Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02042/12.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/06/2014
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Alexandra Alendouro
Descritores:ACIDENTE EM SERVIÇO (DL N.º 38523);
SITUAÇÕES DE RECIDIVA OCORRIDAS APÓS DATA DA ENTRADA EM VIGOR DO DL N.º 503/99, PRAZO DE CADUCIDADE (ARTº 24.º DO DL N.º 503/99),
INÍCIO DE CONTAGEM,
ALTA CLÍNICA OCORRIDA ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DO DL N.º 503/99, ARTIGO 297º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL;
ACÇÃO URGENTE PARA RECONHECIMENTO DE DIREITO,
ISENÇÃO DE CUSTAS (ARTº 48.º DO DL N.º 503/99)
Sumário:I- Os acidentes em serviço ocorridos antes da data da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 503/99, de 20/11 (01/05/2000) – no caso, em 21/03/1990 – regem-se pelo Decreto-lei n.º 38523, de 23/11.
II- As situações de recidiva, recaída ou agravamento decorrentes desses acidentes em serviço, ocorridas após aquela data (01/05/2000), são reguladas pela nova lei (Decreto-lei n.º 503/99) com excepção dos direitos dos sinistrados previstos nos respectivos artigos 34.º a 37.º, relativos às incapacidades permanentes da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações, por força do regime transitório previsto no artigo 56.º n.º 1 alínea c).
III- Estabelece o artigo 24.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 503/99 que no “… caso de o trabalhador se considerar em situação de recidiva, agravamento ou recaída, ocorrida no prazo de 10 anos contado da alta, deve apresentar à entidade empregadora requerimento de submissão à junta médica referida no artigo 21.º, fundamentado em parecer médico …”
IV- Na vigência do DL n.º 38523 não existia qualquer prazo (artigo 20.º, n.º 1).
V- Do disposto no artigo 297.º, n.º 1, do Código Civil retira-se o princípio de “quando a lei estabelecer um prazo pela primeira vez, esse prazo só deverá contar a partir da entrada em vigor da “lex nova””.
VI- O prazo de 10 anos estabelecido, pela 1ª vez, no Decreto-lei n.º 503/99, conta-se a partir da entrada em vigor deste diploma, nos casos em que o sinistrado requer a submissão a nova junta médica visando o reconhecimento de recidivas de acidentes verificados antes de 01/05/2000, tendo a alta ocorrido anteriormente – o que resulta da interpretação conjugada dos artigos 56.º, n.º 1, alínea c), 58º, 24.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 503/99, artigo 20.º do Decreto-lei n.º 38523 e do artigo 297.º, n.º 1 do CC.
VII- Daí que, sendo pacífico nos autos que o acidente em serviço bem como a respectiva alta clínica ocorreram em data anterior à da entrada em vigor da lei nova, tendo o sinistrado, ora Recorrente, voltado ao serviço, mostra-se irrelevante para efeitos de caducidade do pedido de recidiva/agravamento apresentado em 10.05.2011, a eventual “não comunicação formal da alta”, considerando que o prazo de 10 anos previsto no art.º 24.º, n.º 1, da lei nova, contado da respectiva entrada em vigor, já fora excedido à data da apresentação daquele pedido.
VIII- O artigo 48.º do Decreto-lei n.º 503/99 instituiu uma acção urgente e não onerosa (isenta de custas) para o interessado proponente (além de outras especificidades relativas aos respectivos prazo de propositura e contagem), a fim de facultar ao sinistrado tutela jurisdicional imediata contra actos ou omissões relativos à aplicação do referido diploma. Posto o que, estando em causa nos autos acção administrativa de reconhecimento de situação emergente do regime nele consagrado, tem de aplicar-se a referida isenção de custas. *
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:RMPL...
Recorrido 1:Ministério da Administração Interna
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial Urgente - DL n.º 503/99 - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO
RMPL, residente na Rua …, Ermesinde, interpôs recurso jurisdicional do Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel proferido no âmbito da acção administrativa especial que instaurou contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, com tramitação urgente, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 48.º do Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de Novembro [peticionando a anulação da decisão de indeferimento de pedido de recidiva/agravamento de lesão sofrida em acidente de serviço formulado pelo Autor em 10/05/2011, com consequente abertura do inerente processo de sanidade – cfr. despacho de admissão da alteração da instância proferido a fls. 117 e 118 dos autos].
