Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00517/18.0BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/05/2020
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:PRESCRIÇÃO: PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL; INSOLVÊNCIA; NULIDADE INSUPRÍVEL: INFRAÇÃO CONTINUADA
Sumário:I. O artigo 79.º, n.º 1, do RGIT exige que a decisão de aplicação da coima contenha ou observe determinados requisitos, entre os quais, a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas. O objetivo de tal exigência prende-se com assegurar aos arguidos a possibilidade do exercício efetivo dos seus direitos de defesa, o que só poderá ser conseguido se o mesmo tiver conhecimento efetivo dos factos que lhe são imputados e das normas legais em que se enquadram.

II. A decisão administrativa de aplicação da coima que se limita a indicar, no caso do IRS, como normas violadas as constantes do artigo 99.º n.º1 do CIRS e punitivas os artigo 114.º, n.º 1 e 2 e 26.º, n.º 4 do RGIT e no IVA o art.º 27.º, n.º 1 e do artigo 41.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA e como normas punitivas as dos artigos 114.º, n.º 2 e do artigo 26.º, n.º 4 do RGIT omitido qualquer referência ao artigo 114.º, n.º 5, alínea a), do RGIT, ou outra alíneas não cumpre as exigências do artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, pondo em causa os direitos de defesa do arguido.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:J., S.A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
A Recorrente, J., SA, interpôs recurso jurisdicional da sentença que julgou o recurso totalmente improcedente e, em consequência, condenou-a pela prática das contraordenações identificadas no “documento dos dados da fixação da coima” de folhas 205 verso a 235 verso, com a alteração de valores de coimas das infrações identificadas na sentença, e em cúmulo material , no valor de €119.583,55.

A Recorrente não se conformou tendo interposto recurso formulou as seguintes conclusões:

