Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01751/13.5BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/14/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:CONVENÇÃO SOBRE DUPLA TRIBUTAÇÃO, PROVA DA RESIDÊNCIA, REVISÃO OFICIOSA.
Sumário:1 - A distribuição de dividendos por parte de uma sociedade nacional, que age como substituto legal, e da qual o ora Recorrente (residente em Espanha) era sócio rege-se pela aplicação das regras de liquidação de dividendos pagos por entidades residentes se aquele não fez a prova da residência. De acordo com tais regras, os dividendos estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, através da aplicação da taxa liberatória prevista, à data dos factos no art. 71º, nº 3, al. c) o CIRS, ou seja, da taxa de 20%.

2 – Se o recorrente comprova a sua residência em Espanha mediante a apresentação do competente certificado está em condições de usufruir do previsto art. 10º, nº 2, al. b) da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e a Evasão Fiscal celebrada entre Portugal e Espanha, ou seja, da aplicação da taxa de 15% em detrimento da anteriormente aplicada de 20%.

3 - A revisão oficiosa a que alude o art. 78º da LGT, no caso sobre que nos debruçamos, é a derradeira forma que o contribuinte tem para alcançar a correcção da situação vertida nos autos, ou seja, comprovada que está a situação da residência do Recorrente em Espanha e porque ainda está em tempo (4 anos – art. 78º, nº 1 da LGT) ele tem direito a que lhe seja liquidado o imposto à taxa de 15%, tal como prevê a Convenção sobre a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha.
A revisão constitui um meio administrativo de correcção de erros de actos de liquidação de tributos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1 – RELATÓRIO

J., melhor identificado nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo TAF do Braga em 19/04/2017, que julgou improcedente a impugnação que deduziu no seguimento da decisão de improcedência do recurso hierárquico que interpôs do pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS do ano de 2008, deduzir o presente recurso, formulando para o efeito, as seguintes conclusões:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
Cfr. fls. SITAF
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A entidade Recorrida não contra alegou.
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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Norte, foi dada vista ao Exmo. Procurador Geral-Adjunto que emitiu o parecer no sentido do recurso não merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais (art. 657º, nº 4 do CPC) vem o processo à Conferência para julgamento.
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2. QUESTÕES A DECIDIR:
A única questão a apreciar e decidir cinge-se a saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao entender que não se verificam os pressupostos para a promoção do pedido de revisão (art. 78º da LGT), em virtude do certificado de residência do Recorrente ter sido exibido após a data limite de pagamento do imposto retido em violação do disposto no art. 18º, nº 5 do DL 42/91, de 22/01.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. De facto
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
Cfr. fls. SITAF
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4 – O DIREITO
Estabilizada a factualidade há que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
O Recorrente após o indeferimento sucessivo do pedido de revisão e do recurso hierárquico, deduziu impugnação judicial contra aquelas decisões visando o excesso de retenção de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) que considera ter sido efectuado aquando lhe foram pagos os dividendos por uma sociedade residente em território português, por ter sido aplicada a taxa liberatória de 20% prevista no Código do IRS (CIRS), ao invés da taxa prevista na Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha (15%), que seria a aplicável, uma vez que o ora Recorrente é residente neste último país.
Como bem se percebe da leitura das peças processuais que fazem este recurso, bem como da sentença recorrida, o Recorrente discorda da sentença que foi proferida no tribunal a quo por entender que a mesma padece de erro de julgamento de direito na interpretação que fez quer da norma prevista no art. 78º da LGT, no tange à possibilidade de efectuar o pedido de revisão, quer da norma do art. 18º, nº 5 do DL 42/91, de 22/01.
Assim, começa o Recorrente por alegar que o tribunal a quo entendeu que por ter apresentado o certificado de residência espanhola após o prazo de entrega, preceituado no art. 18º, nº 5 do DL nº 42/91, de 22/01, de imposto retido na fonte pela I. não se verifica o erro previsto no nº 1 do art. 78º da LGT, impossibilitando a revisão do acto tributário, levando, desse modo, a não se ter verificado erro na aplicação da taxa de retenção aplicada de 20%, e que tal entendimento é desprovido de enquadramento legal, indo, inclusivamente, contra a jurisprudência firme dos Tribunais Administrativos e Fiscais (conclusão 2, 3 e 9 do recurso).
Donde, pelo exposto resulta evidente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar não existir erro que levasse ao prosseguimento do pedido de revisão oficiosa (conclusão 16 do recurso).