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A Recorrente nas respectivas alegações formula as seguintes conclusões:
“DO ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO
1 - Os factos alegados pelo Autor nos artºs. 8º e 9º da pi - que nunca lhe foi comunicada, formalmente, a alta clínica, e que nunca lhe foi entregue o “boletim de alta” ou outro documento equiparado que preenchesse os requisitos legais – não foram contestados.
2 - Dos documentos juntos aos autos pelo Réu em 27.05.2014, não consta qualquer notificação/comunicação; pelo contrário: verifica-se que são documentos que não preenchem os requisitos legais nem estão assinados pelo sinistrado em como tomou conhecimento da alta.
3 - Dos processos de sanidade, também juntos aos autos: processo de sanidade 30/90, fls 16 e ss e processo de sanidade 97/92 fls 38 ss pode ver-se que a recidiva ocorreu em 15.09.1992, que o sinistrado esteve de baixa médica durante 105 dias, que terminaram em 29.12.1992.
4 - O sinistrado voltou ao serviço em 30.12.1992; no entanto, nos documentos supra mencionados consta como data de alta 14.04.1993.
5 - Ante o exposto, verifica-se que o Autor não tomou conhecimento da sua alta no momento do exame final, porquanto se apresentou ao serviço três meses e meio antes de tal exame. Ora, tendo a alta ocorrido em momento posterior à data de apresentação ao serviço, não decorre que o Autor tenha tomado conhecimento da alta no momento do exame médico.
6 - O tribunal a quo ao não dar como provado o alegado nos artºs 8º e 9º da pi., de que nunca foi comunicada ao Autor, formalmente, a alta clínica, nem entregue o “boletim de alta” ou outro documento equiparado que preenchesse os requisitos legais, incorreu em erro de julgamento de facto.
DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO
7 - À data da alta clínica o regime aplicável era o do DL 38.523, de 23 de novembro de 1951. No entanto, em alguns aspetos e situações, aplicava-se o regime geral constante na Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, por remissão legal aplicável à Administração Pública.
8 - Da conjugação do disposto na Base XXII, nº 2 da Lei 2127 com o artigo 35º, nº2 e nº3 do Decreto nº 360/71 de 21.08 (que regulamenta a Lei 2127) decorre que o prazo de caducidade só se inicia com a entrega ao sinistrado do boletim de alta (neste sentido, acórdão do STA de 16.07.1977 e de 21.02.78, in BTE, 2ª série, nº11/77 e n.º 3/78, respetivamente, indicado por Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, em anotação à Base XXXVIII, nº1 da Lei 2127; Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ªedição, página 152).
9 - Correspondendo a cura clínica à situação em que as lesões desapareceram totalmente ou se apresentam como insusceptíveis de modificação com terapêutica adequada (art. 7.º do Dec. n.º 360/71), não pode questionar-se que a comunicação formal da alta, através da entrega do respectivo boletim de alta, é de primordial importância, pois que tem a finalidade de dar conhecimento ao sinistrado de que está clinicamente curado e de que a partir desse momento fica habilitado a exercer os seus direitos para a hipótese de se não conformar quer com a cura clínica quer com a desvalorização que lhe foi atribuída – Ac. RC de 20.10.2005, procº 1830/05.
10 - Não tendo sido entregue ao sinistrado o ‘boletim de alta’, o prazo de caducidade também não chega a iniciar-se.
11 - É certo que o DL 38.523, de 23 de novembro de 1951, foi revogado pelo DL 503/99, de 20 de Novembro, que estabeleceu o prazo de 10 anos para requerer a reabertura do processo por recidiva/agravamento, contados da alta.
12 - A sentença de que se recorre considera que a comunicação formal da alta é irrelevante, porque o prazo de 10 anos conta-se a partir da entrada em vigor da nova lei e não da alta, pois que é pacífico que a alta ocorreu em data anterior à entrada em vigor do DL 503/99.