A) A recorrente foi declarada insolvente por sentença de 21.06.2017 do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, no âmbito do Processo n° 2479/17.2T8OAZ conforme consta da cópia do anúncio que juntou e da certidão do registo comercial;
B) Constitui entendimento uniforme do Supremo Tribunal Administrativo que a declaração de insolvência equivale, para efeitos fiscais, à morte do infractor, por integrar um dos fundamentos de dissolução das sociedades, daí decorrendo a extinção do procedimento contra-ordenacional e da responsabilidade pelo pagamento de coimas para efeitos do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 61.° e 62° do Regime Geral das Infracções Tributárias, não havendo que aguardar pelo encerramento da liquidação da pessoa colectiva;
C) Este entendimento vem sendo afirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo desde há vários anos, designadamente desde a entrada em vigor do CIRE e está expresso, entre outros, nos Acórdãos de 14.11.2018 (Proc. 3044/12.6BELRS), de 03.10.2018 (Proc. 721/18), de 22.03.2018 (Proc. 76/18), de 28.02.2018 (Proc. 1314/17), de 24.01.2018 (Proc. 1311/17), 20.12.2017 (Proc. 309/17), 01.06.2016 (Proc. 515/16), 27.01.2016 (proc. 870/16), 21.10.2015 (Proc. 610/15), 02.07.2014 (Proc. 638/14), 09.02.2011 (Proc. 617/10) e de 12.03.2008 (Proc. 1053/07);
D) Sendo este o entendimento que sufragamos e consideramos ser aplicável ao caso em apreço, a decisão sob recurso perfilhou solução diversa, motivo por que consideramos padecer de erro de julgamento e violar o disposto nos artigos 61° e 62° do RGIT;
E) Sem prescindir, verifica-se a nulidade da decisão que aplicou a coima por falta de cumprimento dos requisitos enunciados no art. 79°, n° 1 do RGIT, atenta a indicação incorrecta da norma punitiva (o art. 114°, n° 2 do RGIT), no que se refere às 48 coimas aplicadas por falta de retenção na fonte de IRS e às 46 coimas aplicadas por falta de entrega de IVA, em face da descrição sumária dos factos que consta dessa decisão;
F) No que respeita à falta de retenção na fonte de IRS e conforme consta da decisão que aplicou a coima, do auto de notícia e do relatório da inspecção tributária que lhe estão subjacentes, a mesma deve-se ao facto de a sociedade recorrente não ter efectuado retenção na fonte de IRS aquando do pagamento de ajudas de custo aos seus colaboradores, nos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014;
G) A decisão que aplicou à recorrente 48 coimas por esta falta, considera ter sido violado o art. 99° do CIRS e que esta infracção é a prevista e punida pelo art. 114°, nos 2 e 4 do RGIT;
H) Já no que respeita à falta de entrega de IVA, segundo consta da decisão administrativa, do auto de notícia e do relatório da inspecção tributária que lhe estão subjacentes, a mesma deve-se a falta de entrega de imposto conjuntamente com a declaração periódica, em vários períodos dos anos de 2011 a 2014, tendo sido aplicadas à recorrente 46 coimas, mencionando a decisão administrativa terem sido violados os arts. 27°, n° 1 e 41° do CIVA e sancionada a falta por remissão para o art. 114°, n° 2, do RGIT;
I) Ora, da previsão do n° 2 do art. 114° do RGIT resulta que esta norma prevê o mesmo facto tipificado no n° 1 do mesmo preceito, mas cometido de forma negligente, e a previsão do no 1 do art. 114° do RGIT não abrange as situações em que o imposto que deve ser entregue não está em poder do contribuinte, por este não o ter retido ou deduzido, tal como sucede na situação em apreço, em que não foi efectuada retenção na fonte sobre determinados rendimentos, e em que o IVA a entregar ao Estado não corresponde à "prestação tributária deduzida nos termos da lei", mas sim à diferença positiva entre o IVA suportado nas aquisições de bens ou serviços e o IVA a cuja dedução o contribuinte tem direito;
J) Como se assinala no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17.10.2013, «7. Com a utilização da expressão "prestação tributária deduzida" no art. 114, do R.G.I.T., o legislador pretendeu aludir a todas as situações em que é apurada uma prestação tributária, isto é, uma quantia de imposto (...) pelo sujeito passivo e através de uma subtracção de uma quantia global, sendo que tal montante tem de ser entregue à A. Fiscal. 8. A infracção imputada ao arguido no art. 114, n° 2, do R.G.I.T., não se basta com uma pura omissão de um dever de agir, contém na sua descrição típica, para além disso, um elemento adicional, que, ao constituir um pressuposto da punição, tem que estar suportado em factos descritos na decisão de aplicação da coima: o de que a prestação não entregue se trate de uma "prestação tributária deduzida nos termos da lei" (cfr. art. 114°, n° 1, do R.G.I.T.). Assim, a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal de contra-ordenação em causa e consequentemente para que se cumpra a "descrição sumária dos factos" que há-de constar da decisão administrativa de aplicação de coima, terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida.»;
K) Ora, da decisão que aplicou 48 coimas por infracção ao art. 99°, n° 1 do CIRS, consta expressamente que se tratou de falta de retenção na fonte de IRS sobre rendimentos da Categoria A (ajudas de custo pagas pela recorrente aos seus funcionários) - e não da falta de entrega de retenção efectuada - pelo que, falha em absoluto o pressuposto essencial do tipo legal de contra-ordenação, que é, como vimos, a prévia retenção ou dedução do imposto cujo pagamento está em falta, o que afasta a possibilidade de preenchimento da conduta prevista naquela norma;
L) E o mesmo se verifica no que respeita às infracções por falta de entrega de IVA, porquanto é entendimento unânime e reiterado do Supremo Tribunal Administrativo que "Não preenche o tipo legal de contra-ordenação previsto e punido nos números 1 e 2 do art. 114° do RGIT a falta de entrega da prestação tributária de IVA, pois no IVA a prestação a entregar é, não a prestação deduzida, mas a diferença positiva entre o imposto suportado pelo sujeito passivo e o imposto a cuja dedução tem direito.", como decorre das decisões proferidas nos Acórdãos de 22.03.2011 (Proc. n° 1037/10), 11.05.2011 (Proc. n° 209/11) 26.09.2012 (Proc. n° 729/12), 16.01.2013 (Proc. n° 1064112) e de 13.03.2013 (Proc. n° 1451/12);
M) O requisito da decisão administrativa de aplicação da coima "descrição sumária dos factos", constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.° do RGIT, tem que ser interpretado em correlação necessária com o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima não são outros senão os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada;