Mais defende, que a decisão ora escrutinada ao balizar a possibilidade de existência de erro imputável aos serviços ao período em que o imposto retido deveria ser entregue pelo substituto tributário, invocando para tal o disposto no nº 5 do art. 18º do DL nº 42/91, de 22/01, incorreu, novamente, em erro de julgamento, nomeadamente, ao fazer uma errada interpretação das normas aplicáveis. Porquanto, não obstante na data da entrega do imposto retido o Recorrente não ter entregue à I. o seu certificado de residência tal não altera o facto de que o mesmo residia em Espanha. (conclusão 18 e 19 do recurso).
Por último, considera o Recorrente que tal não belisca o facto da taxa de retenção que lhe foi aplicada ter sido excessiva e não se pode limitar a possibilidade dessa situação ao prazo de pagamento do imposto nos cofres do Estado, porquanto houve um erro notório quanto aos pressupostos de facto na retenção efectuada ao Recorrente (conclusão 20 do recurso).
Vejamos.
No caso sobre que nos debruçamos a retenção na fonte resultou da distribuição de dividendos por parte de uma sociedade (I.) da qual o ora Recorrente era sócio.
A I. face aos dividendos distribuídos reteve imposto na fonte através da aplicação das regras de liquidação de dividendos pagos por entidades residentes.
De acordo com tais regras, os dividendos estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, através da aplicação da taxa liberatória prevista, à data dos factos no art. 71º, nº 3, al. c) o CIRS, ou seja, da taxa de 20%.
Atentemos ao que diz aquele artigo, na redacção ao tempo em vigor:
1 – Estão sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, os rendimentos obtidos em território português constantes dos números seguintes e, bem assim, os rendimentos mencionados na alínea b) do nº 2, do artigo 101º, às taxas liberatórias neles previstas.
2 - (…)
3- São tributados à taxa de 20%:
a) (…)
b) (…)
c) Os rendimentos a que se referem as alíneas h), i), l) e q) do nº 2 e nº 3 do artigo 5º (…)
Por seu turno o art. 101º, nº 2 sob a epigrafe ”Retenção sobre Rendimentos de Outras Categorias”, dispunha que: “Tratando-se de rendimentos sujeitos a tributação na fonte pelas taxas previstas no art. 71º:
a) As entidades devedoras dos rendimentos deduzirão a importância correspondente às taxas nele fixadas”.
No caso em apreço, estamos perante uma retenção na fonte a título definitivo efectuada não pelo titular dos rendimentos, mas por uma pessoa diferente do contribuinte, que fica incumbida do cumprimento de todas as obrigações legais, desonerando o sujeito passivo titular dos rendimentos. Falámos, aqui, da figura do substituto tributário que assume em exclusivo a obrigação principal de entregar o imposto, bem como de todas as obrigações acessórias do sujeito passivo originário.
Esta figura mostra-se prevista no art. 20º da LGT, que dispõe da seguinte forma:
1- A substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte.
2- A substituição tributária é efectivada através de mecanismos de retenção na fonte do imposto devido”. Por último, também o CIRS se debruça sobre a figura do substituto tributário para referir que “Quando através da substituição tributária, este Código exigir o pagamento total ou parcial do IRS a pessoa diversa daquela em relação à qual se verificam os respectivos pressupostos, considera-se a substituta, para todos os efeitos legais, como devedor principal do imposto, ressalvando o disposto no art. 103º
O art. 103º do CIRS dispõe no seu nº 1 queEm caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído desobrigado de qualquer responsabilidade no seu pagamento, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”.
Assim, era à I., na qualidade de substituto, que competia reter o imposto legalmente devido e entregá-lo ao Estado, em nome do aqui Recorrente, como efectivamente o fez.
In casu, o substituto tributário procedeu à retenção do imposto à taxa 20%, segundo os preceitos legais nacionais vigentes tempo – art. 71º, nº 3, al. c) do CIRS, para o entregar nos cofres do Estado, desonerando, dessa forma, o Recorrente da obrigação, e fê-lo nesses moldes porque o Recorrente não exibiu atempadamente o certificado de residência em Espanha para que pudesse usufruir da taxa de imposto de 15% prevista na CDT entre Portugal e Espanha.
Todavia, em sede do pedido de revisão e, posteriormente, no recurso hierárquico que intentou, o Recorrente defende que lhe deveria ter sido aplicada apenas a taxa de 15% de acordo com o art. 10º, nº 2, al. b) da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e a Evasão Fiscal celebrada entre Portugal e Espanha, uma vez que comprovou, nessa sede, a sua residência em Espanha mediante a apresentação do aventado certificado.
