contrato. (…) As alíneas a-) e b-) do contrato de 1/9/2000 referido respeitam a Transferências de Leite entre Unidades L., motivadas pelo encerramento das unidades de C… e L…, isto é referem-se a transporte adicional (em relação aquele a que a A. estava obrigada) na recolha de leite em resultado de decisões da L.. Os proveitos resultantes deste serviço de transporte prestado a L., cujo cálculo se encontra fundamentado, quer nos documentos de lançamento, quer em documentação adicional, foram afectos como proveitos, em 2002, ao sector isento de IRC. A alínea c-) do contrato de 1/9/2000 respeita a Transporte de Leite pela A. UCRL a solicitação da L., entre as unidades industriais desta sociedade, isto é, refere-se a transporte de leite já recolhido, entre unidades industriais da L., por decisão desta. Os proveitos resultantes deste serviço de transporte prestado a L., cujo cálculo se encontra fundamentado, quer nas facturas, quer em documentação adicional, foram afectos como proveitos, em 2002, ao sector sujeito a IRC. Refira-se que os serviços de transporte previstos nas alíneas a-), b-) e c-) do contrato de 1/9/2000 nada tiveram a ver com a compensação prevista no nº 4 da cláusula 10.ª do contrato de 27/12/96, uma vez que não se referem, nem tal foi invocado no contrato de 1/9/2000, a transporte de leite para fábrica situada fora da área social da A.. A discriminação do serviço de transporte de leite prestado pela A. UCRL a L., ao abrigo do referido contrato, em 2002, e a seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Conforme quadro supra, a A. afectou ao Sector Isento de IRC, no exercício de 2002, o valor de 282.384,88 €, e ao Sector Sujeito ao Regime Geral o valor de 606.187,28 €. O registo na conta 7251 - Transportes de Comercialização encontra-se suportado por facturas, com IVA à taxa normal, mencionando no respectivo histórico o transporte de leite efectuado pela A. entre as unidades industriais da L.. Como já se referiu, os proveitos registados pela A. em consequência do serviço de transporte motivado pelo encerramento das unidades de C…. e L…, ao abrigo das alíneas a-) e b-) do contrato de 119/2000, foram afectos em 2002, ao sector isento de IRC. Não concordamos com a afectação, pelo sujeito passivo, ao sector isento de IRC dos proveitos relativos a serviço de transporte, pelos motivos que se passam a explanar. Da conjugação do n° 3 do art° 7° e do n° 1 do art°13° do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), conclui-se que as cooperativas agrícolas estão isentas de IRC, com excepção dos resultados provenientes de operações com terceiros, de actividades alheias aos fins cooperativos e dos abrangidos pela tributação pelo lucro consolidado. Desta forma, as cooperativas agrícolas estão isentas de IRC no que toca aos proveitos que resultem da actividade que constitui o objecto social da cooperativa - a indústria de leite e derivados - ou de operações realizadas com os cooperantes. Já o mesmo não sucede, em face daquela norma legal, com outros proveitos resultantes de actividades alheias aos fins cooperativos ou decorrentes de operações com terceiros, como é o caso dos serviços de transporte prestados a L.. Com efeito, a prestação a um terceiro, não cooperante, - a L. - de serviços de transporte, como tal reconhecidos, quer contratualmente, quer em acta da Direcção da A., não pode ser considerada como integrante da indústria de leite e derivados que constitui a actividade da cooperativa; caso tais serviços se integrassem na actividade da cooperativa não se justificaria a celebração de um contrato regulando, de forma específica, os serviços de transporte efectuados a um terceiro, nomeadamente o preço, mas assistir-se-ia, ao correspondente reflexo no preço do produto. Desta forma, os proveitos em causa, não resultando da actividade normal da A., mas de serviços prestados a um terceiro, devem ser afectos ao sector sujeito ao regime geral. E de salientar que, em 2004, foi constituída a sociedade P., SA, detida maioritariamente pela A. SGPS, sociedade sujeita ao regime geral de IRC, tendo como objecto social o transporte rodoviário de mercadorias, a qual passou a executar os serviços de transporte objecto do contrato em questão, o que veio confirmar a natureza dos serviços prestados pela A. UCRL a L., como serviços de transporte. Em síntese, consideramos provada a existência de resultados, por um lado, associados a uma actividade – serviços de transporte - alheia aos fins cooperativos e, por outro, provenientes de operações com terceiros, situações que constituem excepções à isenção de IRC prevista no EFC, em razão dos seguintes elementos referidos:
· Existência de um contrato de transporte celebrado entre a A. UCRL e a L..
· Ratificação do contrato em causa pela Direcção da A. UCRL, expressa em acta de Direcção num ponto designado "transporte de leite com a L.".
· Registo numa conta de prestação de serviços, 7251 - Transportes de Comercialização.
· Facturação com IVA à taxa normal, mencionando no respectivo histórico o transporte de leite.
· Criação em 2004, no universo do grupo económico "A.", de uma empresa - P. vocacionada para o transporte de mercadorias e que passou a executar os serviços de transporte anteriormente efectuados pela A. UCRL.
No que respeita ao cálculo dos resultados a afectar ao sector sujeito ao regime geral de IRC, é necessário considerar os respectivos custos associados ao transporte de leite, que respeitaram a custos com viaturas e motoristas, cujos cálculos mensais se juntam no Anexo 1.
(…)
Em face do exposto, propõe-se o acréscimo ao lucro tributável do exercício de 2002, do montante de 27.876,24 €, ao abrigo do nº 3 do art° 7° e do n° 1 do 13° do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), em virtude de se referir a serviços de transporte prestados à L., conduzindo a resultados provenientes de operações com terceiros e alheias aos fins cooperativos.
(…)
C-) Cedência de Quotas Leiteiras
A A. afectou ao Sector Isento de IRC, no exercício de 2002, o valor de 451.509,58 €, registado na conta 7111122 - Outras Mercadorias, relativo a cedência a associados de quotas leiteiras. Foi igualmente afecto ao Sector Isento de IRC, no mesmo exercício, o valor de 408.569,55 € registado na conta 31201 - Compra de Mercadorias - Mercado Interno, respeitante a aquisição das quotas leiteiras com vista à sua cedência a associados.
Desta forma, o Resultado Líquido da A., relativo a 2002, foi positivamente influenciado pelo montante de 42.940,03 €, em resultado da compra e posterior cedência de quotas leiteiras, o qual não contribuiu para o cálculo do imposto a pagar pela cooperativa, uma vez que foi integralmente imputado ao Sector Isento de IRC.
Não concordamos com a afectação, pelo sujeito passivo, ao sector isento de IRC dos resultados relativos a Compra e Cedência de Quotas Leiteiras, pelos motivos que se passam a explanar.
Da conjugação do n.º 3 do art° 7° e do nº 1 do 13º do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), conclui-se que as cooperativas agrícolas estão isentas de IRC, com excepção dos resultados provenientes de operações com terceiros, de actividades alheias aos fins cooperativos e dos abrangidos pela tributação pelo lucro consolidado.
Desta forma, as cooperativas agrícolas estão isentas de IRC no que toca aos proveitos que resultem da actividade que constitui o objecto social da cooperativa, a indústria de leite e derivados ou de operações realizadas com os cooperantes. Já o mesmo não sucede, em face daquela norma legal, com outros proveitos resultantes de actividades alheias aos fins cooperativos, como é o caso da aquisição e posterior cedência a associados de quotas leiteiras.
Com efeito, a compra e venda de quotas leiteiras não pode ser considerada como integrante da indústria de leite e derivados que constitui a actividade da cooperativa.
Desta forma, os resultados em causa, não resultando da actividade normal da A., devem ser afectos ao sector sujeito ao regime geral.
(…)
Desta forma o resultado a afectar ao sector sujeito a IRC ascende a 19.649,93 € (42.940,03 € - 23.290,10 €).
Em face do exposto, propõe-se o acréscimo ao lucro tributável do exercício de 2002, do montante de 19.649,93 €, ao abrigo do nº 3 do art° 7° e do n.º 1 do 13° do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), em virtude de se referir a resultados da compra e posterior cedência de quotas leiteiras, conduzindo a resultados provenientes de operações alheias aos fins cooperativos.
(…)
III - 2 - Exercício de 2003
III - 2.1 - IRC
III - 2.1.1 - Proveitos indevidamente afectos ao regime de isenção de IRC
A-) Contrato de Transporte com a L.
Na sequência de contrato celebrado em 6/7/95, as sociedades A. UCRL, L. UCRL e P. CRL, iniciaram o processo de concentração e unificação das suas actividades e estruturas de transformação industrial e de distribuição e comercialização na L., o qual foi concretizado a partir de 1/1/196, no caso das actividades de distribuição e comercialização e a partir de 1/1/97, no caso das actividades industriais, passando a L. a desenvolver as mesmas actividades anteriormente detidas por aquelas sociedades. Em 27/12/96, as mesmas sociedades celebraram um contrato mediante o qual a A. UCRL, a L. UCRL e a P. CRL se obrigaram a entregar a L., a título de venda, todo o leite em natureza que recolhem dos produtores seus associados e esta se obrigou a comprar aquelas, pelo mesmo preço, todo o leite em natureza que recebem dos referidos produtores associados. Nos termos do n° 4 da cláusula 10.ª do mesmo contrato, o preço foi fixado a porta da fábrica, sendo de conta da vendedora o seu transporte, devendo porém ser pago um acréscimo de valor a acordar entre as partes para compensar o transporte de leite para fábrica situada fora da área social da empresa vendedora. Por contrato datado de 1/9/2000, a A. UCRL e a L. celebraram um contrato de transporte, em regime de exclusividade, na sequência da decisão da L. de encerrar as suas unidades industriais de C… e L…. e de proceder ao transporte de todo o leite depositado nessas concentrações para as suas unidades industriais sitas em MC, OA e LB, mediante o qual a A. passou a proceder ao transporte do leite que era destinado as unidades encerradas para as referidas unidades industriais da L., ao abrigo do previsto nas alíneas a-) e b-) da clausula 5.ª do referido contrato. (…) As alíneas a-) e b-) do contrato de 1/9/2000 referido, respeitam a Transferências de Leite entre Unidades L., motivadas pelo encerramento das unidades de C… e L….., isto é referem-se a transporte adicional (em relação aquele a que a A. estava obrigada) na recolha de leite em resultado de decisões da L.. Os proveitos resultantes deste serviço de transporte prestado a L., cujo cálculo se encontra fundamentado, quer nos documentos de lançamento, quer em documentação adicional, foram afectos como proveitos, em 2002, ao sector isento de IRC. A alínea c-) do contrato de 1/9/2000 respeita a Transporte de Leite pela A. UCRL a solicitação da L., entre as unidades industriais desta sociedade, isto é, refere-se a transporte de leite já recolhido, entre unidades industriais da L., por decisão desta. Os proveitos resultantes deste serviço de transporte prestado a L., cujo cálculo se encontra fundamentado, quer nas facturas, quer em documentação adicional, foram afectos como proveitos, em 2002, ao sector sujeito a IRC. Refira-se que os serviços de transporte previstos nas alíneas a-), b-) e c-) do contrato de 1/9/2000 nada tiveram a ver com a compensação prevista no nº 4 da cláusula 10.ª do contrato de 27/12/96, uma vez que não se referem, nem tal foi invocado no contrato de 1/9/2000, a transporte de leite para fábrica situada fora da área social da A.. A discriminação do serviço de transporte de leite prestado pela A. UCRL a L., ao abrigo do referido contrato, em 2003, e a seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Conforme quadro supra, a A. afectou ao Sector Isento de IRC, no exercício de 2003, o valor de 264.148,51 €, e ao Sector Sujeito ao Regime Geral o valor de 791.977,42 €. O registo na conta 7251 - Transportes de Comercialização encontra-se suportado por facturas, com IVA à taxa normal, mencionando no respectivo histórico o transporte de leite efectuado pela A. entre as unidades industriais da L.. Como já se referiu, os proveitos registados pela A. em consequência do serviço de transporte motivado pelo encerramento das unidades de C… e L…., ao abrigo das alíneas a-) e b-) do contrato de 119/2000, foram afectos em 2002, ao sector isento de IRC. Não concordamos com a afectação, pelo sujeito passivo, ao sector isento de IRC dos proveitos relativos a serviço de transporte, pelos motivos que se passam a explanar.