N) Como se salienta no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.10.2015, proferido no Proc. 218/15, "II- Se os factos descritos não são factos tipicamente ilícitos e os factos tipicamente ilícitos alegadamente cometidos não vêm descritos na decisão de aplicação da coima, o processo de contra-ordenação enferma de nulidade insuprível (artigos 63° e 79°, n° 1, alínea b) do RGIT).";
O) Pelo que, verificando-se que as normas constantes da decisão que aplicou as coimas em sede de IRS e IVA e que enquadram a conduta considerada como ilícita não estão correctamente referenciadas, não pode considerar-se ter sido cumprido o requisito a que alude a alínea b) do n° 1 do art. 79° do RGIT;
P) Em consequência, a decisão que aplicou as coimas em sede de IRS e IVA padece de nulidade insuprível por falta dos requisitos legais da decisão, conforme determina o art. 63°, n° 1, al. d) do RGIT, motivo por que devia ter sido anulada;
Q) A par da aplicação das 48 coimas por falta de retenção na fonte de IRS a que nos acabamos de referir, a decisão administrativa aplicou ainda mais 4 coimas à arguida, uma por cada ano (2011 a 2014), pela prática de omissões e inexactidões nas declarações de rendimentos pagos e retenções apresentadas à Autoridade Tributária (art. 119°, n° 1, al. c) do CIRS), infracção prevista e punida pelo art. 119°, nos 1 e 2 do RGIT;
R) A este respeito, a recorrente invocou na impugnação judiciai desta decisão, que, caso viesse a ser considerado aplicável à situação da falta de retenção na fonte supra descrita o tipo legal previsto no art. 114°, n° 4 do RGIT, por força da teoria da consumpção este tipo legal consumiria o previsto no art. 119°, n°s 1 e 2 do RGIT;
S) Na verdade, comparando os bens jurídicos que se destinam a ser protegidos com a previsão dos tipos legais em causa e analisando a situação em concreto, a norma do art. 119°, n° 1 do RGIT pune o pôr-se em perigo a lesão do bem jurídico cuja lesão efectiva ocorre com o preenchimento do tipo legal previsto no art. 114°, n° 4 do RGIT;
T) Por essa razão, a punição das omissões e inexactidões nas declarações de retenções na fonte a que se refere o art. 119°, n° 1 do RGIT fica prejudicada se e quando, por força dessa omissão ou inexactidão, venha efectivamente a preencher-se o tipo legal previsto no art. 114°, n° 4 do RGIT, por falta de efectiva retenção na fonte sobre rendimentos e, consequentemente, falta de entrega dessa quantia ao Estado;
U) No caso em apreço, como a retenção na fonte de IRS não foi efectuada, não foi mencionada na declaração de retenções mensalmente entregue ao Estado nem, consequentemente, foi paga a correspondente prestação tributária, pelo que, a falta de entrega da retenção consome, neste caso, a omissão dessa retenção na declaração entregue ao Estado a este respeito;
V) Por último, e quanto às coimas aplicadas em sede de IRC, IVA e IRS no âmbito da previsão dos arts. 119°, nos 1 e 2 e 114°, nos 2 e 4 do RGIT, verifica-se a prática de infracções continuadas, determinantes da aplicação de uma coima única, em cada cédula de imposto, a fixar de acordo com o critério previsto no art. 79° do Código Penal;
W) Com efeito, nas declarações Mod. 22 do IRC relativas aos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, foram declarados indevidamente gastos e depreciações, originando a infracção prevista e punida no art. 119°, n° 1 e 2, do R.G.I.T., correspondente à prática de omissões e inexactidões naquelas declarações, tendo sido aplicadas a este respeito quatro coimas de, respectivamente, 187,50 € em 2011 e 2014 e de 750,00 € em 2012 e 2013;
X) A recorrente contabilizou e inscreveu nas declarações Mod. 22 do IRC dos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, gastos e depreciações que não foram aceites pela Administração Fiscal, no pressuposto errado de que o podia fazer, cometendo, assim, o mesmo erro sistematicamente, porque se trata do mesmo tipo de despesas e de documentos, que se repetiram durante 4 anos, levando a que tivessem sido declarados aqueles gastos e depreciações, no pressuposto (errado) de que o podia fazer, condicionalismo que concorre para a diminuição do grau da culpa, tomando menos exigível um comportamento diverso;
Y) Pelo que, devia ter sido considerada praticada uma só infracção ao art. 17° e 120° do CIRC, na forma continuada, dando lugar à aplicação de uma só coima, determinada em função da conduta mais grave que integra a continuação e de acordo com a moldura prevista no art. 119° do RGIT;
Z) No que respeita ao IRS, estão em causa as 48 coimas aplicadas por falta de retenção na fonte sobre as ajudas de custo pagas pela recorrente aos seus colaboradores, nos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, sancionada nos termos do art. 114°, nos 2 e 4 do RGIT, tendo a recorrente invocado, a este respeito, na impugnação judicial da decisão que aplicou as coimas que, a considerar-se ser aplicável a esta situação a previsão do art. 114°, n°s 2 e 4 do RGIT e não se verificando, consequentemente, a nulidade insuprível a que se refere o art. 79°, n° 1 alínea b) do RGIT, estaríamos, então, em face de infracção continuada,
AA) Por estar em causa a omissão de retenção na fonte sobre os valores pagos a título de ajudas de custo, sistematicamente cometida, todos os meses, ao longo de 4 anos, no pressuposto de que essa retenção não era devida;
BB) Isto porque, também neste caso a recorrente, através de várias acções consubstanciadas no pagamento de ajudas de custo ao longo dos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, não efectuou retenção na fonte sobre esses rendimentos, no pressuposto de que não era devida essa retenção e que veio a revelar-se estar errado, tomando, contudo, menos exigível um comportamento diverso e diminuindo, por essa razão, a culpa inerente a esta actuação;
CC) Por essa razão e salvo o devido respeito, encontram-se preenchidos os pressupostos da infracção continuada, conduzindo à aplicação de uma única coima aplicada em função do período em que o valor da retenção não efectuada é maior - cfr. arts. 30° e 79° do Cód. Penal, aplicável nos termos do art. 3° do R.G.I.T. e do art. 32° do R.G.C.O.;
DD) Por último e no que respeita a IVA, foram aplicadas 44 coimas pela prática de omissões e inexactidões nas declarações periódicas de IVA (por infracção ao art. 29° do CIVA), sancionadas pelo art. 119°, n° 1 do R.G.I.T., resultantes de deduções indevidas do imposto provenientes da mesma fonte ou natureza, i.e., de operações e documentos do mesmo tipo, sobre os quais a recorrente considerou, erradamente, ser dedutível o IVA expresso nos mesmos;