O art. 10º supra referido dispunha da seguinte maneira:
Artigo 10.º
Dividendos
1 - Os dividendos pagos por uma sociedade residente de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado.
2 - Esses dividendos podem, no entanto, ser igualmente tributados no Estado Contratante de que é residente a sociedade que paga os dividendos e de acordo com a legislação desse Estado, mas se a pessoa que recebe os dividendos for o seu beneficiário efectivo, o imposto assim estabelecido não poderá exceder:
a) 10% do montante bruto dos dividendos, se o beneficiário efectivo for uma sociedade que detenha, directamente, pelo menos 25% do capital da sociedade que paga os dividendos;
b) 15% do montante bruto dos dividendos, nos restantes casos.
(…)”
No entanto, o previsto na CDT, dependia do cumprimento prévio de determinados pressupostos estipulados no DL nº 42/91, de 22 de Janeiro (entretanto revogado pela alínea f) do art. 16º da Lei nº 82/E2014, de 31 de Dezembro), que estabelecia o regime jurídico de retenção na fonte de IRS.
O Capitulo IV daquele diploma disciplina as retenções na fonte sobre os rendimentos abrangidos por convenções internacionais, definindo no art. 18º que: “1 - Não existe obrigação de efectuar a retenção na fonte de IRS, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no artigo 71.º do Código do IRS quando, por força de uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada por Portugal, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por um residente do outro Estado contratante não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
2 - Nas situações referidas no número anterior, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova, perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, da verificação dos pressupostos legais que resultem de convenção destinada a evitar a dupla tributação, consistindo na apresentação de um formulário de modelo aprovado por despacho do Ministro das Finanças, certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência.
3 - A prova referida no número anterior deve ser efectuada até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis.
4 - O formulário a que se refere o n.º 2, devidamente certificado, tem a validade de um ano, contado a partir da data de certificação por parte da autoridade competente do Estado de residência da entidade beneficiária dos rendimentos, devendo esta informar imediatamente a entidade que se encontra obrigada a proceder à retenção na fonte das alterações verificadas nos pressupostos de que depende a dispensa total ou parcial de retenção na fonte.
5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei.
6 - Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional, a responsabilidade estabelecida no número anterior pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento a que se refere o n.º 2 do presente artigo a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção.
7 - Os beneficiários dos rendimentos, que verificam as condições referidas no n.º 1, podem solicitar o reembolso total ou parcial do imposto que tenha sido retido na fonte, no prazo de dois anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto gerador do imposto, mediante a apresentação de um formulário de modelo aprovado pelo Ministro das Finanças e, quando necessário, de outros elementos que permitam aferir a legitimidade do reembolso.».
Deste preceito resulta que, incumbe aos beneficiários dos rendimentos fazer a prova junto da entidade que se encontra obrigada a fazer a retenção na fonte da verificação dos pressupostos que resultem da convenção sobre dupla tributação, através da apresentação do competente formulário modelo acompanhado do certificado de residência emitido pelas autoridades competentes. A prova deve ser exibida até ao termo do prazo exigido para entrega do imposto. Não sendo efectuada tal prova, o substituto tributário fica obrigado a efectuar a retenção na fonte e a entregar ao Estado o imposto devido de acordo com a lei nacional. Todavia, o beneficiário dispõe ainda de 2 anos para solicitar o reembolso total ou parcial (nº 7 do diploma) mediante a apresentação da prova de residência que antes não fez.
Este era o regime especialmente previsto pelo DL nº 42/91, de 22 de Janeiro, para solicitar o reembolso total ou parcial do imposto.
Todavia, no caso sobre que nos debruçamos o Recorrente em requerimento que dirigiu Direcção de Serviços de Relações Internacionais, em 28/12/2012, solicitou ao abrigo do art. 78º da LGT, a revisão oficiosa do acto de retenção na fonte de IRS, invocando a aplicação da CDT celebrada entre Portugal e Espanha, que prevê a aplicação de uma taxa de 15%, instruindo o seu pedido de revisão com o formulário modelo 23 RFI (pedido de reembolso do imposto português sobre royalties, dividendos e juros) certificado pelas autoridades fiscais espanholas.
Tal pedido de revisão, como resulta da factualidade assente, foi recusado, assim como o recurso hierárquico intentado dessa recusa foi também indeferido, o que deu origem à impugnação que veio a ser indeferida e cujas decisões são o cerne deste recurso.