Da conjugação do n° 3 do art° 7° e do n° 1 do art°13° do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), conclui-se que as cooperativas agrícolas estão isentas de IRC, com excepção dos resultados provenientes de operações com terceiros, de actividades alheias aos fins cooperativos e dos abrangidos pela tributação pelo lucro consolidado.
Desta forma, as cooperativas agrícolas estão isentas de IRC no que toca aos proveitos que resultem da actividade que constitui o objecto social da cooperativa - a indústria de leite e derivados - ou de operações realizadas com os cooperantes. Já o mesmo não sucede, em face daquela norma legal, com outros proveitos resultantes de actividades alheias aos fins cooperativos ou decorrentes de operações com terceiros, como é o caso dos serviços de transporte prestados a L..
Com efeito, a prestação a um terceiro, não cooperante, - a L. - de serviços de transporte, como tal reconhecidos, quer contratualmente, quer em acta da Direcção da A., não pode ser considerada como integrante da indústria de leite e derivados que constitui a actividade da cooperativa; caso tais serviços se integrassem na actividade da cooperativa não se justificaria a celebração de um contrato regulando, de forma específica, os serviços de transporte efectuados a um terceiro, nomeadamente o preço, mas assistir-se-ia, ao correspondente reflexo no preço do produto. Desta forma, os proveitos em causa, não resultando da actividade normal da A., mas de serviços prestados a um terceiro, devem ser afectos ao sector sujeito ao regime geral.
É de salientar que, em 2004, foi constituída a sociedade P., SA, detida maioritariamente pela A. SGPS, sociedade sujeita ao regime geral de IRC, tendo como objecto social o transporte rodoviário de mercadorias, a qual passou a executar os serviços de transporte objecto do contrato em questão, o que veio confirmar a natureza dos serviços prestados pela A. UCRL a L., como serviços de transporte.
Em síntese, consideramos provada a existência de resultados, por um lado, associados a uma actividade - serviços de transporte - alheia aos fins cooperativos e, por outro, provenientes de operações com terceiros, situações que constituem excepções à isenção de IRC prevista no EFC, em razão dos seguintes elementos referidos:
· Existência de um contrato de transporte celebrado entre a A. UCRL e a L..
· Ratificação do contrato em causa pela Direcção da A. UCRL, expressa em acta de Direcção num ponto designado "transporte de leite com a L.".
· Registo numa conta de prestação de serviços, 7251 - Transportes de Comercialização.
· Facturação com IVA à taxa normal, mencionando no respectivo histórico o transporte de leite.
· Criação em 2004, no universo do grupo económico "A.", de uma empresa - P. - vocacionada para o transporte de mercadorias e que passou a executar os serviços de transporte anteriormente efectuados pela A. UCRL.

No que respeita ao cálculo dos resultados a afectar ao sector sujeito ao regime geral de IRC, é necessário considerar os respectivos custos associados ao transporte de leite, que respeitaram a custos com viaturas e motoristas, cujos cálculos mensais se juntam no Anexo 1.
(…)
Em face do exposto, propõe-se o acréscimo ao lucro tributável do exercício de 2003, do montante de 29.690,28 €, ao abrigo do nº 3 do artº 7º e do nº 1 do 13º do Estatuto Fiscal Cooperativo CEFC), em virtude de se referir a serviços de transporte prestados a L., conduzindo a resultados provenientes de operações com terceiros e alheias aos fins cooperativos.
(…)
C-) Alienação de Existências e de Imobilizado a A. Comercial
Por escritura pública de constituição de sociedade lavrada no Cartório Notarial do Centro de Formalidades das Empresas de…., datada de 23/4/2002, foi constituída a sociedade A. Lda., que passaremos a designar abreviadamente por A. Comercial, com o capital social integralmente detido pela A. - SGPS, Unipessoal, Lda, que passaremos a designar abreviadamente por A. SGPS.
Em 1/1/2003, a A. alienou à A. Comercial elementos das suas existências (detergentes, tanques de refrigeração, pecas, óleo e gás) e do seu imobilizado, pelo valor de 520.568,06 €, tendo emitido, por tal facto, diversas facturas, datadas de 11/11/2003, no valor ilíquido de 523.505,98 €, posteriormente anuladas parcialmente através da nota de lançamento FZ 54 de 31/1/2003, no valor ilíquido de 2.937,92 €.
Em termos finais, após rectificações efectuadas pelo sujeito passivo na movimentação de contas efectuada em resultado da alienação referida, a contabilização da operação em contas de resultados foi a seguinte:
711- Vendas de mercadorias (diversas subcontas): 434.266,29 €
794 - Alienação de imobilizado corpóreo: 3.940,52 € 798 - Proveitos e ganhos extraordinários: 82.361,25 € 520.568,06 €
O valor registado na conta 711 foi igualmente registado em subcontas da conta de custos 61 - Custo das existências vendidas, pelo que o resultado do exercício foi influenciado apenas pelos movimentos efectuados nas contas 794 e 798, cujos valores, no total de 86.301,77 €, foram afectos ao sector isento de IRC.
Não concordamos com a afectação, pelo sujeito passivo, ao sector isento de IRC dos proveitos relativos a alienação de existências e imobilizado à A. Comercial, pelos motivos que se passam a explanar.
Da conjugação do n° 3 do art° 7° e do n° 1 do art°13° do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), conclui-se que as cooperativas agrícolas estão isentas de IRC, com excepção dos resultados provenientes de operações com terceiros, de actividades alheias aos fins cooperativos e dos abrangidos pela tributação pelo lucro consolidado.
Desta forma, as cooperativas agrícolas estão isentas de IRC no que toca aos proveitos que resultem da actividade que constitui o objecto social da cooperativa - a indústria de leite e derivados - ou de operações realizadas com os cooperantes. Já o mesmo não sucede, em face daquela norma legal, com outros proveitos resultantes de actividades alheias aos fins cooperativos ou decorrentes de operações com terceiros, como é o caso das alienações efectuadas a A. Comercial.
Com efeito, a alienação a um terceiro, não cooperante, - a A. Comercial - de existências (detergentes, tanques de refrigeração, peças, óleo e gás) e de imobilizado, não pode ser considerada como integrante da indústria de leite e derivados que constitui a actividade da cooperativa. Desta forma, os proveitos em causa, não resultando da actividade normal da A., mas de alienações a um terceiro, devem ser afectos ao sector sujeito ao regime geral.
Em síntese, consideramos provada a existência de resultados, por um lado, associados a uma actividade - alienação de existências e de imobilizado - alheia aos fins cooperativos e, por outro, provenientes de operações com terceiros, situações que constituem excepções à isenção de IRC prevista no EFC.
Em face do exposto, propõe-se o acréscimo ao lucro tributável do exercício de 2002, do montante de 86.301,77 €, ao abrigo do nº do art° 7° e do n° 1 do 13º do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), em virtude de se referir a resultados da compra e posterior cedência de quotas leiteiras, conduzindo a resultados provenientes de operações com terceiros e alheias aos fins cooperativos.

D-) Alienação de Bens não Imobilizados
A A. afectou ao Sector Isento de IRC, no exercício de 2003, o valor de 4.188,91 € registado na conta 7984 - Alienação de Bens não Imobilizados, relativos a proveitos pela alienação de bens não identificados do seu imobilizado.
Não concordamos com a afectação, pelo sujeito passivo, ao sector isento de IRC dos proveitos relativos a alienação de bens não identificados do imobilizado, pelos motivos que se passam a explanar.
Da conjugação do n° 3 do art° 7° e do n° 1 do art 13° do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), conclui-se que as cooperativas agrícolas estão isentas de IRC, com excepção dos resultados provenientes de operações com terceiros, de actividades alheias aos fins cooperativos e dos abrangidos pela tributação pelo lucro consolidado.
Desta forma, as cooperativas agrícolas estão isentas de IRC no que toca aos proveitos que resultem da actividade que constitui o objecto social da cooperativa - a indústria de leite e derivados.
O mesmo não sucede, em face daquela norma legal, com outros proveitos resultantes de actividades alheias aos fins cooperativos, como é o caso da alienação de bens não identificados do imobilizado”.
Cfr. Relatório de inspecção constante do PA.
13. Nos anos de 2002 e 2003, a Impugnante monitorizava as quantidades de leite produzidas pelos seus cooperantes - prova testemunhal.
14. Nos anos de 2002 e 2003, a Impugnante adquiriu quotas a cooperantes que nesse mesmo período não alcançaram o limiar máximo da sua quota de referência e cedeu quotas leiteiras a cooperantes cuja produção excedia as suas quotas de referência - cfr. prova testemunhal.
15. Em consequência das correcções à matéria colectável realizadas, foram emitidas as notas de liquidação n.ºs 20068310039706, relativa a imposto de IRC, no valor de 10.167,89€, e 20068310039786, relativas a imposto de IRC, no valor de 44.092,83€, referentes aos exercícios de 2002 e 2003 respectivamente - cfr. fls. 71 e 74 do processo físico.
16. A Impugnante apresentou junto do Director Distrital do … reclamação graciosa relativa aos actos tributários referidos no ponto anterior, a qual foi indeferida - fls. 3 a 20 e 181 do processo de reclamação graciosa.
*
Na sentença ora recorrida, considerou-se relativamente aos factos não provados que:
«Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.»
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Relativamente à motivação da decisão da matéria de facto, decidiu-se na sentença recorrida que:

«A convicção do tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, conforme se indicou ao longo do elenco de factos provados, bem como na prova testemunhal produzida e gravada, a cuja audição se procedeu.
Relativamente aos factos provados em 2), 3), 4), 5), 6), 7) e 8) do probatório, o Tribunal atendeu ao depoimento prestado pela testemunha J…, que, na qualidade de engenheiro e director do departamento de transportes da Impugnante desde 1986, demonstrou possuir conhecimento aprofundado, sólido e coerente no que se prende com a negociação do contrato datado de 01/09/2000, celebrado entre a Impugnante e a L., assim como relativamente à dinâmica e organização do transporte do produto leite desde os cooperadores da Impugnante até ao seu cliente final – L..