EE) Uma vez mais se constata que estamos em face de um erro, desta vez quanto à dedutibilidade do IVA contido em determinados documentos, que conduziu a que a recorrente praticasse, sistematicamente, esse erro nas declarações periódicas apresentadas à AT, o que nos remete, de novo, para a figura da infracção continuada dada a persistência e a uniformidade do erro cometido e da acção que lhe está associada, conduzindo a que a censura desta conduta seja menor;
FF) Assim, em todas as omissões e inexactidões descritas, seja em sede de IRC, IVA ou IRS, o procedimento foi o mesmo — o preenchimento de uma declaração fiscal e a sua entrega — e a acção resulta do mesmo circunstancialismo externo: o erro quanto à dedutibilidade do custo ou do IVA ou quanto à obrigação de efectuar retenção na fonte sobre ajudas de custo, que se repetiu de forma homogénea sempre que a respectiva declaração fiscal foi apresentada, propiciando a repetição do erro e diminuindo a culpa da recorrente;
GG) Pelo que estamos, em qualquer dos casos, perante um concurso real de infracções, revelando a situação concreta a prática de infracções sob a forma continuada, compatíveis com o regime do cúmulo material de sanções previsto no art. 25° do RGIT;
HH) A decisão recorrida não fez um correcto enquadramento desta questão, porquanto fundamentou a inexistência de infracção continuada sustentando que "(...) as condutas não revelam qualquer continuidade duma única resolução na prática das infracções, mas diferentes resoluções, uma por cada infracção separada no tempo revelada em cada deliberação em que se consuma cada uma das infracções sancionadas.", (...)"não consegue configurar-se uma diminuição considerável da culpa do agente numa situação de facto em que há diferentes infracções, em diferentes impostos e por períodos diferentes.",
II) Quando é pressuposto da infracção continuada, precisamente, que haja uma pluralidade de resoluções, i.e., uma resolução por cada infracção, embora no âmbito do mesmo quadro factual;
JJ) O crime continuado pressupõe, ainda, uma violação plúrima do «mesmo» tipo de crime ou de «vários» tipos de crime, que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico;
KK) No caso em apreço, e no que respeita às infracções que originaram a aplicação de coimas em sede de IRC e de IVA pela prática de omissões ou inexactidões nas declarações periódicas, o bem jurídico cuja tutela se pretende assegurar através da previsão do art. 119°, nos 1 e 2 do RGIT, é o mesmo, ou seja, a prevenção de eventuais lesões do direito do Estado em arrecadar as receitas de impostos que lhe são devidas;
LL) Deste modo, afigura-se viável a aplicação de uma única sanção pelas 4 infracções praticadas em sede de IRC, sancionadas pelo art. 119° do RGIT, bem como, a aplicação de uma única sanção pelas 44 infracções praticadas em sede de IVA, sancionadas, igualmente, pelo art. 119° do RGIT;
MM) No que concerne às infracções em sede de IRS, por não ter sido feita retenção na fonte sobre determinados rendimentos de cada vez que foram pagos, o bem jurídico cuja tutela se pretende assegurar através da previsão do art. 114°, n° 1 e 4 do RGIT é o direito à receita tributária no prazo legal;
NN) Pelo que, as infracções a este respeito imputadas à recorrente destinam-se a proteger o mesmo bem jurídico, e estão tipificadas no mesmo tipo legal - o do art. 114° do RGIT - não havendo, assim, impedimento à aplicação de uma única sanção, pela prática de uma infracção sob a forma continuada;
OO) Acresce que, no que respeita à diminuição da culpa, como se assinala no Acórdão do STJ de 9.11.2000, no Proc. n° 00P2607 «O fundamento desta diminuição da culpa encontra-se na disposição exterior das coisas para o facto, isto é, no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas do agente e o pressuposto da continuação criminosa será assim e verdadeiramente a existência de uma relação que, de fora, e de modo considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente»;
PP) Ora, no caso das infracções em sede de IRC, estamos em face do mesmo quadro exterior - o tratamento contabilístico e fiscal de documentos que titulam despesas - que se repete durante 4 anos consecutivos e em face da mesma convicção de que a despesa e/ou a amortização é fiscalmente aceite, porquanto nenhum indicio de irregularidade foi manifestado por parte da AT durante 4 anos, após a entrega de cada uma das declarações Mod. 22 do IRC;
QQ) E em sede de IVA, a recorrente praticou omissões e inexactidões nas declarações periódicas de IVA em resultado de deduções indevidas do imposto, provenientes de operações e documentos do mesmo tipo, sobre os quais a recorrente considerou, erradamente, ser dedutível o IVA expresso nos mesmos;
RR) Pelo que, se constata que estamos em face de um erro quanto à dedutibilidade do IVA contido em determinados documentos, que conduziu a que a recorrente praticasse, sistematicamente, esse erro nas declarações periódicas apresentadas à AT;
SS) E o mesmo se verifica no que respeita à omissão de retenção na fonte de IRS, uma vez que, também neste caso a recorrente, através de várias acções consubstanciadas no pagamento de ajudas de custo ao longo dos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, não efectuou retenção na fonte sobre esses rendimentos, no pressuposto de que não era devida essa retenção;
TT) Estamos, assim, em face do mesmo quadro exterior - o tratamento contabilístico e fiscal das ajudas de custo pagas aos funcionários - que se repete durante vários meses ao longo de 4 anos consecutivos e em face da mesma convicção de que não há obrigação de efectuar retenção na fonte sobre esse rendimento,
UU) O que conduz à renovação da resolução de não efectuar a retenção na fonte, devido à mesma solicitação externa, que facilita a sucessiva prática do ilícito, ao mesmo tempo que retira ao agente a capacidade de se aperceber que a conduta é ilícita;
VV) Estas circunstâncias contribuem, a nosso ver, para a diminuição da culpa na continuação da actividade criminosa, i.e., na repetição da prática dos ilícitos contra-ordenacionais aqui em causa,
WW) Consubstanciando a reunião dos pressupostos da infracção continuada, pelo que deviam ter sido unificadas as infracções cometidas em cada cédula de imposto supra referida e aplicada uma coima única, determinada em função da infracção que em concreto se revele mais gravosa, das que integram a continuação, conforme se estatui no art. 79./1 do Código Penal;
XX) Em face do exposto, a decisão recorrida fez uma incorrecta apreciação dos factos e do direito aplicável, violando o disposto nos artigos 61°, 62° e 79°, n° 1, alínea b) do RGIT, 30° e 79° do Código Penal aplicável por força do artigo 3° do RGIT e do artigo 32° do RGCO, motivo por que deve ser revogada.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTOS DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, COMO É DE INTEIRA JUSTIÇA.(…)”