13 - A questão que se coloca no caso concreto, é que a alta clínica – que aconteceu, pois o sinistrado voltou ao serviço – nunca foi formalmente comunicada; logo, o prazo de 10 anos nunca chegou a iniciar-se, nem com a entrada em vigor do DL 503/99, pois que o prazo de caducidade previsto no seu artº 24º pressupõe para o seu início/existência que a alta clínica haja sido devidamente notificada/comunicada ao sinistrado, de harmonia com o que decorre do artº 20º, nºs 1 e 2, daquele mesmo diploma.
14 - Não é a entrada em vigor de uma lei que determina o início da contagem de um prazo, seja ele qual for; são os pressupostos de facto e de direito que vão determinar se um prazo, previsto numa lei, se inicia ou não. No caso em concreto, falta o mais elementar dos pressupostos para que o prazo se inicie: a comunicação formal da alta!
15 - O decurso do prazo de 10 anos dentro do qual o sinistrado podia requerer a reabertura do processo nunca chegou a iniciar-se, por nunca ter sido formalmente notificado do boletim da alta clínica – Acórdão do STA de 16.7.77 e de 21.02.78, Ac. RP de 12.09.2011, procº 516/10.0TTGDM.P1, Ac. RP de 16.10.2006, procº 0612502; RC de 20.10.2005, procº 1830/05, in www.dgsi.pt, Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, pág. 152.
16 - Pelo que, ao considerar que o prazo de caducidade se iniciou com a entrada em vigor do DL 503/99, a sentença de que se recorre incorreu em erro de julgamento de direito.
DAS CUSTAS DO PROCESSO
17 - O A. intentou a presente ação no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. Este tribunal declarou-se incompetente em razão do território e determinou a remessa dos autos para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, tendo decidido isentar o Autor de custas, nos termos do disposto no artº 48º, nº 2, do DL 503/99, de 20 de Novembro.
18 - Tal decisão transitou em julgado, não podendo ser alterada pelo Tribunal ora recorrido, devendo manter-se.
19 - De facto, tal como alegou na p.i., o Autor está isento do pagamento de custas, nos termos do supra citado dispositivo legal, cf. foi decidido nos Acs.: STA de 01.02.2011, procº 0612/10; TCAS de 18-12-2008, procº 04278/08, TCAN de 27-10-2011, procº 00722/09.0BEPNF; TCAN de 12-03-2009, procº 0318/06.4BEPRT; TCAN de 25-07-2009, procº 731/08.7BEPRT; TC Acórdão de 19-10-2010, procº 25/10, todos in www.dgsi.pt. De igual modo decidiu o TCAN, no procº 163/13.5BEAVR, não publicado, cuja cópia se junta.
Termina, requerendo que seja concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida, com as legais consequências.
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O Recorrido apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
A) O Douto Acórdão impugnado, não padece de qualquer vício que a inquine;
B) Sendo ao invés, inteiramente válido, porquanto conforme à Lei e ao Direito;
Com efeito,
C) O Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública, consagrado no Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, tem aplicação à situação em apreço;
D) O acidente de serviço que deu origem ao processo de sanidade ocorreu em data anterior a 1 de Maio de 2000;
Pelo que,
E) Atendendo ao regime transitório consagrado no predito D.L. n.º 503/99, designadamente no seu artigo 56º, que estabelece:”… “…1– O presente diploma aplica-se: (…) c) Às situações de recidiva, recaída ou agravamento decorrentes de acidentes em serviço, ocorridos antes da data referida nas alíneas anteriores (1), com excepção dos direitos previstos nos artigos 34.º a 37.º relativos às incapacidades permanentes da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações Motivo pelo qual se reitera a bondade da sentença e do acórdão que a confirma, pois, perante a factualidade apurada e face ao predito normativo legal, dúvidas parecem não existir quanto à caducidade da suspensão da pena aplicada naquele processo.”, dúvidas não restam quanto à bondade do Acórdão impugnado.
F) Tendo a contagem do prazo, para efeitos de indeferimento da reabertura do processo de sanidade, ocorrido por referência à entrada em vigor daquele regime jurídico.
Requer que o presente recurso jurisdicional seja julgado improcedente confirmando-se a sentença proferida na 1.ª instância.
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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 146.º do CPTA emitiu parecer sobre o mérito do recurso, sustentando que seja negado provimento ao mesmo.
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Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo – cf. artigo 36.º do CPTA os autos foram submetidos à Conferência para julgamento.