Segundo a testemunha, a Impugnante vendia o leite à L. no regime de camião a camião, em função da amostra de leite, da quantidade e da qualidade do leite, sendo o referido produto valorizado atendendo aos seguintes quatro parâmetros: gordura, proteína, microorganismos e células somáticas.
Nos termos referidos pela testemunha, a Impugnante funcionava como intermediário, fazendo o elo de ligação entre as operações a montante e a jusante da cadeia de produção e transformação do leite, isto é, entre o produtor e o ponto de concentração/venda/tratamento de leite, que é feito na L..
A testemunha explicitou o contexto da celebração do contrato outorgado em 2000 referido no ponto 7) do probatório. Com interesse para a causa, disse que, no ano de 2000, a L. decidiu fechar dois pontos de recolha de leite – L… e C…. Nessa sequência, a Impugnante deparou-se com dificuldades no cumprimento da exigência de o leite ser entregue em locais que contenham um sistema activo de limpeza da cisterna – CIP – Clean in process ou place -, de modo a eliminar os microorganismos e resíduos que se alojam nesse local, antes de se proceder a nova recolha de leite.
Afirmou ainda a testemunha que, em resultado do fecho dos centros de recolha de leite em L… e C…, a Impugnante teve que percorrer uma maior distância até aos novos locais onde faria o depósito do leite, mormente em LB, OA e MC, o que determinou um aumento de custos (com mão-de-obra, horas extraordinárias com motoristas, combustível, manutenção), o que forçou um ajustamento de preço com a L..
Assim, a impugnante, em função da alteração do contrato inicial que previa um determinado local destino/entrega do leite e passou a ter outros, em consequência do fecho dos dois centros de recolha, teve que reflectir esse aumento de custos no preço final do litro de leite.
Referiu a testemunha que a repercussão do aumento de custos poderia, em tese, ter sido feito através da alteração do preço base, mas tal operação revelar-se-ia de difícil concretização, pois o preço base reflectia um conjunto de equilíbrios entre as 3 cooperativas que vieram a constituir a L.. De modo a ressarcir a Impugnante pelo acréscimo de custos que são inerentes ao facto de ter que percorrer um maior número de quilómetros para fazer a entrega do leite, foi acordado o pagamento do montante de 1,5 escudos e 2 escudos, consoante o local em causa.
Por último, referiu a testemunha que a empresa P. – operador de transporte - foi criada posteriormente, designadamente em 2004, e que tem segmentos de negócios variados. Todavia, segundo a testemunha, nos anos em causa nos autos, o leite produzido era transportado pela A. e entregue à L. mediante uma frota própria de camiões e motoristas pertencentes ao quadro da Impugnante, sendo contratados e remunerados por esta.
A referida descrição foi corroborada pelo testemunho de A…, director financeiro da Impugnante, que prestou o depoimento com isenção e distanciamento e que soube contextualizar, em termos concretos, os pressupostos que estiveram na base da negociação e contratualização do acordo formalizado entre a Impugnante e a L. em 01/09/2000.
Com efeito, a testemunha em causa, na linha do que já tinha sido referido pela testemunha anterior, afirmou que, em 2000, foi necessário proceder a um ajuste do preço, em resultado do compromisso exigido pela L. de entregar o produto leite em locais de concentração activos mais distantes em relação aos dois pontos nessa data encerrados (L… e C…), de forma a compensar o acréscimo de custos, através de valores constantes do mencionado contrato.
No que tange aos factos provados em 13) e 14) do probatório, atendeu-se, essencialmente, ao depoimento prestado por P…., responsável pelo serviço de gestão das quotas leiteiras da Impugnante que, em consequência do exercício das suas funções, descreveu com minúcia o regime de imposição suplementar (regime de quotas leiteiras) e como a Impugnante actua no equilíbrio gerado pelo sistema de quotas leiteiras, com vista a assegurar que o nível de quotas existentes na circunscrição social da Cooperativa se mantenha relativamente estável ou venha mesmo a aumentar, evitando-se que se perca o nível de quota de referência dos produtores/cooperantes para a reserva nacional.
A testemunha em causa referiu que é atribuído a cada Estado-Membro da UE uma quantidade global garantida de produção de leite, que depois é distribuída pelos produtores que produzem leite. Segundo mencionou a testemunha, e no âmbito da prossecução da actividade estatutária, a Impugnante pretende assegurar que os produtores de leite afectos à cooperativa preenchem a quota leiteira devida. Segundo o relato da testemunha, os produtores podem transferir quotas de uns para os outros, sendo que tal transferência deve ser validada pelo comprador de leite. Assim, a Impugnante, segundo menciona a testemunha, presta este serviço aos seus cooperantes de forma gratuita, intervindo de maneira a garantir que o produtor que não tem necessidade da totalidade da quota transfira para outro produtor que necessita de maior quantidade de quota para escoar a sua produção. Relata a testemunha que a Impugnante chama a si a gestão administrativa e contabilística de todo este processo, mediante a realização de projecções de quantidades produzidas no final da companha de produção de leite, o que permite aconselhar os produtores a comprar ou/e vender a sua quota de referência. Referiu a testemunha que a Impugnante presta este serviço no interesse dos cooperantes, evitando que produzam para além da sua quota de produção e depois possam ter que pagar a imposição suplementar.
Em complemento a este testemunho, a testemunha J…. referiu, com interesse para a formação da convicção do tribunal relativamente ao papel da Impugnante nestas operações de promoção da cedência e alineação de quotas leiteiras, que se o produtor/cooperante pertencente à zona territorial da cooperativa Impugnante não produzir a sua quota de produção, perde esse direito de produção, que se transfere para a reserva nacional e pode ser transferida para outro produtor fora dessa zona, o que a Impugnante procura combater.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à demais matéria de facto estruturada supra, como já se deixou dito, na análise crítica e conjugada dos documentos e informações oficiais juntos aos autos, que não foram impugnados, referidos em cada um dos números do probatório.»
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III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe aferir das questões suscitadas pelas ora Recorrentes nos presentes recursos e delimitadas no seu âmbito pelas respetivas conclusões, traduzindo-se estas, em síntese, nos erros de julgamento de facto e de direito imputados à sentença recorrida.
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IV – Da apreciação dos presentes recursos.

Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e pela qual se considerou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 2002 e 2003, assim como contra a decisão de indeferimento tácito da reclamação apresentada contra as referidas liquidações.
As liquidações supra referidas resultaram de uma ação inspetiva promovida pelos serviços da AT, nas quais se apurou a necessidade de correções à matéria tributável de natureza meramente técnica.
Assim, na decisão jurisdicional aqui sob apreciação determinou-se que:
“i) anulo parcialmente as liquidações de IRC, referentes ao exercício de 2002 e 2003, bem como as decisões que negaram provimento às reclamações graciosas, na parte em que procedem às seguintes correcções à matéria colectável:
a) acréscimo do lucro tributável do exercício de 2002 e 2003, nos montantes de 27.876,24€ e 29.690,28€, referente à consideração serviços de transporte prestados pela Impugnante à L.;
b) acréscimo do lucro tributável do exercício de 2002, do montante de 19.649,93€, referente à consideração dos resultados da compra e posterior cedência de quotas leiteiras;
ii) Mantém-se os actos tributários identificados em i) quanto às demais correcções realizadas à matéria colectável.”
Passemos, então a analisar o presente recurso, ordenando as questões nele suscitadas de acordo com a ordem lógica de conhecimento das mesmas.
IV.I – Do recurso apresentado pela RFP (primeira Recorrente).
IV.I.1 – Do recurso incidente sobre a matéria de facto.
A primeira Recorrente (RFP), no presente recurso, afirma o seu desacordo com a matéria de facto considerada na sentença ora sob apreciação.
Assim, tendo sido impugnada a matéria de facto provada em primeira instância, cabe, antes de mais verificar se esta Recorrente cumpre os ónus processuais vertidos no art.º 640.º do novo CPC (aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT e atento ao disposto no art.º 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho). Deste modo, como refere António Abrantes Geraldes in «Recursos no Novo Código de Processo Civil», 2018, pag. 165 e segs.:
“[…] Sem nos alongarmos demasiado em considerações sobre os regimes anteriores, podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) O recorrente pode sugerir à Relação a renovação da produção de certos meios de prova, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. a), ou mesmo, a produção de novos meios de prova nas situações referidas na al. b). Porém, como anotamos à margem desses preceitos, não estamos perante um direito potestativo do recorrente, antes em face de um poder-dever da Relação que esta deve usar de acordo com a perceção que recolher dos autos;
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;
f) Na posição em que o recorrido se encontra, incumbe-lhe o ónus de contra-alegação, cujo incumprimento produz efeitos menos acentuados do que os que se manifestam em relação ao recorrente. O facto de inexistir efeito cominatório para a falta de apresentação de contra-alegações ou para o incumprimento das regras sobre a sua substância ou forma e o facto da a Relação ter poderes de investigação oficiosa determinam que sejam menos visíveis os efeitos que decorrem da sua deficiente atuação. […]”.
O mesmo autor na obra supra citada a fls. 168, refere que a rejeição total ou parcial da decisão da matéria de facto dever ocorrer quando:
“a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2 al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.
Na presente apelação, a ora Recorrente insurge-se contra a matéria factual pretendendo que a mesma seja aditada com a inclusão do seguinte:
17.“O contrato celebrado entre a impugnante e a L. em 1/9/2000 configura um verdadeiro contrato de transporte/prestação de serviços de transporte que foge ao objeto social da impugnante e cujos valores recebidos foram faturados em separado, ou seja, não integrados na fatura do leite vendido e afetados ao setor isento, quando deveriam ter sido afetos ao setor sujeito a IRC”.
18. “A impugnante registou na conta 7251 – Transportes de Comercialização, os montantes aqui em apreço (em 2002 – setor sujeito € 606.187,28 e isento € 282.348,88 e em 2003 – setor sujeito € 791.977,42 e setor isento 261.148,51 €), suportado esse registo por faturas, com IVA à taxa normal, mencionado no respetivo histórico o transporte de leite efetuado pela impugnante entre as unidades industriais da L.”
19. “A prestação a um terceiro, não cooperante, a L., de serviços de transporte, como tal reconhecidos, quer contratualmente, quer na ata da Direção da impugnante, não pode ser considerada como integrante da industria de leite e derivados que constitui a atividade da cooperativa”.
20. “Desta forma, os proveitos em causa, obtidos em 2002 e 2003, não resultando da atividade normal da impugnante, mas de serviços prestados a um terceiro, devem ser afetos ao setor sujeito ao regime geral”.
21. “A impugnante registou na conta 31201- Compra de Mercadorias – Mercado Interno o montante de € 408.569,55 e na conta 7111122 – Outras Mercadorias o montante de € 451.509,58 relativo a compra e posterior cedência a associados de quotas leiteiras, tendo sido apurado um resultado liquido de € 42.940,03.”