O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no entendimento que deve ser negado provimento ao recurso mantendo-se a sentença recorrida.


Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF e atendendo à situação atual de pandemia, dispensa-se os vistos do Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, submetendo-se à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
As conclusões das alegações do recurso definem, o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal de recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração nos termos conjugados dos artºs 412.º, nº.1, do Código do Processo Penal, “ex vi” do artº.3, al. b), do RIGIT, e do artº.74, nº.4, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aprovado pelo Dec. Lei n.º 433/82, de 27.10.
Prevê o artigo 75.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social que a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.
As questões no presente recurso, a apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento: (i) por violação dos art.ºs 61.º e 62.º do RGIT; (ii) por não julgar verificada nulidade insuprível por falta dos requisito a que alude a alínea b) do art.º 79.º do RGIT, (iii) e não julgar verificada relativamente ao IRS, IVA e IRC infrações continuadas, respetivamente.

3. DO JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, a sentença recorrida não fixou expressamente matéria de facto tendo extraído certidão do documento dados de fixação de coima ordenando a sua junção à sentença recorrida, constante de fls. 270 a 300 dos autos.

4. DO JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. O Recorrente nas suas conclusões A a D) alega que foi declarada insolvente por sentença de 21.06.2017 do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, no âmbito do Processo n° 2479/17.2T8OAZ.
E que constitui entendimento uniforme do Supremo Tribunal Administrativo que a declaração de insolvência equivale, para efeitos fiscais, à morte do infrator, por integrar um dos fundamentos de dissolução das sociedades, daí decorrendo a extinção do procedimento contraordenacional e da responsabilidade pelo pagamento de coimas para efeitos do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 61.° e 62° do Regime Geral das Infrações Tributárias, não havendo que aguardar pelo encerramento da liquidação da pessoa coletiva.
Vejamos:
A sentença recorrida entendeu que apesar de ter sido declarada insolvente, por sentença transitada em julgado em 13.07.2017, o referido processo foi encerrado pela homologação do plano de insolvência que previu o regresso à atividade. E nessa conformidade e atendendo que não foi demonstrado o registo do encerramento da sua liquidação não ocorreu a morte da Arguida não havendo fundamento legal para declarar extinto o procedimento de contraordenação.
E desde já se diga que a sentença recorrida, neste segmento decisório não nos merece censura.
Dos presentes autos não consta que a sociedade foi declarada judicialmente insolvente e encerrada a atividade, mas que, e sobretudo, por sentença foi homologado um plano de insolvência proveniente de um plano de recuperação aprovado por deliberação da assembleia de credores.
Com efeito, a realidade que preside ao caso é completamente diversa daquelas que reiterada e uniformemente o STA tem aplicado a sua jurisprudência, chamada à colação pela Recorrente.
A situação concreta dos autos não é uma declaração de insolvência com apreensão total dos bens da insolvente e cessação da atividade.
Na verdade, não resulta dos autos que a Arguida foi judicialmente declarada insolvente e que encerrou atividade.
Antes pelo contrário, foi aprovado um plano de recuperação com continuação da atividade em laboração com vista ao cumprimento daquele plano.
O art.º 65.º do CIRE estabelece que as obrigações fiscais se extinguem com a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento [art. 156.º, n.º2], o que deve ser comunicado oficiosamente pelo Tribunal à Administração Tributária para efeitos de cessação da atividade; e na falta dessa deliberação, as ditas obrigações fiscais passam a ser da responsabilidade daquele a quem a administração do insolvente tenha sido cometida e enquanto esta durar. (Ac. do STA de 12.09.2018 no recurso n.º 0576/18).
Portanto o plano de insolvência tem por finalidade a recuperação da empresa [cfr. arts. 192.º, n.º3 e 230.º do CIRE] a declaração de insolvência “tout court” é que poderá ter como fim o encerramento e liquidação da sociedade.
Por conseguinte não estando perante uma apreensão total de bens da insolvente acompanhada do encerramento da atividade não se verifica a previsão do art.º 61.º, al. a) e 62.º do RGIT. (Cfr. acórdãos do TCAN n.º 706/18.8 BEAVR de 26.09.2019 e 705/18.8 Bevis de 07.11.2019)
Destarte a sentença recorrida fez um correto julgamento pelo que improcede a pretensão da Recorrente.