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lI – DEFINIÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – questões a decidir
O objecto do presente recurso jurisdicional e, em consequência, o âmbito de intervenção deste tribunal, encontra-se delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente a partir da respectiva motivação – artigos 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 3, 4 e 5 e 639.º do Código do Processo Civil (CPC) ex vi artigos 1.º e 140.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, caso existam, e do disposto no artigo 149.º do CPTA, atenta a natureza “substitutiva” dos recursos jurisdicionais.
As questões suscitadas e a decidir importam, em síntese, determinar se a decisão recorrida (i) ao não dar como provado o alegado nos artºs 8º e 9º da pi. (não contestado) – de que nunca foi comunicada ao ora Recorrente, formalmente, a alta clínica, nem entregue o “boletim de alta” ou outro documento equiparado que preenchesse os requisitos legais, incorreu em erro de julgamento de facto; (ii) ao considerar que o prazo de caducidade se iniciou com a entrada em vigor do DL 503/99, incorreu em erro de julgamento de direito; (iii) ao não isentar o Autor de custas, nos termos do disposto no artº 48º, nº 2, do DL 503/99, de 20 de Novembro incorreu em erro de julgamento de direito.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
A sentença recorrida deu como assentes, com relevância para a decisão proferida, os seguintes factos:
A) Em 21/03/1990, pelas 10h30m, o Autor quando se encontrava em missão de serviço, brigada de vigilância e repressão à criminalidade, na área da sua Esquadra, na Estação da C.P. de B..., depois de ter sido interceptado ND sofreu uma luxação do ombro direito – cfr. fls. 1 do PA n.º 30/90 apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) Em 08/06/1990 foi lavrado auto de notícia do qual se extrai que o Autor “foi vítima de um acidente de trabalho, tendo sido atingido pelo corpo de que lhe resultou distensão muscular. Os primeiros socorros foram prestados em Hosp. Stª Maria tendo sido mandado apresentar no mesmo hospital para efeitos de tratamento […]”- cfr. fls. 13 do PA (processo de sanidade n.º 30/90) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
C) No âmbito do processo de sanidade n.º 30/90 foi elaborado boletim de exame médico do qual se extrai “ conclusões o observado foi vítima acidente em serviço […] data da alta de 4/5/1990 […] data da apresentação ao serviço 5/5/1990” - cfr. fls. 15 do PA (processo de sanidade n.º 30/90) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
D) Em 25/06/1990 foi elaborado relatório do qual se extrai “do exame final consta que o Guarda L… já se encontra curado sem defeito, aleijão ou incapacitado, considerando-se apto para todo o serviço da PSP […] foi vítima ocorreu por motivo de serviço” - cfr. fls. 21 do PA (processo de sanidade n.º 30/90) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
E) No âmbito do processo de sanidade n.º 30/90, foi proferida decisão em 31/07/1990 nos seguintes termos “ficou provado no processo que o sinistrado sofreu o acidente, quando se encontrava nas suas horas normais de serviço e no desempenho da sua função. 2. A lesão sofrida provocou-lhe 45 dias de baixa com incapacidade para o trabalho, findos os quais foi considerado curado sem defeito ou aleijão e apto para todo o serviço da PSP. Arquive-se […]” ­- cfr. fls. 32 do PA (processo de sanidade n.º 30/90) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
F) No âmbito do processo de sanidade n.º 52/91, em 25/11/1991, foi elaborado relatório do qual se extrai “no dia 16/06/91 pelas 18h30m quando participava no cerco a um prédio abandonado, na Rua …, onde se acoitavam alguns suspeitos, o Guarda […] RMPL ao tentar subir a um muro existente nas traseiras daquele, sofreu uma luxação no ombro direito, necessitando de tratamento hospitalar. 2. Em consequência do ferimento, estava incapacitado para o serviço durante 90 dias, findos os quais foi considerado curado das lesões sofridas, de que lhe não resultou aleijão ou deformidade física permanente, como refere o relatório de exame de sanidade final […] 3. O Guarda L… encontrava-se no exercício das suas funções de patrulhamento […] pelo que, em minha opinião, o acidente de que foi vítima é de considerar como ocorrido em serviço” - cfr. fls. 17 do PA (processo de sanidade n.º 52/91) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