22. “A aquisição e posterior cedência de quotas leiteiras não faz parte do objeto social da impugnante, pelo que os proveitos que daí resultem são resultantes de atividade alheia aos seus fins cooperativos e como tal têm de ser tributados no regime geral do IRC”
Convém antes de mais salientar que com o recurso incidente sobre a matéria de facto se pretende permitir à parte recorrente que seja feita uma reanálise pelo Tribunal de recurso, da decisão incidente sobre a matéria de facto feita pelo Tribunal recorrido. Daqui resulta que, logicamente, a pretensão recursiva incluída neste tipo de recurso terá que enquadrar no estrito âmbito da matéria factual.
Ora, na presente situação, a primeira Recorrente e no que concerne ao invocado nos citados pontos números 17, 19, 20 e 22 que aquela pretende ver aditados ao probatório, não constituem verdadeiramente factos, mas antes raciocínios conclusivos imbuídos de cogitações de natureza jurídica. Aliás, as pretendidas formulações estão de tal modo gizadas que, até a serem consideradas, resolveriam as questões jurídicas aqui em litígio. Por isso, as mesmas não podem ser consideradas como matéria de facto a ser potencialmente tida em conta aqui e pela presente instância. Por isso, quanto a este subitem recursivo não se conhece do presente recurso.
No que diz respeito à pretendida inclusão dos números 18 e 21 na matéria de facto provada, a verdade é que a ora primeira Apelante não indica especificamente qual ou quais os meios probatórios a considerar por parte desta instância para o apontado efeito. Ou seja, a apontada Recorrente não cumpre aqui o ónus processual previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, aplicável por força da remissão contida no art.º 281.º do CPPT. Deste modo, também aqui, não se pode tomar conhecimento do presente recurso.
IV.I.2 – Do recurso incidente sobre a matéria de direito.
Cabe agora aferir dos imputados erros de julgamento invocados pela ora primeira Recorrente.
IV.I.2.1 – Da questão alusiva ao transporte do leite.
A primeira Recorrente veio invocar que a sentença recorrida incorreu em erro, quando considerou que inexistiram razões para se considerar como uma atividade sujeita a tributação, a alegada existência por parte dos serviços da AT de um contrato de transporte do leite produzido e subscrito pela segunda Recorrente com a L..
Ora, sob a presente questão, subscrevemos na íntegra o decidido no acórdão proferido por este TCA, datado de 13.01.2022 e proferido no processo n.º 341/07.6BEPTR e no qual se relatou que:
“[…] 4.1. A primeira questão que importa decidir é a de saber, a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, nomeadamente dos artigos 7.°, n.° 3 e 13.°, n.° 1 do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC).
A Recorrente alega que da conjugação do n.° 3 do artigo 7.° e do n.° 1 do artigo 13.° do EFC, à data dos factos, resulta que as cooperativas agrícolas estão isentas de IRC, com exceção dos resultados provenientes de operações com terceiros, de atividades alheias aos fins cooperativos e dos abrangidos pela tributação do lucro consolidado.
E que a Recorrida celebrou em 01.09.2000 um contrato com a L. no qual se compromete a transportar o leite recolhido na área afeta ao núcleo de C… diretamente para as instalações industriais da L., sita em MC…, e na área afeta ao núcleo de L… para as instalações industriais da L. sitas em OA… ou LB…, e ainda quando solicitado transportar o leite entre as unidades industriais da L. sitas em VC, LB, MC, T e OA, mediante o pagamento, pela L., de 2$00 e 1$50 por litro de leite transportado respetivamente no caso do transporte de leite efetuado na área afeta ao núcleo de C.. diretamente para as instalações industriais da L. sita em MC e na área afeta ao núcleo de L para as instalações industriais da L. sitas em OA ou LB. [cláusula 6ª' a), b) e c) do contrato]
Vejamos:
Conforme resulta do probatório no facto n.º 4 dos factos provados, a Administração Tributária procedeu à correção da matéria coletável com fundamento, no acréscimo ao lucro tributável do exercício de 2000 nos montantes de €135.269,67, ao abrigo do n.º 3 do artigo 7.º e do n.º 1 do 13.º do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), em virtude de entender que foram prestados serviços de transporte pela Recorrida/Impugnante à L., conduzindo a resultados provenientes de operações com terceiros e alheias aos fins cooperativos.
Preceitua o art.º 7.º do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), na redação da Lei de n.º3-B/2000 de 4 de abril, que:
1- Para efeitos da determinação do resultado tributável em IRC, o excedente líquido das cooperativas é apurado antes da participação económica dos membros nos resultados, nos termos estabelecidos no artigo 3.º do Código Cooperativo.
2 - Às variações patrimoniais negativas não reflectidas no excedente líquido, quando relativas à participação económica determinada em função do trabalho fornecido pelos cooperadores à cooperativa, é aplicável o disposto nos n.ºs 2 e 5 do artigo 24.º do Código do IRC.
3 - A taxa de IRC aplicável ao resultado tributável das cooperativas é de 20%, com excepção dos resultados provenientes de operações com terceiros, de actividades alheias aos fins cooperativos e dos abrangidos pela tributação pelo lucro consolidado, aos quais será aplicável a taxa prevista no n.º 1 do artigo 69.º do Código do IRC.
4 (…).
7 - As cooperativas que sejam declaradas pessoas colectivas de utilidade pública e as cooperativas de solidariedade social gozam da isenção estabelecida, respectivamente, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC, com as restrições e nos termos aí previstos.
Por sua vez, dispõe a alínea a) do n.º 1 do art.º 13.º do EFC que estão isentas de IRC, com as exceções previstas no n.º 3 do artigo 7.º entre outras as cooperativas agrícolas.
Resulta da interpretação conjugada dos artigos 13.º, n.º 1 e 7.º, n.º 3 do EFC (na redação dada pela Lei nº 3-B/2000, de 4 de abril), que a lei estabeleceu três limitações à aplicação quer da isenção de IRC, quer da taxa reduzida IRC, sendo:
resultados provenientes de operações com terceiros; resultados provenientes de atividades alheias aos fins cooperativos; e resultados abrangidos pela tributação pelo lucro consolidado.
Cada uma dessas limitações opera por si própria, vedando o direito a usufruir do benefício, sendo os resultados assim obtidos tributados à taxa geral de IRC, para o qual o art.º 7.º, n.º 3 do EFC expressamente remete.
As operações com terceiros estão compreendidas no objeto social da cooperativa, no entanto, os resultados provenientes dessas operações, são juridicamente qualificados como lucros, uma vez que não foram realizados no âmbito de uma atividade cooperativa.
A Administração Tributária procedeu a esta correção à matéria coletável por considerar que, tratando-se da recuperação de despesas com o serviço de transporte de leite entre unidades industriais da L., por esta solicitado, nos exercícios de 1998 e 1999, estaria em causa a prestação de um serviço de transporte a terceiro, o qual não pode ser considerado como integrante da indústria de leite e derivados que constitui a atividade da cooperativa, pois que, caso tais serviços se integrassem na atividade da cooperativa, não se justificaria a celebração de um contrato regulando, de forma específica, os serviços de transporte efetuados a um terceiro.
Para a resolução do conflito, é decisivo a circunstâncias do negócio, as negociações e a interpretação do contrato celebrado ente a Recorrida e a L..
Resulta da matéria de facto provada e não impugnada que em 27.12.1996, foi celebrado um contrato mediante o qual a A., a L. e a P. obrigaram-se a entregar à L., a título de venda, todo o leite em natureza que recolhem dos produtores seus associados e esta obrigou-se a comprar àquelas, pelo mesmo preço, todo o leite em natureza que recebem dos referidos produtores associados.
Nos termos da cláusula 10.º, n.º 4 do desse contrato, o preço foi fixado à porta da fábrica, sendo da responsabilidade da vendedora o seu transporte, mais se tendo acordado um acréscimo de valor entre as partes para compensar o transporte de leite para fábrica situada fora da área social da empresa vendedora.
Sucede que, em 2000, no âmbito da estratégia comercial e industrial adotada, a L. determinou o encerramento das unidades industriais, sitas em C… e L… e decidiu o transporte do leite depositado nessas concentrações para as suas unidades industriais sitas em MC, OA e LB.
Deste modo, o cumprimento do contrato de compra e venda de leite em estado natural celebrado em 27.12.1996 passaria a ser mais oneroso para a Recorrida, dado que a entrega do leite recolhido junto dos seus cooperadores passaria a ser realizada em pontos de recolha mais distantes, com o consequente aumento dos custos associados à componente do transporte (camiões, mão-de-obra, horas extraordinária etc.), as partes acordaram numa alteração do preço consubstanciada nos valores previstos no mencionado contrato, o que se retira dos factos provados nos pontos 13.º e 14.º.
Em conformidade com essas negociações, a L. obrigou-se a pagar a quantia de 2$00 (2 escudos) por litro de leite transportado como contrapartida do transporte do leite recolhido na área afeta ao núcleo de C… diretamente para as instalações industriais da L. sita em MC, e o pagamento da quantia de 1$50 (um escudo e cinquenta centavos) por litro de leite transportado como contrapartida do transporte do leite recolhido na área afeta ao núcleo de C… diretamente para as instalações industriais da L. sita em OA ou LB.
Da análise do probatório e do contrato cujas cláusulas foram parcialmente transcritas no ponto n.º 18 do probatório, não se afigura que o referido contrato pretenda instituir ex novo, de forma inovadora, prestações típicas de contrato de transporte, mediante o qual o transportador, se obrigava perante a L. a deslocar uma determinada mercadoria entre locais e a entregá-las ao destinatário.
Analisados o contexto e as circunstâncias em que o mesmo foi celebrado, atendendo às exigências relatadas que funcionaram como pressupostos do contrato, (alíneas a) e b) da cláusula 6.ª), não à recolha de leite entre unidades da L., mas sim, à recolha de leite dos produtores cooperantes da Impugnante/Recorrida e a sua deslocação até aos centros de recolha da compradora final do leite, derivada do encerramento das unidades de C…e L….
Como ficou demonstrado nos facto 16.º e 17.º, o encerramento das unidades fabris sitas em C… e L…. obrigou à entrega do leite em unidades de recolha/unidades fabris mais distantes, sitas em MC, LB e O de A, levou a uma consequente alteração do preço global do leite, o qual, tem uma componente base – quantidade e qualidade do leite – e uma componente variável, de acordo com o local de entrega do bem vendido.
Dai não ser problemática a exigência prevista no n.º 1 e 2 da cláusula n.º 10.º que determinava que o valor do transporte não será integrado na fatura do leite transportado sendo faturado em separado e pagos nas condições em vigor para o fornecimento de leite bem como as atualizações derivadas das subidas dos preços.
Tendo em 2000, sido alterado um pressuposto essencial do contrato, por circunstâncias não imputáveis à Impugnante/Recorrida, as partes visaram, assim, repor o equilíbrio financeiro do mesmo, mediante a celebração de um acordo que ajustasse a componente variável do preço do leite, de forma a satisfazer os custos superiores associados à deslocação do leite para os novos locais indicados pelo comprador.