Ora, a sentença recorrida, analisando a questão relativa à possibilidade de utilizar ou não o pedido de revisão oficiosa para este efeito, decidiu que “Assim, é de concluir, no caso dos autos, que o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do acto de liquidação não impedia o impugnante de pedir a revisão oficiosa nos termos do nº 1 do artigo 78º da LGT”, ou seja, considerou que era viável ao Recorrente requerer para o efeito o pedido de revisão oficiosa nos moldes previstos no art. 78º da LGT.
No entanto, analisando os pressupostos para a verificação de “erro imputável aos serviços” a sentença recorrida concluiu que estes não se verificam e para o fazer engendra o seguinte discurso fundamentador: “ O acto de retenção na fonte não foi praticado pela Administração Tributária, mas sim por uma entidade particular – a sociedade que distribuiu os dividendos -, na qualidade de substituto tributário.
O substituto tributário é sujeito passivo do tributo que retém, como resulta do preceituado no nº 3 do art. 18º da LGT, pelo que o acto de retenção na fonte, consubstanciado numa liquidação efectuada por um sujeito passivo do imposto, deverá ser considerado como um acto de autoliquidação, designadamente para efeitos do disposto no nº 2 do art. 78º da LGT, em que se estabelece que «considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação».
Porém, para que seja viável a revisão do acto tributário é necessário que se demonstre que houve erro no acto de retenção (compreendendo-se aqui quer o erro sobre os pressupostos de facto, quer o erro sobre os pressupostos de direito).
Conforme resulta dos factos provados, no ano de 2008, a sociedade “I. – Linhas de Transmissão e Propulsão, Lda.” pagou a impugnante, a título de dividendos, o montante de €274.977,41.
Ora, como salienta a fazenda pública, á data do pagamento ao impugnante dos referidos dividendos, o mesmo não fez a prova junto do substituto tributário (a sociedade I.) através do meio próprio a que alude o nº 2 do art. 18º do DL nº 42/91, de 22/01 (que estabelecia o regime jurídico de retenção na fonte de IRS), e no prazo a que alude o nº 3 da mesma norma legal, de que estaria em condições de beneficiar do disposto na alínea b) do nº 2 do art. 10º da Convenção celebrada entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Imposto Sobre o Rendimento (…).
Determina o nº 5 do artigo 18º do citado DL nº 42/91, de 22/01, aditado pela Lei nº 67-A/2007, de 31/12, que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para entrega do imposto, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei”
Em obediência ao determinado na norma legal antes transcrita, o valor do IRS retido na fonte, na situação em apreço, em que não foi efectuada a prova a que alude o nº 2 do artigo 18º do citado DL nº 42/91, de 22/01, foi calculado pelo substituto tributário de acordo com o disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 71º do CIRS, na redacção dada pelo DL 192/2005, de 07/11, em conjugação com o disposto na alínea h) do nº 2 do artigo 5º do CIRS.
Isto é, foi aplicada a taxa liberatória de 20% prevista no nº 3 do art. 71º do CIRS, ao montante de €274.977,41, de dividendos distribuídos, tendo o substituto tributário apurado o montante de (€277.977,41x20%) €54.995,48 de imposto retido na fonte, e tendo o substituto tributário retido na fonte e entregue ao impugnante o montante de (€274.977,41-€54.995,48) €219.981,93 a título de dividendos.
Conclui-se assim que, se não foi apresentado o necessário formulário até ao termo do prazo estabelecido para entrega do imposto, não se verificam os pressupostos de que as normas citadas fazem dispensar a dispensa parcial da retenção, pelo que a sua efectivação sem considerar essa dispensa parcial não enferma de qualquer erro de facto ou de direito.
Na ausência de erro, não pode haver lugar a revisão oficiosa nos termos pretendidos pelo Impugnante, pelo que a liquidação de IRS referente à retenção na fonte em crise nos autos deve ser mantida na ordem jurídica”
Ora, é com este juízo de valor formulado na sentença recorrida que o Recorrente não se conforme por entender que o mesmo opõe-se à firme jurisprudência do STA acerca desta matéria e como tal que incorre em manifesto erro de julgamento de direito.
Desde já podemos adiantar que assiste razão ao Recorrente.
A revisão oficiosa a que alude o art. 78º da LGT, no caso sobre que nos debruçamos, é a derradeira forma que o contribuinte tem para alcançar a correcção da situação vertida nos autos, ou seja, comprovada que está a situação da residência do Recorrente em Espanha e porque ainda está em tempo (4 anos – art. 78º, nº 1 da LGT) ele tem direito a que lhe seja liquidado o imposto à taxa de 15%, tal como prevê a Convenção sobre a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha.