4.2. Nas conclusões E) a P) a Recorrente alega, em síntese que, se verifica a nulidade da decisão que aplicou várias coimas por falta de cumprimento dos requisitos enunciados no art.º 79°, n° 1 do RGIT, atenta a indicação incorreta da norma punitiva (o art.º 114°, n° 2 do RGIT), no que se refere às 48 coimas aplicadas por falta de retenção na fonte de IRS e às 46 coimas aplicadas por falta de entrega de IVA, em face da descrição sumária dos factos que consta dessa decisão.
A decisão que aplicou à Recorrente 48 coimas por esta falta, considera ter sido violado o art.º 99° do CIRS e que esta infração é a prevista e punida pelo art.º 114°, nos 2 e 4 do RGIT.
No que concerne ao IVA, a decisão que aplicou à Recorrente 46 coimas por esta falta, mencionando a decisão administrativa terem sido violados os artºs. 27°, n° 1 e 41° do CIVA e sancionada a falta por remissão para o art.º 114°, n° 2, do RGIT.
Concluiu a Recorrente que a decisão administrativa está eivada de nulidade insuprível por não ter cumprido o requisito a que alude a alínea b) do art.º 79.º do RGIT que tem por consequência a nulidade insuprível por falta de requisitos legais da decisão, conforme determina o art.º 63.º n.1 al. d) do RGIT, motivo pelas quais devem ser anuladas.
Vejamos:
A sentença recorrida entendeu que as nulidades invocadas não se verificavam e julgou improcedente.
Importa apreciar e decidir se a decisão de aplicação de coima violou os artigos 79.º, n.º 1, alínea b) e 63.º, n.º 1, alínea d), ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), na medida em que, segundo a Recorrente, a decisão de aplicação da coima padece de nulidade insuprível, por omissão de indicação de norma legal aplicável.
O artigo 114.º do RGIT prevê a aplicação de coima nas seguintes situações: “1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.
2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido. (Redação dada pelo artigo 155.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
3 - Para os efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja.
4 - As coimas previstas nos números anteriores são também aplicáveis em qualquer caso de não entrega, dolosa ou negligente, da prestação tributária que, embora não tenha sido deduzida, o devesse ser nos termos da lei.
5 - Para efeitos contraordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:
a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em fatura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em fatura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou retificação sem observância dos termos legais; (Redação dada pelo artigo 113.º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro)
b) A falta de pedido de liquidação do imposto que deva preceder a alienação ou aquisição de bens;
c) A falta de pedido de liquidação do imposto que deva ter lugar em prazo posterior à aquisição de bens;
d) A alienação de quaisquer bens ou o pedido de levantamento, registo, depósito ou pagamento de valores ou títulos que devam ser precedidos do pagamento de impostos; e) A falta de liquidação, do pagamento ou da entrega nos cofres do Estado do imposto que recaia autonomamente sobre documentos, livros, papéis e atos;
f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta.
6 - O pagamento do imposto por forma diferente da legalmente prevista é punível com coima de (euro) 75 a (euro) 2000. (Redação dada pelo artigo 155.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro).”
Por sua vez, o artigo 63.º, nºs 1, al. d) e 3 do RGIT dispõe que:
1 - Constituem nulidades insupríveis no processo de contraordenação tributário:
(…)
d) A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido.
(…)
3 - As nulidades dos atos referidos no n.º 1 têm por efeito a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente, devendo, porém, aproveitar-se as peças úteis ao apuramento dos factos.”
Dispõe o artigo 79.º do RGIT, sob a epígrafe “Requisitos da decisão que aplica a coima”, o seguinte:
“1 - A decisão que aplica a coima contém:
a) A identificação do infrator e eventuais comparticipantes;
b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;
c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infrator tiver entretanto melhorado de forma sensível;
e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f) A condenação em custas.
2 - A notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da decisão e do montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de 20 dias, o infrator deve efetuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva.
3 - A notificação referida no número anterior é sempre da competência do serviço tributário referido no artigo 67.º”
Analisando o “documento de dados de fixação das coimas”, constante de fls. 205 verso a 235 verso, torna-se uma tarefa difícil, uma vez que a Administração Fiscal, não cuidou de fazer listagem das infrações aplicadas, mas remetendo um documento do qual constam registos de várias infrações algumas das quais se encontram inativas.
Relativamente às infrações do IRS, com números 98 a 144 e 150 consta o período a que respeita a infração o montante de imposto exigível, e ainda para todas a seguintes menção: “Norma infringida: CIRS- Art.º 99 n.º 1 do CIRS – Não retenção ou retenção insuficiente de imposto sobre rendimentos das categorias A) H).
E na “Norma Punitiva: RGIT - Art.º 114 n.º 2 e 4 e 26.º n.º 4 do RGIT- Não entrega da prestação tributária que, embora não deduzida, o devesse ser nos termos da lei. “
Relativamente às infrações do IVA, com números 157 a 190, 192 a 204, 210 e 211 consta o período a respeita a infração o montante de imposto exigível, e ainda para todas a seguintes menção “Norma infringida: CIVA- Art.º 27 n.º 1, 41 CIVA – Falta de entrega de imposto exigível conjuntamente respetiva declaração periódica.
E na “Norma Punitiva: RGIT - Art.º 114 n.º 2 e 26.º n.º 4 do RGIT- Falta de entrega prest. tributária dentro do prazo.”
Efetivamente, o artigo 79.º, n.º 1, do RGIT exige que a decisão de aplicação da coima contenha ou observe determinados requisitos, entre os quais, a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas. O objetivo de tal exigência prende-se com assegurar aos arguidos a possibilidade do exercício efetivo dos seus direitos de defesa, o que só poderá ser conseguido se o mesmo tiver conhecimento efetivo dos factos que lhe são imputados e das normas legais em que se enquadram. Neste sentido, referem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infrações Tributárias Anotado, Áreas Editora, 2.ª edição, página 517, que as exigências do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT “devem considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício do direito de defesa, isto é, a decisão deverá conter os elementos necessários para afastar quaisquer dúvidas fundadas do arguido sobre todos os pontos do acto que o afecta (…), sendo que “é a necessidade de conhecimento daqueles elementos para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (cfr. artigo 32.º, n.º 10, da CRP) que justificam que se faça derivar da sua falta uma nulidade insuprível, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT.
A exigência legal de a decisão de fixação da coima conter os elementos assinalados na alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, para além de visar dar ao arguido todos os elementos necessários à sua defesa, assume uma outra finalidade o de assegurar que, no momento de decidir a entidade administrativa, esteja na posse de todos os elementos relevantes para aplicar e fixar a coima.
A exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa ponderação, ínsita na necessidade de racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da sua atuação, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada.
No caso sub judice, na decisão de aplicação de coima, relativa às infrações de IRS, no que concerne à norma punitiva indica em todas as infrações o art.º 114.º n.º 2 e 4 e 26.º n.º 4 do RGIT, nas do IVA indica o art.º 114.º n.º 2 e 26.º n.º 4 do RGIT referindo a não entrega da prestação tributária que, embora não deduzida, o devesse ser nos termos da lei e falta de entrega de prestação tributária dentro do prazo, respetivamente.
Como supra se disse o artigo 114.º, n. 1 e 2 do RGIT, estabelece a graduação da coima no caso de não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.
Por sua vez, o nº 2 prevê redução da mesma, no caso de ser imputável a título de negligência.
Como se pode verificar, no caso dos autos, a decisão administrativa de aplicação da coima que se limita a indicar, no caso do IRS, como normas violadas as constantes do artigo 99.º n.º1 do CIRS e punitivas os artigo 114.º, n.º 1 e 2 e 26.º, n.º 4 do RGIT e no IVA o art.º 27.º, n.º 1 e do artigo 41.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA e como normas punitivas as dos artigos 114.º, n.º 2 e do artigo 26.º, n.º 4 do RGIT omitido qualquer referência ao artigo 114.º, n.º 5, alínea a), do RGIT, ou outra alíneas não cumpre as exigências do artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, pondo em causa os direitos de defesa do arguido.
Se as normas que enquadram as condutas consideradas ilícitas não são corretamente referenciadas ou são omitidas, fica desta forma impossibilitado o arguido de dirigir a sua defesa contra tais preceitos (cfr. Acórdão do STA, de 16.05.2012, proferido no âmbito do processo n.º 0160/12.)
Nesta conformidade, as normas punitivas indicadas na decisão de aplicação de coimas de IRS e IVA, não são suficientes, não se cumprindo o disposto no art.º 79.º n. º1 alínea b) do RGIT.
Destarte a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, o que impõe a sua revogação neste segmento decisório.