Considerando que o motivo fundamental dessa alteração resulta de dados objetivos, mensuráveis e facilmente transponíveis no preço– custos associados ao aumento do combustível, desgaste mão-de-obra, etc. -, é compreensível que as partes possam livremente alterar essa componente, ao invés de diluir tal aumento no preço global base.
Aqui chegados teremos de concluir, tal como o fez a sentença recorrida que “(…) Com efeito, analisados o contexto e as circunstâncias em que o mesmo foi celebrado, vemos que o mesmo regula, para o futuro, as operações de recolha de leite junto dos produtores e a sua entrega nas unidades industriais ativas da compradora final do leite (L.), motivada pelo encerramento das unidades de C…. e L….pelo que a alteração contratual resultante da aplicação das alíneas a) e b) da cláusula 6.ª do contrato - que a AT, erradamente, considerou respeitar a transferências de leite entre unidades L. (cfr. o ultimo parágrafo da pág. 18 do RIT) -, mostra que a mesma visou apenas repercutir o aumento do custo verificado em consequência de uma alteração que a L. unilateralmente implementou e não se traduz na prestação de um serviço de transportes à mesma sociedade, pois a atividade de transporte, neste caso, não é autónoma em relação ao contrato de compra e venda do leite (isto é, o transporte não ocorre após a transferência da propriedade do leite em causa), antes consubstancia uma atividade acoplada à concretização da transferência da propriedade associada à venda do leite, que deverá estar isenta de IRC do mesmo modo que o está a compra de leite pela Impugnante aos seus membros, para venda à L., que é terceiro (…)”
Nesta conformidade, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento nem violação do disposto nos artigos 4.° 7.°, n.° 3 e artigo 13.°, n.° 1 do Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC).[…]”
Ora, também na presente situação entendemos que atenta a configuração descrita no acórdão supra referenciado no que diz respeito ao acréscimo do preço de leite devido a novas necessidades de transporte, não constitui em si mesmo uma prestação de serviço de transporte, pelo que se encontra dentro ainda da atividade isenta prosseguida pela Recorrida, tal como, aliás, decidiu a sentença ora sob apreciação.
Por isso, terá que improceder o presente item recursivo.
IV.I.2.2 – Do erro de julgamento relativo à compra e cedência de quotas leiteiras.
A ora primeira Apelante invoca, também, que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento quando considerou que no exercício de 2002 e relativamente ao montante de 19.649,93€, este emergente da compra e posterior cedência aos cooperantes da Recorrida de quotas leiteiras, se enquadraria no setor isento de tributação.
Relativamente a esta questão, entendeu-se na sentença recorrida que:
“[…] Em Portugal, o regime jurídico disciplinador das cooperativas encontra-se previsto na Constituição da República Portuguesa (CRP), e, em termos de legislação ordinária, no Código Cooperativo, aprovado pela Lei n.º 51/96, de 07/09.
O artigo 85.º, n.ºs 1 e 2, da CRP refere-se às cooperativas e estabelece a obrigação do Estado de estimular e apoiar a criação e a actividade cooperativa e de onde resulta o imperativo constitucional de se favorecer o sector cooperativo no ordenamento jurídico português através da definição de benefícios fiscais e financeiros destas.
Com efeito, resulta do disposto no artigo 82.º da CRP, a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção: o sector público, o sector privado e o sector cooperativo e social.
Refira-se, igualmente, que o conceito de cooperativa encontra-se presente no n.º 1, do artigo 2.º do Código Cooperativo que estabelece que “as cooperativas são pessoas colectivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles”.
Neste contexto, as cooperativas afirmam-se como entidades da economia social, com personalidade jurídica, que desenvolvem uma actividade económica (cfr. artigo 7.º do Código Cooperativo) com a finalidade de prosseguir a satisfação das necessidades dos membros, maximizar os resultados e potencializar a produção, sendo instrumental em relação aos interesses dos seus cooperadores, na medida em que a cooperativa nasce para satisfazer as necessidades daqueles.
No âmbito da sua constituição e funcionamento, as cooperativas devem observar determinados princípios cooperativos, previstos no artigo 3.º do Código Cooperativo a saber: adesão voluntária e livre; gestão democrática pelos membros; participação económica dos membros; autonomia e independência; educação, formação e informação; intercooperação; e interesse pela comunidade.
Tendo por referência a noção de cooperativa acima enunciada, além da dimensão económica associada ao conceito de objecto social das cooperativas delimitado a partir do conceito presente no Código das Sociedade Comerciais (conjunto de actividades que os sócios propõem que a sociedade venha a exercer e que devem ser indicadas no contrato - artigo 11.º, n.º 2 do CSC), dever-se-á atender, para efeitos de se aferir se determinado resultado proveniente da actividade é ou não alheio aos fins da mesma, aos seus Estatutos. Nestes últimos se enunciam as actividades que a cooperativa irá desenvolver e que visam, em última análise, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais dos membros (artigo 2.º, n.º 1, do Código Cooperativo).
Com efeito, se a dimensão económica do objecto social das cooperativas se encontra bem delineada no n.º 1 do artigo 2.º do Código Cooperativo, quando se refere que faz parte do escopo cooperativo “a satisfação das necessidades e aspirações económicas” dos cooperadores, a actividade social das cooperativas encontra-se funcionalmente orientada para os seus membros (escopo mutualístico) e deverá atender, igualmente, aos interesses da comunidade onde a cooperativa desenvolve a sua actividade. Neste sentido, o já referido princípio da prossecução do interesse da comunidade aparece enunciado no artigo 3.º do Código Cooperativo, o qual dispõe que “as cooperativas trabalham para o desenvolvimento sustentável das suas comunidades, através de políticas aprovadas pelos membros”.
Neste sentido, também deve ser considerado o disposto na alínea d) do artigo 2.º do Estatuto Fiscal Cooperativo, o qual, estipulando as regras e princípios relativos à interpretação e aplicação do estatuto fiscal, determina a atenção conferida ao princípio da discriminação positiva, segundo o qual o regime fiscal deverá, “em função das prioridades de desenvolvimento económico-social, conceder um tratamento de apoio e incentivo ao sector cooperativo”.
Postas em evidências estas considerações enunciativas, volvendo ao caso dos autos, como vimos o relatório de inspecção parte do pressuposto que apenas se encontram isentas as actividades estritamente relacionadas com a actividade principal da Impugnante (ou seja, os rendimentos inerentes à indústria de leite e derivados), correspondente ao código da classificação da actividade económica propriamente dita da Impugnante, e daí ter considerado que o produto resultante da compra e venda de quotas leiteira exorbita a referida actividade económica principal.
Para a solução da problemática sub judice é mister definir a natureza da actividade em análise – aquisição e cedência de quotas leiteiras -, e depois descortinar se a mesma é alheia ou não aos fins cooperativos.
O Regulamento (CEE) n.º 3950/92, do Conselho, de 28 de Dezembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Regulamento (CE) n.º 1256/99, do Conselho, de 17 de Maio, instituiu um regime de Imposição Suplementar (IS) o qual teve por objectivo reduzir o desequilíbrio entre a oferta e a procura de leite e produtos lácteos, evitando o crescimento da produção leiteira, e fixou, para Portugal, uma quantidade global garantida para efeitos de produção de leite de vaca a partir de 1 de Abril de 2000 e por um período de oito anos consecutivos.
Surgiu, assim, um regime de imposição suplementar (vulgarmente designado de regime de gestão de quotas leiteiras), assente na consagração de uma penalização pecuniária financeira aplicável às quantidades de leite de vaca ou equivalente entregues aos compradores ou vendidas directamente pelos produtores que excedessem as quantidades de referência individuais e em situação de ultrapassagem das quantias globais garantidas.
Para efeito de operacionalização e controlo das quantidades globais garantidas, repartiu-se individualmente por cada produtor uma quantidade de referência (QR).
Em termos de direito nacional, à data dos factos, encontrava-se em vigor o Decreto-Lei n.º 240/2002, de 05 de Novembro, que estabelecia as normas reguladoras do regime de imposição suplementar incidente sobre as quantidades de leite de vaca ou equivalente-leite de vaca entregues a um comprador ou vendidas directamente para consumo.
Segundo o referido diploma, os produtores que comercializavam leite ou produtos lácteos estavam obrigados a possuir uma quantidade de referência, isto é, a quantidade atribuída individualmente aos produtores para efeitos de produção de leite de vaca ou equivalente- leite de vaca, destinada a ser entregue pelos produtores a compradores aprovados ou a ser vendida directamente para consumo (cfr. artigo 4.º, em conjugação com o artigo 2.º, alínea c) do referido diploma).
O referido diploma previa a possibilidade da transferência da quantidade de referência, a qual podia ocorrer com ou sem transmissão da exploração, nos termos do disposto no artigo 10.º do mencionado Decreto-Lei.
Previu-se ainda a constituição de uma reserva nacional, para a qual reverteria a parte do produtor que não utilizasse 70% da sua quota de referência.
Sempre que a quantidade de leite ou equivalente-leite comercializado na campanha de produção de leite em questão ultrapassasse a respectiva Quotas Globais Garantidas haveria lugar ao pagamento de Imposição Suplementar.
Nesta conformidade, previa-se no referido regime a instituição de uma penalização pecuniária sobre as quantidades de leite recolhidas, ou vendidas directamente, que excedessem as quantidades globais garantidas, que constituía encargo dos produtores ou dos respectivos compradores de leite.
No caso em apreço, entendemos que se mostram reunidas as condições para delimitar positivamente o direito à isenção/redução de IRC pelo produto resultado dos actos de alienação/aquisição das quotas leiteiras.
Na verdade, as referidas exigências e normas comunitárias em matéria de Imposição Suplementar (IS) justificaram a intervenção da Impugnante no sentido de estabelecer guias de funcionamento e de acção em matéria de gestão integrada das quotas leiteiras dos seus cooperantes, de forma a garantir o seu cumprimento e evitar, assim, sanções económicas que inevitavelmente se repercutiriam no sector e em particular nos produtores de leite, seus cooperadores, que ultrapassassem a sua Quantidade de Referência (QR).
Com efeito, analisada a actividade desenvolvida em questão, constata-se que a Impugnante procedeu à monitorização das regras de funcionamento do sistema de imposição suplementar (IS), conhecendo as quantidades que vão sendo produzidas ao longo da campanha de leite, permitindo dispor de informação relativamente aos operadores económicos que estão prestes a alcançar a sua quantidade de referência e aqueles que, por motivos variados, se encontrem abaixo desse referencial e que previsivelmente vão estar em condições de disponibilizar a quantidade de leite que deixarão de produzir.
A Impugnante chama a si esse papel relevante de servir de intermediária (como plataforma) onde os produtores tomam conhecimento das quotas/quantidades de referência disponíveis no mercado, em função da discrepância entre a quantidade disponível para produção e aquela que cada produtor logrará obter, pondo em contacto o produtor excedentário e o deficitário em termos de quotas/quantidades de referência. Esse serviço disponibilizado pela Impugnante é resultante do seu escopo mutualista e das próprias funções que lhe estão acometidas estatutariamente enquanto cooperativa, atendendo aos interesses gerais dos cooperadores.