A revisão constitui um meio administrativo de correcção de erros de actos de liquidação de tributos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração.
A revisão pode ser desencadeada por iniciativa do contribuinte ou da administração tributária. Sendo certo que a Administração Tributária tem o dever de concretizar a revisão de actos tributários, a favor do contribuinte, quando detectar uma situação desse tipo por sua iniciativa ou do contribuinte, a obrigação existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266º, nº 2 da CRP e 55º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido face à lei Neste sentido cfr. Acd. do STA de 11/05/2015, proferido no processo 319/05..
Há um reconhecimento no âmbito do direito tributário do dever de revogar actos ilegais Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª Edição 2012, Diogo leite campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa, pag.704, direito esse que tem sido sistematicamente defendido pela doutrina Cfr. a título de exemplo Robin de Andrade, in: A Revogação dos Actos Administrativos, 2ª Edição, pag. 255-268; Freitas do Amaral, in: Curso de Direito Administrativo, Vol. II, pag. 463-465..
Trata-se de um regime reforçadamente garantístico, quando comparado com o regime de impugnação de actos administrativos, e que encontra explicação na natureza fortemente agressiva dos actos de liquidação de tributos para a esfera jurídica dos contribuintes.
E embora o conceito de “erro imputável aos serviços” aludido na 2ª parte do n.º 1 do art. 78.º da LGT não compreenda todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, estes abrangem não só o erro material e o erro de facto, como, também, o erro de direito ou erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro - Cfr. acerca desta matéria a jurisprudência consolidada no STA e que se encontra plasmada, entre outros, nos Acórdãos de 06/02/2002, no Proc. n.º 26.690; de 05/06/2002, no Proc. n.º 392/02; de 12/12/2001, no Proc. n.º 26.233; de 16/01/2002, no Proc. n.º 26.391; de 30/01/2002, no Proc. n.º 26231; de 12/11/2009, no Proc. n.º 681/09; de 22/03/2011, no Proc. n.º 1009/10; de 14/06/2012, no Proc. n.º 842/11; e de 14/03/2012, no Proc. n.º 1007/11.
In casu, o imposto foi liquidado pelo substituto legal à taxa de 20%, segundo os ditames legais portugueses, porquanto o Recorrente em tempo oportuno não efectuou, junto do substituto legal, a prova da sua residência em Espanha, todavia, no prazo de revisão previsto no artigo 78º da LGT, o Recorrente veio a comprovar a residência em Espanha e, consequentemente, a condição para poder usufruir do previsto na Convenção Sobre Dupla Tributação entre Portugal e Espanha, ou seja, da aplicação da taxa de imposto de 15%.
Assim, mesmo depois do decurso do prazo especial previsto no DL nº 42/91, de 22 de Janeiro, assiste ao Recorrente/contribuinte a possibilidade e o direito de pedir a revisão do acto tributário ao abrigo do disposto no art. 78º da LGT e a Administração Tributária tem o dever de efectuar a revisão desse acto e revogar os actos de liquidação de tributos que sejam ilegais, sempre que constate que houve, de facto, uma situação de cobrança ilegal de tributos, corrigindo oficiosamente a situação.
Somente desta forma se podem corrigir os erros de liquidações que tenham, como é o caso, conduzido à arrecadação de quantias e tributos que não são devidas à face da lei.
Destarte, o tribunal a quo incorre em manifesto erro de julgamento ao considerar que não existia erro que levasse ao prosseguimento do pedido de revisão oficiosa, assim como padece de erro de julgamento de direito ao balizar a possibilidade de existência de erro imputável aos serviços ao período em que o imposto retido deveria ser entregue pelo substituto tributário, nos moldes previstos no art. 18º, nº 5 do DL nº 42/91, de 22/01, não podendo a sentença manter-se na ordem jurídica determinando-se a sua revogação, com a consequente procedência da impugnação no que concerne ao excesso de retenção, devendo ser, nesse preciso montante, a retenção revogada, por violação das normas contidas na Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha
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5- DECISÃO
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença proferida e julgar procedente a impugnação no que concerne ao excesso de retenção, devendo ser, nesse preciso montante, revogada.
Custas a cargo da Recorrida.


Porto, 2020-07-14

Maria Celeste Oliveira
Cláudia Almeida
Paulo Moura