G) Do boletim de exame médico consta “data da alta 8/11/1991” “data da apresentação ao serviço 25/9/1991” - cfr. fls. 10 do PA (processo de sanidade n.º 52/91) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
H) Por despacho de 09/01/1992, o acidente a que se alude no ponto antecedente foi considerado como ocorrido em serviço - cfr. fls. 19 do PA (processo de sanidade n.º 52/91) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
I) No âmbito do processo de sanidade n.º 97/92 foi elaborado relatório nos seguintes termos: “o Guarda […] dá conhecimento que às 07h30m do dia 92/10/15 quando se encontrava a dormir no interior da sua residência, foi acometido de uma forte dor no ombro direito. 2. Ombro direito que já tinha sido sujeito a dois acidentes: o primeiro ocorrido em 90/03/21 no CD de Lisboa e o outro acontecido em 91/06/16, este já no CD do Porto, que outrossim foi considerado em serviço. 3. A partir daí estabeleceu-se uma luxação recidivante (com pequenos gastos) no mesmo ombro e que culminou no sinistro que emerge dos autos. 4. Guarda L... que já se encontra curado da lesão sofrida de que lhe não resultou aleijão ou deformidade física permanente. 5. Desta forma, como a lesão manifestamente resultou dumas outras mal curadas que foram consideradas em serviço, em minha opinião este sinistro é de considerar outrossim como ocorrido em serviço” - cfr. fls. 30 do PA (processo de sanidade n.º 97/92) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
J) Do boletim de exame médico consta “data da alta 14/04/93” - cfr. fls. 16 do PA (processo de sanidade n.º 97/92) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
K) Por despacho de 24/06/1993 foi o acidente considerado como de serviço - cfr. fls. 38 do PA (processo de sanidade n.º 97/92) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
L) Em 10/05/2011, o Autor requereu ao Sr. Director Nacional da PSP a reabertura do processo de sanidade que correu os seus trâmites no comando de Lisboa, onde ocorreu o acidente em 1990 pelo facto de no dia 04/06/2010 ter tido nova recidiva e daí ter resultado incapacidade temporária para o trabalho - cfr. fls. 2 do PA (processo de sanidade n.º 30/90) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
M) Em 27/02/2012 foi o Autor notificado do projecto de decisão de indeferimento do requerimento mencionado no ponto antecedente, nos seguintes termos “[…] por ter sido ultrapassado o prazo estabelecido pelo artigo 24.º, do Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro” [...] - cfr. fls. 5 a 11 do PA (processo de sanidade n.º 30/90) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
N) Por despacho de 16/03/2012 do Director do Gabinete de Assuntos Jurídicos foi indeferido o pedido do Autor - cfr. fls. 16 e ss do PA (processo de sanidade n.º 30/90) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
O) Em 23/04/2012 foi o Autor notificado do despacho de indeferimento - cfr. fls. 25 do PA (processo de sanidade n.º 30/90) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
P) Em 22/05/2012, o Autor recorreu hierarquicamente do despacho de indeferimento - cfr. fls. 27 do PA (processo de sanidade n.º 30/90) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Q) Na pendência da presente acção foi proferido acto expresso de indeferimento do recurso hierárquico apresentado - cfr. fls. 65 do sitaf, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
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DE DIREITO
Importa agora apreciar o objecto do presente recurso consubstanciado nas seguintes questões: erro de julgamento da matéria de facto; erro de direito; isenção de pagamento de custas.
(i) Do alegado erro de julgamento de facto
Sustenta o Recorrente que tal erro ocorre por a decisão a quo não ter dado como provado os factos que alegou nos artigos 8º e 9º da pi. – de que nunca foi comunicada ao ora Recorrente, formalmente, a alta clínica, nem entregue o “boletim de alta” ou outro documento equiparado que preenchesse os requisitos legais – os quais não foram contestados; sendo que dos documentos juntos aos autos pelo Réu em 27.05.2014, não consta qualquer notificação/comunicação, antes se verifica que são documentos que não preenchem os requisitos legais nem estão assinados pelo sinistrado em como tomou conhecimento da alta (...); pelo que o Autor não tomou conhecimento da sua alta no momento do exame final, porquanto se apresentou ao serviço três meses e meio antes de tal exame.
Diga-se já que não assiste razão ao Recorrente.