Portanto, não suscita dúvidas, e tal não vem colocado em causa pela AT, que as transferências de propriedade das quotas de produção funcionam de forma triangular, entre a Impugnante e os cooperantes interessados na compra e aqueles que pretendem vender, e nunca com terceiros estranhos à cooperativa.
E, note-se, que a actividade assim desenvolvida prossegue os interesses próprios e individuais dos produtores associados, quer em relação àqueles produtores que necessitam de adquirir quotas de referência, em virtude de a sua produção se encontrar excedentária, quer no objectivo de garantir que os produtores que, por motivos vários, estão a produzir abaixo da sua quota possam transaccionar o direito de produção que lhe cabe. Satisfaz-se, deste modo, as concretas necessidades perfeitamente identificáveis dos seus cooperantes.
Com efeito, a par do interesse financeiro do produtor que tem ao seu dispor uma quota de leite que não atingiu e pretende transformar em benefício económico, está um outro produtor duplamente interessado em proceder à compra em causa: não apenas para justificar a validade de uma futura venda do leite (uma vez que apenas pode ser vendida a quantidade de leite fixada na sua quota), mas também para evitar que lhe seja aplicada uma imposição pecuniária financeira, em virtude da constatação que produziu quantidades sem possuir quota que o justificasse.
Assim, resulta indubitável que o serviço de intermediação prestado pela Impugnante, colocando em presença o produtor com interesse em comprar e aquele disposto a vender encontra-se claramente em consonância com os objectivos postos a seu cargo pelo Código Cooperativo (de satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais dos cooperantes) e encontra-se confinado às atribuições e competências postas a seu cargo pelos estatutos transcritos no ponto 1) probatório, designadamente porque a ela cabe organizar, executar, disciplinar e administrar os serviços do primeiro escalão do ciclo económico do leite nas áreas sociais das cooperativas agrupadas e nas restantes em (cfr. artigo 4.º, alínea a) do estatuto), e promover a utilização dos meios aconselháveis para aumentar e melhorar a produção do leite e providenciar no sentido da sua melhor valorização e aproveitamento (cfr. alínea g) do artigo 4.º do estatuto).
Com efeito, esta última alínea citada assume particular relevância na análise da situação em apreço. Conforme referido aquando da análise das normas mais proeminentes do regime de instituição suplementar (Decreto-Lei n.º 240/2002), no caso de um produtor não atingir 70% da sua quota de produção, a mesma reverte para a reserva nacional, passando esta a estar disponível para todos os operadores nacionais que pretendem adquiri-la.
Assim, antecipando esse resultado, a Impugnante actua no sentido de promover as transacções das quotas leiteiras para que estas se mantenham na área geográfica em que actua, isto é, que a aquisição e a transacção das quotas se procede de e para (entre) produtores situados na sua área de influência, assegurando que a produção de leite se mantenha estável ou tenha potencial para crescer.
Deste modo, não de pode deixar de incluir nos fins estatutários da Impugnante a prestação dos serviços e dos meios necessários a assegurar a gestão racional e eficiente da distribuição de quotas leiteiras entre os seus cooperantes, de modo a garantir, em termos macro, que a produção de leite anual iguale a quantidade de quotas disponível, evitando a eventual aplicação de sanções pecuniárias aos seus cooperantes, e, assim, que a produção de leite global destes se mantenha em níveis eficientes.
Termos em que, estando em causa operações exclusivamente tidas entre a cooperativa e os seus cooperantes, e tendo presente que os eventuais proveitos resultantes da aquisição e cedência de quotas leiteiras se inserem no âmbito dos fins estatutários desenvolvidos pela Impugnante, nos termos explanados, a correcção efectuada pela AT mostra-se desconforme com o regime estatuído pelo artigo 13.º, n.º 1, do EFC e artigo 7.º, n.º 3, a contrario, pelo que dever-se-á anular parcialmente os actos impugnados, por erro na qualificação e quantificação da matéria tributável, conforme se levará ao dispositivo.[…]”
Assim, quanto à presente questão adiantamos, desde já, que não vemos qualquer razão para discordar do decidido na sentença recorrida. Efetivamente, cabendo à segunda Recorrente nos termos estatutários organizar, executar, disciplinar e administrar os serviços do primeiro escalão do ciclo económico do leite nas áreas sociais das cooperativas agrupadas, tal significa que a mesma pode adquirir quotas leiteiras disponíveis e promover a sua venda aos cooperantes. Com efeito, agindo desta forma, a segunda Recorrente exerce uma prerrogativa que está conexa com o seu fim estatutário e se circunscreve ao seu universo de cooperantes, com bem se diz na sentença ora sob escrutínio.
Ora, há que analisar esta questão essencialmente no que toca ao que vai estatuído no Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), mais concretamente do que resulta da leitura conjugada do respetivo artigo 13.º, n.º 1 e do artigo 7.º, n.º 3. Deste modo e neste ponto, também aqui acompanhamos o sentido decisório da sentença recorrida quando considerou que o apontado resultado positivo decorrente da compra e venda de quotas leiteiras e que perfazia o montante de € 19.649,93€, se encontrava isento. Efetivamente, da conjugação das apontadas normas e tendo presente que a segunda Recorrente é uma cooperativa agrícola, tal significa que a sua atividade estaria, à partida, isenta, exceto quanto aos resultados provenientes de operações com terceiros, aos resultados oriundos de atividades alheias aos fins cooperativos e quanto aos resultados abrangidos pela tributação pelo lucro consolidado. Ora, a situação aqui em apreço, não se enquadra em nenhuma destas três situações e que pudessem eventualmente justificar uma tributação, sendo que, repita-se, o invocado resultado positivo resultante da compra e venda de quotas leiteiras a cooperantes ainda se enquadra nos fins cooperativos. Denote-se, também, que o quanto às cooperativas agrícolas o regime regra é o da isenção, sendo o regime de tributação do resultado ou determinados resultados em sede de IRC, um regime a exceção, sendo que este regime excecional só se verificará n daquelas situações que sejam subsumíveis ao estatuído no n.º 3 do art.º 7.º do EFC.
Deste modo e relativamente ao recurso movido pela RFP e na parte incidente sobre a matéria de facto, conclui-se que dele não se pode conhecer, sendo que, quantos aos erros de julgamento apontados à sentença recorrida, terá o referido recurso que improceder.
*
IV.II – Do recurso apresentado pela A. - União das Cooperativas (segunda Recorrente).
A segunda Recorrente também apresentou recurso contra a sentença proferida nestes autos, circunscrevendo-a à parte em que aquela lhe foi desfavorável, mais concretamente no que concerne a operações de alienação de existências e de ativo imobilizado, tendo aquelas ocorrido no exercício de 2003 (devendo assim se interpretar o pedido formulado por aquela nesta instância).
IV.II.1 – Primeiramente, a ora segunda Recorrente veio questionar a factualidade vertida na sentença recorrida, alegando que da mesma deverá constar o que alegou nos artigos 156º a 166º e 189º, 190º, 193º a 196º da PI. Ora, da alegação contida nos citados artigos da p.i. resulta que a invocação contida nos artigos 193.º a 196.º da p.i. é matéria conclusiva e/ou de direito, pelo que não se pode levar à factualidade a considerar nesta instância. O mesmo se diga do alegado nos artigos 162º a 166.º do apontado articulado. Por outro lado, o alegado pela então Impugnante no seu articulado inicial, mais concretamente nos artigos 156.º a 159.º constitui uma alegação genérica e com a qual nenhuma conexão é feita com as correções aqui em causa.
Por isso, sobra-nos a alegação contida nos artigos 189.º e 190.º da p.i., dos quais consta que:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Contudo, tal alegação não é posta factualmente em causa na parte factual da sentença recorrida, conforme resulta do teor do relatório de inspeção (cf. n.º 12 da matéria de facto assente), constituindo o valor indicado no citado artigo 189.º da p.i apenas e tão só, o somatório simples dos montantes referentes às operações supra referidas e relativas à alienação de existências e de ativo imobilizado ocorridas em 2003. Por outro lado, a alegação contida no art.º 190.º da p.i. é para todos os efeitos e nestes autos completamente irrelevante, uma vez que não está aqui em causa qualquer questão conexa com a aquisição de bens do imobilizado corpóreo.
Por isso, do ponto de vista estritamente factual, nada há a corrigir quanto ao decidido neste ponto na sentença recorrida. Questão distinta desta, será a de saber se houve erro de julgamento quanto ao que este propósito é decidido na sentença recorrida.
Por outro lado e ainda a este propósito, pretende ainda a Recorrente ver incluída demais matéria conclusiva ou de direito e que enuncia nas conclusões C) e D) do presente recurso e que, como tal, não pode ser considerada no âmbito deste subitem recursivo atinente à matéria de facto.
Por isso, terá que improceder o presente recurso incidente sobre a matéria de facto.
IV.II.2 – Dos erros de julgamento aqui invocados pela segunda Recorrente.
Relativamente às operações de alienação de existências e de ativo imobilizado e que tiveram lugar em 2003, afirmou-se na sentença recorrida que:
“[…] c) Da correcção à matéria colectável em resultado da alienação de existências e de imobilizado à A. Comercial:
Quanto a este aspecto, versa o relatório de inspecção nos seguintes termos: no dia 01/01/2003, a A. alienou à A. Comercial elementos das suas existências e do seu imobilizado, sendo que, após rectificações efectuadas pelo sujeito passivo na movimentação de contas, a contabilização da operação em contas de resultados foi a seguinte:
711 – venda de mercadorias (diversas sob contas): 434.266,29€.
794 – alienação de imobilizado corpóreo: 3.940,52€.
798 – Proveitos e ganhos extraordinários 82.361,25€
520.568,06€.
Considerando que o valor registado na conta 711 foi registado em subcontas da conta de custos 61 – Custo das existências vendidas -, verteu-se no relatório que o resultado do exercício foi influenciado apenas pelos movimentos efectuados nas contas 794 e 798, cujos valores, no total de 86.301,77€, foram afectos ao sector isento de IRC.
Por outro lado, e partindo do pressuposto que os resultados associados a essa actividade – alienação de existências e de imobilizado – são alheios aos fins cooperativos e por dizerem respeito a resultados provenientes de operações com terceiros, a AT considerou que tal actividade constitui excepção à aplicação da isenção de IRC prevista no EFC.
No que se reporta a estes partes, a Impugnante sustenta que, no exercício de 2003, alienou bens do seu imobilizado corpóreo no montante de 90.490,68€, sem que efectivamente tenha sujeitado o valor da realização e/ou mais-valias a tributação, por considerar que se trata de uma operação que se enquadra nos fins cooperativos.
Para o efeito, alude, em termos gerais, ao disposto no artigo 4.º, alínea a) dos estatutos em conjugação com a afirmação de que, devido ao intenso desgaste dos bens do imobilizado corpóreo, motivado por uma excessiva laboração, a Impugnante procede à renovação dos bens de equipamentos que se mostram debilitados para o cumprimento das tarefas a que estão adscritos.