Aqui chegados importa ainda referir que os Tribunais Superiores têm vindo a entender, que “decretada em processo judicial de contraordenação a nulidade insuprível da decisão administrativa de aplicação da coima, há lugar à baixa dos autos à autoridade tributária que aplicou a coima para eventual renovação do ato sancionatório. “(Cfr acórdãos do TCAN 1507/02, 1747/03, 531/04, 204/07, 411/07, e 754/07, de 06.11.2002, 18.02.2004, 22.09.2004,11.04.2007 e 31.10.2007, respetivamente).
Destarte, após baixa dos autos ao tribunal recorrido, deverá este remeter os mesmos à Autoridade Tributária que aplicou a coima, no sentido de eventual renovação do ato sancionatório.

4.3. A Recorrente nas suas conclusões Q) a U) refere que a par da aplicação das 48 coimas por falta de retenção na fonte de IRS a decisão administrativa aplicou ainda mais 4 coimas à Arguida, uma por cada ano (2011 a 2014), pela prática de omissões e inexatidões nas declarações de rendimentos pagos e retenções apresentadas à Autoridade Tributária (art. 119°, n° 1, al. c) do CIRS), infração prevista e punida pelo art. 119°, nos 1 e 2 do RGIT.
A este respeito, invocou na impugnação judicial que, caso viesse a ser considerado aplicável à situação da falta de retenção na fonte supra descrita o tipo legal previsto no art.º 114°, n° 4 do RGIT, por força da teoria da consumpção este tipo legal consumiria o previsto no art. 119°, n°s 1 e 2 do RGIT.
Alega que comparando os bens jurídicos que se destinam a ser protegidos com a previsão dos tipos legais em causa e analisando a situação em concreto, a norma do art. 119°, n° 1 do RGIT pune o pôr-se em perigo a lesão do bem jurídico cuja lesão efetiva ocorre com o preenchimento do tipo legal previsto no art. 114°, n° 4 do RGIT.
Entende que por essa razão, a punição das omissões e inexatidões nas declarações de retenções na fonte a que se refere o art. 119°, n° 1 do RGIT fica prejudicada se e quando, por força dessa omissão ou inexatidão, venha efetivamente a preencher-se o tipo legal previsto no art.º 114°, n° 4 do RGIT, por falta de efetiva retenção na fonte sobre rendimentos e, consequentemente, falta de entrega dessa quantia ao Estado.
No caso em apreço, como a retenção na fonte de IRS não foi efetuada, não foi mencionada na declaração de retenções mensalmente entregue ao Estado nem, consequentemente, foi paga a correspondente prestação tributária, pelo que, a falta de entrega da retenção consome, neste caso, a omissão dessa retenção na declaração entregue ao Estado a este respeito.
Vejamos.
A sentença recorrida entendeu que se tratavam de infrações distintas, não existindo qualquer consumpção entre elas.
Constam das infrações n.º 205 a 208 a seguinte menção: “Norma infringida: CIRS- Art.º119.º 1 alínea c) do CIRS – Omissões ou inexatidões praticadas nas Dec.de Rendimen. Pagos, retenções de impostos, contrib. obrigatórias quotizações sindicais.”
E na “Norma Punitiva: RGIT - Art.º 119 n.º 2 e 4 e 26.º n.º 4 do RGIT- Omissões ou inexatidões praticadas nas declarações ou noutros documentos fiscalmente relevantes.”
Porém nas restantes infrações de IRS, como supra se referiu, consta “Norma infringida: CIRS- Art.º 99 n.º 1 do CIRS – Não retenção ou retenção insuficiente de imposto sobre rendimentos das categorias A) H).
E na “Norma Punitiva: RGIT - Art.º 114 n.º 2 e 4 e 26.º n.º 4 do RGIT- Não entrega da prestação tributária que, embora não deduzida, o devesse ser nos termos da lei. “
O n.º 1 do art.º 119 .º 1 do RGIT prevê que: “ As omissões ou inexatidões relativas à situação tributária que não constituam fraude fiscal nem contraordenação prevista no artigo anterior, praticadas nas declarações bem como nos documentos comprovativos dos factos, valores ou situações delas constantes, incluindo as praticadas nos livros de contabilidade e escrituração, nos documentos de transporte ou outros que legalmente os possam substituir, comunicações, guias, registos, ainda que em formato digital, ou noutros documentos fiscalmente relevantes que devam ser mantidos, apresentados ou exibidos, são puníveis com coima de € 375 a € 22 500.
E como supra se referiu o n.º 1 do art.º 114.º dispõe que: “A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.
O n.º 4 prevê queAs coimas previstas nos números anteriores são também aplicáveis em qualquer caso de não entrega, dolosa ou negligente, da prestação tributária que, embora não tenha sido deduzida, o devesse ser nos termos da lei. “
Antes demais refira-se que a Recorrente traz à colação o n. º4 do art.º 114. º do RGIT, no entanto, não foram aplicadas coimas com base nesse normativo logo só por aí caia a pretensão da Recorrente.
No entanto, e como resulta do supra decidido, o n.1.º e 2.º e o n.º 4 do art.º 114.º remete-nos para as várias alíneas do n.º 5 onde se refere à falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em fatura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em fatura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou retificação sem observância dos termos legais (alínea a). E não se reportando às omissões ou inexatidões praticadas nas declarações ou noutros documentos fiscalmente relevantes.
Independentemente da proximidade que exista entre os bens jurídicos protegidos pelos tipos em causa, o tipo de infração e os bens jurídicos que se pretendem acautelar são diferentes. O art.º 119 n.º 1 reporta-se às omissões e da situação tributária do sujeito passivo inexatidões e o art.º 114.º a não retenção ou retenção insuficiente de imposto sobre rendimentos das categorias A) H).
Nesta conformidade, da conjugação dos art.ºs 114.º e 119.º do RGIT não se verifica a consumpção entre elas pelo que improcede a pretensão da Recorrente.