Com efeito, o tribunal, no uso de poderes que a lei lhe concede, deve seleccionar os factos que se mostrem necessários e relevantes para a decisão a proferir de acordo com o direito que vai aplicar ao caso concreto submetido à sua jurisdição, sendo inútil assentar factos sem relevo para a boa decisão da causa, bem como a prova dos factos que se possam mostrar controvertidos.
No caso, o julgador a quo expressamente referiu que “Com relevância para a prolação da decisão nos presentes autos consideram-se assentes os seguintes factos: (...)” – o que motivou na “análise crítica dos documentos juntos aos presentes autos e ao processo administrativo apenso ao mesmo que não foram objecto de impugnação” – e que “Não existem quaisquer outros factos provados ou não provados relevantes para a boa decisão da causa.
Acresce ainda o que se refere na fundamentação do Acórdão recorrido com importância para o alegado erro de julgamento de facto: “o Autor alega nos artigos 1.º a 7 da petição inicial que em cada um dos acidentes de serviço foi considerado curado sem defeito, aleijão ou incapacidade, ou seja, o Autor não questiona que a alta tenha ocorrido, mas apenas que não recebeu uma comunicação formal da mesma. Ora, se é matéria assente que a alta ocorreu, questionando o Autor apenas a existência de um comunicação formal da mesma, que é irrelevante tendo em conta que o prazo se conta a partir da data da entrada em vigor do diploma, é forçoso concluir que à data do pedido de reabertura do processo de sanidade já havia decorrido o prazo de 10 anos contados da entrada em vigor do D.L. n.º 503/99 (01/05/2000).
Assim sendo, resultando da matéria assente que o Recorrente teve alta muito antes da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 503/99 (01/05/2000), cujo regime foi aplicado pelo Tribunal a quo ao caso sub judice nos moldes supra transcritos, de nada serve considerar provada a alegada falta de comunicação formal da alta.
E com base nesses pressupostos, tem de improceder, sem mais considerados, o apontado erro de julgamento de facto.
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(ii) Do alegado erro de julgamento de direito por a decisão recorrida ter considerado que o prazo de caducidade se iniciou com a entrada em vigor do Decreto-lei 503/99.
Discorda o Recorrente da interpretação e aplicação do direito efectuado pela sentença recorrida, com argumentos já apresentados na instância a quo, sintetizados nas seguintes conclusões do presente recurso: “14 - Não é a entrada em vigor de uma lei que determina o início da contagem de um prazo, seja ele qual for; são os pressupostos de facto e de direito que vão determinar se um prazo, previsto numa lei, se inicia ou não. No caso em concreto, falta o mais elementar dos pressupostos para que o prazo se inicie: a comunicação formal da alta!”; 15- O decurso do prazo de 10 anos dentro do qual o sinistrado podia requerer a reabertura do processo nunca chegou a iniciar-se, por nunca ter sido formalmente notificado do boletim da alta clínica (...)”.
A Entidade recorrida defende o acerto da decisão recorrida por, em suma, tendo o acidente de serviço de que foi vítima o Recorrente, bem como a data da alta ocorrido há mais de 21 e 18 anos respectivamente, à data do requerimento apresentado pelo Recorrente (10.05.2011) de recidiva/agravamento de lesão sofrida no referido acidente, mostrava-se ultrapassado o prazo estabelecido pelo n.º 1 do art.º 24.º do Decreto-lei n.º 503/99 de 20/11 para se proceder à reabertura do processo – motivo que fundamentou o acto de indeferimento da pretensão do recorrente impugnado nos autos.
Vejamos.
O Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, aprovou o novo regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública prevendo-se no n.º 1 do art. 20.º que quando “… o trabalhador for considerado clinicamente curado ou as lesões ou a doença se apresentarem insusceptíveis de modificação com terapêutica adequada, o médico assistente ou a junta médica prevista no artigo 21.º, conforme os casos, dar-lhe-á alta, formalizada no boletim de acompanhamento médico, devendo o trabalhador apresentar-se ao serviço no 1.º dia útil seguinte …”.
De acordo com os n.ºs 1 e 2 do artigo 24.º respectivamente, no “… caso de o trabalhador se considerar em situação de recidiva, agravamento ou recaída, ocorrida no prazo de 10 anos contado da alta, deve apresentar à entidade empregadora requerimento de submissão à junta médica referida no artigo 21.º, fundamentado em parecer médico …” determinando o reconhecimento da recidiva, agravamento ou recaída pela junta médica a reabertura do processo, que seguirá, com as necessárias adaptações, os trâmites previstos para o acidente e confere ao trabalhador o direito à reparação prevista no artigo 4.º.
[Note-se que prazo de 10 anos estipulado pelo artigo 24.º nos moldes em que o foi visa garantir que qualquer lesão que ocorra naquele prazo possa ser eficazmente enquadrada em sede do direito à assistência e justa reparação, já que passado tal prazo e segundo as regras da experiência, as provas serão cada vez menos exactas e credíveis].
Ora, o referido diploma legal instituiu um regime transitório – artigo 56.º, n.º 1 – do qual se retira, para o que agora interessa, que se aplica “às situações de recidiva, recaída ou agravamento decorrentes de acidentes em serviço, ocorridos antes da data referida nas alíneas anteriores [1 de maio de 2000 – entrada em vigor do Decreto-lei 503/99], com excepção dos direitos previstos nos artigos 34.º a 37.º relativos às incapacidades permanentes da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações – alínea c).
Pelo que, mostrando-se assente nos autos que o acidente de serviço que deu origem ao processo de sanidade ocorreu em data anterior a 1 de maio de 2000 (21.03.1999) não é controversa a aplicabilidade do regime constante do Decreto-lei n.º 503/99 ao caso do Recorrente.
Questionável é sim a questão de saber o modo de contagem do prazo de dez anos fixado no artigo 24.º, n.º 1 – o qual não estava previsto no Decreto-lei n.º 38.523, de 23/11/51, revogado pelo Decreto-lei n.º 503/99. Isto é, importa averiguar se se deve atender à data da alta para iniciar a contagem conforme resulta do teor do artigo 24.º em questão ou se, considerando que tal prazo não existia no regime anterior, cabe atender à data da entrada em vigor do novo regime.
A este propósito já se pronunciou o Acórdão do STA de 19/12/2012, no âmbito do proc. n.º 0920/12, disponível in www.dgsi.pt no qual se refere que “nos termos do art. 297º, n.º 1, do Código Civil, tal prazo só pode contar-se a partir da entrada em vigor da «lex nova». E, como o art. 58º do DL n.º 503/99, de 20/11, diferiu o início de vigência do diploma para o «dia 1 do 6.º mês seguinte à data da sua publicação», conclui-se que o mesmo prazo de dez anos se conta desde 1/5/2000 (cfr. os acórdãos deste STA de 12/11/2009 e de 14/4/2010, proferidos, respectivamente, nos processos ns.º 837/09 e 1232/09)”, sumariando que “o prazo de dez anos previsto no art. 24º, n,º 1, do DL n.º 503/99 para o sinistrado requerer a sua submissão a nova junta médica por se considerar em situação de agravamento, recidiva ou recaída conta-se desde a data da entrada em vigor do diploma, se a alta aconteceu anteriormente”.
Também o Acórdão do STA de 14 de Abril de 2010, proferido no processo 01232/09, in www.dgsi.pt enfrentou a questão ora em discussão nos seguintes termos “…quando a lei estabelecer um prazo pela primeira vez, esse prazo só deverá contar a partir da sua entrada em vigor, como bem refere o acórdão recorrido, citando J. Baptista Machado in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 9ª ed., 1996, pág. 243. Ora, no caso dos autos, nada aponta para que tenha sido intenção do legislador afastar esse princípio, antes pelo contrário, a sua aplicação resulta da única interpretação que, levando em conta os trabalhos preparatórios e o pensamento do legislador, permite conformar a unidade do sistema jurídico e alcançar uma solução justa e adequada, contrariamente à que resultaria da contagem do prazo a partir da data da alta, da qual resultaria a fixação de um prazo e a sua simultânea extinção. Assim sendo, o prazo de 10 anos, estabelecido no artigo 24º do DL n.º 503/99, só deve começar a contar-se a partir da entrada em vigor do diploma.” (itálico nosso).
Neste seguimento, a sentença recorrida ancorando-se no teor dos referidos Acórdãos – cujos raciocínios, ponderações e decisões se acompanham – e na factualidade assente julgou correctamente, ao decidir pela improcedência da acção em causa.
Com efeito, é jurisdicionalmente pacífico que o prazo de 10 anos em causa se conta a partir da entrada em vigor da nova lei e não da data da alta clínica, se a alta aconteceu anteriormente, pelo que a tese sustentada pelo Recorrente de que não lhe tendo sido formalmente comunicada a alta, o referido prazo de 10 anos não chegou a iniciar-se, não pode proceder, por irrelevante. Sem prejuízo de contrariar a ratio do artigo 24.º em questão (fixação de um prazo não muito dilatado ou afastado da efectiva alta clínica pelas razões atrás enunciadas).
Termos em que, e como bem se refere na decisão recorrida, colhendo-se “do probatório que o acidente de serviço de que foi vítima o Autor, bem como a alta, ocorreu em data anterior à entrada em vigor do D.L. 503/99 de 20/11 (14/04/1993 corresponde à data da alta no âmbito do processo de sanidade n.º 97/92) ... o prazo de dez anos previsto no art.º 24.º, n.º 1 já fora excedido quando formulou pedido de reabertura do processo de sanidade por recidiva (contado a partir de 01/05/2000, data da entrada em vigor do D.L. n.º 503/99 com referência à data do pedido de 10/05/2011)”.
Improcede pois o suscitado erro de julgamento de direito, porquanto, e em suma, o pedido de reabertura do processo de sanidade por recidiva formulado pelo Recorrente ocorreu quando já havia decorrido o prazo de 10 anos a contar da entrada em vigor do D.L. 503/99 de 20/11.
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(iii) Da discordância da sentença recorrida no segmento em que não isentou a Autora ora Recorrente de custas, nos termos do disposto no artigo 48º, nº 2, do Decreto-lei 503/99, de 20 de Novembro
Insurge-se a Recorrente contra a não aplicação pela decisão a quo da isenção de custas prevista no artigo 48º, nº 2, do Decreto-lei 503/99, de 20 de Novembro. E assiste-lhe razão.
Senão vejamos.
Dispõe o artigo 48.º do referido diploma o seguinte:
1 - O interessado pode intentar, no prazo de um ano, nos tribunais administrativos, acção para reconhecimento do direito ou interesse legalmente protegido contra os actos ou omissões relativos à aplicação do presente diploma, que segue os termos previstos na lei de processo nos tribunais administrativos e tem carácter de urgência.
2 - Nas acções referidas no número anterior, o interessado está isento de custas, sendo representado por defensor oficioso a nomear pelo tribunal, nos termos da lei, salvo quando tiver advogado constituído. (...)”
O presente normativo instituiu, em concretização de direitos constitucionais, mormente o direito à assistência e justa reparação das vítimas de acidente de trabalho, uma acção urgente, e não onerosa (para além de outras especificidades relativas ao respectivo prazo de propositura, e respectiva contagem) a fim de facultar ao sinistrado tutela jurisdicional imediata contra actos ou omissões relativos à aplicação do presente diploma.
Posto o que, estando em causa nos autos acção administrativa relativa à aplicação deste diploma e portanto emergente do regime nele consagrado deve ser aplicada a referida isenção de custas.
Procede assim este fundamento de discordância da sentença recorrida, revogando-se a mesma nesta parte e determinando a sua reformulação no sentido de nela constar “Sem custas, uma vez que o Autor beneficia da isenção de custas previstas no n.º 2 do artigo 48.º do Decreto-lei 503/99, de 20 de Novembro” em substituição do segmento de condenação do Autor em custas.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso, e confirmar a decisão recorrida, excepto no respeitante ao segmento da condenação do recorrente em custas.
Sem custas, uma vez que o Recorrente beneficia da isenção de custas previstas no n.º 2 do artigo 48.º do Decreto-lei 503/99, de 20 de Novembro.
Notifique. DN.
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Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pela relatora (cfr. artigo 131º nº 5 do CPC ex vi artigo 1º do CPTA).
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Porto, 06 de Novembro de 2014
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: João Beato Sousa
Ass.: Luís Migueis Garcia (em substituição)

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(1) 1 de Maio de 2000 – entrada em vigor do D.L. 503/99