Vejamos.
Em primeiro lugar, não se pode deixar de constatar a divergência de valores constantes do relatório de inspecção e aqueles avançados pela Impugnante, pois se na rúbrica da conta dedicada à alienação de imobilizado corpóreo a AT apenas constatou o valor de 3.940,52€, no seu articulado a Impugnante afirma que, no exercício de 2003, alineou bens do imobilizado corpóreo no montante de 90.490,68€, sem, contudo, especificar se esse valor diz respeito ao valor da realização ou se é o valor obtido a título de mais-valias.
Tanto mais que os documentos juntos com a finalidade de demonstrar essa alegação – cfr. documento n.º 4 -, também não esclarecem a dúvida suscitada pela divergência entre os valores apurados pela AT e aqueles que a Impugnante diz que efectivamente ocorreu.
Dito isto, importa reconhecer que, em decorrência do n.º 2 do artigo 2.º do Código Cooperativo, as cooperativas podem não limitar a sua actividade às relações económicas com os seus membros, podendo desenvolver operações com terceiros.
Por outro lado, não obstante não suscitar dúvidas que as actividades alheias aos fins cooperativos são, por regra, praticadas com terceiros, podem ser surpreendidas determinadas situações em que a intervenção de terceiros pode concorrer para a prossecução dos fins cooperativos.
Com efeito, não se desconhece que, verificadas determinadas situações, as mais-valias obtidas por uma cooperativa resultantes da alienação de um activo corpóreo a um terceiro podem gozar da taxa reduzida prevista no nº 3 do artigo 7º do Estatuto Fiscal Cooperativo – Cfr. Acórdão do STA, proferido no âmbito do processo 01214/12, datado de 16-09-2015.
Todavia, para sustentar o alegado benefício associado à exclusão/redução de incidência tributária relativa às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de activos imobilizado corpóreo, a Impugnante teria de alegar e provar, pelo menos, que a operação se inseriu nalgum fim estatutário.
Na verdade, a mera alienação de activos corpóreos imobilizados a terceiros não basta por si só para se integrar no fim cooperativo de uma cooperativa.
Com efeito, e partindo do valor constante do relatório de inspecção que serve para efeitos de determinação e correcção da matéria colectável relativo à alienação de imobilizado corpóreo, a Impugnante não alegou no seu articulado inicial quais os concretos activos imobiliários que adquiriu nem os concretos fins que deu ao resultado dessa alienação.
Na falta de alegação nesse sentido, não é possível fazer a conexão entre o produto da alienação e as finalidades que podem estar relacionadas com o objecto cooperativo da cooperativa.
E, neste conspecto, é manifestamente insuficiente a mera alegação genérica que a venda se insere na renovação de bens de equipamento, visto que seria sempre necessário concretizar e demonstrar quais os concretos bens de equipamentos que foram efectivamente adquiridos.
Assim se concluiu que, avaliando a genérica afirmação trazida a juízo pela Impugnante que o resultado proveniente da alienação do imobilizado corpóreo no montante de 90.490,68€ se enquadra nos fins cooperativos, o certo é que não se provou qual o destino que esses resultados tiverem.
Note-se, para reforçar o antecedente, que os documentos n.ºs 6, 7 e 8 junto pela Impugnante dizem respeito a listas de bens – eventualmente existências – que foram vendidos, não se reportando aos activos imobilizados corpóreos adquiridos em resultado do proveito obtido pelas mais-valias do activo imobilizado corpóreo em 2003.
Em todo o caso, é no articulado inicial que devem constar os factos essenciais que sustentam o pedido e causa de pedir, sendo apenas atendíveis os factos essenciais alegados pelas partes, mais se considerando insuficiente para suprir a eventual falta de alegação a junção de prova documental.
Compulsada apenas a alegação de facto vazada na Petição Inicial, não se encontra a referência ao concreto destino dos resultados provenientes da alienação do activo imobilizado que permita ao Tribunal formar a convicção que a venda operada se integrou no objecto cooperativo.
Os próprios activos imobilizados corpóreos objecto de alienação não vêem discriminados na petição inicial, nem se elenca aqueles que foram adquiridos, de modo que o Tribunal não pode formular um juízo quanto a saber se os mesmos eram idóneos a serem empregues na actividade cooperativa.
Porque a AT não reconheceu o direito que a Impugnante se arroga (o direito de ver relevados negativamente as mais-valias), nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT, sendo constitutivo do direito que pretende beneficiar, é da responsabilidade da Impugnante demonstrar que os resultados obtidos com essa alienação foram aplicados em algum dos fins concretos da cooperativa, e não tendo provado tal realidade terá de ser valorada a falta de demonstração desse facto contra si.
Concluiu-se assim que, de acordo com a factualidade provada, não se encontram, manifestamente, reunidos os requisitos cumulativos para accionar a exclusão de incidência tributária, pois que a operação de alienação foi realizada pela cooperativa com não associados, cuja actividade não ficou demonstrada que foi relacionada com o seu objecto.
Quanto à correcção à matéria colectável efectuada nesta parte, improcede a ilegalidade suscitada.
A título subsidiário, e no caso de improceder a alegação de que a alienação dos bens causa se mostra abrangida pelo fim cooperativo, sustenta a Impugnante que a AT incorreu em erro no tratamento do valor a submeter a tributação.
Para tanto, sustenta que, no exercício de 2003, em que alienou bens do activo imobilizado no valor de €90.490,68, adquiriu bens do imobilizado corpóreo no valor de 10.322.909,22€.
Nesta conformidade, e porque a AT não efectuou as correcções correspondentes ao volume de reinvestimento de 50% das mais-valias realizadas, a correcção da sujeição a imposto do valor total das mais-valias realizadas (no valor global de 90.490,68€) é ilegal, devendo apenas submeter a tributação de metade do valor da mais-valia gerada (ou seja, de 45.245,34€).
Cumpre apreciar e decidir.
O conceito de lucro tributável que se acolhe no CIRC tem em vista uma noção extensiva de rendimento, de acordo com a chamada teoria do incremento patrimonial, e, portanto, é considerado como proveito a variação patrimonial positiva do património líquido do sujeito passivo entre o início e o fim do período de tributação.
Por sua vez, o conceito de mais-valias encontra-se previsto no seu artigo 43.º, n.º1, do CIRC, considerando-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas relativamente a elementos do activo imobilizado mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, e, bem assim, os derivados de sinistros ou os resultantes da afectação permanente daqueles elementos a fins alheios à actividade exercida.
As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das reintegrações ou amortizações praticadas, sem prejuízo do disposto na parte final da alínea a) do n.º 5 do artigo 29.º - cfr. artigo 43.º, n.º 2, do CIRC. Resulta do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC, que para efeitos de determinação do lucro tributável, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, calculadas nos termos dos artigos anteriores, realizadas mediante a transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado corpóreo, detidos por um período não inferior a um ano, ou em consequência de indemnizações por sinistros ocorridos nestes elementos, é considerada em metade do seu valor, sempre que, no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do segundo exercício seguinte.
Não merece provimento neste conspecto a pretensão da Impugnante, não apenas atendendo à divergência de valores já assinalados entre a quantia apurada pela AT relativa à alienação do activo imobiliário corpóreo e aquele que a Impugnante refere, o que sempre suscita dúvidas sobre o valor a considerar para efeitos de reinvestimento, mas também porque, na verdade, a Impugnante parece confundir o valor da alienação com a quantia verificada a título de mais-valia.
Compulsado a alegação contida no artigo 189.º, a Impugnante invoca que alienou bens do activo imobilizado no valor de 90.490,68€, ao passo que no artigo 194.º sustenta a ilegalidade da correcção por ter sido sujeito a imposto o valor total das mais-valias realizadas, no valor de 90.490,68€. Ora, ao abrigo das normas já citadas, é consabido que a dimensão quantitativa da mais-valia pode não coincidir com o valor da realização, contrariamente ao vertido pela Impugnante.
Por outro lado, mesmo que assim não fosse, e o valor de 90.490,68€ pudesse, em abstracto, ser considerado como de mais-valia, não é certo que a Impugnante poderia beneficiar dessa redução de 50% por se desconhecer (pelo menos tal não vem alegado, e portanto não resulta do probatório) se o activo imobilizado foi detido na esfera jurídica da Impugnante por um período não inferior a um ano, de acordo aliás, com o que prescreve a norma do n.º1 do art.º 45.º do CIRC.
Na falta de qualquer outra prova por banda da Impugnante nesse sentido, sendo que a factualidade que a mesma descreve nos artigos 169.º a 197.º da Impugnação não se encontra provada nos autos, na justa medida em que se desconhece, em completo, porque tal não vem alegado, quais os concretos bens/activos imobilizados corpóreos vendidos, o valor da realização/alineação dos bens em causa e o valor das reintegrações ou amortizações praticadas. Não é revelado, ainda, como já visto, se o valor indicado pela Impugnante se reporta ao valor da aquisição ou ao valor das mais-valias. Assim, improcede a causa de ilegalidade invocada a título subsidiário, relativo à não consideração nas correcções do valor correspondente ao volume de reinvestimento de 50% da mais-valia realizada.”
Ora, se atentarmos no teor da petição inicial podemos constatar que a segunda Recorrente havia suscitada a ilegalidade tout court da tributação das referidas operações (cf. artigos 145.º e segs. do citado articulado), assim como alegou, a título subsidiário, que a se configurarem tais operações como sujeitas a tributação as mesmas teriam que ser consideradas à luz do regime de mais valias dos então arts.º 43.º e 44.º do CIRC (cf. artigos 169.º e segs. da p.i.). Ora, sobre estas duas questões não se deixou de pronunciar a sentença recorrida.
Assim, o fulcro da presente questão gravita em torno de se saber se as referidas alienações se podem considerar como uma atividade que ainda se encontre dentro do âmbito cooperativo. Assim, como se refere no acórdão do STA de 16.09.2015, proferido no recurso n.º 01214/12 (in www.dgsi.pt):
[…] Ora, o Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC) consagra o regime fiscal das cooperativas, qualidade reconhecida à impugnante, ora recorrente. Trata-se de um regime que enquadra um sector de actividade da sociedade civil, regido por princípios próprios, identificados como os princípios cooperativos, cuja protecção constitui a razão de ser da isenção.
Daí que os resultados operacionais das cooperativas agrícolas fossem tributados a uma taxa de 20% bem mais favorável que a que era prevista no artº 69º nº 1 do CIRC na redacção da Lei 3-B/2000 de 4/4).
Dando agora atenção à limitação, supra destacada constante do nº 3 do artº 7º do EFC, entendemos que, de regra, cada uma das referidas limitações opera por si própria e, uma vez verificada a limitação, esta delimita negativamente o direito à isenção. No entanto há que ponderar que enquanto as actividades alheias aos fins cooperativos são, também, de regra praticadas com terceiros podem suceder situações em que a intervenção de terceiros para a prossecução dos fins cooperativos é meramente instrumental do fim visado.
[…]
Assim é decisivo para a solução do presente pleito definir a natureza da actividade em causa, se alheia ou não aos fins cooperativos.
[…].
Esta interpretação está, a nosso ver conforme com os ditames legais sendo certo que na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam devem ser observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis de onde decorre que a interpretação não é meramente literal, muito embora em matéria de isenções e benefícios fiscais a interpretação analógica seja proibida (artº 10º do EBF). A apreensão literal do texto da lei é o ponto essencial para a interpretação que fazemos. Dos demais elementos de interpretação que propiciam em abstracto uma tarefa de complemento interpretativo (tarefa de interligação e valoração que vai para além do domínio literal) no caso, sobressaem e relevam o elemento historio de discriminação positiva das Cooperativas e o racional ou teleológico pois que o fim visado pelo legislador ao editar a norma, é o de favorecer a actividade cooperativa através da referida isenção não obstante a actividade legislativa ser nesta matéria sempre tipificadora e limitativa.[…]”.
Na presente situação, as operações em causa foram realizadas pela Recorrente Cooperativa, com um terceiro, este entendido como um não cooperante.
De tais operações nasceu um resultado líquido, cujo destino conhecido se circunscreve às receitas da ora segunda Recorrente. Isto é, não foi demonstrado ou sequer alegado, que tais receitas tivessem sido adstritas a determinado escopo social cooperativo, não tendo, por isso a natureza mutualista que justificava a isenção. Assim, tal como se decidiu na sentença recorrida, as aludidas operações estavam sujeitas a tributação nos termos do disposto artigo 13.º, n.º 1 e do artigo 7.º, n.º 3, uma vez que constituíam operações com terceiros, desconexas com o objeto social da presente cooperativa, como se pode constatar da leitura dos respetivos estatutos.
Por isso, neste ponto, não enferma a sentença recorrida do apontado erro de julgamento.
No que diz respeito à contabilização das mais valias, também acompanhamos o decidido na sentença recorrida, na medida em que não são conhecidos quais os concretos bens/ativos imobilizados corpóreos alienados o valor da realização/venda dos bens em causa e o valor das reintegrações ou amortizações praticadas, eventuais correções monetárias e valores referentes a potenciais reinvestimentos. Elementos estes necessários para a eventual apreciação e aplicação do que ia então disposto nos artigos 43.º a 45.º do CIRC.
Deste modo, terá que ser considerado improcedente o recurso movido pela segunda Recorrente quanto a este item recursivo.
A Recorrente também invoca que o Tribunal recorrido se deixou enlaçar pela prova produzida pela AT, pondo-se em causa uma verdadeira aplicação do princípio da livre apreciação das provas. Porém a segunda Recorrente, neste conspecto, não concretiza com a necessária densidade, quais os reflexos de tais circunstâncias teriam tido no sentido decisório da decisão jurisdicional recorrida. Por isso e na ausência de melhor alegação, terá que improceder a alegação recursiva supra referida.
Finalmente, a segunda Apelante refere que o Tribunal a quo errou quando julgou que a AT cumpriu o seu dever de busca da verdade material e que recolheu
recolheu indícios, que permitissem sustentar que a AT cumpriu o ónus da prova quer sobre si impenderia.
Sobre a apontada questão da busca da verdade material e efetivação do princípio do inquisitório, exarou-se na sentença recorrida que:
“[…] Aponta a Impugnante, também a título subsidiário, a alegada ilegalidade das liquidações impugnadas com o fundamento de a AT ter aumentado os proveitos extraordinários contabilizados pela Impugnante, sem que concomitantemente tenha diligenciado apurar se no exercício anterior ou no próprio exercício em que os bens foram alienados a Impugnante reinvestiu pelo menos 50% do valor total da realização, ou se o pretendia fazer nos decurso dos dois exercícios seguintes, invocando, para tanto o primado do valor da justiça face ao valor da legalidade.
Em primeiro lugar, e em decorrência do que acima se disse, uma vez que não se contempla na presente situação a aplicação do artigo 45.º do CIRC, pelas considerações já expendidas, uma eventual omissão na realização de diligências com vista a obter o seu efeito jurídico também carece de relevância anulatória dos actos em apreço, uma vez que não ficou demonstrado pela Impugnante que, em relação ao valor referido pela AT a título de conta 794 “alienação de imobilizado corpóreo” (3.940,52€), haja que se aplicar o regime decorrente das mais-valias.
Mas, por outro lado, também não são adensadas nem concretizadas quais as concretas diligências probatórias que, no entendimento da Impugnante, deviam ter lugar para a aplicação do referido preceito legal, pois não se pode perder de vista que a Impugnante não participou no âmbito do procedimento inspectivo, através da audiência prévia, pelo que sempre se desconhece se, a ter existido um momento próprio para a confluência entre as posições da AT e do contribuinte (audiência prévia), a dúvida sobre a aplicação do artigo 45.º CIRC teria ocorrido.
É certo que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, encontra-se vinculada ao princípio do inquisitório (cfr. artigo 58.º, da LGT), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. A AT está obrigada no procedimento a realizar todas as diligências de prova relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, ainda que visem factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração.
Todavia, in casu, não se vislumbra a omissão de qualquer diligência tida como essencial cuja consequência jurídica seja a anulação dos actos tributários em apreço, pois se ao Tribunal não se afigurou, em face da alegação da Impugnante, a aplicação efectiva do referido regime jurídico, também não se pode sancionar a eventual omissão pela AT de diligências, atendendo, não apenas ao silêncio do contribuinte ao longo do procedimento, mas sobretudo considerando a ausência de indícios de que na situação em apreço haveria lugar à aplicação do artigo 45.º do CIRC

d) A violação dos princípios da verdade material e do inquisitório:
Sustenta a Impugnante que no caso dos presentes autos, a AT violou o disposto no artigo 58.º da LGT, posto que lhe era exigível a realização de todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material.
O procedimento tributário de inspecção visa a descoberta da verdade material, em execução do princípio do inquisitório, corresponde a um relevante princípio constitucional da tributação, consagrado no artigo 6.º do RCPIT, e no artigo 58.º do CPPT, o qual impõe que a Administração Tributária, no âmbito do procedimento de inspecção, procure recolher os elementos probatórios que possibilitem fundamentar convenientemente o acto tributário que venha a ser praticado.
A Impugnante refere que não foi realizada nenhuma diligência no sentido de apurar: a) a organização e tratamento dos elementos com relevância contabilística por parte da “A.”, b) da veracidade e boa-fé da declaração fiscal da impugnante, em conformidade com o adequado tratamento de todos os elementos com relevância tributária; c) correcto enquadramento das operações postas em crise, d) do conceito de indústria do leite e derivados, e) do preço de venda de cada litro de leite à L., f) da necessidade de a A. gerir e administrar o volume de produção de leite na circunscrição geográfica afecta à sua actuação; g) qualificar as operações em exame à luz dos fins estatutariamente prosseguimentos pela A…., h) da realização de reinvestimento do valor obtido e associado à mais-valia.
Ora, as mencionadas e citadas “diligências” não são mais que meras conclusões jurídicas ou a imputação de erros na qualificação e quantificação da matéria colectável, os quais permitem, no caso da sua procedência, concluir pela anulação parcial do acto tributário. Todavia, essas afirmações não contendem, directamente, com a recolha e investigação de elementos factuais – concretas diligências probatórias com vista a apurar a realidade dos factos – nem com concretas operações investigatórias que não foram desencadeadas e que permitiriam apurar a realidade subjacente ao procedimento, em obediência dos princípios da verdade material e do examinado princípio do inquisitório.
Também não se mostra procedente a afirmação de que houve omissão do exame detalhado e circunstanciado dos respectivos documentos de suporte contabilísticos da Impugnante, dado que nem sequer vêm referidos quais os concretos elementos que não foram considerados pela AT.
Por outro lado, sempre se diga que a omissão da eventual interpretação do estatuto da A e a sua concomitante correlação com as normas previstas para a isenção do imposto em análise, releva apenas para efeitos de subsunção jurídica e eventual erro nos pressupostos de direito perpetrado pelos actos impugnados e não contende directamente com a violação de qualquer diligência probatória.
Por último não se logra percorrer o iter argumentativo da Impugnante na parte em que esta refere que não foram ouvidos os intervenientes indicados pela impugnante, quando, na verdade, ressuma do probatório a ausência de participação da Impugnante no âmbito da audiência prévia, local próprio e por excelência para indicar as testemunhas e demais meios probatórios que reputasse de necessários para infirmar as conclusões provisórias contidas no projecto do relatório de inspecção.
Em suma, improcede a alegada violação dos princípios da verdade material e do inquisitório.[…]”.
Ora, sobre a apontada questão, devemos referir que a ora Recorrente não nos esclarece no seu recurso, que concreta atuação dos serviços da AT, teria redundado na violação dos apontados princípios gerais. Deste modo e quanto à suposta infração dos princípios da verdade material e do inquisitório (art.º 58.º da LGT), não vislumbramos que caiba qualquer possível censura jurídica à sentença apelada.
Por último e no que tange à invocada ausência de indícios sérios e congruentes que justificassem o recurso à aplicação das correções técnicas efetuadas, a sentença recorrida deu como implicitamente desnecessária a sua apreciação, quando considerou que o ónus da prova dos factos que a consubstanciariam a não sujeição das operações supra referidas, caberia à ora segunda Recorrente, isto nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT.
Ora, efetivamente o que está aqui em causa não é tanto a apreciação da prova feita por indícios de qualquer natureza. O que está em causa é caraterização de um conjunto de operações referentes à alienação de existências e de ativos do imobilizado corpóreo, caraterização que é questão de direito e que já aqui decidimos. Assim, não colhe a argumentação da necessidade de recolha de indícios, quando não são estes os que sustentam a prova efetuada pela AT em sede inspetiva, uma vez que o que estão aqui em causa não são factos indicativos, mas sim de factos concretos, diretos e tangíveis.
Por isso, terá que improceder o presente ponto recursivo.

Concluindo, dir-se-á que terá que improceder na totalidade o recurso apresentado pela segunda Recorrente (A. - União das Cooperativas).
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Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte sumário:

I – Ao recorrente que apresente recurso incidente sobre a matéria de facto, cabe cumprir os ónus processuais previstos no art.º 640.º do novo CPC, sob pena de rejeição do mesmo.

II – Quanto às cooperativas agrícolas o regime regra de tributação em sede de IRC é o da isenção nos termos do EFC (Estatuto Fiscal Cooperativo). Assim, o regime de tributação do resultado ou determinados resultados daquele tipo de cooperativas configura uma exceção, sendo que esta última, ou seja, a possibilidade de tributação, se encontra circunscrita às situações enquadráveis no n.º 3 do art.º 7.º do EFC.

III – Enquadra-se na situação de exceção de tributação, as operações feitas por uma cooperativa com terceiros não cooperantes e de cujo resultado não emerja uma conexão com o escopo social daquela.
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V – Dispositivo

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento a ambos os recursos, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas por ambas as Recorrentes (por vencidas)

Porto, 20 de janeiro de 2022

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Vítor Salazar Unas
Ana Patrocínio