4.4. Por fim a Recorrente nas suas conclusões DD) a XX) relativamente ao IRS, IVA e IRC alega que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando julgou inexistir infração continuada.
Face à questão supra decidida da verificação de nulidade insuprível a questão da infração continuada fica prejudicada.
No entanto sempre se dirá que vem sendo entendimento do Supremo Tribunal Administrativo que o atual regime de cúmulo material das sanções nas contraordenações tributárias não é incompatível com a prática de infrações sob forma continuada, na medida em que aquele pressupõe o concurso real de infrações, como resulta da expressão “em concurso” constante da previsão do preceito (art.º 25.º RGIT, redação da Lei n.º 55-A/2010, 31 dezembro) Cfr. acórdão do STA 1253/16 de 05.07.2017 e 1302/16 de 31.05.2017.
Baixando os autos, para eventual renovação da decisão a Administração Fiscal fica em condições de verificar, prima facie, se estão ou não preenchidos os pressupostos legais da infração continuada e daí retirar as necessárias consequências, sendo esse o caso, ou, não sendo, e verificando haver in casu um efetivo concurso de contraordenações, proceder à respetiva punição através da aplicação de uma coima única, resultante do cúmulo material das sanções aplicadas às várias contraordenações em concurso, como prescreve o artigo 25.º do RGIT.
Por fim uma última nota, a Recorrente foi condenada, para além de IRS, IVA e IRC, em coimas derivadas de infrações ao Código do Imposto Único de Circulação, (CIUC), as quais não foram impugnadas pelo que as decisões de aplicação de coima transitaram em julgado.

4. 5.E assim, formulamos as seguintes conclusões/sumário:

I. O artigo 79.º, n.º 1, do RGIT exige que a decisão de aplicação da coima contenha ou observe determinados requisitos, entre os quais, a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas. O objetivo de tal exigência prende-se com assegurar aos arguidos a possibilidade do exercício efetivo dos seus direitos de defesa, o que só poderá ser conseguido se o mesmo tiver conhecimento efetivo dos factos que lhe são imputados e das normas legais em que se enquadram.
II. A decisão administrativa de aplicação da coima que se limita a indicar, no caso do IRS, como normas violadas as constantes do artigo 99.º n.º1 do CIRS e punitivas os artigo 114.º, n.º 1 e 2 e 26.º, n.º 4 do RGIT e no IVA o art.º 27.º, n.º 1 e do artigo 41.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA e como normas punitivas as dos artigos 114.º, n.º 2 e do artigo 26.º, n.º 4 do RGIT omitido qualquer referência ao artigo 114.º, n.º 5, alínea a), do RGIT, ou outra alíneas não cumpre as exigências do artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, pondo em causa os direitos de defesa do arguido..

5. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, anulando-se a decisão de fixação da coima, e todo o processado a subsequente, por enfermar de nulidade insuprível, incluindo a decisão recorrida, nos segmentos supra referidos, devendo o processo baixar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, para que este o remeta à Autoridade Tributária que aplicou a coima, com vista a eventual renovação do ato sancionatório.
*
Sem custas, por delas estar isenta o Ministério Público.

Porto 5 de novembro de 2020.


Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes